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segunda-feira, 23 de outubro de 2017

AÉCIO (BRANCA DE) NEVES E OS 6 ANÕES (DO STF) ― A JUSTIÇA DE KARAKOUSS



Como é sabido, a 1ª Turma do STF afastou o senador tucano Aécio Neves do cargo e determinou seu “recolhimento noturno” ― como se ladrão só roubasse à noite.

Como também é público e notório, o mineirinho havia sido flagrado tentando extorquir R$ 2 bilhões de certo moedor de carne bilionário, réu confesso e atualmente domiciliado no sistema penitenciário nacional. Os senadores reagiram contra a decisão, alegando que a punição a parlamentares cabe ao Senado ou à Câmara, conforme o caso, mas não ao Supremo.

Para minimizar a rusga entre os poderes, Estrupício Oliveira, presidente do Senado, combinou com a Madre Superiora, presidente do STF, que os senadores aguardariam o posicionamento do plenário da Corte sobre à decisão da 1ª Turma. O resultado, como também se sabe, garantiu, por 6 votos a 5, que a chave do galinheiro fique em poder das raposas.

Com isso, o Supremo se apequenou ― especialmente a ministra Cármen Lúcia, por razões que saltam aos olhos de quem a viu proferir seu voto ―, e suspiraram aliviados senadores, deputados, governadores peemedebistas, tucanos e petistas, além do próprio presidente da Banânia, ministros de Estado e um sem-número de investigados por corrupção, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e obstrução da Justiça.

Observação: O STF havia decidido o contrário, tempos atrás, com o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, que perdeu o cargo, o mandato, e está preso até hoje. O que vale, então?

O caso de Aécio não se limita somente a Aécio. Tirava o sono dos nobres parlamentares o Efeito Orloff ― o famoso “eu sou você amanhã” ―, já que 1/3 dos 81 senadores e 1/4 dos 513 deputados federais estão enrolados com a Justiça penal. Portanto, era fundamental salvar o tucano depenado, o pseudo bastião da moralidade e da ética que traiu 51 milhões de eleitores ― mesmo que para, depois, deixá-lo falando sozinho.

Aécio não teve coragem de subir na tribuna em seu retorno. Falou dois minutos, junto à cadeira, para dizer que reagiu “com serenidade” a retomada do mandato. De passagem, ele afirmou ser vítima de uma “ardilosa armação” e aproveitou para esbravejar contra “os bandidos” Batista ― aqueles mesmos empresários amigos a quem ele pedira o “empréstimo” de R$ 2 milhões para pagar seus advogados. Se existe uma “ardilosa armação”, não é contra ele, mas contra seus eleitores.

Enfim, parafraseando o senador Romero Jucá ― que responde a 13 inquéritos no STF, 8 dos quais oriundos da Lava-Jato ―, os senadores estancaram a sangria. Talvez por isso, todos os políticos indiciados se declarem inocentes e afirmem “confiar na Justiça”, quando na verdade ele confiam na impunidade, já que, com o beneplácito do Supremo, passaram a ser senhores do próprio destino, sem ingerência dos urubus togados: a menos que seus pares consintam, nenhum deles pode ser preso ou punido com medidas cautelares diferentes da prisão.

Como disse Ruth de Aquino em sua coluna na revista Época desta semana, “A Lava-Jato não tira mais o sono dessa caterva. A Câmara e o Senado viraram casas de tolerância. Armação, conspiração, complô, perseguição, traição. Temos visto um desfile de senadores, deputados, governadores, prefeitos e empresários dizendo-se vítimas de delatores, da PF, do Ministério Público e do juiz Sergio Moro.” Como se não houvesse malas de dinheiro, bunkers milionários e propinoduto de toda espécie, a população assiste de camarote, bem-comportada, a essa inominável procissão, enquanto Temer ajuda Aécio a recuperar o mandato para que Aécio o ajude a se livrar da segunda denúncia ― e todos recebendo ligações de solidariedade do representante máximo de Deus na Terra, o superministro Gilmar Mendes. E o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, fazendo a dança do passinho entre uns e outros, todos mirando 2018. Já se rediscute até uma medida saneadora tão celebrada pela sociedade, que é o cumprimento da pena após a decisão em segunda instância. A questão foi suscitada pelo ministro Alexandre de Moraes ― nomeado por sua insolência o (ainda) presidente desta Banânia ―, que não sossegará enquanto não reverter essa decisão do próprio Supremo. Parece incrível, mas é possível!    

Fato é que a nossa mais alta Corte conseguiu uma proeza inédita no âmbito do Direito ao errar em ambas as decisões. Na primeira, por invadir a seara de outro Poder da República; na segunda, ao tentar corrigir o erro de forma atabalhoada e estapafúrdia ― como diziam os antigos, “cagaram e sentaram em cima”. É certo que o Congresso Nacional se tornou um covil de ladrões. Mas é o eleitorado, não o Supremo, que tem de consertar isso.

Como bem disse J.R. Guzzo, “Com sua intromissão, os ministros pariram Mateus, e agora têm de embalar, amamentar e esperar uns 10 ou 12 anos para ver qual o sexo que a criatura prefere. E enquanto o Supremo cria a criança que não poderia ter parido, os ficam sem saber o que está valendo. As decisões finais sobre corrupção no Legislativo são do Congresso ou do Judiciário? Talvez fique valendo o que resolverem da próxima vez. O ministro Luís Roberto Barroso argumentou que seria uma injustiça deixar ‘três peixes pequenos presos’ e o ‘peixe grande’ solto, mas ele não está lá para medir o tamanho dos peixes, e sim para cumprir a Constituição. Tem todo o direito de não gostar dela, mas não de escolher quando vale e quando não vale o que está escrito nela. Aécio não é peixe graúdo nem miúdo, é um senador da República, por mais que isso se revele um disparate. E é senador porque foi eleito; se o povo votou errado, paciência ― a Lei não obriga o eleitor a votar certo.”

Sem Aécio ― e os que vêm do mesmo saco de farinha, começando por seus inimigos e todos os parasitas, mentirosos e ladrões que mandam no país e fingem ser diferentes entre si ― o Brasil seria um lugar mais justo, mais sadio e mais limpo. Mas ele é membro do Congresso, e esse Congresso, que positivamente está entre os piores do mundo, é o único que existe por aqui, como também só existe um STF e uma única Constituição ― essa mesma do “Senhor Diretas”, antes adorada de joelhos como a “Constituição Cidadã”, grande fonte de direitos populares, e hoje tida como um manual de estímulo à roubalheira. Fazer o quê? Acabar com tudo?

Para finalizar, transcrevo um conto das 1001 Noites que cai como uma luva neste contexto:

Conta-se que Karakouss, quando governava o Cairo, recebeu em audiência um ladrão que havia quebrado a perna ao cair da janela de uma casa que tentava invadir.

― Culpa da moldura que cedeu ― disse o bandido.

O governador mandou chamar o dono da casa e lhe perguntou por que a moldura da janela fora feita tão fraca a ponto de ceder e levar o pobre ladrão a quebrar a perna. Constrangida, a vítima do ladrão atribuiu a culpa pelo tombo ao carpinteiro, que teria sido regiamente pago para fazer um bom serviço.

Chamado às falas, o carpina se defendeu dizendo que, distraído pela visão de uma moça bonita que passava pela rua trajando um lindo vestido vermelho, se esquecera de fixar a moldura com o número suficiente de pregos.

Karakouss mandou localizar a moça, que, interrogada, atribuiu sua beleza às graças de Alá e disse que havia comprado o vestido de um mascate de nome Mustafá. Em busca da justiça absoluta, Karakouss mandou vir o vendilhão, a quem perguntou:

― Tu, miserável! Por que vendeste um vestido vermelho a essa moça, fazendo-a distrair o carpinteiro em seu trabalho e causando a infelicidade desse pobre ladrão?

Como o infeliz comerciante não apresentou uma justificativa satisfatória, foi preso e condenado a ser enfocado na porta da prisão. 

Ao ser inteirado pelos guardas de que Mustafá era muito alto para ser enforcado na porta da prisão, Karakouss, que tinha solução para tudo, mandou procurar um comerciante mais baixo para ser enforcado no lugar daquele. Os guardas foram ao souk (mercado) e de lá trouxeram outro mascate, que, a despeito de seus protestos, foi enforcado na porta da prisão.