Finalmente o “grande dia”. Pelo menos para imprensa, que só fala no julgamento da segunda denúncia contra
Temer ― e agora também contra dois de seus comparsas ―, como se isso fosse a coisa mais importante deste mundo, como se já não soubéssemos de antemão o resultado ― resta apenas saber o placar, que os jornais tentam adivinhar, enquanto o povo não está nem aí, já que precisa tocar a vida e quer mais é que que esse espetáculo degradante acabe logo; afinal, qualquer número será uma derrota para o país.
A possibilidade de a Câmara decidir contra Temer existe, mas é muito remota. O que
não existe é vantagem real na troca de Michel
por Rodrigo, na convocação de eleições
a toque de caixa e na escolha de um novo atravessador
de pinguela por um Congresso
apinhado de investigados, denunciados e até réus na Justiça penal ― uma
caterva que só continua solta e em pleno exercício do mandato parlamentar
graças ao foro privilegiado e à morosidade na tramitação dos processos no STF.
Na
denúncia anterior, que a CCJ da Câmara
recomendou barrar por 41 votos a 24,
o Planalto conseguiu 263 votos no
plenário ― precisava de apenas 171 votos
―, e a oposição, que precisava de 342
votos, conseguiu apenas 227.
Agora, o resultado na CCJ foi um pouco
pior para o governo (39 a 26), e
ainda que tropa de choque de Temer
garanta que igualará ou superará a marca anterior, a expectativa nos bastidores
é de 20 votos a menos ― o que ainda dá e sobra para salvar o rabo fedido de sua
insolência e de Eliseu Quadrilha e Moreira (Angorá) Franco. Aliás, decidir
a situação dos três numa única votação favorece os governistas: como o presidente
e seus comparsas estão no mesmo barco, todos vêm se empenhando em ajudar na
busca de apoio entre os proxenetas do parlamento. Essa decisão foi questionada pela
oposição via mandado de segurança impetrado no STF, mas o ministro Marco
Aurélio Mello, que foi sorteado relator, negou provimento ao recurso (não li a fundamentação da decisão e, portanto, não vou comentá-la).
Adicionalmente,
integrantes da oposição vão tentar forçar o adiamento da votação para a
próxima semana ― e assim sucessivamente. A ideia, capitaneada pelo deputado
pernambucano Sílvio Costa, do Avante, é formar piquetes nas três entradas
principais do plenário e convencer os 227 deputados que votaram contra Temer da primeira vez a não registrar
presença, de modo a dificultar a formação do quórum mínimo de 342 parlamentares.
É mole?
Aos
trancos e barrancos, o Planalto dá como certo o sepultamento da denúncia, mas
quer garantir o mesmo número de votos obtidos em agosto, pois uma diferença
para menos sinalizaria falta de apoio e fragilizaria ainda mais um presidente
tão impopular para os brasileiros quanto Nero
para os antigos os romanos. Aliás, a julgar pelas pesquisas de opinião pública,
a popularidade de Lula está prestes
a ultrapassar os 100%, enquanto a de Temer,
se nada reverter sua queda-livre, deve
ficar abaixo de 0% ― caso os institutos de pesquisa consigam provar que
isso é matematicamente aceitável. Seja como for, ainda que os indicadores
econômicos venham reagindo bem à crise política ― ou ignorando solenemente o
espetáculo midiático promovido por comunicadores, cientistas políticos e
formadores de opinião em geral ―, a
última segunda-feira registrou queda na Bolsa e aumento na cotação do dólar,
o que não é um bom sinal.
Observação: O dólar comercial registrou sua maior alta em relação ao real desde a
denúncia da JBS, saltando 1,31% e fechando a R$ 3,232 ― cotação mais elevada
desde 11 de julho. E a “cutela” do mercado também foi percebido no índice
Ibovespa, referência da Bolsa, que recuou 1,27%, aos 75.413 pontos.
Temer está confiante,
mas, pelo sim, pelo não, continua distribuindo dinheiro e agrados a rodo,
visando garantir o apoio das marafonas da Câmara ― já se foram R$ 12 bilhões, sem falar em cargos e
benesses distribuídos à larga. Segundo O
GLOBO, só em emendas parlamentares foram gastos R$ 881 milhões ― emendas individuais de deputados devem ser pagas,
naturalmente, mas o cronograma é o governo quem estabelece, conforme suas
conveniências políticas. Houve também uma frustração de receita de R$ 2,4 bi com o novo Refis, de R$ 6 bi a desistência de privatizar o aeroporto de Congonhas no ano que vem, e de mais R$ 2,8 bi com a anistia de 60% das
multas ambientais, prevista no decreto editado na última segunda-feira. O
Planalto tentou dourar a pílula e vender a história como algo positivo, quando
na verdade não passa de um afago para bancada
ruralista, que contam com 200 parlamentares e, sozinha, pode garantir a
vitória de Temer na votação.
Observação: Nem vou mencionar o recuo do presidente na
questão do trabalho escravo, até porque uma portaria não se sobrepõe à legislação
vigente, e a ministra Rosa Weber, do
STF, já concedeu uma liminar contra
a medida governamental (resta saber como decidirão seus pares; afinal, de uns
tempos a esta parte a credibilidade do Supremo
não anda lá essas coisas).
Enquanto isso, a população assiste apática a esse espetáculo
circense de quinta classe, que será transmitido em tempo real pela imprensa
falada e televisiva e estará disponível na Internet para ser revisto a qualquer
tempo, ainda que o cidadão comum esteja mais preocupado com o próprio emprego,
com suas contas, enfim, com sua própria sobrevivência.
Fato é que, mesmo superando a segunda denúncia, Michel Temer será um pato manco. Em conversas com aliados no
último fim de semana, ele disse que vai defender uma pauta de medidas
prioritárias e deixou claro que não desistiu da reforma da Previdência, mas
dificilmente conseguirá aprovar alguma coisa.