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sexta-feira, 23 de novembro de 2018

VEÍCULOS FLEX: MELHOR USAR GASOLINA OU ÁLCOOL? (Parte 12) — DOWNSIZING



Vimos que torque é trabalho e potência é a rapidez com que esse trabalho é realizado. Vimos também que essas grandezas são expressas, respectivamente, em kgfm e cv nas fichas técnicas dos carros nacionais, e que o deslocamento volumétrico do motor não é o único responsável pela quantidade de torque e potência que ele é capaz de produzir. Agora, veremos o que significa “downsizing”.

Numa tradução livre, o termo downsizing designa “encolhimento” e comumente utilizado em relação a redução de pessoal ou de custos no mundo empresarial. No âmbito da indústria automotiva, ele tem a ver com a redução no tamanho dos motores (número de cilindros, deslocamento volumétrico, etc.) sem perda de desemepenho. Assim, os gigantescos V8, como os que marcaram presença no Brasil com o Ford Maverick GT e o Dodge Charger R/T, por exemplo, vêm sendo aposentados e substituídos por propulsores de 4 e até 3 cilindros.

O deslocamento volumétrico do motor (também chamado de clindrada ou capacidade cúbica) é determinado pelo número de cilindros e pelo diâmetro e curso dos pistões. Tradicionalmente, maior deslocamento garantia mais torque e potência, mas a evolução tecnológica vem permitindo que motores com menos cilindros e capacidades cúbicas mais reduzidas tenham desempenho equivalente ao de seus irmãos maiores, mas gastando menos combustível e despejando menos poluentes na atmosfera.

Com 8 cilindros em V e 4.945 cm3 de cilindrada, o motor do Maverick GT produzia (e ainda produz, porque há remanescentes ativos e operantes) 197 cv a 4.600 rpm e torque de 39,5 kgfm a 2.400 rpm, levando os 1.400 kg do sedã esportivo a 100 km/h em 11 segundos e à velocidade máxima de 182 km/h. O consumo urbano o fabricante era de 4,5 km/l (de acordo com o fabricante), mas eu me lembro de ter gasto meio tanque para ir do bairro da Liberdade a Osasco e voltar de lá até o Aeroporto de Congonhas. Tudo bem que era de madrugada, a ideia era testar os limites do carro e aproveitar a Marginal Pinheiros, que naquela época não estava apinhada de radares fotográficos. Portanto, o trajeto não foi feito exatamente devagar, mas o fato é que o consumo daquela barca era assustador! Mesmo assim, para quem gosta do riscado não há nada como o ronco feroz de um V8.

Observação: A inscrição “302-V8” que se vê no paralama dianteiro do Maverick que ilustra esta postagem expressa a cilindrada” do motor em polegadas cúbicas (padrão de medida utilizado nos EUA). Conforme já vimos, a cilindrada corresponde o volume da mistura ar-combustível que os cilindros admitem. Para converter o padrão norte-americano ao utilizado no Brasil (e em diversos países), basta multiplicar o valor em polegadas cúbicas pela constante 16,375. Assim, 302 x 16,375 = 4.945,25, valor que, em números redondos, corresponde ao 5.0 do propulsor do Maverick V8.

Contemporâneo do Maverick, o Fusca 1300, com seu motor boxer de 4 cilindros e 1.298 cm3, dispunha de 46 cv cv a 4.600 rpm e 9,1 kgfm a 2.800 rpm para empurrar seus 800 kg, e levava intermináveis 40 segundos para alcançar 100 km/h (quase a sua velocidade máxima). Tamanha lerdeza não se refletia na economia de combustível (não para os padrões atuais), pois o carrinho bebia um litro de gasolina a cada 7 km (trajeto urbano). A título de comparação, o VW UP! Cross 1.0 TSI, com motor de apenas 3 cilindros e 999 cm3, conta com 105 cv a 5.000 rpm e 16,8 kgfm a 1.500 rpm para levar seus 920 kg a 100 km/h em 9 segundos. Sua velocidade máxima é de 184 km/h e seu consumo urbano, de 14 km/litro.

O grande responsável por esse “prodígio de magia” é a sobrealimentação, velha conhecida dos aficionados por velocidade — quem não se lembra do icônico Porsche 911 Turbo, lançado nos anos 1970? Para entender melhor o que veremos na próxima postagem, clique aqui e relembre como funciona um motor de combustão interna do ciclo Otto.

Bom final de semana a todos e até segunda.

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

VEÍCULOS FLEX: MELHOR USAR GASOLINA OU ÁLCOOL? (Parte 9) — SOBRE TORQUE E POTÊNCIA


IMAGINAÇÃO É A INTELIGÊNCIA SE DIVERTINDO.
Ontem, 13, foi a segunda terça-feira de novembro, dia de Patch Tuesday da Microsoft. O problemático update de outubro (build 1809) não foi incluído (felizmente; se é para ter problemas, melhor ficar com a versão 1803 até que a mãe da criança dê seu jeito). Na minha máquina, o patch KB4467702 entrou liso feito quiabo, a exemplo de uma atualização do Adobe Flash Player. A ferramenta de remoção de software malicioso também rodou sem novidades. Desejo a mesma sorte a todos.

Abastecer um veículo Flex com etanol traz benefícios que transcendem a economia e o desempenho (o álcool custa mais barato e gera mais torque e potência). Mas nem tudo são flores nesse jardim. Antes de detalhar isso melhor, porém, é preciso preencher algumas lacunas que ficaram em aberto ao longo dos capítulos anteriores. Acompanhe.
Numa definição não muito exata do ponto de vista técnico, mas adequada aos propósitos desta postagem, a potência — que é medida em cavalos vapor (cv) cavalos de força (hp, do inglês horse-power) ou quilowatts (kW) — é responsável por fazer o veículo ganhar velocidade, ao passo que o torque — expresso em quilogramas-força/metro (kgfm) ou em Newtons-metro (Nm) —, por entregar a força.
Para fugir das intrincadas fórmulas que aprendemos no colégio e esquecemos logo após o vestibular, troquemos isso em miúdos: levar algo de um ponto a outro é trabalho, e torque representa trabalho, embora seja uma força com tendência a girar objetos (apertar as porcas da roda do carro é um bom exemplo: ao aplicar uma determinada força na chave de rodas, você cria o torque necessário para rosquear a porca no prisioneiro). Já a potência tem a ver com a rapidez com que esse trabalho é realizado (veículos mais potentes alcançam velocidades mais elevadas e se deslocam de um ponto a outro mais rapidamente do que os menos potentes).
Conforme vimos no capítulo anterior, o motor desenvolve sua potência máxima em regimes de giro elevados — entre 5.000 e 7.000 rotações por minuto nos carros de passeio, mas que chegam a 15.000 rpm nos bólidos de F1 —, ao passo que o torque máximo tende a surgir regimes inferiores — o que é bom: quanto menor o regime de giros em que ele é produzido e mais plana for sua “curva”, tanto melhor (vide figura que ilustra esta postagem).
Para não abrir mais uma lacuna a ser preenchida mais adiante, lembro que o torque costuma ser associado à arrancada, e a potência, à velocidade, embora ambos sejam produzidos pela combustão, aumentem conforme o giro do motor se eleva e atuem em conjunto durante todo o tempo em o veículo é utilizado. O fato de o torque máximo surgir em regimes inferiores ao da potência máxima se explica pela distância horizontal das bielas, que varia de acordo com sua posição em relação ao virabrequim. Com isso, o torque também varia, já que ele é o produto da força pela distância. Note que, com o pistão no ponto mais alto do ciclo e a biela alinhada verticalmente com o centro do virabrequim, nenhum torque é gerado — seria como posicionar a chave de roda na vertical e subir em cima dela; ainda que você conseguisse se equilibrar, a porca não se soltaria, pois o torque só se manifesta quando a força atua numa alavanca perpendicular ao eixo.
A potência, por ser associada à velocidade máxima, é usada como referência primária da eficiência do motor (isso nos veículos de passeio; nos ônibus e caminhões valoriza-se mais o torque — que  costuma ser mais abundante nos motores do ciclo Diesel, além de surgir em rotações mais baixas que nos do ciclo Otto. A título de ilustração, um motor diesel de 12 litros produz 400 cavalos (quase a mesma potência do motor V8 a gasolina de um Ford Mustang preparado), mas gera incríveis 228 kgfm de torque a 1.200 rpm, enquanto o Mustang entrega “apenas” 48,9 kgfm a 5.600 rpm.
torque é expresso em Newtons-metro (Nm) ou em Quilogramas-força x metro (kgfm ou m.kgf). 1 Nm corresponde ao torque produzido por 1 N de força aplicada a 1 m de distância do ponto de rotação, e equivale a aproximadamente 0,10 kgfm. Para entender isso melhor, pense na chave de rodas do nosso exemplo: quanto maior for seu braço, menor será o esforço (torque) necessário para girar a porca.
Motores de combustão interna (como os que equipam a maioria dos nossos veículos) transformam a energia calorífica gerada pela queima da mistura ar-combustível na energia mecânica produzida pelo movimento descendente do pistão. Em outras palavras, a força (torque) resultante da explosão é transmitida pela biela ao virabrequim, que a transmite, através do volante, ao câmbio (através da embreagem ou do conversor de torque, conforme o caso), que a desmultiplica e repassa ao diferencial, que faz girar as rodas motrizes (veja isso em detalhes nesta postagem).
Para não encompridar demais este texto, trataremos das unidades de potência na próxima postagem. Bom feriadão a todos.

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

VEÍCULOS FLEX: É MELHOR USAR GASOLINA OU ÁLCOOL? (Parte 2)


NADA INSPIRA MAIS CORAGEM AO MEDROSO DO QUE O MEDO ALHEIO.

Se ter um carro movido a álcool nos anos 80 e 90 era uma provação (a ponto de o slogan do governo “Carro a Álcool — Você ainda Vai Ter Um — soar como “praga de madrinha”), ter um veículo flexível (ou bicombustível) de hoje em dia é tudo de bom, sobretudo porque a maior parte dos problemas verificados nas primeiras safras das versões a álcool já foi sanada há tempos. Assim, a liberdade de escolher entre os dois combustíveis na hora de abastecer vem conquistando os motoristas e estimulando os fabricantes a aumentar a produção dos veículos “flex” e a “tropicalizar” alguns modelos importados, de modo a lhes garantir a mesma prerrogativa.

Como eu disse na postagem anterior, esse “prodígio” só foi possível depois que a indústria finalmente aposentou o pré-histórico carburador, que dosava a mistura queimada nas câmaras de combustão do motor através de gargulantes (também chamados de “giclês), resultando numa proporção estequiométrica invariável — em torno de 14,6:1 nos modelos à gasolina e 8,4:1 nos modelos a álcool. Já na injeção eletrônica, sensores estrategicamente posicionados realizam diversas medições em tempo real e enviam os dados a um módulo que realiza ajustes na mistura, no ponto de ignição, etc., de maneira a otimizar a queima. Daí por que os veículos “flexíveis” podem ser abastecidos com gasolina, álcool ou a mistura de ambos em qualquer proporção.

Por proporção estequiométrica, entenda-se a relação entre a quantidade de ar e combustível que chega até a câmara de combustão, é comprimida pelo movimento ascendente do pistão e inflamada pela centelha produzida pela vela de ignição. A “explosão” resultante gera o movimento descendente do êmbolo, cuja biela faz girar o eixo de manivelas responsável por transmitir essa “força” para as rodas motrizes, mas não sem o concurso do sistema de embreagem, das engrenagem da caixa de câmbio, do diferencial, etc. (A quem interessar possa, tudo isso foi detalhado numa matéria iniciada nesta postagem).

Uma proporção estequiométrica de 14,6:1 — como a que é usada nos motores à gasolina — indica que a mistura é composta de 14,6 vezes mais ar do que combustível (ainda bem que não pagamos pelo ar). No álcool, a proporção é de 8,4:1, e a razão de essa mistura ser mais “rica” é o menor poder calorífico do etanol.

Observação: Não confunda proporção estequiométrica com taxa de compressão, pois esta última indica quantas vezes a mistura ar-combustível é comprimida pelo pistão. Uma taxa de compressão em torno de 10:1 (como a que é utilizada nos motores à gasolina) significa que a mistura é comprimida 10 vezes antes de a centelha produzida pela vela de ignição provocar sua queima. Nos veículos a álcool, essa taxa aumenta para 12:1. Tenha em mente que a taxa de compressão reflete diretamente no rendimento térmico do motor, mas é limitada pela capacidade de detonação do combustível (voltarei a esse assunto oportunamente).

Via de regra, um carro flex “roda menos quilômetros por litro” com álcool do que com gasolina, mas isso não significa necessariamente maior custo por quilômetro — embora exija abastecimentos mais frequentes, o que pode ser um problema em viagens longas por estradas nas quais os postos ficam muito espaçados entre si. Se a diferença de preço entre os dois combustíveis for de 30%, o custo empata; se for maior, será mais vantajoso abastecer com etanol, como reza a tal regrinha dos 70% que que eu mencionei no início do capítulo anterior.

Mas vantagens de usar álcool não param por aí, como veremos na postagem da próxima segunda-feira. Até lá.

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