Durante o reinado de D. Lula eu tinha vergonha de ser brasileiro. Com a assunção da Rainha Louca, a vergonha virou nojo. A troca da Bruxa Má pelo Vampiro do Jaburu fez acender uma luz no fim do túnel... mas era o farol do trem.
Nova fagulha de esperança coruscou o céu tupiniquim em 2018, mas desapareceu assim que o eleitorado apedeuta, majoritariamente ignaro, obrigou a minoria pensante — na qual este que vos escreve humildemente se inclui — a escolher entre o diabo que conhecíamos e o diabo que teríamos de conhecer.
Como na filosófica anedota da sopa de pedra (detalhes mais adiante), impedir que o fantoche do presidiário de Curitiba levasse de volta a quadrilha vermelha ao poder nos levou a unir forças com os bolsomínions — turba de micos descerebrados que veem num alienado megalômano e psicótico o salvador da pátria enviado por Deus —, e assim um dublê de mau militar e parlamentar medíocre passou a dar expediente no Palácio do Planalto. O resto é história recente, e eu já nem sei mais se me sinto envergonhado, enojado, desacorçoado, desalentado, revoltado...
Observação: Era
uma vez um condenado que detestava a comida da prisão. Certa vez, ao enjeitar uma
sopa feita com água morna e pedregulhos, ouviu do carcereiro: "o mangia la minestra o salta dalla
finestra". Como a cela ficava no alto de uma torre, pular da janela
não era uma opção, de modo que o jeito for tomar a sopa intragável.
Escusado discorrer sobre a inadequação
acachapante do mandatário de turno ao cargo para o qual foi eleito
pelos motivos retrocitados. Nem mesmo um arremedo de república como a nossa
merecer tamanho descalabro — não depois que foi presidida por um notável
expoente da política coronelista de cabresto, um pseudo
caçador de marajás, um baianeiro
mulherengo, um tucano
emproado, um picareta
semianalfabeto (que se jacta de jamais ter lido um livro na vida), uma pseudogerentona
pedante e arrogante (que sequer era capaz de juntar lé com cré em seu “dilmês
arcaico”) e um vampiro
que tinha medo de fantasmas. Durma-se com um barulho desses!
O problema, meus caros, é que 2022 já bete à porta,
em meio à maior pandemia sanitária da história desta banânia — cujas funéreas
consequências o revoltante negacionismo e a incomensurável incompetência do
Executivo Federal elevaram à enésima potência. Para piorar, não se descarta a
possibilidade nada alvissareira (embora cada vez mais remota)
de o status quo ser mantido no pleito presidencial do ano que vem. Mas pior ainda é a perspectiva da volta do ex-presidiário, cuja ficha suja foi
descaradamente lavada por um membro da nossa mais alta corte de justiça (em minúsculas, para
evidenciar o encolhimento da confiabilidade dos eminentes semideuses togados que
a compõem).
Para citar apenas as decisões teratológicas mais recentes do Supremo, depois que o ministro-relator da finada Lava-Jato deu um tiro no pé, anulando duas condenações de Lula na 13ª Vara Federal do Paraná para propiciar a perda de objeto do habeas corpus que a defesa do molusco impetrou para questionar a imparcialidade do ex-juiz Sergio Moro, Gilmar Mendes devolveu mais que depressa os autos (que ele vinha chocando desde dezembro de 2018) e pautou o julgamento a toque de caixa, visto que a aposentadoria de Celso de Mello e os efeitos nefastos da espúria operação vaza-jato” vieram a calhar para seus propósitos, digamos, inescrutáveis.
Imaginava-se que o mais novo membro do panteão, guindado ao Olimpo do Judiciáiro pelas mãos do Messias que não miracula, selaria o destino de Moro e da Lava-Jato. Mas acabou que o ex-desembargador piauiense pediu vista do processo quando o placar estava em 2 a 2 e, pressionado por Gilmar, amo e senhor da vontade dos demais togados supremos, devolveu os autos duas semanas mais tarde e, na sessão de anteontem, contrariando todas as expectativas, seguiu o voto do relator.
Em contrapartida, a ministra Cármen Lúcia, que já havia acenado com a possiblidade de se declarar impedida, mudou o voto que proferiu em 2018 e martelou o derradeiro prego no caixão da força tarefa de Curitiba.
O Estado de S. Paulo, em editorial recente, resumiu com notável exatidão a decisão estapafúrdia de Fachin, que fez voltar à estaca zero quatro ações criminais movidas contra o ex-presidiário Lula, anulando, inclusive, acórdãos prolatados por desembargadores do TRF-4 (tanto no caso do triplex quanto no do sítio) e ministros do STJ (no caso do sítio). Mas nunca é demais lembrar que, apesar de ter lavado a ficha imunda do petralha e restabelecido seus direitos políticos, dando-lhe a oportunidade de disputar pessoalmente (em vez de se fazer representar por um ignóbil bonifrate) o pleito presidencial de 2022, o eminente magistrado não apagou as digitais do réu dos múltiplos escândalos de corrupção que ele protagonizou ou dos quais se beneficiou de alguma maneira.
Tudo o que Fachin
disse, numa descoberta que levou cinco anos para fazer, é que Lula não deveria ter sido julgado em
Curitiba e sim em Brasília. O que interessa, segundo o ministro, não é se houve crime, mas onde o crime foi praticado — se foi
aqui vale, se foi ali não vale. "É
como se o juiz resolvesse marcar no final do segundo tempo um pênalti
supostamente cometido no primeiro", diz o editorial.
O STF pode
decidir o que quiser — pode declarar que Lula
é o presidente vitalício do Brasil, mandar a Polícia Federal prender o triângulo escaleno, enfim... Mas
nada disso muda o fato de que o petista comandou o governo mais corrupto que o
Brasil já teve desde 1500. Foi o governo em que reinou o empreiteiro Marcelo Odebrecht, réu confesso de crimes
que o tornaram um dos maiores corruptores do planeta. Foi o governo do
ex-ministro Antonio Palocci,
que, além de confessar tudo, delatou até os Doze Apóstolos. Foi o governo em que brilhou o ex-governador e
aliado íntimo Sérgio Cabral,
condenado a mais de 300 anos de cadeia por ladroagem — e por aí vamos.
Lula não se cansa de repetir que é uma "vítima pessoal" de Sérgio Moro, esquecendo-se, muito convenientemente, que foi julgado e condenado por nove juízes independentes uns dos outros, em três instâncias diferentes, num processo que não tem mais para onde ir. Todos disseram que as provas dos crimes são suficientes; não há mais o que provar. A ficha continua suja.
No que tange aos motivos que levaram a eminente magistrada a virar a casaca, sabe-os ela, Deus e, quiçá, o Diabo e um seu discípulo (cuja identeidade será revelada mais adiante).
Em 15 de agosto de
2017, diz o jornalista Augusto Nunes,
o então juiz federal Sérgio Moro
deixava o hotel onde abrira um seminário sobre a Justiça brasileira, promovido
pela Jovem Pan, quando avistou Cármen Lúcia, que chegava para a
palestra de encerramento. Ao lado do juiz que simbolizava a Lava-Jato, Nunes acompanhou a curta troca de frases cifradas que eu reproduzo a seguir.
— Ministra, estou preocupado com questão da segunda
instância — disse Moro.
— Eu não mudei — replicou a presidente do Supremo.
— Não é a senhora que me preocupa, são os outros — sorriu
o juiz.
— Não vou pautar essa coisa — prometeu a ministra.
Naquele momento, a bancada chefiada por Gilmar Mendes intensificava a pressão para que Cármen Lúcia pusesse em votação a proposta que sepultava a
possibilidade do início do cumprimento da pena logo depois da condenação
em segunda instância (interpretação adotada três anos antes com o enfático
apoio de Gilmar). A ministra
cumpriu a promessa, mas a mudança para pior ocorreu logo depois que Dias Toffoli , já convertido em
discípulo do impetuoso Maritaca de Diamantino, assumiu a presidência da Corte.
Aquela Cármen Lúcia
não existe mais, atestou nesta terça-feira o voto que garantiu o final infeliz
de outro faroeste à brasileira. Ao juntar-se a Gilmar e Lewandowski
para assegurar a maioria na 2ª Turma e decretar que Moro agiu com parcialidade no processo sobre o triplex do Guarujá, a ministra aderiu à conspiração urdida para
transformar o vilão em mocinho e o xerife em bandido. Nas últimas semanas,
em conversas com amigos, Gilmar
vinha se jactando de ter atraído Cármen
Lúcia para o bando que comanda. Sabe-se agora que era verdade.
Os 11 titulares do Timão da Toga sabem que as provas contra Lula e seus comparsas são robustas,
contundentes e copiosas. Sabem que o ex-presidiário esteve no topo do
organograma em que figuraram empreiteiros bilionários, políticos do PT e outras siglas delinquentes,
diretores de estatais nomeados pelo chefão e ministros de estado, fora o resto.
Sabem que a Lava-Jato desmontou
o maior esquema corrupto de todos os tempos. Sabem que Moro e os procuradores de Curitiba não perseguiram Lula; perseguiam uma quadrilha de
doleiros quando tropeçaram no mundaréu de evidências que levaram ao Petrolão. Sabem, enfim, quem defendeu a
lei e quem a violou.
A contraofensiva que mira a Lava-Jato
foi desencadeada quando a devassa do pântano se aproximou perigosamente de
alguns patifes de estimação de Gilmar.
Até então admirador declarado da operação, o juiz do juízes transformou-a em
inimigo a abater. Faltava uma terceira toga para que Gilmar consolidasse a hegemonia na segunda turma. Ele e Lewandowski decidiram que chegara a
hora da conversão da ministra mineira. Assim, neste fatídico 23 de março, a
cativante Cármen Lúcia modelo 2017
foi substituída pelo modelo 2021 —
insosso, inseguro e nada confiável. Carmen
Lúcia, quem diria, já ganhou até codinome: “Carmendes”.