Como dizia Mario
Henrique Simonsen, “é uma regra
latino-americana achar que uma política errada deve ser tentada indefinidamente
até dar certo”.
Imaginem o seguinte: um ministro do Supremo Tribunal Federal convoca produtores, atacadistas, comerciantes
e consumidores — todos devidamente representados por suas associações —, mais
funcionários do governo federal, para fixar o preço das batatas em todo o
Brasil. Não um preço qualquer, mas um que seja “bom” para todas as partes.
Ridículo, não é mesmo? Como é que fariam uma tentativa a
sério — patrocinada pelo STF! — de
buscar um objetivo impossível? Seria o Supremo
organizando um cartel, uma grave violação à lei da livre concorrência. Um
produtor que quisesse vender sua batata com desconto estaria cometendo uma
ilegalidade.
Pois substituam batata por frete rodoviário — e teremos
exatamente o que está acontecendo. O ministro Luiz Fux consulta associações de caminhoneiros e do agronegócio,
mais membros do governo e da Procuradoria-Geral da República — a primeira
reunião foi no dia 21 — para tabelar o preço do frete rodoviário.
Ou seja, está-se organizando um cartel — o que já é ilegal e
um baita equívoco econômico e político. Mas é também um cartel duplamente
injusto, pois deixa de fora muita gente interessada, a começar pelos
consumidores brasileiros, que pagarão os preços dos produtos transportados.
Dirão, assim pelo óbvio: fretes não são batatas; um serviço
não pode ser misturado com um tubérculo. Mas a questão do preço é a mesma. Ou é
livre mercado ou é tabelado. Nos dois casos, o tabelamento, ilegal, causaria
graves desequilíbrios econômicos.
Considerem o frete. Como um grupo organizado pelo STF pode saber qual o preço do
quilômetro rodado em todas as estradas deste país? E mais: para os variados
tipos de caminhão e diferentes cargas e viagens? Assim, qualquer preço tabelado
estará errado, caro para uns, barato para outros, fonte de lucro aqui, prejuízo
ali.
Claro que as partes tentarão passar os custos adiante. Se o
frete da batata da fazenda até o supermercado ficar muito caro, para lucro dos
transportadores, os produtores e comerciantes tentarão repassar para o varejo,
que não terá alternativa senão tentar repassar para o consumidor ou
simplesmente não comprar, se desconfiar que o consumidor não irá pagar. Isso dá
ou inflação, ou desabastecimento, ou as duas coisas ao mesmo tempo.
Pior, vai acabar faltando batata para o consumidor e frete
para o caminhoneiro — como já está ocorrendo com diversos produtos agrícolas,
pois está em vigor uma tabela de frete, baixada pelo governo, que todo mundo
sabe que é impraticável. A bobagem repetida é achar que se pode encontrar uma
outra que seja justa para todos.
Não existe isso. É simples assim, não há preço justo para
todos — há apenas o preço definido pelo mercado. O que acaba prevalecendo, pois
ninguém cumpre uma tabela tão equivocada.
Chama-se a polícia se um caminhoneiro quiser cobrar mais
barato que o preço oficial? Ou tentar cobrar mais caro porque a estrada está um
barro só? Que tal, então, tabelar tudo?
Parece absurdo, é absurdo, mas muita gente ainda acha que
pode funcionar, mesmo que todas as experiências mundiais de congelamento e
tabelamento tenham dado errado. Como dizia o sábio Mario Henrique Simonsen: é uma regra latino-americana, essa de
achar que uma política errada deve ser tentada indefinidamente… até dar certo.
E tem também a história do auxílio-moradia dos juízes. Eles estão recebendo o benefício faz
tempo, com seus vencimentos superando o teto salarial, mas uma ação de
inconstitucionalidade chegou ao Supremo.
O ministro Luiz Fux, relator do
processo (e autor da liminar que permite o pagamento até o momento), mandou o
caso para uma arbitragem patrocinada pela AGU. O órgão convocou associações de
magistrados e de outros interessados, mais funcionários do governo, para
arbitrar uma solução. Começou errado. Faltou chamar o contribuinte brasileiro,
que é quem vai pagar a conta.
De todo modo, a comissão não conseguiu arbitrar nada, e o
caso voltou ao STF. Mas a comissão
fez sugestões de como encaminhar uma saída. Com qual propósito? Adivinharam:
para legalizar de vez o pagamento do auxílio. Não ocorreu a ninguém dizer que o
benefício é simplesmente ilegal — quer dizer, foi legalizado por gambiarras
feitas pelos beneficiados —, duplamente ilegal quando extrapola o teto salarial
e triplamente errado quando é pago a casais de magistrados que têm casa
própria.
É difícil arrumar uma lei para legalizar isso tudo. Mas
continuam tentando. E tentando repassar a conta.
Por Carlos Alberto Sardenberg, publicado em O GLOBO
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