Acuado, o presidente manda às favas a compostura e recorre ao execrável
fisiologismo político para obstruir a abertura do inquérito que ele próprio
disse ser o terreno onde surgiriam todas as explicações. Por ser incapaz de
negar o inegável e defender o indefensável, passa ao contra-ataque, acusando
seus acusadores e inventando justificativas pouco convincentes para suas estripulias
nada republicanas. Mas essa tática nem sempre funciona, como Lula pode
atestar, se quiser, depois de se refazer do trauma de descobrir que não é Deus,
que não está fora do alcance da Justiça e que as hostes vermelhas não atearam
fogo em Curitiba no último dia 12, quando foi publicada sua primeira condenação.
É a vida que segue, cumpanhêro.
A vitória pírrica que o governo conseguiu na CCJ, além de
indecente, não resolveu o problema, somente adiou o inevitável e irritou ainda
mais a população, que está pasmada diante da imoralidade do jogo político, cujo
mais recente movimento consistiu na substituição de membros da Comissão
favoráveis à abertura do processo por outros dispostos a barrá-lo em troca de
farta distribuição de verbas ― os 40 deputados que votaram a favor do
presidente receberam mais que o dobro do valor destinado aos 25 que votaram
contra; só para o tucano Paulo Abi-Ackel, autor do relatório aprovado
pela comissão (em substituição ao do relator peemedebista Sérgio Zveiter,
favorável à investigação de Temer pelo STF), foram R$ 5,1
milhões. Segundo algumas fontes, somente no mês de junho foram torrados
quase RS 2 bilhões, a despeito de
a crise econômica e da falta de recursos para tudo ― como demonstra a absurda
suspensão da emissão de passaportes às vésperas das férias de meio de ano
(documento pelo qual, é bom lembrar, o interessado paga uma taxa de R$ 257,25).
Nem o Planalto nem a oposição conseguiram reunir 342 parlamentares para
dar início à votação em plenário, de modo que o dito fica pelo não dito até
agosto ou sabe lá Deus quando. Ao presidente interessava encerrar o assunto
antes do recesso; agora, dada a impossibilidade, interessa-lhe estender a coisa
ad kalendas græcas, torcer para ela morra sozinha e, nesse
entretempo, fazer cara de paisagem, dizer que o governo está trabalhado e,
parafraseando o próprio Michel Miguel Elias Temer Lulia, primeiro e
único, “esperar que a caravana passe”.
A estratégia é, no mínimo, arriscada. Primeiro, porque durante o recesso
os parlamentares serão pressionados por suas bases ― e os 7% de popularidade de
Temer sugerem claramente que muita gente quer vê-lo pelas costas.
Segundo, porque a possibilidade de surgirem “fatos novos” é significativa: um
bom exemplo são o esperado acordo de delação premiada de Eduardo Cunha
ou de Lúcio Funaro e as duas outras denúncias que Janot deve
apresentar até meados de setembro, quando deixa o comando da PGR. Mas o
fato é que não existe alternativa, e o que não tem remédio remediado está.
Cunha já entregou sua proposta de delação (e por isso ficou de bico calado na
última sexta-feira, quando foi levado para depor na sede da Polícia Federal em
Curitiba), mas a situação de Funaro é considerada mais "desconfortável",
e acredita-se que ele tenha mais provas concretas a fornecer do que o ex-presidente
da Câmara. Ambos estão presos desde o ano passado, e o elenco de informações que
eles têm a oferecer é basicamente o mesmo, razão pela qual a aceitação da
colaboração de um frustrará as negociações do outro. Cunha é conhecido por “faltar com a verdade” e Funaro, por sinalizar sua intenção de denunciar certos fatos e
pessoas, mas recuar em seguida. Na opinião dos investigadores, o doleiro é o
favorito para “sair do xadrez por essa porta”. Mas qualquer dos dois que venha
a delatar irá acrescentar mais um prego ao caixão de Temer ― ou uma estaca em seu coração, como é recomendável fazer
para exterminar vampiros.
Em entrevista à Rádio Gaúcha na última sexta-feira, o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Quadrilha, negou irregularidades na liberação de emendas. A despeito da grita da oposição, ninguém da base aliada viu problema algum na troca de 12 titulares da CCJ por suplentes alinhados com o governo, sem o que a derrota teria sido esmagadora. Todos os apoiadores de Temer defenderam a tese de que “as trocas são absolutamente normais no jogo político”. Só faltou alguém encaminhar ao Papa Francisco um pedido de canonização do primeiro presidente da República, em toda a história deste país, investigado por crime de corrupção no exercício do mandato. Mas acho melhor não dar ideias. Vai que alguém escuta...
Enfim, é o que temos para hoje. Vamos ver o que muda até a próxima postagem.