segunda-feira, 2 de julho de 2018

BATATAS, FRETES E AUXÍLIO MORADIA



Como dizia Mario Henrique Simonsen, “é uma regra latino-americana achar que uma política errada deve ser tentada indefinidamente até dar certo”.

Imaginem o seguinte: um ministro do Supremo Tribunal Federal convoca produtores, atacadistas, comerciantes e consumidores — todos devidamente representados por suas associações —, mais funcionários do governo federal, para fixar o preço das batatas em todo o Brasil. Não um preço qualquer, mas um que seja “bom” para todas as partes.

Ridículo, não é mesmo? Como é que fariam uma tentativa a sério — patrocinada pelo STF! — de buscar um objetivo impossível? Seria o Supremo organizando um cartel, uma grave violação à lei da livre concorrência. Um produtor que quisesse vender sua batata com desconto estaria cometendo uma ilegalidade.

Pois substituam batata por frete rodoviário — e teremos exatamente o que está acontecendo. O ministro Luiz Fux consulta associações de caminhoneiros e do agronegócio, mais membros do governo e da Procuradoria-Geral da República — a primeira reunião foi no dia 21 — para tabelar o preço do frete rodoviário.

Ou seja, está-se organizando um cartel — o que já é ilegal e um baita equívoco econômico e político. Mas é também um cartel duplamente injusto, pois deixa de fora muita gente interessada, a começar pelos consumidores brasileiros, que pagarão os preços dos produtos transportados.

Dirão, assim pelo óbvio: fretes não são batatas; um serviço não pode ser misturado com um tubérculo. Mas a questão do preço é a mesma. Ou é livre mercado ou é tabelado. Nos dois casos, o tabelamento, ilegal, causaria graves desequilíbrios econômicos.

Considerem o frete. Como um grupo organizado pelo STF pode saber qual o preço do quilômetro rodado em todas as estradas deste país? E mais: para os variados tipos de caminhão e diferentes cargas e viagens? Assim, qualquer preço tabelado estará errado, caro para uns, barato para outros, fonte de lucro aqui, prejuízo ali.

Claro que as partes tentarão passar os custos adiante. Se o frete da batata da fazenda até o supermercado ficar muito caro, para lucro dos transportadores, os produtores e comerciantes tentarão repassar para o varejo, que não terá alternativa senão tentar repassar para o consumidor ou simplesmente não comprar, se desconfiar que o consumidor não irá pagar. Isso dá ou inflação, ou desabastecimento, ou as duas coisas ao mesmo tempo.

Pior, vai acabar faltando batata para o consumidor e frete para o caminhoneiro — como já está ocorrendo com diversos produtos agrícolas, pois está em vigor uma tabela de frete, baixada pelo governo, que todo mundo sabe que é impraticável. A bobagem repetida é achar que se pode encontrar uma outra que seja justa para todos.
Não existe isso. É simples assim, não há preço justo para todos — há apenas o preço definido pelo mercado. O que acaba prevalecendo, pois ninguém cumpre uma tabela tão equivocada.

Chama-se a polícia se um caminhoneiro quiser cobrar mais barato que o preço oficial? Ou tentar cobrar mais caro porque a estrada está um barro só? Que tal, então, tabelar tudo?
Parece absurdo, é absurdo, mas muita gente ainda acha que pode funcionar, mesmo que todas as experiências mundiais de congelamento e tabelamento tenham dado errado. Como dizia o sábio Mario Henrique Simonsen: é uma regra latino-americana, essa de achar que uma política errada deve ser tentada indefinidamente… até dar certo.

E tem também a história do auxílio-moradia dos juízes. Eles estão recebendo o benefício faz tempo, com seus vencimentos superando o teto salarial, mas uma ação de inconstitucionalidade chegou ao Supremo. O ministro Luiz Fux, relator do processo (e autor da liminar que permite o pagamento até o momento), mandou o caso para uma arbitragem patrocinada pela AGU. O órgão convocou associações de magistrados e de outros interessados, mais funcionários do governo, para arbitrar uma solução. Começou errado. Faltou chamar o contribuinte brasileiro, que é quem vai pagar a conta.

De todo modo, a comissão não conseguiu arbitrar nada, e o caso voltou ao STF. Mas a comissão fez sugestões de como encaminhar uma saída. Com qual propósito? Adivinharam: para legalizar de vez o pagamento do auxílio. Não ocorreu a ninguém dizer que o benefício é simplesmente ilegal — quer dizer, foi legalizado por gambiarras feitas pelos beneficiados —, duplamente ilegal quando extrapola o teto salarial e triplamente errado quando é pago a casais de magistrados que têm casa própria.

É difícil arrumar uma lei para legalizar isso tudo. Mas continuam tentando. E tentando repassar a conta.

Por Carlos Alberto Sardenberg, publicado em O GLOBO

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