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sábado, 9 de novembro de 2019

HOMENAGEM À VERGONHA NACIONAL



A vergonhosa decisão tomada pela ala dita garantista do Supremo na noite da última quinta-feira já começou a produzir resultados. A estimativa de que 170 mil presos seriam beneficiados era exagerada, mas o número correto é significativo: são 4.895 condenados, dentre quais os criminosos Lula — que menos de 18 horas depois deixou a sala VIP onde esteve hospedado por 580 dias (ao custo de R$ 4,8 milhões).

Depois do sumo pontífice da seita do inferno, deixaram a cadeia o guerrilheiro de araque José Dirceu e o tucano Eduardo Azeredo (prova de que os togados supremos que votaram a favor dessa vergonha não se preocuparam em favorecer somente seus bandidos de estimação da patuleia).

Em entrevista por telefone ao programa do Datena, minutos antes de o molusco abjeto ser solto, o judas supremo repisou os mesmíssimos argumentos que fundamentaram seu voto de minerva, enxovalhando mais uma vez nossa inteligência. Mas expressão de incredulidade do apresentador diante dos argumentos do magistrado valeu a entrevista.

Se a patuleia em geral e a petralhada em particular comemoraram o desserviço supremo, parlamentares e lideranças partidárias repercutiram a soltura do criminoso de Garanhuns. João Amoedo, presidente do partido Novo e candidato derrotado ao Planalto em 2018, disse que a libertação do ex-presidente significa um retrocesso na luta contra a impunidade. Amoedo defende a prisão em segunda instância e pede mobilização por um Brasil “admirável, seguro e sem impunidade".

O deputado federal Eduardo Bolsonaro lamentou a decisão do Supremo. “Pedem prisão [para] assassinos de Marielle, mas querem soltar bandidos de seus partidos. Piada”, disse pelo Twitter. Eduardo ainda escreveu que “quem trabalha sente no dia de hoje um tapa na cara”.

É certo que o zero três fala muita abobrinha, mas, neste caso específico, ele está coberto de razão. Curiosamente, seu papai, habitualmente loquaz como uma maritaca, não abriu o bico (talvez por não querer se indispor com aquele de quem se tornou vassalo para blindar zero um das investigações em curso no MP-RJ). Sérgio Moro e os coordenados da Lava-Jato fizeram breves comentários, sem afrontar diretamente a decisão do tribunal, mas deixaram clara sua posição favorável à prisão em segunda instância.

Observação: Minutos após a Justiça ordenar a soltura do petralha, às 16h23, quando a notícia já havia sido publicada em portais de notícias, um assessor de imprensa se aproximou de Bolsonaro e lhe mostrou a tela de um celular. O capitão, que acompanhava um evento em Goiânia, evitou a imprensa em eventos dos quais participou na cidade e desistiu de uma entrevista marcada para acontecer logo em seguida.

Os principais movimentos políticos brasileiros estão se mobilizando nas redes sociais e prometem manifestações em centenas de cidades do país neste sábado. O que é bom, considerando ser fundamental mostrar aos congressistas que os anseios da sociedade nem passam perto dos que Toffoli disse terem norteado o legislador, quando se vinculou o cumprimento da pena ao trânsito em julgado da sentença condenatória, em homenagem à presunção de inocência — o que, com já discutimos dezenas de vezes, não passa de mera cantilena para dormitar bovinos. Mas não se pode esperar coisa diferente de ministros que se julgam semideuses e olham para este pobre país com o olho do rabo.

O grupo Vem pra Rua havia convidado, até às 16h desta sexta-feira (8), cerca de 300 mil pessoas em sua página oficial e demais perfis na internet. Em São Paulo, o movimento promete se concentrar na esquina da Avenida Paulista com a rua Pamplona, a partir das 16h — mesmo horário em que será iniciado um protesto em frente ao Congresso Nacional, em Brasília. No Rio, a manifestação será realizada, a partir das 10h, na avenida Prefeito Mendes de Morais, na praia de São Conrado. O ato terá apoio do MBL, que deverá reunir integrantes para engrossar as manifestações em diversos municípios. "Estaremos nas ruas amanhã para exigir a CPI da Lava-Toga e a aprovação da PEC da prisão em segunda instância", afirmou o deputado federal Kim Kataguiri em vídeo postado nas redes sociais do MBL.

Diz um velho ditado que é de pequenino que se entorta o pepino. Outro, que é preciso cortar o mal pela raiz. Bolsonaro, num dos poucos pronunciamentos do qual eu não tive como discordar, disse que o erro da ditadura foi ter prendido de mais e matado de menos. Cão danando não se prende. Sacrifica-se. Figueiredo — o último general-presidente (ou seria presidente-general) da ditadura, notabilizado pela frase "eu prendo e arrebento" — pensava mais ou menos da mesma maneira: "A grande falha da revolução foi terem me escolhido presidente da República. Eu fiz essa abertura aí, pensei que fosse dar numa democracia, e deu num troço que não sei bem o que é." Na verdade, Figueiredo prendeu e arrebentou, mas não necessariamente quem deveria ter sido arrebentado. E depois que vira metástase, meus caros, o câncer fica muito mais difícil de ser combatido.

Em homenagem à decisão suprema da última quinta e às consequências que já se fazem sentir, providencie os seguinte ingredientes (as quantidades sugeridas rendem massa para 4 discos):

- 2 colheres (sopa) de fermento biológico seco;
- 2 colheres (chá) de açúcar;
- 2 1
2 xícaras de água morna;
- 6 x
ícaras de farinha de trigo;
- 2 colheres (ch
á) de sal;
- 1/4 de x
ícara de azeite;
- Farinha de trigo para polvilhar a bancada;
- Azeite para untar a tigela.

Numa tigela, misture o fermento e o açúcar, junte a água morna e mexa até dissolver. Reserve e deixe descansar em temperatura ambiente por cerca de 5 minutos (quando a mistura deve começar a espumar). 

Enquanto espera, misture numa outra tigela a farinha e o sal, forme uma concavidade no centro da massa e despeje a mistura que você havia reservado. Adicione o azeite e misture com a ajuda de uma espátula (apenas o suficiente para incorporar os ingredientes).

Sove numa batedeira com gancho, em velocidade baixa, por cerca de 5 minutos. Ao final, aumente a velocidade aos poucos e deixe bater até que se forme uma massa macia e uniforme. Desligue a batedeira quando essa massa descolar da lateral da tigela e formar uma bola no gancho. Amasse-a com os dedos, coloque-a numa tigela grande e junte duas colheres de azeite. Cubra com plástico filme e deixe descansar por uma hora (ou até a massa dobrar de tamanho).

Polvilhe farinha de trigo numa superfície lisa e seca (pode ser a mesa da cozinha ou o tampo da pia), abra a massa com um rolo apropriado (na falta dele, use uma garrafa de vinho) e divida-a em quatro porções. Abra as porções necessária com um rolo apropriado (as demais, você pode usar em outra oportunidade) e acrescente a cobertura de sua preferência.
Sugestão de cobertura para pizza marguerita:

- 1 cebola grande picada;
- 2 dentes de alho graúdos picados;
- Azeite de oliva extravirgem a gosto;
- 1 lata de tomates pelados (os italianos são os melhores);
- Sal e pimenta do reino (moída na hora) a gosto;
- 250g de queijo tipo mozzarella (em fatias finas ou ralado);
- 2 tomates vermelhos cortados em rodelas;
- Folhas de manjericão e orégano a gosto.


Esprema os tomates pelados de maneira a um purê e refogue numa panela com o azeite, o alho e cebola. Acerte o ponto do sal e da pimenta do reino. Deixe amornar e besunte o disco de pizza uma camada generosa desse molho. Salpique o orégano, cubra com o queijo, decore com as rodelas de tomate e as folhas de manjericão. Preaqueça o forno por 15 minutos (a 200ºC), coloque a pizza, deixe assar por 20 minutos, regue com um fio de azeite e sirva em seguida.

sexta-feira, 8 de novembro de 2019

SUPREMO INAUGURA ERA DO ABSURDO



Retomado o julgamento das imprestáveis ADCs que questionavam a constitucionalidade da prisão após condenação em segunda instância, os votos de Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Celso de Mello levaram o placar a 5 votos a 5. Esse resultado era tão previsível quanto a noite suceder ao dia. O que não se sabia era para que lado o vento sopraria depois que Dias Toffoli proferisse o voto de minerva. Até porque o eminente magistrado não só acenara com a possibilidade de um meio termo (prisão após condenação em terceira instância) como também dissera que "voto nosso na Presidência não é o mesmo voto de bancada".

Não foi o que aconteceu. Chegou-se a imaginar que a sessão seria adiada mais uma vez, dado o avançado da hora. Tanto Gilmar quanto Toffoli prometeram ser concisos, mas a Maritaca de Diamantino cantou por longos 90 minutos, o decano levou uma eternidade para ler seu voto (mais de 100 páginas) e o general da banda se estendeu por intermináveis três horas — durante as quais muita lenha foi queimada e pouca fumaça do bom direito, produzida. 

Ao final do blablablá, pelo placar de 6 votos a 5, a jurisprudência vigente desde 2016 — que vinha capengando desde então — foi substituída pelo nefasto entendimento de que o cumprimento da pena deve ocorrer somente após o trânsito em julgado da sentença condenatória.

Se serve de consolo, o pupilo de Gilmar — que mesmo sem currículo, conhecimento ou luz própria foi alçado ao Supremo em 2009 pelos "bons serviços" prestados a Lula, a Dirceu e ao PT e hoje sonha em ter sua passagem pela presidência da corte lembrada como "conciliadora", mas age como um embaixador da injustiça — acenou ao congresso que não se oporá a uma mudança na legislação que restaure a possibilidade da prisão em segunda instância. 

Não sei com que autoridade ele fala por seus pares. Marco Aurélio dos Tempos Sombrios, por exemplo, recentemente repreendeu-o por exorbitar de suas funções de presidente: “É inconcebível visão totalitária e autoritária no Supremo. Os integrantes ombreiam, apenas têm acima o colegiado. O presidente é coordenador e não superior hierárquico dos pares. Coordena, simplesmente coordena, os trabalhos do colegiado. Fora isso é desconhecer a ordem jurídica, a Constituição Federal, as leis e o regimento interno, enfraquecendo a instituição, afastando a legitimidade das decisões que profira. Tempos estranhos em que verificada até mesmo a autofagia. Aonde vamos parar?”, criticou o primo de Collor

Na sessão de ontem, Lewandowski não escondeu seu descontentamento com o colega petista a propósito de uma determinação do presidente da República — depois relativizou, dizendo que obedeceria de bom grado uma ordem do "presidente do de poder", mas não se curvaria aos desmandos do chefe do Executivo. Agora sou eu quem pergunta: Aonde vamos parar?

Observação: Lewandowski, nunca é demais lembrar, foi indicado por Lula à ao Supremo por influência da família Demarchi (de SBC) e recomendação da então primeira-dama (falo da oficial, não de Rosemary Noronha, que foi namorada do petralha durante 19 anos e viajava mundo afora no avião presidencial, sempre ao lado de Lula, que em 2006 a nomeou chefe de gabinete do escritório da Presidência em São Paulo em 2006). Dos oito ministros alçados à Corte durante as gestões petistas, ele e Toffoli são os que mais demonstram ter vestido a toga por cima da farda de militante petista.  

Sobre as consequências dessa guinada jurisprudencial, sobretudo no futuro da Lava-Jato, é melhor esperar a poeira baixar antes de arriscar alguma previsão. O que se ouviu dos analistas até agora foi um amontoado de especulações desencontradas. Ficou claro apenas que o julgamento de ontem, devido, sobretudo, à posição de Gilmar Mendes, virou um debate crítico sobre a Lava-Jato. Manifestações de repúdio à decisão vem sendo convocadas para amanhã, mas eu não sei se reunirão gente suficiente para impressionar quem deve ser impressionado. Afinal, o povo está cansado, muita gente já jogou a toalha ou pediu o boné. Quem pôde, já juntou os trapos e comprou uma passagem só de ida para bem longe daqui. Como dizia minha finada mãe, "quem pode, pode, quem não pode, se sacode".

Como o escorpião da fábula, Toffoli não é capaz de mudar sua natureza. Em seu voto, saiu em defesa da instituição, tentando convencer (talvez a si mesmo) de que a sensação de impunidade não é culpa STF, mas do sistema judiciário brasileiro, que precisa de uma ampla reforma desde a base. Afirmou que a execução após condenação em segunda instância não evita a impunidade (?!), que a Corte não atua de maneira política, e que enviou moção aos presidentes da Câmara e do Senado para que os prazos prescricionais sejam suspensos durante os recursos ao STJ e STF. Num determinado momento, o mestre de cerimônias do cirquinho supremo tirou onda com a nossa cara dizendo que, ao criar a lei que vincula o trânsito em julgado ao início do cumprimento da pena, o legislador atendeu aos "anseios da sociedade" (faltou esclarecer qual sociedade, se a Máfia, se o PCC, o Comando Vermelho, a Família do Norte...). 

Enfim, a decisão colocou Lula a um passo do meio-fio, mas não lavou sua ficha-suja, pois a sentença do TRF-4 no caso do tríplex ainda está em pé. Mas a coisa muda se a 2ª Turma do STF acolher o pedido de suspeição (contra Sérgio Moro) que a defesa do petralha protocolou. Gilmar Mendes pediu vista do processo, mas deve devolvê-lo ainda este mês, e há chances reais de anulação da sentença. Nessa hipótese, o Supremo lavará, por assim dizer, a ficha enodoada de Lula, que está momentaneamente inelegível até 2035, quando completará 89 anos. Esse é o grande sonho do criminoso de Garanhuns, que já conquistou o direito de deixar o cárcere especial em Curitiba, e a própria Lava-Jato já requisitou à Justiça sua progressão de regime prisional. Confirmando-se o placar favorável na 2ª Turma, o molusco abjeto poderá percorrer o país ostentando sua pose de candidato a um terceiro mandato presidencial. O PT já organiza a caravana. Lula se equipa para fazer campanha no ano que vem para candidatos petistas às prefeitura das principais capitais do país.

Não concordo com muita coisa que o ministro dos tempos estranhos diz, mas é impossível discordar que são mesmo estranhos os tempos atuais, sobretudo agora que o Supremo resolveu inaugurar a era do absurdo. Durma-se com um barulho desses e viva o (otário) povo brasileiro.

E viva o povo brasileiro!

quinta-feira, 7 de novembro de 2019

SOBRE O FINAL DO JULGAMENTO SOBRE A PRISÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA



Ao que tudo indica, o julgamento das famigeradas ADCs (do PEN, da OAB e do PCdoB) que questionam a constitucionalidade do cumprimento da pena por réus condenado em segunda instância será concluído hoje no plenário do STF. Há duas semanas, quando sessão foi adiada pela segunda vez, os votos de Rosa Weber e Ricardo Lewandowski levaram o placar a 4 a 3 pela mantença da jurisprudência vigente desde 2016 (na prática, é disso que o julgamento trata). Faltam votar Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Celso de Mello — além do presidente da Corte, que, também ao que tudo indica, deverá desempatar o placar (para que lado ele fará a balança pender, porém, já é outra conversa).

Observação: Segundo o site O ANTAGONISTA, juízes e procuradores guardam na manga uma manobra para que a prisão em segunda instância volte em pouco mais de um ano, caso se confirme a mudança da jurisprudência. A ideia consiste em sugerir a ministros favoráveis à segunda instância que, após a proclamação do resultado, não liberem seus votos escritos e revisados para o relator compor o acórdão (documento que oficializa a decisão). Sem a publicação do acórdão, não é possível interpor embargos de declaração à própria Corte, e assim se vai empurrado a coisa até que a aposentadoria do decano permita a Bolsonaro escolher um novo ministro apto a formar uma nova maioria que vire, de novo, a jurisprudência. Um novo julgamento sobre a questão num recurso seria mais rápido do que em novas ações apresentadas à Corte, cuja tramitação poderia demorar, a depender do novo relator sorteado. O julgamento dos embargos dependeria de Luiz Fux, que assumirá a presidência do STF em setembro do ano que vem, e é francamente contrário ao trânsito em julgado.

Desde 2016, o Supremo rediscutiu essa questão nada menos que três vezes, e manteve, ainda que por exígua maioria, a jurisprudência atual. Cármen Lúcia se negou a pautar o tema durante sua passagem pela presidência da corte, afirmando que fazê-lo seria apequenar o Tribunal. Toffoli também empurrou a coisa com a barriga o quanto pode, mas acabou se rendendo às pressões, e agora terá de sair dessa sinuca de bico.

Dos anos 1940 a meados da década de 70, a prisão do condenado era conditio sine qua non para a interposição de recurso à instância superior. Durante a ditadura militar, Médici fez o Congresso alterar o CPP com a lei nº 5.941, visando favorecer o delegado do DOPS e notório torturador Sérgio Fernando Paranhos Fleury. A partir de então, condenados com bons antecedentes poderiam pagar fiança e aguardar em liberdade o julgamento de seus recursos na segunda instância. Em 1988, a Constituição Cidadã explicitou que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". Como o reexame de matéria fática se encerra na segunda instância, o STJ editou a súmula 09, segundo a qual "a exigência da prisão provisória, para apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência".

Quando a Lava-Jato começou a cafungar no cangote dos políticos do andar de cima, o Supremo mudou seu entendimento e passou a vincular a prisão ao trânsito em julgado decisão condenatória. Como isso significa executar a pena somente após se esgotarem todos os recursos possíveis e imagináveis nas quatro instâncias da Justiça, criminosos com cacife para contratar chicaneiras estrelados são beneficiados pela prescrição do poder punitivo do Estado e só veem o sol nascer quadrado "no dia de São Nunca"Essa aberração foi revista em 2016, mas aí começaram a chover processos contra Lula, e sua prisão levou a banda podre do STF a torpedear o entendimento que o plenário havia definido.

Caberia aos garantistas de araque explicar como um sujeito pode ser considerado "inocente" depois de ser declarado culpado por 20 magistrados (um juiz federal de primeira instância, 3 desembargadores de um Tribunal Regional e 8 ministros do STJ) e de lhe terem sido negados inúmeros pedidos de habeas corpus. Não o farão, é claro, pois acham-se os donos absolutos da verdade e entendem que suas decisões, por mais estapafúrdias que sejam, não são passíveis de questionamento. A não ser que o questionamento possa beneficiar seus bandidos de estimação.

Com 191 anos de existência, o Supremo Tribunal Federal ainda exala o cheiro de bolor do tempo do Império. Basta observar seus paramentos, rapapés, salamaleques, linguagem empolada, votos repletos de citações em latim e outras papagaiadas. Manter esse dinossauro vivo — são 1150 funcionários concursados, cerca de 1700 terceirizados; cada ministro pode ter até 40 assessores e recrutar 3 juízes auxiliares — custa mais de R$ 1 bilhão por ano. Some a isso os R$ 6 bilhões que custam o STJ e o TST, os salários e mordomias de senadores, deputados federais, governadores, deputados estaduais, prefeitos e vereadores e os bilhões tragados pelo ralo da corrupção e veja porque você trabalha 153 dias por ano só para pagar impostos (que consomem 41,80% da sua renda) e o governo nunca tem dinheiro para investir em Saúde, Educação, Segurança, etc.

A celeridade jamais foi o ponto forte do STF, mas a coisa ficou ainda pior a partir de 2002, com a transmissão ao vivo das seções plenárias pela TV Justiça. Sob os holofotes, os vaidosos ministros passaram a ler votos cada vez mais longos e se desentender mais com seus pares. O volume de palavras que compõem os votos dos 11 membros da Corte (60.000, em média) a cada sessão dariam um livro de mais de 200 páginas (a média, num livro editado, é de 25 mil palavras a cada 100 páginas). É muita lenha queimada para pouca fumaça do bom direito produzida.

ObservaçãoSegundo o regimento interno do STF, devem ir a plenário casos em que haja divergências entre as turmas ou entre uma delas e o plenário em relação à matéria em votação. Também cabem ao plenário as votações em que a questão jurídica em pauta é de maior relevância, quando for necessário prevenir divergência entre as turmas, ou quando estão em pauta crimes cometidos pelo Presidente da República, pelo vice-presidente, pelos presidentes da Câmara e do Senado, pelo Procurador-Geral da República, ou por um dos membros da Corte.

Os ministros trazem os votos prontos e raríssimas vezes mudam de opinião por conta das sustentações orais dos advogados, amici curiae, membros da PGR e outros que sobem à tribuna para falar com as paredes. Para não caírem no sono enquanto esperam sua vez de falar, eles se entretêm com a montoeira de papéis sobre a bancada, navegam na Web, jogam Solitaire, enfim... Depois do relator, os demais magistrados se pronunciam na ordem inversa de sua antiguidade no cargo (ou seja, do novato ao decano). Em havendo empate, o presidente profere o voto de minerva.

Noves fora o relator, os demais decisores poderiam simplesmente dizer se o acompanham ou não o voto e, em sendo o caso, expor em poucas palavras o motivo da divergência. Assim, em vez de se gastar uma sessão inteira na leitura de dois ou três votos, poder-se-ia julgar mais de um processo por sessão, o que melhoraria consideravelmente a "performance" da Corte —  que concluiu até hoje um único julgamento de parlamentar processado no âmbito da Lava-Jato, enquanto a força-tarefa contabilizou 242 condenações contra 155 pessoas em 50 processos e recuperou R$ 2,5 bilhões (uma média de R$ 1,37 milhão por dia devolvido aos cofres públicos desde 2014). No total de 13 acordos de leniência com empresas envolvidas, está previsto o ressarcimento de R$ 13 bilhões, valor superior à previsão de gastos da Justiça Federal (R$ 12,8 bi) ou do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (R$ 11,9 bi) descritos no Orçamento Anual de 2019. Segundo o MPF, o valor apurado pode chegar a R$ 40 bilhões.

Com raríssimas exceções, os ministros têm egos tamanho GGG e se encantam com o som da própria voz. As luzes da ribalta potencializam essa característica e a disputa pelo protagonismo a exacerba ainda mais. Seria ingenuidade acreditar que sejam 100% imparciais, pois têm opiniões próprias e sujeitas à influência de paixões político-partidárias e interesse pessoais que eu prefiro não comentar, embora relembre o que disse o ministro Barroso em entrevista à Folha: "No Supremo, você tem gabinete distribuindo senha para soltar corrupto. Sem qualquer forma de direito e numa espécie de ação entre amigos." Tire o leitor suas próprias conclusões.

AOS AMIGOS, TUDO; AOS INIMIGOS, A LEIQuem não se lembra do habeas corpus concedido ex-officio por Toffoli a Maluf por "motivos humanitários"? Se o turco ladrão estava mesmo à beira do desencarne na Papuda, ir para casa operou um verdadeiro milagre. Morrendo? Maluf? Só se for de rir dos trouxas que acreditam na Justiça brasileira. Uma reportagem da revista eletrônica Crusoé salienta que o STF é impiedoso com cidadãos pobres, presos por crimes menores e assistidos por defensores públicos assoberbados de trabalho, mas complacente (para não dizer subserviente) com corruptos de alto coturno, representados por criminalistas especializados em procrastinar o fim do processo até que a prescrição puna o Estado por não ter punido o criminoso em tempo hábil. A matéria lembra que, visando minimizar o impacto de um possível regresso ao status quo ante no julgamento de hoje, Toffoli enviou ao Congresso uma proposta para suspender a prescrição nos casos que cheguem às cortes superiores (STJ e STF). E que esse mesmo magistrado negou a liberdade a um alcoólatra analfabeto, condenado a 1 ano e 7 meses de prisão por furtar uma bermuda de R$ 10 numa loja do centro de Viçosa (MG), uma semana depois de conceder a José Dirceu (de quem foi advogado, assessor e chefe de gabinete durante o governo de Lula) o direito de aguardar em liberdade o julgamento de um recurso — um benefício, ressalte-se, que os advogados do ex-ministro sequer haviam pedido (clique aqui para ler a íntegra da matéria)

Compete ao Supremo proteger a Constituição e servir aos interesses da sociedade, não protagonizar espetáculos midiáticos. Mas o que já era ruim ficou pior depois que Lula e Dilma indicaram 7 membros da Corte. E os que acenderam ao cargo em outras gestões — Celso de Mello, indicado por José Sarney, Marco Aurélio, pelo primo Fernando Collor, Gilmar Mendes, por Fernando Henrique, e Alexandre de Moraes, por Michel Temer —, bem, basta lembrar que o fruto não costuma cair muito longe do pé.

O deputado federal Capitão Augusto, Presidente da Frente Parlamentar da Segurança Pública, começou na última terça-feira a colher assinaturas de colegas em apoio a um manifesto pela manutenção da jurisprudência que permite a prisão após condenação em segunda instância. A ideia é reunir cerca de 150 assinaturas e entregar o manifesto pessoalmente a Dias Toffoli antes da retomada do julgamento. Assim, os deputados se juntam aos senadores na defesa da jurisprudência atualmente em vigor — como revelou O ANTAGONISTA, o senador Lasier Martins, do Podemos, colheu 41 assinaturas de seus pares (mais da metade dos senadores), que também também deve ser entregue ao presidente da Corte. "Exigir trânsito em julgado após terceiro ou quarto graus de jurisdição para então autorizar prisão do condenado contraria a Constituição e coloca em descrédito a Justiça brasileira perante a população e instituições nacionais e estrangeiras, a exemplo das preocupações manifestadas por entidades como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A lei deve valer para todos e, após a segunda instância, não mais se discute a materialidade do fato, nem existe mais produção de provas", diz um trecho do documento.

Luís Edson Fachin, relator da Lava-Jato no STF, relativizou uma possível mudança na jurisprudência: "A eventual alteração do marco temporal para a execução provisória da pena não significa que, em lugar da execução provisória, quando for o caso, seja decretada a prisão preventiva, nos termos do artigo 312 do Código de Processo Penal. A rigor, o que contribui para a percepção de impunidade é o tempo demasiado entre o início e o fim do processo. Observadas todas as garantias processuais e o direito ao contraditório, o transcurso do processo penal deve atender ao princípio constitucional da duração razoável do processo. Esse é o grande desafio que o Poder Judiciário brasileiro tem".  Ainda assim, o ministro defendeu que a Corte mantenha o entendimento atual: "Acho que o correto é aplicar-se o que nós temos aplicados hoje. O STJ e o Supremo não reveem provas, não discutem mais o fato. Não cabe recurso espacial para discutir matéria de fato. E o extraordinário só cabe se houver violação da Constituição".

Assim como Gilmar MendesDias Toffoli diz que não quer perder tempo no julgamento desta quinta-feira. De acordo com a FOLHA, “o presidente da corte e possível voto de minerva tem dito que fará exposição enxuta, de menos de 20 minutos”. Que Deus nos ajude e o bom senso prevaleça.

Em tempo: Conta-se que um senador americano, tido como incorruptível, resolveu apresentar sua demissão. Perguntado por que estava deixando o cargo, respondeu o parlamentar: "porque todo homem tem seu preço, e estão chegando no do meu".     

quarta-feira, 6 de novembro de 2019

PERGUNTAS QUE NÃO QUEREM CALAR



Se tanto Bolsonaro quanto Lula odeiam a imprensa, por que o fundador do partido dos trabalhadores que não trabalham sempre foi mimado e enaltecendo até por virtudes que não tinha, enquanto o capitão caverna é tratado como inimigo público?

Se o juiz condena o réu, como este pode continuar a ser considerado inocente?

Se a súmula 09 do STJ cristalizou o entendimento de que a prisão do condenado em segunda instância não ofende a presunção de inocência; se, nos últimos 80 anos, a prisão após o trânsito em julgado vigeu somente entre 2009 e 2016, e se, a despeito de esse tema ter sido rediscutido três vezes desde 2016, por que diabos o STF o está julgando novamente?

Observação: A suprema banda podre, digo, ala garantista, parece querer pôr à prova o Teorema do Macaco Infinito, segundo o qual um milhão de macacos datilografando aleatoriamente em um milhão de máquinas de escrever formaria em algum momento a obra completa de Shakespeare.

Por ter vestido uma camiseta com a foto do candidato Bolsonaro, a procuradora Carmen Bastos teve de se afastar do caso Marielle; por ter sido advogado de Lula, Dias Toffoli virou presidente do STF e quer livrar o chefão da cadeia com o fim da prisão de condenados em 2ª instância. Será que há dois tipos de procuradores no Ministério Público? É o que parece, pois os que votaram em Bolsonaro são expulsos de casos que interessam o PT, e os que votam no PT podem tudo, o mundo acaba se alguém tocar neles.

Por que mortes como as de Ulysses Guimarães (1992), PC Farias (1996), Celso Daniel (2002), Eduardo Campos (2014), Teori Zavascki (2017), Marielle Franco (2018) e o atentado contra o então candidato Jair Bolsonaro (2018) continuam sem solução ou foram classificados como "acidentes" e soterrados sob conclusões nada convincentes? Falta competência à nossa polícia ou vontade política para deixar os policiais fazerem seu trabalho?

Observação: Embora não se trate de crime contra a vida e sim de assassinato de reputações, a espúria Vaza-Jato, produzida a partir de informações tóxicas extraídas de arquivos com conteúdo mais que suspeito e obtidos criminosamente (hackeamento digital), tem indícios claros do envolvimento de Manuela D'Ávila. Segundo diálogos anexados ao inquérito que apura o caso, o líder do grupo hacker, conhecido como Vermelho, ofereceu à ex-deputada psolista munição com poder de fogo para de tirar Lula da prisão e anular os processos da Lava-Jato, e ela mediou a transação entre ele e Verdevaldo das Couves. Tudo com a mais pura das intenções, naturalmente...

Responda quem souber.

segunda-feira, 4 de novembro de 2019

A SEMANA PROMETE


Aproxima-se o final do julgamento das nefastas ADCs do PEN, da OAB e do PCdoB, que questionam a constitucionalidade do cumprimento antecipado da pena após condenação por juízo colegiado. Se nada mudar, na próxima quinta-feira os togados que ainda não votaram devem se pronunciar e o mestre de cerimônias do circo supremo, desempatar o previsível placar de 5 a 5. Que Deus nos ajude.

O Vem Pra Rua convocou para o próximo sábado (9) uma manifestação popular visando pressionar o Congresso a fazer seu papel — só a mudança da lei pode evitar interpretações perversas do STF no futuro, e só o Legislativo pode resolver o problema de forma definitiva. A Coalizão Convergência protocolou junto à PGR uma petição de DENÚNCIA de ilegalidade em todo o processo em andamento no STF. No entendimento de seus signatários — entre os quais está o jurista Modesto Carvalhosa —, a denúncia indica que o julgamento não poderia estar ocorrendo porque o próprio STF já tinha pacificado a constitucionalidade da prisão em 2ª instância quando, em Repercussão Geral, julgou o Habeas Corpus nº 126.292, processo este que se tornou paradigma para o TEMA 925
  
Voltando à família real (não dá para não falar nessa usina de crises), a aversão de Jair Bolsonaro à imprensa que o imprensa revela que, embora seja beneficiário direto da democracia, o capitão caverna não assimilou após 28 anos de mandato parlamentar e dez meses de exercício da Presidência os rudimentos da noção de cidadania. Decorridas mais de três décadas do fim de uma ditadura que se dizia proclamada em nome de ideais democráticos, Bolsonaro ainda supõe que a sociedade brasileira está disposta a aceitar uma democracia de fachada. Outros tiveram a mesma ilusão. Deram-se mal.

Na semana em que o príncipe-herdeiro caçula contaminou a atmosfera com a ideia tóxica de um "novo AI-5", o pai imperador editou o primeiro ato institucional da nova era ao ordenar a todas as repartições públicas federais que cancelem assinaturas do jornal Folha de S.Paulo. Fez isso macaqueando seu amado Pato Donald Trump, que anunciara dias antes o corte das subscrições do New York Times e do Washington Post.

O mito tropical esboçou o seu AI-2. Ameaçou cassar a concessão que mantém no ar a TV Globo. Ironicamente, Folha e Grupo Globo sustentam em suas linhas editorias ideias congruentes com as que o Posto Ipiranga tenta colocar em prática. Coisas como responsabilidade fiscal, privatizações, eliminação de privilégios, enxugamento da estrutura do Estado, desburocratização, integração do Brasil à economia mundial… Mas o que preocupa Bolsonaro é a sua agenda paralela: controlar a caixa registradora do PSL, blindar o Zero Um, sedar o ex-factótum Fabrício Queiroz e seus vínculos milicianos, virar do avesso o depoimento do porteiro, livrar o Zero Dois na CPI das Fake News e servir filé mignon para o Zero Três.

A despeito da energia que desperdiça fabricando as crises internas que prejudicam o seu próprio governo, nosso indômito capitão ainda encontra tempo para desmantelar o aparato ambiental, caluniar ONGs, desmoralizar cientistas, fustigar instituições com a fábula do leão e das hienas, criticar artistas, sufocar organizações culturais e intimidar a imprensa — sobretudo o pedaço da imprensa que veicula em voz alta, com franqueza e lealdade à opinião pública, as coisas que os próprios ministros e aliados do governo comentam às suas costas.

Para Bolsonaro, a Folha desceu "às profundezas do esgoto" e a Rede Globo dedica-se à patifaria. O penúltimo presidente que expressou sentimentos semelhantes foi o demiurgo de Garanhuns, que tachava a Folha de "preconceituosa" — em 2010, o molusco se retirou bruscamente de uma mesa de almoço no jornal, alegando estar ofendido com um par de perguntas do então diretor de redação Otávio Frias Filho sobre sua política fisiológica de alianças e sobre o fato de ostentar desprezo pelo estudo, mesmo depois de se tornar um líder nacional. Quanto à emissora, Lula disse há nove dias, numa das inúmeras entrevistas que vem concedendo de suas acomodações VIP na Superintendência da PF em Curitiba: "Um dos desejos que eu tenho é fazer um ato público na frente da TV Globo. Passar um dia inteiro falando e mostrando as mentiras contadas a meu respeito".

Bolsonaro e Lula sustentam que a imprensa está desmoralizada e perde relevância. O morubixaba do Partido dos Trabalhadores que não trabalham diz isso desde a cadeia, enquanto aguarda por uma manobra do Supremo que anule suas sentenças. O capitão já foi informado por pesquisas de diferentes institutos de que não é incondicional nem inesgotável a boa vontade da plateia. Às voltas com uma popularidade declinante, o inquilino do Planalto torce para que o Supremo não desative os escudos que inibem investigações sobre os subterrâneos da família.

A imprensa tem muitos defeitos, mas arrosta a antipatia de gente como Bolsonaro e Lula por conta de uma virtude: cumpre a missão jornalística de adequar as aparências à realidade e não o contrário, como prefeririam os imperadores da política. O papel da imprensa não é o de apoiar ou de se opor a governos. Sua tarefa é a de levar à plateia tudo o que tenha interesse público. Só não entende isso quem não dispõe de discernimento intelectual para conviver com o livre curso de informações e ideias.

Jair Bolsonaro, por exemplo, não aceita senão o apoio irrestrito e a capitulação. Por isso sonha com uma democracia de fachada, sem imprensa independente. Há pessoas cuja obra só será devidamente entendida daqui a um século. Bolsonaro só poderia ser perfeitamente entendido no século passado.

Com Josias de Souza.

sábado, 2 de novembro de 2019

AINDA SOBRE O IMBRÓGLIO EDUARDO BOLSONARO E OUTRAS CONSIDERAÇÕES


Diálogo de acova entre um casal de coelhos: O macho: "Vamos fazer amor?" A fêmea: "O quê?" O macho: "Vamos fazer de novo?". Mutatis mutandis, essa piadinha sem graça espelha a rapidez com que muda o cenário político, dificultando a já difícil tarefa de escrever sobre ele. Enfim, ninguém falou que seria fácil. Vamos adiante.

Dizem que FHC, quando era ministro do governo Itamar, sempre dava um jeitinho de enviar o chefe em viagens ao exterior, para evitar... bem, acho que deu para entender. Não sei é verdade ou folclore, mas sei que naquela época não havia smartphones, conexão móvel via 3G/4G, WhatsApp, Twitter e que tais. Essa estratégia dificilmente funcionaria com Bolsonaro, não só devido ao contexto atual, mas também porque mesmo longe do solo pátrio nosso indômito presidente dá azo a toda sorte de polêmicas que a imprensa não perde a chance de explorar à saciedade. A maioria é mais inconsequente que contundente, mas todas "atrapalham o bom andamento do serviço", como disse recentemente o vice-presidente Hamilton Mourão.

Vejam esse rebosteio criado por Eduardo Bolsonaro. Como se já não bastassem o vídeo do leão e as hienas, a autodeclarada "afinidade" que o capitão disse ter com o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, acusado internacionalmente de ser o mandante do assassinato do jornalista Jamal Khashoggi, e, claro, a menção ao presidente na investigação do caso Marielle Franco, o deputado joga mais combustível na fogueira "defendendo" a ditadura, o AI-5 e outras asnices. No entanto, mesmo que se esteja fazendo tempestade em copo d'água, a família real tupiniquim bem que poderia se esforçar um pouco para pensar antes de falar. Não é a primeira vez que suas opiniões inconsequentes produzem ruído; no caso específico de Zero Dois, relembro o carnaval que fizeram devido a um vídeo republicado durante a campanha, no qual ele diz que "para fechar o STF bastariam um soldado e um cabo ". A colocação foi infeliz, mas a "ameaça" que ela parecia conter ao ser replicada fora do contexto se esvanecia quando ouvíamos toda a resposta e a pergunta que resultou na fala filho do capitão. Mas vivemos na época da pós-verdade, onde os fatos valem menos do que as versões.

A entrevista inconsequente do filho obliterou o desmentido da versão tendenciosa que a mídia disseminou sobre o suposto envolvimento do pai no caso Marielle, do qual os noticiários alardearam a suspeita à exaustão, mas deram quase nenhum destaque à notícia de que o MP-RJ desmentiu a versão do porteiro. Também falou-se "um monte" quando o capitão disse ter "afinidade" com o príncipe da Arábia Saudita, mas pouco foi dito sobre os US$ 10 bilhões que aquele país deve investir no Brasil. Ou sobre a apologia que deputados e influenciadores de esquerda vêm fazendo aos atos terroristas que estão acontecendo no Chile. Mas bastou o destrambelho partir do clã presidencial para a mídia "cumpanhêra" ser implacável.

E não é só a mídia: Ciro Gomes, por exemplo, que é conhecido por seus comentários intempestivos, chegou mesmo a se referir a Eduardo como "merdinha" e "tolete de esterco". Não sou admirador desse demagogo, mas é impossível não reconhecer que de vez em quanto ele acerta na mosca, como fez numa recente entrevista ao Congresso em Foco. Perguntado sobre Jair Bolsonaro, o pedetista disse tratar-se de um "despreparado paranoico"; perguntado sobre Lula, Ciro classificou-o de enganador profissional. "Lula é o grande responsável por essa tragédia econômica, social e política que o Brasil está vivendo, não tem grandeza, só pensa em si". Pausa para os merecidos aplausos (às vezes, até um burro cego é capaz de encontrar a cenoura).

Menos brilhante em seus pitacos — mas não menos esdrúxulo que seu ex-adversário no primeiro turno das eleições passadas —, Fernando Haddad, o bonifrate do encantador de burros, que está desempregado desde outubro do ano passado e deveria pedir desculpas por ser tão servil a um corrupto e lavador de dinheiro, por ter desgovernado São Paulo durante quatro anos e por afirmar que a Venezuela é uma democracia — regurgitou a seguinte pérola“Eduardo Bolsonaro pediu desculpas por defender um novo AI-5. Poderia pedir desculpas por ter ofendido o filho do presidente eleito da Argentina. Por ter tentado usurpar o cargo de embaixador do Brasil nos EUA. Por homenagear miliciano e torturador. E pelo pai”. É o roto criticando o esfarrapado!
    
Haveria muito mais a dizer, mas prolongar esta postagem repisando o que já se sabe seria chover no molhado. Melhor acompanhar o desenrolar dos acontecimentos e ver se será mesmo protocolado um pedido de cassação do deputado boquirroto, lembrando que as "comissões de ética", tanto da Câmara quanto do Senado, são tão úteis quanto um ministério da Marinha na Bolívia.

Antes de encerrar, achei por bem mencionar que os ex-governadores do Rio de Janeiro Anthony Garotinho e Rosinha Matheus, que haviam sido presos na última quarta-feira (ele pela quinta vez e ela, pela terceira), deixaram a prisão no dia seguinte, graças à pronta intervenção do ministro Gilmar Ferreira Mendes. A propósito, relembro que sua excelência encabeça a lista de ministros supremos com mais pedidos de impeachment — pelas últimas contas, são 10 contra ele e 9 contra Toffoli; a única que escapa até agora é a ministra Cármen Lúcia.

Só neste ano foram 16 pedidos de abertura de processos de impeachment contra os supremos togados, a maioria motivada por decisões contrárias ao que a população brasileira espera do Judiciário, como a do próprio Gilmar, que autorizou a suspensão da investigação contra o senador Flávio Bolsonaro no caso Queiroz. Não obstante, se depender de Davi Alcolumbre, que claramente não tem interesse algum em lhes dar seguimento, os processos continuarão dormitando eternamente em berço esplêndido nas gavetas do Senado, o que nos leva a pensar se os pontos de vista de Eduardo Bolsonaro... bem, é melhor deixar pra lá.

sexta-feira, 1 de novembro de 2019

CORTINAS DE FUMAÇA E ESQUELETOS NO ARMÁRIO



Eu já havia concluído a postagem de hoje quando soube da declaração do deputado Eduardo Bolsonaro — aquele que seria indicado para embaixador do Brasil nos EUA, mas que atendeu ao pedido do papai presidente e ficou por aqui mesmo, para servir seu país como líder do governo da Câmara dos deputados. Dentre outras estultices, o parlamentar defendeu medidas drásticas — como "um novo AI-5" — para conter manifestações de rua como as que ocorrem no Chile atualmente.

Durante a campanha eleitoral, um vídeo que viralizou nas redes sociais mostra Zero Três dizendo que era necessário apenas "um cabo e um soldado" para fechar o STF. Na última terça-feira, em discurso no plenário da Câmara,  o deputado afirmou que a polícia deveria ser acionada em caso de protestos semelhantes e o País poderia ver a "história se repetir". Na ocasião, ele não explicou a que período se referia, mas deixou isso claro na entrevista que concedeu à jornalista Leda Nagle, que foi veiculada na tarde de ontem: "Se a esquerda radicalizar a esse ponto, vamos precisar dar uma resposta. E essa resposta pode ser via um novo AI-5, pode ser via uma legislação aprovada via plebiscito, como ocorreu na Itália. Alguma resposta vai ter que ser dada".

Ao ser questionado por jornalistas, Bolsonaro pai não escondeu seu desagrado, mas limitou-se a sugerir que cobrassem do filho as explicações, e que quem falasse tamanha besteira só poderia estar sonhando. Quando chegar em casa, o menino vai levar boas palmadas (e parece que levou mesmo, como se vê na atualização mais abaixo).

Brincadeira à parte, a diarreia verbal de Zero Três — que teria prestado um bom serviço ao nosso país se tivesse ficado nos EUA, fritando hambúrgueres numa lanchonete que serve somente frango frito — caiu como uma bomba no Congresso, levando, inclusive, os presidentes de ambas as casas a se manifestar. Ambos repudiaram as declarações do deputado, naturalmente, a exemplo do que fizeram outros parlamentares que a imprensa conseguiu pegar no laço (quinta-feira à tarde sobram bem poucos congressistas em Brasília). Alguns falaram na cassação de Eduardo por quebra de decoro parlamentar.

ATUALIZAÇÃO:

Depois da repercussão negativa de sua parvoíce, Eduardo Bolsonaro, em entrevista à TV Bandeirantes, fez o que já se esperava: “Peço desculpas a quem porventura tenha entendido que eu estou estudando o retorno do AI-5, ou o governo, de alguma maneira, mesmo eu não fazendo parte do governo, está estudando qualquer medida nesse sentido. Essa possibilidade não existe. Agora, muito disso é uma interpretação deturpada do que eu falei. Eu apenas citei o AI-5. Não falei que ele estaria retornando”.

Desmentidos não faltaram nos 10 meses que o governo Bolsonaro completa neste dia de Todos os Santos. Isso e a indefectível atribuição de culpa à imprensa — que tem lá sua parcela de responsabilidade, mas não neste caso específico. Mas, afinal, que efeito imaginava o deputado obter com sua estapafúrdia sua declaração, senão desagradar a gregos e troianos?  Na Câmara, já se fala em pedir sua cassação. Não sei se a punição é cabível, mas sei que a maioria de seus pares não tem moral para criticá-lo, nem a quem quer que seja. Sobretudo os de esquerda. Isso sem mencionar o todo-poderoso "Botafogo", que publicou um post repudiando o despautério, sendo prontamente seguido pelo presidente do Senado — outro que... bem, melhor deixar pra lá. Quem tem telhado de vidro não deveria jogar pedra em telhado dos outros, mas quem sou eu para meter a colher nesse caldeirão? Na melhor das hipóteses, apenas mais um eleitor (que não votou no deputado, diga-se de passagem).

Salvo melhor juízo, há um pouco de exagero nisso tudo. Estão fazendo tempestade em copo d'água, como fazem a cada pronunciamento "polêmico" de Jair Bolsonaro e respectiva prole. Basta relembrar outras falas pitorescas do deputado de Zero Três para ver que a asnice da vez não chega a surpreender. O que assusta é sua, digamos, falta de tato, sobretudo se considerarmos que esse parlamentar foi cogitado para o cargo de embaixador nos EUA.

Partidos da oposição ameaçam pedir a cabeça de Eduardo já nos próximos dias. Não há base para responsabilizá-lo criminalmente, como alguns de seus pares — demonstrando conhecimentos jurídicos profundos como um pires — ameaçaram fazer. Já a cassação é uma medida de caráter político e, para que aconteça, basta vontade política. Por outro lado, há parlamentares (pelo menos três) que discutem leis durante o horário de trabalho no Congresso e voltam à cadeia para dormir, o que demonstra que as tais "comissões de ética" da Câmara e do Senado são tão inúteis quanto sapatos para minhocas.

Volto a esse assunto oportunamente, talvez na postagem de amanhã. Antes de passar ao texto que eu havia preparado para esta sexta-feira, dia de Todos os Santos, segue a transcrição do comentário de Josias de Souza sobre o capitão e distintíssima prole.

A loucura tem razões que a sensatez desconhece. Jair Bolsonaro é um ex-capitão que deixou a tropa depois de um episódio de indisciplina. Chegou ao Planalto com mais de 57 milhões de votos, numa ascensão meteórica que coroou 28 anos de vida parlamentar. E seu filho querido, Eduardo Bolsonaro, eleito deputado com a maior votação do país, achou que seria uma boa ideia defender numa entrevista a volta do AI-5, o mais draconiano ato institucional da ditadura militar, que mergulhou o Brasil nas trevas. Impossível contemporizar. Se isso não acabar no plenário da Câmara na forma de um processo de cassação por quebra do decoro parlamentar, ficará entendido não que Eduardo Bolsonaro está meio maluco, mas que o Legislativo está completamente doido. 

Como alternativa para combater uma hipotética radicalização de esquerda, o príncipe herdeiro sugere uma legislação repressora qualquer, "aprovada através de um plebiscito". O plebiscito é uma forma de expressão da vontade do povo. Está previsto na Constituição. Entretanto, a defesa de plebiscitos nos lábios do filho de um presidente que acaba de ser eleito é uma ideia golpista destinada a emparedar o Congresso, à moda de Hugo Chávez. É uma maluquice dentro da outra. 

A pretexto de se contrapor a um inexistente levante esquerdista de rua, o filho do monarca sugere a adoção do veneno como antídoto. Esse penúltimo despautério produzido no seio da primeira-família chega dias depois da estupidez anterior, que foi a veiculação do vídeo em que o presidente-leão estava cercado por hienas-rivais. Bolsonaro desculpou-se pelo post que Carlos Bolsonaro, o príncipe Zero Dois, disse que ele mesmo havia divulgado. Desculpas já não resolvem. Pode-se apagar um vídeo do Twitter. Mas é impossível deletar os pendores autoritários do DNA dos Bolsonaro. Por sorte, a democracia tem remédios contra esse tipo de patologia.

Sobre o infeliz vídeo que compara Bolsonaro a um leão e o STF, o PSL, a OAB e outras instituições a um bando de hienas, disse o togado supremo Marco Aurélio que pode ser uma “cortina de fumaça” para desviar o foco das revelações dos áudios do ex-assessor Fabrício Queiroz. É possível que desta vez o ministro esteja certo — afinal, nem ele é capaz de errar todas as vezes. Aliás, o decano supremo também criticou o vídeo, que foi publicado na conta oficial do presidente no Twitter e depois apagado, devido à repercussão negativa. Detalhe: Em 1989, quando foi promovido a ministro supremo, Celso de Mello foi chamado de “juiz de merda” pelo então ministro da Justiça (Saulo Ramos). Vejam vocês onde fomos amarrar nosso bode.

Bolsonaro retornou ao Brasil nesta quinta-feira, depois de um périplo pela Ásia e Oriente Médio que começou pelo Japão, no dia 22, passou pela China, pelo Catar e pelos Emirados Árabes, terminou na Arábia Saudita e cumpriu (ao menos em parte) o objetivo de fechar parcerias comerciais e atrair investimentos para o Brasil — o destaque foi a notícia de que o fundo soberano da Arábia Saudita investirá US$ 10 bilhões no Brasil, e que, na China, o governo assinou protocolos sanitários para exportar farelo de algodão e carne termoprocessada. Mas o que mais repercutiu na mídia foi a autodeclarada "afinidade" que o capitão disse ter com o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, acusado internacionalmente de ser o mandante do assassinato do jornalista Jamal Khashoggi. E, claro, as polêmicas do vídeo do leão entre hienas e da menção do nome de Bolsonaro na investigação do caso Marielle Franco.

Nesta semana, tanto a FOLHA quanto O GLOBO divulgaram áudios em que Queiroz aparece falando sobre a demissão de uma funcionária "fantasma" do gabinete de Zero Dois, que é vereador no Rio de Janeiro (a Cileide, que eu não sei se é a mesma do Doutor Pimpolho). Durante a viagem, o capitão afirmou que a funcionária do gabinete do filho não era fantasma e que sua demissão “não tem nada para espantar”.

Sobre o imbróglio Marielle, a perícia feita pelo MP não detectou se algum áudio foi excluído do sistema do condomínio de Bolsonaro, mas encontrou a gravação de Ronnie Lessa autorizando a entrada de Élcio de Queiroz no dia da morte da vereadora. Seja lá como for, essa relação da primeira família com milicianos não vem de hoje. Galinha que anda com pato acaba se afogando. Para bom entendedor...

A despeito de toda essa merdeira, a Bolsa bateu mais um recorde na quarta-feira, encerrando o pregão com alta de 0,79%, aos 108.407 pontos. Na manhã da quinta, porém, a Bovespa voltou a registrar uma forte queda, com negócios ainda ditados pela temporada de balanços corporativos do terceiro trimestre, após reunião do COPOM confirmar expectativa do mercado de corte na taxa básica de juros (Selic): às 11:12 do dia das bruxas, o índice B3 registrava baixa de 1,83%, com 106.426,88 pontos, mas se recuperou ao longo do dia e fechou em 107.219,83 pontos — ainda em baixa, mas de "apenas" 1.10%.

Até onde se consegue ver em meio à poeira que ainda não baixou totalmente, esse furdunço parece ter nascido morto, pelo menos à luz do que já se apurou sobre o depoimento do porteiro. Mas tem potencial para azedar de vez a relação do presidente com Wilson Witzel, que evoluiu de ruim para muito pior. Antes, Bolsonaro estava em rota de colisão com o governador fluminense; agora, entrou no estágio da explosão. 

Bolsonaro atribui a Witzel o vazamento de informações judiciais sigilosas sobre o depoimento em que um porteiro o envolveu "levianamente" no caso Marielle, e acusa o ex-aliado de ter ordenado à polícia civil do Rio a manipulação do inquérito — um "ato criminoso" de quem tem a ambição de chegar ao trono presidencial. Aliás, é impressionante a competência do capitão em semear inimizades (cito os casos do ex-coordenador de campanha e ex-secretário-geral da Presidência Gustavo Bebianno e, mais recentemente, do general Santos Cruz e de ex-correligionários como Luciano BivarAlexandre Frota e Joice Hasselmann, apenas para ficar nos mais notórios).

Bolsonaro disparou também contra a Globo — usando, inclusive, termos como "patifaria", "porra", "canalhas", "imprensa porca", "jornalismo podre". A irritação se justifica: uma matéria isenta deveria focar as contradições no depoimento do porteiro, e não da forma como a notícia foi veiculada, plantando a dúvida para só depois atrelar frases adversativas, como "mas o registro da Câmara aponta que Bolsonaro estava em Brasília", por exemplo. Na avaliação de José Nêumanne, a "barrigada" da emissora foi fruto de vagabundagem no duplo sentido da palavra: preguiça e abandono de mínimos cuidados a ser tomados em qualquer denúncia, caso de dar a palavra ao denunciado, qualquer que seja ele. A Vênus Platinada errou ao não ouvir a versão de Bolsonaro e este, ao fazer uma live furiosa, insinuando, inclusive, que pode tornar bastante difícil a vida da Globo em 2022, quando ela deverá renovar sua concessão de TV pública. Segundo especialistas em comunicações, porém, o poder do presidente da República de interferir na concessão de uma emissora de TV é remoto, justamente para preservar a liberdade de imprensa.

Enfim, quem revirar esse angu ainda vai encontrar muitos dentes de coelho — como um segundo áudio, que teria sido apagado, o sumiço de imagens das câmeras de segurança, sem mencionar o vazamento de dados (vale lembrar que a investigação corre sob sigilo na Justiça do Rio). Vamos continuar acompanhando.

quinta-feira, 31 de outubro de 2019

SOBRE BOLSOSIMBA E MAIS SOBRE O DIVÓRCIO DE GUZZO E VEJA


Sobre Bolsosimba, o bolsolion das arábias, a usina de crises funciona a pleno vapor também no exterior. Se o presidente fosse eficiente assim na produção do que interessa, o Brasil seria um grande país.

O sapientíssimo ministro Marco Aurélio afirmou que o vídeo que compara o Jair Bolsonaro a um leão, e o STF, o PSL, a OAB e outras instituições, a hienas (e que foi apagado da conta do presidente no Twitter, diante da forte repercussão negativa) pode ser encarado como uma “cortina de fumaça” para desviar o foco das revelações dos áudios do ex-assessor Fabrício Queiroz, que é investigado pela prática de "rachadinha" do gabinete de Flávio Bolsonaro, a chamada "rachadinha". 

Não é lá muito convincente a justificativa de Bolsonaro de que houve um “erro” (na publicação do tal vídeo), porque o próprio capitão assume a “responsabilidade”, embora dê a entender que o filme foi veiculado sem seu aval. Ou está mentindo, ou está dizendo à nação que seu esquema de redes sociais é seara fora de controle. uma legítima casa da mãe joana, para usar de expressão vulgar ao alcance do entendimento do próprio. Assista ao clipe para mais detalhes sobre mais esse episódio surreal em nossa bizarra republiqueta da Bananas:



Enquanto essa polêmica absurda e fora de hora sobre a analogia infeliz feita pelo mito, assoma no horizonte mais um imbróglio com potencial para causar mais frisson (como dizia o saudoso Ricardo Boechat, morre-se de tudo no jornalismo, menos de tédio) e nos levar a amaldiçoar (mais uma vez) Lula e o PT por nos forçar a "escolher" esse toco para amarrar nosso bode. 

Deve-se essa nova crise às relações perigosas da família Bolsonaro com milicianos. Para evitar que uma dificuldade aparentemente pequena se torne crítica e passe a influenciar o rumo do governo, o presidente precisaria acender a luz de casa, aconselha Josias de Souza. Mas, numa transmissão ao vivo pelas redes sociais, o mito ficou fora de si. A irritação compromete seu discernimento e o impede de ver que o nome da crise não é imprensa, e sim família Bolsonaro. Mas vamos por partes.

Deu no Jornal Nacional da última terça-feira que o nome do presidente foi suscitado na (interminável) investigação da morte da vereadora psolista Marielle Franco. Segundo o noticioso da Globo, a polícia do Rio descobriu que o suspeito Élcio de Queiroz entrou no condomínio Vivendas da Barra, no dia em que a parlamentar foi assassinada, alegando que visitaria (o então deputado) Jair Bolsonaro, quando na verdade foi encontrar com, Ronnie Lessa, também suspeito de ter participado do crime.

Após a veiculação da reportagem, o capitão afirmou que tem presença registrada no painel de votações da Câmara dos Deputados não só no dia 14 de março, mas também nos dias anteriores e posteriores ao do caso citado pelo porteiro à polícia (de fato, registros da Câmara acusam sua presença em duas votações no plenário no dia do crime, uma às 14h e outra às 20h30). Também negou a versão do porteiro e reiterou que não conhece os acusados pela morte da vereadora. Disse que o depoimento foi forjado em uma tentativa de atingi-lo, que se trata de uma fraude, uma farsa para atacar a imagem e a reputação do presidente da República. Sua defesa levanta, inclusive, a hipótese de que a pessoa que afirmou ter ido procurar Jair Bolsonaro o tenha dito com intuito de incriminar o presidente da República.

MP-RJ consultou Dias Toffoli — o diplomata da injustiça — para saber se pode prosseguir com as investigações — vale lembrar que, segundo o § 4º do artigo 86 da Constituição, "o Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções"  (o grifo é meu).

Atualização: O ministro da Justiça pediu à PGR a abertura de inquérito para apurar “todas as circunstâncias” da citação do nome de Bolsonaro nas investigações do assassinato da vereadora psolista (ocorrido há exatos 597 dias). Na edição de ontem, o JN noticiou que Élcio Queiroz esteve na casa de Ronnie Lessa, embora tenha anunciado ao porteiro que iria à casa de Bolsonaro e de o funcionário ter dito que “seu Jair” autorizou sua entrada. Também na noite de ontem o capitão reafirmou numa live que os registros no painel de votação da Câmara comprovam sua presença em Brasília no dia em questão e especulou sobre os motivos que podem ter levado o porteiro a citar o seu nome em depoimento: "Ou o porteiro mentiu, ou foi induzido a cometer um falso testemunho, ou escreveram algo no inquérito que o porteiro não leu e assinou embaixo". O vice-presidente, general Hamilton Mourão, disse considerar o depoimento do porteiro "muito fraco", mas que seria leviano dizer que o objetivo é atingir a pessoa do presidente, embora seja essa a impressão que se tem. Ouça mais sobre mais esse furdunço em https://soundcloud.com/jose-neumanne-pinto/neumanne-301019-direto-ao-assunto 

Enfim, a novidade chega num instante em que Fabrício Queiroz, um policial militar que trabalhou com os Bolsonaro, envia pelo WhatsApp sinais de que se considera abandonado. O ex-assessor de Zero Um na Alerj ainda não forneceu ao MP-RJ uma explicação que fique em pé sobre suas movimentações financeiras. Amigo de Queiroz, o ex-capitão Adriano Magalhães da Nóbrega, da PM do Rio, teve a mãe e a mulher pendurados na folha salarial do gabinete de Flávio Bolsonaro. Apelidado de "Caveira", o oficial Adriano foi expulso da corporação. Comandava uma milícia em Rio das Pedras. Está foragido.

É contra esse pano de fundo que a polícia civil do Rio encosta na biografia de Bolsonaro um letreiro de neon com o nome de Marielle. A novidade mistura-se aos passivos que não saem das manchetes. Acusado de peculato e lavagem de dinheiro, Zero Um percorre os corredores do Senado como se nada tivesse sido descoberto sobre ele. Duplamente blindado pelo Supremo — por uma liminar de Dias Toffoli e outra de Gilmar Mendes —, o ora senador toma distância de Queiroz: "Não falo com ele há quase um ano". Bolsonaro ecoa o filho. 

Afora os crimes de peculato e lavagem de dinheiro atribuídos a Flávio Bolsonaro e a rachadinha administrada por Queiroz, o MP-RJ esquadrinha a folha do gabinete de Zero Dois na Câmara Municipal do Rio. Recolheram-se indícios de que funcionava ali outro ninho de ilegalidades funcionais. Num ambiente assim, presidente que se queixa da imprensa soa como capitão de navio que reclama da existência do mar. Só Bolsonaro sabe o tamanho real do buraco em que ele e sua família estão metidos. 

Toda crise tem um custo. Bolsonaro precisa decidir quanto deseja pagar. A fatura vai aumentando com o tempo. Em tese, ele ainda dispõe de três anos e dois meses de governo. Não há blindagem que dure tanto tempo. Melhor acender a luz, nem que seja num dos cômodos: o quarto das crianças.

Sobre o "divórcio" mencionado no título, segue a transcrição do texto autoexplicativo que J.R. Guzzo postou na casa nova:

Desde o último dia 15 não sou mais colaborador da revista “Veja”, na qual entrei em 1968, quando da sua fundação, e onde mantinha uma coluna quinzenal desde fevereiro de 2008. A primeira foi publicada na edição de 13/02/2008. A partir daí a coluna não deixou de sair em nenhuma das quinzenas para as quais estava programada.

Na última edição, com data de 16/10/19, a revista decidiu não publicar a coluna que eu havia escrito. O artigo era sobre o STF, e sustentava, como ponto central, que só o calendário poderia melhorar a qualidade do tribunal — já que, com a passagem do tempo, cada um dos 11 ministros completaria os 75 anos de idade e teria de ir para casa.

Supondo-se que será impossível nomear ministros piores que os destinados a sair nos próximos três ou quatro anos, a coluna chegava à conclusão que o STF tende a melhorar.

A liberdade de imprensa tem duas mãos. Em uma delas, qualquer cidadão é livre para escrever o que quiser. Na outra, nenhum veículo tem a obrigação de publicar o que não quer.

Ao recusar a publicação da coluna mencionada acima, “Veja” exerceu o seu direito de não levar a público algo que não quer ver impresso em suas páginas. A partir daí, em todo caso, o prosseguimento da colaboração ficou inviável.

Ouvimos, desde crianças, que não há bem que sempre dure, nem mal que nunca se acabe.

Espero que esta coluna tenha sido um bem que não durou, e não um mal que enfim acabou. Muito obrigado.

quarta-feira, 30 de outubro de 2019

NÃO HÁ ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL. O BRASIL É UMA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA



A menos que o imprevisto tenha voto decisivo na assembleia dos acontecimentos, encerrar-se-á na próxima semana o julgamento sobre a constitucionalidade (ou não) do cumprimento antecipado da pena após condenação em segunda instância. Quando a sessão foi suspensa, no último dia 24, havia 4 votos a favor da jurisprudência atual e 3 pela mudança, ou seja, pela prisão somente depois do trânsito em julgado — o que nesta banânia equivale a dizer "no dia de São Nunca".

Até agora, somente Rosa Weber e Ricardo Lewandowski seguiram o voto de Marco Aurélio — relator das famigeradas ADCs do PEN, da OAB e do PCdoB, mas tudo indica que Cármen Lúcia deve acompanhar os dissidentes e Gilmar Mendes e Celso de Mello, o relator. Se esse prognóstico se confirmar, caberá a Dias Toffoli proferir o voto de Minerva.

O jurista Modesto Carvalhosa defende a suspensão do julgamento até que o Congresso faça seu papel, e convoca a população a sair as ruas para protestar no próximo dia 9. Independentemente da pressão popular, o mestre de cerimônias do cirquinho supremo já acenou com a possibilidade de mudar seu posicionamento, embora não o tenha dito com todas as letras (detalhes na postagem de anteontem).

Toffoli vinha defendendo uma solução conciliadora — uma "terceira via" nem tanto ao mar, nem tanto à terra, que deságua na prisão após o julgamento dos recursos na terceira instância (STJ). Na última segunda-feira, no entanto, enviou ao Congresso uma proposta para alterar o Código Penal e impedir a prescrição dos processos que chegam ao STJ/STF. Assim, o prazo prescricional seria suspenso (ou seja, pararia de contar) na segunda instância, mesmo que réus investigados, que já foram condenados, entrassem com recursos em instâncias superiores. Já há precedentes na 1ª Turma no sentido de que a decisão na segunda instância interrompe a contagem da prescrição, mas a 2ª Turma, que conta com Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello, costuma se posicionar no sentido contrário.

A corrupção sempre campeou solta sob as barbas do Gigante Adormecido, mas só foi institucionalizada no governo Lula, a partir de quando os bandidos de gravata, estimulados pela sensação de impunidade, passaram a roubar com uma voracidade nunca vista na história deste país. O cenário começou a mudar em 2012 com o julgamento da Ação Penal 470 — mais conhecida como processo do Mensalão —, da qual Lula, inacreditavelmente, escapou incólume.

Para se ter uma ideia de como a Justiça é "célere" no país da impunidade (entre aspas para ressaltar a ironia), basta lembrar que o Mensalão foi delatado em 2005 pelo ex-deputado Roberto Jefferson, um dos condenados. O Supremo só começou a julgar o caso em agosto de 2012 e terminou, após um ano e meio e 69 sessões, com a apreciação dos embargos infringentes. Dos 38 réus no processo, 24 restaram condenados.

A Lava-Jato teve início em 2009 — com a investigação de crimes de lavagem de recursos relacionados ao ex-deputado federal José Janene e aos doleiros Alberto Youssef e Carlos Habib Chater —, mas sua primeira fase ostensiva foi deflagrada somente em março de 2014. Cumpriram-se então 81 mandados de busca e apreensão, 18 de prisão preventiva, 10 de prisão temporária e 19 de condução coercitiva, em 17 cidades de 6 estados e no DF. Como mais de 80 mil documentos foram apreendidos pela PF — além de diversos equipamentos de informática e celulares — Rodrigo Janot, então no comando da PGR, designou um grupo de procuradores para analisar todo esse material e propor as acusações, e do trabalho dessa equipe resultaram as primeiras denúncias.

As apurações indicavam a existência de um grande esquema de corrupção e lavagem de dinheiro na Petrobras, o que levou à segunda fase do caso. Atendendo a um pedido da defesa dos envolvidos, o STF suspendeu as investigações, e o ministro Teori Zavascki determinou que somente a parte que tocava aos investigados com direito a foro privilegiado permanecesse no STF. Meses mais tarde, Paulo Roberto Costa assinou um acordo de colaboração com o MPF, comprometendo-se a devolver a propina recebida (incluindo os milhões bloqueados no exterior), detalhar todos os crimes cometidos e a apontar os demais participantes. Depois dele foi a vez de Alberto Youssef, e vários acordos de colaboração importantes foram negociados pela força-tarefa — os que não envolviam políticos com prerrogativa de foro foram enviados para a 13ª Vara Federal do Paraná, comandada pelo então juiz Sérgio Moro.

Ao completar 5 anos, a maior operação contra a corrupção da história deste país contabilizou 242 condenações contra 155 pessoas em 50 processos por lavagem de dinheiro, corrupção ativa e passiva, fraude à licitação, organização criminosa, evasão de divisas, lavagem de dinheiro, tráfico internacional de drogas, crime contra a ordem econômica, embaraço à investigação de organização criminosa e falsidade ideológica. Nesse período, R$ 2,5 bilhões retornaram à Petrobras, a principal estatal lesada pelo esquema — uma média de R$ 1,37 milhão por dia devolvido aos cofres públicos desde 2014. No total de 13 acordos de leniência com empresas envolvidas, está previsto o ressarcimento de R$ 13 bilhões, valor superior à previsão de gastos da Justiça Federal (R$ 12,8 bi) ou do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (R$ 11,9 bi) descritos no Orçamento Anual de 2019. Segundo o MPF, o valor apurado pode chegar a R$ 40 bilhões.

Como toda ação implica uma reação, as articulações capitaneadas por caciques políticos, líderes partidários, congressistas e até membros do alto escalão do poder Judiciário cresceram em progressão geométrica. Fossemos relembrar aqui principais ataques sofridos pela Lava-Jato, esta matéria se desdobraria em pelo menos uma dúzia de capítulos, mas pode-se resumir a ópera dizendo simplesmente que, a despeito do que alardearam os alarmista de plantão, a força-tarefa, qual Fênix mitológica, renasceu das cinzas uma vez depois da outra. Pelo menos até agora.

A ação do espúrio site The Intercept foi fundamental para a formação da tempestade perfeita, sobretudo quando Moro, Dallagnol e companhia se tornaram alvo dos vazamentos verdevaldianos, que tanta alegria proporcionaram aos políticos corruptos e os criminalistas estrelados que cobram honorários milionários para postergar sua prisão.

Num país minimamente sério, diálogos não periciados e obtidos criminosamente pelo hackeamento de 1000 celulares de autoridades governamentais, membros do judiciário, procuradores e políticos iriam para a lata do lixo juntamente com Verdevaldo das Couves, o coveiro de reputações. Mas não numa republiqueta de bananas, onde Verdevaldo é tratado pela mídia "cumpanhêra" como herói nacional. Acho até que ele só não foi sondado por algum partido para disputar as próximas eleições presidenciais porque nossa Constituição (que não é lá grande coisa) determina que somente brasileiros natos podem concorrer ao cargo de presidente desta banânia.

Ainda que os diálogos atribuídos a Moro, Dallagnol e companhia fossem periciados e tidos como verdadeiros, sua origem continuaria sendo criminosa, torando-os imprestáveis como prova em juízo. E mesmo que as transcrições não tivessem sido editadas ou manipuladas de alguma maneira — o que se admite apenas para efeitos de argumentação — elas nada comprovam senão o empenho do ex-juiz da Lava-Jato e dos procuradores da força-tarefa na defesa dos interesses da sociedade e sua determinação na luta contra a grande corrupção, mesmo tendo de enfrentar os mais poderosos corruptos da República.

Curiosamente, baixada a poeira que se levantou com a prisão do bando responsável pelo hackeamento, a imprensa quase nada mais publicou de relevante sobre o assunto, sobretudo depois que as investigações apontaram o possível envolvimento da pecedebista Manuela D'Ávila, que compôs com o bonifrate de Lula a chapa derrotada pelo capitão caverna nas eleições presidenciais de 2018. Poder-se-ia atribuir essa "perda de interesse" às estultices de Bolsonaro, à tramitação conturbada da PEC Previdenciária e, mais recentemente, à disputa por poder e dinheiro entre o capitão caverna e integrantes da alta cúpula do PSL. Mas não se pode perder de vista o fato de que veículos supostamente isentos e respeitáveis — como Folha, UOL, BandNews e Veja, entre outros — seguiram Verdevaldo como os ratos na fábula do Flautista de Hamelin. 

E incontestável que a opinião pública, como que tomada de uma “cólera santa” contra a podridão que a Lava-Jato trouxe a lume, contribuiu em grande medida para o impeachment da gerentona de araque e, mais adiante, para o encarceramento de seu criador e mentor — a autodeclarada "alma viva mais honesta do Brasil", em cuja alegada lisura no trato com a coisa pública muita gente ainda acredita —, mas não é esse o ponto, e sim o fato de termos subestimado a resiliência do crime organizado. Mas é igualmente incontestável que políticos corruptos, como as baratas, são capazes de sobreviver aos piores cataclismos, até mesmo nucleares.

Mesmo com vários chefes da corrupção presos (inclusive o capo di tutti i capi), os interesses dos corruptos vem sendo garantido por uma engenhosa articulação suprapartidária, cujas ramificações vão de dentro de uma cadeia no Brasil até o exterior e que se alimenta da vaza-jato do Intercept et caterva, cujo primeiro alvo, como dito linhas atrás, foi o ex-juiz federal e atual ministro da Justiça, tido e havido como algoz dos corruptos devido a sua seriedade, coragem, tenacidade e eficiência no combate à corrupção e a impunidade no Brasil.

É nesse pé que a coisa está. Resta saber como ficará, pois a política é como as nuvens no céu: a gente olha, elas estão de um jeito; olha de novo, e tudo mudou. Tomara que mude para melhor.