Marmelada é como se chama um doce (feito de
marmelo, é óbvio) do qual eu gosto muito, mas que há tempos não vejo nos
supermercados. Figurativamente, porém, o termo designa maracutaias, falcatruas,
jogos de cartas marcadas ― uma acepção que parece ter caído em desuso, mas que
foi muito popular nos anos 60, época das lutas de Telecatch ― programa
de auditório criado e transmitido pela extinta TV Excelsior, onde os
“vilões” desciam a porrada nos “mocinhos”, que, no último minuto, viravam o
jogo e “venciam” os embates de “luta-livre”.
Lembrei-me disso na noite da última quinta-feira, enquanto acompanhava a
votação do relatório do deputado Sérgio Zveiter, que foi substituído
pelo tucano Paulo Abi-Ackel, alinhado ao governo e, portanto, contrário
à abertura do inquérito contra Temer. Como se viu, depois da vergonhosa
substituição de 1/3 dos integrantes da CCJ,
o Planalto garantiu 40 votos dos 66 votos possíveis numa marmelada
absolutamente imoral, ainda que não afronte o Regimento e seja até
considerada legal (?!) ― a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia,
instada a se posicionar a propósito por não me lembro qual partido de oposição,
achou por bem não meter a mão nesse vespeiro; afinal, quem pariu Mateus que o
embale.
Tão logo o parecer favorável ao arquivamento da denúncia contra Temer
foi aprovado ― depois de horas de pronunciamentos descolados da realidade e
divorciados do tema central da discussão ―, os parlamentares se apressaram a
votar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (sem o que não poderiam entrar
em recesso), bateram as asas e voaram de Brasília, a despeito de suas
“merecidas férias” começarem somente na próxima terça-feira. Com isso, a
questão só será votada no plenário depois do recesso ― isso se e quando 2/3 dos
deputados se fizerem presentes. Nesse entretempo, o país navega sem rumo nas
águas turvas da indefinição.
Nenhum grupo político parece ser capaz de impor
sua posição sobre os demais, e a vitória artificial na CCJ, forjada,
como dito, mediante substituições de membros da própria base, descortina uma
possível derrota dos governistas no plenário, mesmo sendo necessários 342 votos
para afastar o presidente. Na verdade, nenhum dos dois lados garante o quórum
mínimo. A Câmara está claramente dividida. Temer perdeu o controle que
tinha sobre a maioria dos parlamentares ― e que lhe permitiu aprovar até mesmo
emendas constitucionais polêmicas, como o teto dos gastos. A oposição, por seu
turno, não consegue derrubá-lo, e talvez ele se arraste até o final do mandato,
mesmo sangrando durante a disputa presidencial que promete ser conturbada e
“judicializada”, notadamente depois da (primeira) condenação de Lula.
Falando no molusco, é certo que ele recorrerá da decisão. Aliás, num
pronunciamento feito para cerca de 300 aliados, puxa-sacos e baba-ovos, disse
que vai “processar a sentença” ― o que não passa de retórica e
serve unicamente para manter elevado o moral de seus vassalos, até porque a
provável condenação em segunda-instância torná-lo-á “ficha-suja” e jogará a
derradeira pá de cal no sonho de voltar à presidência da Banânia. Por outro
lado, nossa legislação oferece um vastíssimo leque de recursos e apelações que
seus advogados saberão explorar, já que até na Comissão de Direitos Humanos da ONU
eles foram chorar as mágoas.
Em entrevista concedida à rádio CBN nesta sexta-feira, o
presidente do TRF4 afirmou que a 8ª Turma deve julgar os recursos
contra a sentença proferida pelo juiz Moro (no plural, porque o MPF
também deve apelar para pedir o aumento da pena) entre maio e junho do
próximo ano ― uma estimativa mais otimista do que as que eu vinha ouvindo.
Disse ainda o desembargador que pouquíssimas decisões envolvendo processos da
Lava-Jato foram reformadas por aquele colegiado, e que, mesmo que a condenação
fosse confirmada depois das convenções partidárias, quando a candidatura do
molusco já estaria oficializada, ele seria impedido de concorrer. Mas volto a
lembrar que estamos no Brasil, e que existam “n” chicanas que sua defesa
certamente utilizará como “embargos protelatórios”.
Observação: Seria de bom alvitre que STF
se pronunciasse o quanto antes sobre uma questão que parece ter caído no esquecimento
geral: se o aquela Corte entende que réus em ações penais não podem
substituir o presidente da República interinamente ― vale lembrar o caso de
Renan Calheiros, que se tornou réu por peculato e foi afastado da linha
sucessória, embora, mercê uma decisão sui generis do Supremo, tenha preservado
o mandato de senador e o cargo de presidente do Senado e do Congresso ―, como
permitir que um réu condenado concorra à presidência da República?
Para Lula, radicalizar a campanha é a única saída, e por isso ele
continuará tentando polarizar a opinião pública. Mas essa exposição pode fragilizá-lo
(ainda mais) se e quando ele for condenado nos demais processos ― são quatro
até agora, e a tendência é de que novas denúncias contra ele sejam aceitas pela
Justiça penal ―, mesmo que não haja tempo hábil para as sentenças serem
confirmadas pelo TRF4. Embora figure
como franco-favorito nas pesquisas de opinião pública, o petralha é também o
mais rejeitado, e novas condenações reduziriam ainda mais suas supostas chances
de se eleger. Claro que a patuleia em geral e os petistas em particular não
veem isso, mas essa gente não nada que contrarie suas abiloladas convicções.
Lamentavelmente, o PSDB, com seus líderes insípidos, seus rachas
internos e sua tradicional postura de ficar “em cima do muro”, deixou de ser a
opção natural para quem não quer a volta do PT, notadamente depois que Aécio
Neves ― que quase derrotou Dilma em 2014 ― teve suas entranhas
pútridas expostas pelo mesmo moedor de carne bilionário que transformou num
inferno a vida de Michel Miguel Elias Temer Lulia. Claro que há outros
populistas de direita radical, como Jair Bolsonaro ― que reúne multidões
de apoiadores fanáticos em repúdio ao lulopetismo. Fala-se até numa possível
candidatura do (ex-ministro do STF) Joaquim
Barbosa, dos dublês de empresário e apresentador de TV Luciano Huck
e Roberto Justus, ou mesmo do (recém-eleito prefeito de Sampa) João
Dória ― que teria meu voto se mudasse de partido, e deveria mesmo fazê-lo,
pois Alckmin ainda se vê como o virtual cabeça de chapa do PSDB, e Serra (outro iludido,
além de enrolado na Lava-Jato) insiste em não ver que sua janela de oportunidade
já se fechou.
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