"CORRE UM MAR DE LAMA SOB A REPÚBLICA DO CATETE",
disse Carlos Lacerda, em 1954, referindo-se ao governo Vargas.
Pelo visto, de nada adiantou transferir a sede do Executivo
Federal do Rio de Janeiro para os cafundós do Judas, já que um esgoto a céu
aberto circunda a Praça dos Três Poderes e, em particular, o Palácio
do Planalto.
A cidade de Salvador (BA) foi a primeira capital desta banânia.
No Rio, depois de breve escala no Palácio do Itamaraty, o governo
federal aterrissou no Palácio do Catete, e lá ficou até 1960, quando se
de mala e cuia para o Palácio do Planalto, na recém-inaugurada Brasilha
da Fantasia.
A ideia de mudar o DF para o interior de Pindorama
era antiga — em 1761, o Marques
de Pombal fez tal sugestão, que José Bonifácio (falo do Patriarca
da Independência, não do ex-todo-poderoso
da Rede Globo) ressuscitou em 1823. Mas foi somente no final dos anos
1950, durante o governo de Juscelino Kubitschek, que a cidade foi construída
do nada, no meio do nada, para ser a nova capital da corrupção, digo, do país.
Observação: O que pouca gente sabe é que Curitiba foi capital da República por três dias — de 24 e 27 de março de 1969 —, e que, desde e o golpe militar de 1889, o Brasil teve nove presidentes eleitos de forma direta, e desses, apenas quatro completaram seus mandatos: Eurico Gaspar Dutra, que venceu a primeira eleição verdadeiramente democrática do Brasil, em 1945; Juscelino Kubitschek, eleito em 1955; Fernando Henrique Cardoso, eleito em 1994 e reeleito em 1998; e o "ex-corrupto" Lula, em 2002 e 2006. Dos outros cinco, Getúlio Vargas “foi suicidado”, digo, foi encontrado morto com um tiro no peito em 24 de agosto de 1954, após ter sido acusado de tramar um atentado contra Carlos Lacerda, e de 27 generais (sempre eles!) exigirem publicamente sua renúncia. Na a "carta-testamento" se notabilizou pelas palavras finais: "saio da vida para entrar na História").
Antes de prosseguir, cabe abrir um parêntese para dizer que aconteceu exatamente aquilo que os epidemiologistas previram, ou seja, que a baixa vacinação em algumas regiões propiciariam o surgimento de variantes do coronavírus. Uma nova cepa foi identificada dias atrás na África do Sul — país em que menos de 25% da população completamente vacinada.
Ainda não se sabe se a Omicron (assim foi batizada essa filha da puta) é mais contagiosa ou letal, nem se as vacinas disponíveis têm efeito contra ela. A questão é que as incertezas e o medo de novos lockdowns — que podem resultar na redução das atividades econômicas — implodiram os mercados financeiros mundo afora. Os futuros americanos caíram entre 1 e 2 pontos percentuais (para esse mercado, variações de 0,5% já são consideradas gigantescas). As bolsas europeias recuaram na faixa de 3% — e isso a despeito de o preço do barril de petróleo ter caído 5%. Faltando menos de uma hora para encerrar o pregão de ontem, o Ibovespa, que havia registrado três dias de alta seguidos, amargava uma queda de mais de 3%. Até o bitcoin foi para o buraco. O Reino Unido e Israel já barraram voos da África do Sul, e a União Europeia planeja fazer o mesmo. Mas os brasileiros estão mais preocupados com o réveillon, o carnaval e o escambau; Bolsonaro, com sua reeleição e o Congresso, com o "orçamento secreto".
Até a manhã de sexta-feira, a Covid havia contaminado 260.177.546 viventes e exterminado 5.184.816. No Brasil, foram 22.055.238 e 613.642, respectivamente. O número de vacinados no planeta chegou a 7,84 bilhões. No Brasil, 305.100.977 doses foram administradas. A Europa voltou a ser o epicentro da pandemia e vive um momento de muita cautela, sobretudo nos países com baixo índice de vacinação. Mas mesmo no bloco das nações desenvolvidas, onde mais pessoas foram imunizadas, a maré não está para peixe. A alta de casos e internações recomenda cautela na flexibilização do distanciamento e uso de máscaras, e o cenário no Velho Continente pode (e deve) servir de exemplo para o Brasil.
Mudando de um ponto a outro, semanas atrás, durante a
abertura do fórum
jurídico promovido em Lisboa pela faculdade do semideus togado Gilmar Mendes,
o réu que preside a Câmara Federal voltou a defender a adoção do
semipresidencialismo no Brasil, demonstrando claramente sua vontade de perpetuar
a condição da qual desfruta hoje. A constatação é do jornalista Sergio
Pardelas, que publicou extensa matéria sobre Arthur Lira na revista eletrônica Crusoé, sob o título "O
FANTÁSTICO MUNDO DO REI ARTHUR".
De acordo com o
articulista, o superpoderoso
condestável do Centrão, que negocia a partilha de verbas do Executivo, articula
a aprovação de medidas de interesse do Planalto e tem Bolsonaro na palma
da mão, deixou claro que, tão logo regressasse de além mar, começaria a
trabalhar para, digamos assim, contornar a decisão do STF de suspender
a execução do orçamento secreto. “Pensam que eu vou perder, mas
eu não vou perder essa. Querem deixar [o Orçamento] nas mãos do Executivo? Aí é
que vão ver o que vai acontecer”, disse Lira antes da viagem ao
deputado Hugo Motta, seu aliado de primeira hora.
Se conseguir manter as vergonhosa "emendas de
relator", o todo-poderoso deputado cearense manterá sob sua caneta um valor
quatro vezes maior que o orçamento do Meio Ambiente, que ninguém sabe ao
certo como é distribuído nem com qual finalidade — falo das finalidades
lícitas, naturalmente, já que para ser agraciado com uma fatia desse butim é
preciso "ser amigo do rei Arthur", o que dá uma boa ideia...
bom, deixa pra lá.
"Emendas" são os pitacos que os deputados
podem dar no Orçamento Geral da União — ou seja, na grana que o governo vai
gastar ao longo do ano em obras e compras (como insumos para um hospital), e se
dividem em quatro "sabores":
1. Emendas individuais: no Orçamento deste ano,
aprovado em 2020, cada um dos deputados e senadores tem o direito de apresentar
até R$ 16,3 milhões em emendas. O jogo é aberto: o deputado fulano pede R$
10 milhões para construir uma ponte sobre um riacho de sua comunidade, por exemplo,
e fica registrado se rolou ou não. Uma fatia do Orçamento de R$ 9,6 bilhões
é destinada a fazer frente a essas despesas.
2. Emendas de bancada: são os gastos do Orçamento com
os pedidos acordados pelas bancadas dos partidos. Partido tal pede obra tal.
Foram reservados R$ 7,3 bilhões.
3. Emendas de comissão: a infinidade de comissões da Câmara
e do Senado também têm direito a verbas para gastos específicos, mas cabe ao
Poder Executivo a decisão final sobre a liberação desses recursos. Para 2021, essa
verba foi cortada.
4. Emendas de relator: o tal "relator" é o
congressista que organiza a distribuição de emendas individuais e de bancada
junto aos demais deputados e senadores. O relator do Orçamento de 2021 foi o
senador emedebista Marcio Bittar, mas a liminar da ministra Rosa
Weber nada tem a ver com ele especificamente (como o nome da coisa, às
vezes escrito como "emendas DO relator", dá a entender).
O relator pode ser qualquer um. A diferença aqui é outra:
trata-se de uma verba controlada pelo governo federal, que a distribui aos
parlamentares a seu talante, e quem faz o meio de campo é o relator do
orçamento, mas quem leva a bufunfa são os parlamentares que pedem para entrar
no jogo, mas cujos nomes não ficam registrados, daí a alcunha de "orçamento
secreto".
Em última análise, trata-se de mecanismo criado para servir
ao "toma-lá-dá-cá, ou seja, para que o governo tenha mais poder de
barganha no Congresso. O Executivo pode prometer ao deputado fulano alguns
milhões para obras no curral eleitoral do parlamentar em troca de seu voto a
favor da PEC do Calote. Note que essa prática espúria não é novidade: desde
a Roma Antiga que políticos se locupletam ilicitamente recebidas das empresas
que tocas as obras. E sempre haverá demanda no Congresso por tal agrado, sobretudo
se considerarmos o "sigilo" que envolve esse troca-troca.
Para o Orçamento de 2021, o maior naco das emendas (R$
18,5 bilhões) foi reservado justamente para esse orçamento secreto, e
até agora foram liberados cerca de R$ 9 bilhões. O problema é que um
terço dessa bufunfa foi liberada mês de outubro, às vésperas da votação da PEC
do Calote, que se tornou a "menina dos olhos" do
capetão-reeleição. Não surpreende, portanto, que a vergonhosa proposta
fura-teto foi aprovada (por 312
a 144 em primeira votação e por 323
a 172 na segunda rodada).
Observação: Durante a votação da PEC, Arthur
Lira ameaçou cortar o ponto de parlamentares faltosos e não pagar as
emendas já negociadas em votações anteriores, além de condicionar a liberação
de novos recursos ao apoio ao calote. Como se vê, o jogo é bruto para
quem não reza pela cartilha do político alagoano. Logo que ascendeu ao posto, ele
puniu os deputados que votaram em seus adversários, mudando as regras a fim de
impedir que eles chegassem a postos de comando da casa. “Lira representa o
que há de pior na condução da Câmara", diz o deputado Kim Kataguiri,
do DEM. Os que se recusam a integrar o entourage dizem que o presidente da Casa
escala aliados para "fritá-los" junto a Bolsonaro, e aqueles
que são considerados leais ganham privilégios, como a ajuda do próprio Lira
para marcar audiências com o verdugo do Planalto.
Rosa Weber percebeu que havia caroço nesse angu, e suspendeu
liminarmente a falcatrua com base na falta de transparência. Da maneira
como a coisa funciona, quem reza pela cartilha do governo leva seus milhões e
pode gastá-los com bem entender.
Como era esperado, a decisão da ministra desagradou a banda
podre do Congresso, quando mais não seja porque, entre os dias 28 de outubro e
3 de novembro, Bolsonaro liberou R$ 1,2 bilhão em emendas — se
isso não é compra de votos, então eu não sei o que é.
Na última quinta-feira o presidente do Congresso — senador Rodrigo
Pacheco, que é candidato a candidato ao Planalto — disse que a Câmara e
o Senado preparam um ato com a implementação de mecanismos para
"ampliar a publicidade e a transparência" das emendas de relator,
que ficaram conhecidas como "orçamento secreto".
O ato, que foi publicado na noite de quinta-feira no "Diário
Oficial do Congresso", promete dar "transparência" à
maracutaia, mas só valerá doravante — devido à "impossibilidade fática
de se estabelecer retroativamente um procedimento para registro das demandas".
Um dos objetivos do ato anunciado por Pacheco é
o cumprimento
da decisão do STF —
da qual, aliás, o
Congresso recorreu. Segundo o senador, não há "ocultação"
referente às emendas de relator. "Estamos propondo é uma adequação
normativa para atender a essência da decisão do Supremo, que é garantir a
transparência no emprego do orçamento", disse Pacheco.
Segundo o texto do ato publicado, o detalhamento da execução
orçamentária das despesas referentes às emendas de relator será
publicado nos diários oficiais da Câmara e do Senado, por emenda, e
que caberá à Comissão Mista de Orçamento acompanhar a execução
orçamentária das despesas.
Observação: Quando a raposa que toma conta do
galinheiro encarrega outras raposas de averiguar o sumiço das galinhas, os
culpados dificilmente serão identificados e exemplarmente punidos.
O presidente do Senado diz ainda que o ato é necessário
diante da "insegurança jurídica" e do risco de "judicialização
em larga escala".