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quinta-feira, 7 de julho de 2022

SERGIO MORO DE VOLTA ÀS ORIGENS (CONTINUAÇÃO)


Vimos que uma das primeiras derrotas de Moro como o “superministro” a quem Bolsonaro havia prometido carta-branca foi a transferência do Coaf para o Ministério da Economia, depois que o órgão identificou “movimentações financeiras atípicas” e mal explicadas na conta de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro, amigo de longa data do presidente e factótum da Famiglia Bolsonaro. 


Outro foco de tensão surgiu com a nomeação de Ilona Szabó como suplente do Conselho Nacional de Política Criminal e PenitenciáriaMoro teve que recuar da escolha devido a uma campanha de bolsonaristas nas redes sociais, nas quais os aloprados lembraram que, além de divergir do capitão em temas como armamento e política de drogas, Szabó havia se posicionado contra ele durante a campanha eleitoral de 2018.

 

Os sinais de interferência do Planalto na Receita Federal, sobretudo na unidade do Rio de Janeiro, começaram no primeiro ano do governo. As pressões se referiam principalmente à troca de servidores em postos de comando do órgão. Em meio a apurações que atingem autoridades e também familiares e pessoas próximas a Bolsonaro, um subsecretário-geral do posto fluminense chegou a ser substituído pelo governo, em 2019, por se posicionar de forma contrária às intervenções. Questionado na época sobre as ingerências na Receita e na PF, o mandatário afirmou: “Fui eleito presidente para interferir mesmo, se é isso que eles querem. Se é para ser um banana ou um poste dentro da Presidência, tô fora”.

Depois de tudo que Bolsonaro disse na reunião ministerial de 22 de abril de 2020, nem a Velhinha de Taubaté acreditaria que ele não interferiu “politicamente” na PF. Não interferiu uma, mas diversas vezes. E quase sempre para proteger sua prole (quatro dos seus cinco filhos são alvo de investigações, a exemplo do pai, que responde a pelo menos meia dúzia de inquéritos). Mas a PF parece ser mais crédula do que a finada personagem de Luíz Fernando Veríssimo: como também foi dito no capítulo anterior, o órgão concluiu que o presidente não cometeu crime por interferências na instituição.

 

Bolsonaro coleciona interferências na PF e em outras áreas ligadas ao governo como filatelistas colecionam selos postais. Quando questionado, reafirma sua autoridade com um “quem manda sou eu”, deixando claro o poder de sua patética esferográfica Bic — como fez em fevereiro do ano passado ao substituir Castello Branco por Silva e Luna na presidência da Petrobras, suscitando comparações com os governos petistas. "Não adianta a imprensa falar que eu intervi [sic]. Estão na mesma linha da questão da Polícia Federal, que eles não acharam nada de interferência minha no tocante à PF", postou o presidente (ou seu ghost writer) numa de suas redes sociais. 


Em 2019Bolsonaro defendeu publicamente que a Petrobras rompesse contratos com o escritório de advocacia de Felipe Santa Cruz — então presidente da OAB e desafeto do capitão. 


No mesmo ano, "o presidente que não interferiu na PF segundo a própria PF" avançou sobre decisões internas do órgão ao anunciar a substituição do então superintendente da PF no Rio de JaneiroRicardo Saadi — na época, a PF divulgou nota afirmando que Saadi seria substituído por Carlos Henrique Oliveira, mas Bolsonaro disse ter acertado previamente que o cargo seria ocupado pelo superintendente no estado do Amazonas, Alexandre Saraiva.


Bolsonaro ignorou a lista tríplice do MPF por duas vezes ao indicar o jurista soteropolitano Augusto Aras para o comando da PGR. A condução do processo foi chamada de retrocesso e criticada por sugerir risco à autonomia do MPFAras já abriu diversas apurações para investigar supostos ilícitos de seu suserano, mas sempre a contragosto e sem jamais encontrar algo que o desabone, a despeito de as evidências estarem diante de seu nariz. 


Bolsonaro bancou a eleição de Arthur Lira para a presidência da Câmara para ter um aliado no comando da Casa e, de quebra, um cão de guarda para seus quase 150 pedidos de impeachment. Para favorecer o aliado, o "mito" prometeu cargos a congressistas e acenou com a liberação de recursos de emendas parlamentares e ofereceu até a recriação de ministérios para acomodar indicados do Centrão — e chegou mesmo a admitir a intervenção.


Bolsonaro determinou a demissão de André Brandão da presidência do Banco do Brasil, foi convencido a recuar pelo ministro da Fazenda e pelo presidente do Banco Central, mas recuou do recuo menos de dois meses depois. Em outro episódio envolvendo o BB, ele não só mandou tirar do ar uma campanha publicitária com atores que representavam a diversidade racial e sexual, mas também determinou que campanhas de natureza mercadológica de estatais passassem a ser submetidas previamente à Secretaria de Comunicação Social (também nesse caso ele acabou recuando). Em outra oportunidade, anunciou ter implodido o Inmetro (com a substituição da então presidente do órgão por um militar do Exército) porque “não gostou” das mudanças que envolviam tacógrafos e provocaram reclamações de motoristas e taxistas. 

 

Em diferentes momentos, Bolsonaro requisitou a AGU para tarefas que podem ser consideradas como extrapolação de seu escopo institucional. Numa ocasião, mandou o órgão tomar providências sobre a reclamação de que seguidores não estariam conseguindo postar fotos na página presidencial no Facebook. Em 2020, desautorizou a AGU no episódio da posse do delegado Alexandre Ramagem no comando da PF, mandando-a recorrer da decisão do ministro Alexandre de Moraes depois que a instituição publicou nota informando que não contestaria a decisão do STF. 

 

Bolsonaro mobilizou o Ministério da Justiça para impetrar um pedido de habeas corpus em favor do ex-ministro Abraham Weintraub. A petição, assinada pelo então ministro da Justiça, André Mendonça — posteriormente alçado ao STF com as bênçãos do capitão —, foi considerada inapropriada, já que a tarefa caberia à AGU ou a um advogado pessoal (enviar um documento com a assinatura de Mendonça foi uma maneira de Bolsonaro dar um caráter político, e não técnico, à manifestação num momento em que o Judiciário estava sob ataque). 


Bolsonaro exonerou o presidente do Inpe porque ele divulgou dados que desmentiam a falaciosa posição do governo sobre o desmatamento da Amazônia — o capitão queria que as informações fossem discutidas com o Palácio do Planalto antes de serem tornadas públicas. Dois dias após a exoneração, indicou em entrevista ter ordenado ao ministro da Ciência e Tecnologia a exoneração do subordinado. “Está a cargo do ministro. Eu não peço, certas coisas eu mando”, afirmou o sultão do bananistão.

 

O Brasil se tornou um país surpreendente porque nada mais surpreende de verdade. A conclusão estapafúrdia da PF sobre a ingerência de Bolsonaro no órgão perde para duas teratológicas decisões supremas: a que avalizou por 8 votos a 3 o delírio fachiniano segundo o qual a 13ª Vara Federal de Curitiba não era competente para julgar Lula, e a que confirmou por 7 votos a 4 a decisão da 2ª Turma que reconheceu a parcialidade de Sérgio Moro na condução de quatro processos contra Lula. Vale lembrar que a defesa do petralha ingressou com cerca de 400 recursos na ação referente ao tríplex, e todos foram rejeitados — alguns, inclusive, pelo próprio STF —, e que, no caso do sítio de Atibaia, o TRF-4 confirmou a decisão da juíza substituta Gabriela Hardt. 

 

Observação: Preso numa espécie de “Dilema do Bonde”, Fachin optou por anular as condenações de Lula para evitar um “mal maior” à Lava-Jato — que seria a declaração de parcialidade de Moro. A estratégia retirou de Curitiba os processos do triplex, do sítio e dois outros envolvendo o Instituto Lula, mas que ainda estavam em fase de instrução. Quase nove meses depois, todas as ações enfrentaram reveses na Justiça e Moro foi declarado suspeito, apesar da manobra de Fachin, que anulou os atos decisórios praticados nas quatro ações penais, mas manteve válidas as quebras de sigilo, interceptações e material resultante de buscas e apreensões). Na sequência, Moro foi declarado suspeito, o MPF pediu o arquivamento do processo do tríplex (por prescrição) e a nova denúncia no caso do sítio foi rejeitada pela JF do DF.



Continua... 

sexta-feira, 5 de maio de 2023

A NOVELA DA VEZ

Depois do escândalo da muamba das arábias, os primeiros capítulos da novela da vez têm como roteiro a visita da PF à casa de Jair Bolsonaro na última quarta-feira, durante o cumprimento 16 de mandados de busca e apreensão e seis de prisão preventiva no escopo da Operação Venire, que apura suspeitas de fraude em dados do certificado de vacinação contra a Covid do ex-presidente, da ex-primeira-dama, da filha do casal e de familiares do tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens do capitão, preso preventivamente nesta quarta-feira. 

Segundo a PF, Cid teria conspirado para emitir cartões falsos de vacinação para sua esposa e filhas, e depois para o presidente e sua filha Laura, então com 11 anos. As investigações foram baseadas nas quebras de seu sigilo telefônico e telemático em outro inquérito que investiga uma live em que Bolsonaro associou a vacina contra a Covid à contaminação por AIDS. Durante o depoimento, Cid permaneceu em silêncio.

Ao autorizar a ação, o ministro Alexandre de Moraes escreveu que não há qualquer indicação nos autos que conceda credibilidade à versão de que o ajudante de ordens de Bolsonaro pudesse ter comandado relevante operação criminosa, destinada diretamente ao então mandatário e sua filha sem, no mínimo, conhecimento e aquiescência daquele, circunstância que somente poderá ser apurada mediante a realização da medida de busca e apreensão requerida pela autoridade policial. 

As inserções falsas sob suspeita se deram entre novembro de 2021 e dezembro de 2022, e tiveram como consequência a alteração da verdade sobre fato juridicamente relevante, qual seja a condição de imunizado dos beneficiários. O objetivo do grupo seria "manter coeso o elemento identitário em relação a suas pautas ideológicas, no caso, sustentar o discurso voltado aos ataques à vacinação contra a Covid".
 
O relatório da PF atribui aos investigados crimes de infração de medida sanitária preventiva, associação criminosa, inserção de dados falsos em sistemas de informação e corrupção de menores, mas o relatório enviado ao ministro Alexandre atribui especificamente a Bolsonaro os crimes de uso de documento falso e de corrupção de menores, além de dizer que há indícios consistentes de que o então presidente tinha conhecimento da alteração fraudulenta dos dados no sistema do Ministério da Saúde. Bolsonaro seria ouvido pela PF na própria quarta-feira 3, mas se recusou a depor. O advogado Fabio Wajngarten afirmou que seu cliente só se manifestará após a defesa ter acesso aos autos. 
 
Observação: A eventual entrada de Bolsonaro nos EUA com certificado de vacinação falso configuraria crime federal naquele país, com pena de até dez anos de prisão, mas vale lembrar que quando desembarcou na Flórida, no final de dezembro passado, ele ainda era presidente e tinha passaporte diplomático. 
 
Além de jamais ter informado se tomou ou não a vacina, Bolsonaro impôs um sigilo de até cem anos aos dados — um dos mais de mil temas colocados em sigilo durante sua gestão —, mas as suspeitas de que havia algo de podre em Pindorama surgiram depois que um integrante do grupo interdisciplinar Infovid rastreou o cartão de vacinação vazado à imprensa por um funcionário da CGU e descobriu dados estranhíssimos de vacinas aplicadas num posto do município fluminense de Duque de Caxias em datas coincidentes com motociatas realizadas no Rio de Janeiro.

Inicialmente, um médico bolsonarista lotado na prefeitura do município goiano de Cabeceiras teria preenchido os cartões de vacinação que o grupo tentou registrar no sistema eletrônico do SUS em Duque de Caxias. Mas o lote das vacinas tinha sido enviado para Goiás, de modo que o sistema rejeitou as informações, o que ensejou a troca de mensagens entre Cid e seus ajudantes, a partir das quais a PF descobriu que o grupo havia conseguido um outro número de lote, desta vez do Rio, para fazer o registro, imprimir os cartões e remover os arquivos digitais do sistema.
 
O portal Metrópoles informou que Bolsonaro manterá a versão de que desconhecia esquema dos cartões de vacina. Já o g1 publicou que uma servidora do SUS de Duque de Caxias que foi coagida a fornecer a sua senha de acesso ao sistema do Ministério da Saúde. Registros dão conta de que duas doses da vacina da Pfizer foram aplicadas em Bolsonaro e na filha, e a PF apurou que sua inserção no sistema foi feita pelo secretário municipal João Carlos de Sousa Brecha. No dia seguinte, o ConecteSUS emitiu o certificado de vacinação — que, ainda segundo a PF, foi solicitado do Palácio do Planalto. Uma semana depois, novo acesso foi feito a partir do mesmo dispositivo, solicitando a emissão do segundo comprovante de vacinação. 
 
No dia 30 de dezembro próximo passado, horas antes de Bolsonaro embarcar rumo à Flórida, um novo acesso ao ConecteSUS foi feito a partir do celular de Mauro Cid, que obteve um terceiro certificado de vacinação em nome de Bolsonaro no qual constava a dose única da vacina da Janssen. O relatório da PF diz ainda que o email vinculado à conta foi alterado neste período, passando a ser o do assessor Marcelo Costa Camara, que acompanhou o capitão na terra do Pateta.

A PF prendeu Mauro Cid, Max Guilherme e Sérgio Cordeiro, que acompanharam Bolsonaro em seu autoexílio na Flórida, e João Carlos de Sousa Brecha, secretário de Governo em Duque de Caxias. Marcelo Câmara — outro que viajou para os EUA com o ex-presidente — foi alvo de busca e apreensão. O deputado Gutemberg Reis, irmão do ex-prefeito de Caxias, e o ex-vereador carioca Marcello Siciliano são investigados por suposta participação no esquema. De acordo com o g1, todos os detidos optaram pelo silêncio no primeiro depoimento tomado após suas prisões. Bolsonaro e Michelle tiveram seus celulares apreendidos, mas o ex-presidente não informou a senha do seu aparelho.
 
Quanto ao restante do Clã, a ex-primeira-dama teria sido vacinada em setembro de 2021, em Nova Iorque (EUA). Segundo a Secom informou à época, quando fez o teste PCR ela foi indagada pelo médico se gostaria de aproveitar a oportunidade para ser vacinada e aceitou a oferta. Flávio Bolsonaro publicou em meados de 2021 um vídeo em que ele aparece sendo vacinado pelo então ministro da Saúde Marcelo Queiroga. No mês seguinte foi a vez de Eduardo Bolsonaro, que também postou um vídeo dando conta do fato.
 
Observação: Em dezembro de 2021, Bolsonaro afirmou categoricamente que sua filha, então com 11 anos, não tomaria a vacina, a despeito da resolução da Anvisa que autorizava a imunização de crianças de 5 a 11 anos. "Eu espero que não haja interferência do Judiciário. Espero, porque minha filha não vai se vacinar, estou deixando bem claro."

Diante da informação de que teria furado a fila para se vacinar, Carlos Bolsonaro disse: "A única coisa que devo ter furado deve ter sido a mãe de quem divulga mais uma fake news de nível global e diária! A escória não vive sem mentir e manipular! Não tomei vacina alguma!". Jair Renan teve Covid em 2020; na ocasião, ele disse que foi só uma "gripezinha" e que tomou cloroquina durante o período em que apresentou os sintomas (não há registros de que ele tenha sido vacinado).
 
Moraes determinou a apreensão do passaporte do ex-presidente que se mostrou desgostoso com a ação policial e questionou o motivo de os agentes terem ido a sua casa quando poderiam ter feito as perguntas diretamente a ele, além de destacar que a pressão sofrida por sua família é “desumana”. Na sua avaliação, tudo está sendo feito para criar fatos contra sua pessoa e prejudicá-lo politicamente.
 
Novos desdobramentos dessa tragicomédia surgem a cada minuto, mas eu preciso concluir este texto em algum momento. Antes, porém, vale acrescentar que a CNN Brasil noticiou no final da tarde de ontem que o ex-major Ailton Barros (mais um que foi preso na última quarta-feira) discutiu em dezembro último um golpe de Estado com Mauro Cid. De acordo com a PF, ele também integrou o grupo que teria forjado os registros de vacina.
 
CNN teve acesso a três áudios nos quais o ex-major descreve o "conceito da operação". No dia 15 de dezembro, ele diz: “É o seguinte, entre hoje e amanhã, sexta-feira, tem que continuar pressionando o Freire Gomes [comandante do Exército] para que ele faça o que tem que fazer". Até amanhã à tarde, ele aderindo… bem, ele faça um pronunciamento, então, se posicionando dessa maneira, para defesa do povo brasileiro. Se ele não aderir, quem tem que fazer esse pronunciamento é o Bolsonaro, para levantar a moral da tropa. Que você viu, né? Eu não preciso falar. Está abalada em todo o Brasil".
 
Barros ressalta a necessidade de Gomes ou Bolsonaro realizarem o pronunciamento comentado no áudio, dando preferência ao comandante do Exército, de modo que fique "tudo dentro das quatro linhas". A CNN entrou em contato com Bolsonaro, Cid, Barros e Gomes, mas ainda ainda aguardava retorno quando eu concluí este texto.
 
Detalhe: Um longo histórico de transgressões levou à expulsão de Ailton da corporação. Documentos do Superior Tribunal Militar obtidos pela CNN revelam que ele foi preso pelo menos sete vezes entre 1997 e 2006. Naquele ano, reportagens mostraram sua participação em um caso de desvio de armas do Exército para traficantes do Rio de Janeiro. O ex-major se identificava como "o 01 do Bolsonaro" em sua campanha para deputado federal em 2022, e teve quase 7 mil votos.

Triste o país onde o povo não tem capacidade para votar.

terça-feira, 5 de abril de 2022

INTERFERÊNCIA, EU?

Depois de tudo que Bolsonaro falou na reunião ministerial de 22 de abril de 2020, nem a Velhinha de Taubaté acreditaria quando ele diz que não interferiu “politicamente” na Polícia Federal. Não interferiu uma, mas diversas vezes — na maioria delas para proteger sua prole (quatro dos seus cinco filhos são alvo de investigações, a exemplo do pai, que responde a pelo menos meia dúzia de inquéritos). Mas a PF parece ser mais crédula do que a finada velhinha: a conclusão da investigação foi a de que o presidente não cometeu crime por interferências na instituição.

O Brasil se tornou um país surpreendente porque nada mais surpreende de verdade. A conclusão estapafúrdia da PF nem se compara à teratológica decisão suprema que avalizou o delírio fachiniano segundo o qual a 13ª Vara Federal de Curitiba não era competente para julgar Lula e, por 8 votos a 3, anulou tanto as condenações quanto as provas referentes a quatro processos — dois dos quais tiveram sentenças condenatórias ratificadas pelo TRF-4 e pelo STJ.

Bolsonaro coleciona interferências em órgãos e outras áreas ligadas ao governo como os filatelistas colecionam selos. Quando questionado, reafirma sua autoridade com um “quem manda sou eu” — “e eu quero o Ramagem lá”, como afirmou a jornalistas, referindo-se à ordem para que a AGU recorresse da decisão do Supremo que vetou a nomeação de Alexandre Ramagem. Também deixou claro o poder de sua caneta em fevereiro do ano passado, quando substituiu Castello Branco por Silva e Luna, na presidência da Petrobras, suscitando comparações com os governos petistas. "Não adianta a imprensa falar que eu intervi [sic]. Estão na mesma linha da questão da Polícia Federal, que eles não acharam nada de interferência minha no tocante à PF", disse ele em uma rede social no sábado.

Em 2019, Bolsonaro defendeu publicamente que a petrolífera rompesse contratos com o escritório de advocacia de Felipe Santa Cruz — então presidente da OAB e desafeto do capitão. Naquele mesmo ano, o mandatário que “não interferiu na PF”, segundo a própria PF, avançou sobre decisões internas do órgão ao anunciar a substituição do então superintendente da PF no Rio de Janeiro, Ricardo Saadi — na época, a PF divulgou nota afirmando que Saadi seria substituído por Carlos Henrique Oliveira, mas Bolsonaro disse ter acertado previamente que o cargo seria ocupado pelo superintendente no estado do Amazonas, Alexandre Silva Saraiva.

Bolsonaro ignorou a lista tríplice do MPF por duas vezes ao indicar Augusto Aras para o comando da PGR. A condução do processo foi chamada de retrocesso e criticada por sugerir risco à autonomia do Ministério Público. Aras já abriu diversas apurações para investigar supostos ilícitos de seu suserano, mas sempre a contragosto e nunca encontrado nada que desabone o chefe, a despeito de as evidências saltarem diante de seu nariz.

Bolsonaro bancou a eleição de Arthur Lira para a presidência da Câmara para ter um aliado no comando da Casa e, de quebra, um cão de guarda para os mais de 140 pedidos de impeachment protocolados em seu desfavor. Para tanto, prometeu cargos a congressistas e acenou com a liberação de recursos de emendas parlamentares e ofereceu até a recriação de ministérios para acomodar indicados do Centrão. Chegou mesmo a admitir a intervenção: “Vamos, se Deus quiser, participar, influir na presidência da Câmara, com estes parlamentares, de modo que possamos ter um relacionamento pacífico e produtivo para o nosso Brasil”.

Bolsonaro determinou a demissão de André Brandão da presidência do Banco do Brasil. Foi convencido a recuar pelo ministro da Fazenda e pelo presidente do Banco Central, mas recuou do recuo menos de dois meses depois — afinal, quem tem a caneta pode mais, e quem pode mais chora menos. Em outro episódio envolvendo o BB, o "mito" mandou tirar do ar uma campanha publicitária do banco com atores que representavam a diversidade racial e sexual: “A linha mudou. A massa quer o quê? Respeito à família. Ninguém quer perseguir minoria nenhuma, nós não queremos que dinheiro público seja usado dessa maneira”. O Planalto chegou a determinar que estatais deveriam submeter previamente à avaliação da Secretaria de Comunicação Social campanhas de natureza mercadológica, mas depois acabou recuando.

Bolsonaro anunciou ter implodido o Inmetro com a substituição da então presidente do órgão por um militar do Exército. As exonerações na autarquia, vinculada ao Ministério da Economia, foram decididas porque o mandatário não gostou das mudanças que envolveriam tacógrafos e provocaram reclamações de motoristas e taxistas.

Em diferentes momentos, Bolsonaro requisitou a AGU para tarefas que podem ser consideradas uma extrapolação do escopo institucional do órgão. Entre outras, acionou a AGU para tomar providências sobre a reclamação de que seguidores não estariam conseguindo postar fotos na página do presidente no Facebook. Em 2020, desautorizou a AGU no episódio da posse do delegado Alexandre Ramagem no comando da PF, barrada pelo ministro Alexandre de Moraes, mandando o órgão recorrer da decisão do magistrado depois de a AGU publicar nota informando que não contestaria o ato do STF.

Bolsonaro mobilizou o Ministério da Justiça para impetrar um pedido de habeas corpus em favor do ex-ministro da Educação Abraham Weintraub, intimado pelo STF  explicar os ataques feitos à Corte. A petição, assinada pelo então ministro da Justiça, André Mendonça — que foi guindado ao STF com as bênçãos do capitão, foi considerada inapropriada, já que a tarefa caberia à AGU ou a um advogado pessoal. Membros do governo disseram que enviar um documento com a assinatura de Mendonça foi uma maneira de dar um caráter político, e não técnico, à manifestação, em um momento no qual o Executivo estava em atrito com o Judiciário.

Durante a gestão do ex-juiz Sergio Moro, um dos primeiros focos de tensão do então ministro da Justiça e o presidente se deveu à nomeação de Ilona Szabó como suplente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Moro teve que recuar da escolha após campanha de bolsonaristas nas redes sociais. Os aloprados lembraram que, além de divergir do capitão em temas como armamento e política de drogas, Szabó havia se posicionado contra ele durante a campanha eleitoral de 2018. Bolsonaro confirmou publicamente, e em duas ocasiões, ter pressionado o ministro pela suspensão da nomeação, afirmando que ela possuía posicionamentos incompatíveis com o governo. E disse ainda que “não foi fácil conseguir a saída por causa da resistência de Moro”.

Observação: Nunca é demais lembrar que o presidente "acabou com a Lava-Jato porque não tem mais corrupção no governo" e que disse isso dias depois de seu líder no Senado ser flagrado, pela PF, com R$ 30 mil escondidos entre as nádegas!

Bolsonaro exonerou o presidente do Inpe depois que ele divulgou dados sobre o desmatamento da Amazônia que desmentiam a falaciosa posição do governo — o capitão queria que as informações fossem discutidas previamente com o Palácio do Planalto antes de serem tornadas públicas. Dois dias após a exoneração, Bolsonaro indicou em entrevista ter ordenado ao ministro da Ciência e Tecnologia a exoneração do subordinado. “Está a cargo do ministro. Eu não peço, certas coisas eu mando”, afirmou o presidente.

Os sinais de interferência do Planalto na Receita Federal, sobretudo na unidade do Rio de Janeiro, começaram no primeiro ano do governo. As pressões se referiam principalmente à troca de servidores em postos de comando do órgão. Em meio a apurações que atingem autoridades e também familiares e pessoas próximas a Bolsonaro, um subsecretário-geral do posto fluminense chegou a ser substituído pelo governo, em 2019, por se posicionar de forma contrária às intervenções. Questionado na época sobre as ingerências na Receita e na PF, o mandatário afirmou: “Fui eleito presidente para interferir mesmo, se é isso que eles querem. Se é para ser um banana ou um poste dentro da Presidência, tô fora”.

Bolsonaro continua presidente e, pior, candidatíssimo à reeleição. Como se não bastasse, tudo indica que, para nos livrarmos dele, teremos de amargar o retorno da cleptocracia lulopetista. Triste Brasil!

Texto baseado em informações publicadas pela Folha

sábado, 2 de julho de 2022

TÁ CHEIRANDO A SACANAGEM

 

Pelo menos cinco funcionárias da Caixa Econômica Federal denunciaram o presidente da empresa, Pedro Guimarães, por assédio sexual. Os relatos escancaram crime por qualquer ângulo que se observe. O Brasil é um país que maltrata mulheres desde sempre, mas vivemos tempos especialmente cafajestes. Nosso presidente acha que ter filha mulher é “fraquejar”, diz a uma mulher que “não te estupro porque você não merece” e muito mais. Seu exemplo é seguido em vários lugares, não só na CEF.


Bolsonaro está mal nas pesquisas e tem o desafio de reverter a enorme rejeição que sofre por parte das mulheres. Pois essas mulheres acabam de descobrir que Guimarães é um misógino e assediador contumaz, que isso é sabido no governo há tempos, e que mesmo assim era habitué das lives do capitão. 


Nos últimos dias, vazaram a gravação de Milton Ribeiro e a mensagem de Roberto Castello Branco, ambas incriminando o presidente; pedidos de investigação contra ele foram encaminhados ao STF; a CPI do MEC passou com folga; e já há quem fale em CPI da Petrobras. Não é coincidência. 


As revelações contra o mandatário e seu entorno estão vindo à tona porque há uma percepção generalizada de que o governo está fragilizado, vulnerável, sem condições de reagir, e cada novo escândalo torna ainda mais difícil reverter a situação. E — pode escrever — vem mais por aí.


Numa entrevista que concedeu às vésperas de completar os primeiros 100 dias de governo, Bolsonaro declarou que “a reeleição causou uma desgraça no Brasil”, porque “prefeitos, governadores e até o presidente se endividam, fazem barbaridades, dão cambalhotas” para permanecer no Poder. Uma semana atrás, quando começou a contagem regressiva de 100 dias para o encontro dos brasileiros com as urnas, Bolsonaro, rejeitado por 55% do eleitorado e sob a ameaça de amargar uma derrota no primeiro turno para Lula, fazia “barbaridades” e dava “cambalhotas” dentro dos cofres públicos por uma reeleição que as pesquisas apontam como improvável: se a eleição fosse hoje, Lula venceria no primeiro turno com 53% dos votos válidos. 

 

Embora esteja distante da reeleição, Bolsonaro exibe uma resistência notável, que lhe permite cultivar a perspectiva de levar a disputa para um segundo turno. É nisso que apostam seus operadores ao transformar o Tesouro Nacional num puxadinho do comitê de campanha. Entre os eleitores que ganham até dois salários-mínimos, que respondem por 52% dos votos, o ex-presidiário prevalece sobre o ex-capitão por uma diferença de 34 pontos. Como esse pedaço majoritário do eleitorado não só define os rumos da eleição, mas também é o que mais sofre os efeitos da inflação, é para esse público que Bolsonaro exibe suas “cabriolas”. O Bolsa Caminhoneiro de R$ 400, engavetado há oito meses por falta de recursos, ressurge agora como um PIX de R$ 1.000. Reajustado para R$ 400 numa cambalhota do ano passado, o Auxílio Brasil é turbinado para R$ 600, como queria a oposição, e o vale-gás mixuruca de R$ 53 dobra de valor.

 

As benesses de última hora são traçadas num pavimento superior ao teto de gastos e à revelia da lei eleitoral, que proíbe a criação de novas despesas na antessala das eleições. Mas a responsabilidade fiscal e a legalidade tornam-se fatores irrelevantes na fase das “piruetas” do capitão. Se tudo correr como deseja o comitê da reeleição, sua alteza irreal iria ao segundo round para ser surrado pelo sumo pontífice da Petelândia. Num cenário (desalentador) em que Ciro Gomes rala na casa dos 8% e Simone Tebet murcha para 1%, apenas o Senhor Imponderável poderia bagunçar as previsões eleitorais de 2022. Em 2018, essa entidade deu as caras duas vezes: quando o petralha foi preso e quando o dublê de mau militar e parlamentar medíocre levou a famosa facada. Afora o imprevisto, restam as acrobacias. Quanto mais “cambalhotas”, pior será a herança a ser deixada por Bolsonaro para 2023.

 

Em tempos de festas juninas, Bolsonaro continua pulando a fogueira. Com as bochechas carbonizadas, disse ter exagerado quando declarou que “colocaria a cara no fogo” por Milton Ribeiro. Mas afirmou que ainda põe “a mão no fogo” pelo ex-auxiliar, que se encontra bem passado na frigideira do inquérito conduzido pela PF. Na administração pública, as queimaduras podem ser de primeiro, de segundo ou de terceiro escalão. Bolsonaro apresenta reações epidérmicas de terceiro grau desde que solicitou ao então ministro que abrisse as portas que conduziram pastores de sua predileção ao FNDE, um cofre de terceiro escalão fornido com mais de R$ 50 bilhões e gerido pelo indefectível Centrão. 

 

Bolsonaro não é alvo da investigação que corre na primeira instância, mas a gravação em que Ribeiro lhe atribuiu o envio dos pastores ao MEC continua ressoando como um prenúncio do que está por vir, caso o projeto de reeleição naufrague. É graças ao áudio tóxico do ex-ministro que o mandatário mede as palavras ao se referir ao ex-auxiliar. No dia da prisão, tomou distância: “Ele que responda”, mordeu, antes de enaltecer a ação da PF como uma suposta evidência de que não interfere no órgão. “Se prendeu, tem motivo.” Abertas as celas, Bolsonaro soprou: “Nem devia ter sido preso”. A prisão preventiva passou a ser uma “maldade”.

 

A decisão do TRF-1 que levou à libertação dos presos é monocrática e provisória. Terá de ser analisada por uma turma composta por três desembargadores. A discussão não envolve o mérito do processo, que está apinhado de indícios de crimes. Discute-se apenas se os acusados deveriam ou não permanecer presos para não prejudicar a produção de provas. De resto, o bumbo da alegada independência da PF foi silenciado por uma carta do delegado responsável pelo caso, Bruno Calandrini (vide capítulos anteriores). Com Bolsonaro é assim: surge um escândalo dentro do outro.

 

O presidente me ligou, ele tá com um pressentimento...”, disse Ribeiro à filha. Que antevisão teria tido Bolsonaro? “Eles podem querer atingi-lo através de mim... É que eu tenho mandado versículos pra ele, né?”, disse o pastor à filha que, estranhou: “Ah... Ele quer que você pare de mandar mensagens?”, como se já tivesse ciência do teor dos “versículos” que seu pai despejava dentro do WhatsApp do presidente. O problema não estava no envio de trechos do novíssimo Testamento que inspira a relação do ex-ministro com o ex-chefe. 

 

A questão era que Bolsonaro pressentira que o sacrossanto relacionamento estava prestes a ser devassado: “Ele acha que vão fazer uma busca e apreensão... Em casa... Sabe?” Por alguma misteriosa razão, a filha de Ribeiro sentiu a necessidade de dar um aviso: “Eu tô te ligando de um celular normal viu, pai?” Era como se a moça, contagiada pelos pressentimentos de Bolsonaro, intuísse que a polícia poderia estar na escuta. O pai, também infectado pelo vírus da premonição, compreendeu rapidamente os temores da filha: “Ah é? Ah, então... Depois a gente fala, então, tá?” Foi nesse ponto que o pastor se apegou à fé como náufrago que agarra o jacaré imaginando que é um tronco. “Deus vai cuidar”, declarou, antes de mudar o rumo da prosa. O religioso parece não levar em conta que, embora Ele esteja em toda parte, o demônio ainda controla o imponderável e alguns setores da Polícia Federal

 

Era 9 de junho quando Bolsonaro disparou o telefonema que ora ex-ministro relatava para a filha. O mandatário se encontrava nos Estados Unidos, participando da Cúpula das Américas, mas o Tinhoso estava no comando. Com os instintos premonitórios aguçados pela companhia do chefe da pasta da Justiça, superior hierárquico da PF, Bolsonaro foi tomado de assalto (ops!) por um desejo irrefreável de conversar com o pastor, embora tivesse acabado de fazer uma viagem transoceânica e sua agenda incluísse um encontro com o presidente dos EUA. Mesmo assim, ele decidiu desperdiçar um naco do seu tempo para avisar o ex-ministro de que ele deveria se preparar para a visita da polícia. Treze dias depois, o presságio do capitão se materializaria na porta do apartamento do ex-ministro, na cidade de Santos. Depois de varejar gavetas e armários, os agentes federais levaram Ribeiro preso. Mas a prisão foi relaxada no dia seguinte. 

 

Perdeu-se algo essencial numa operação policial: o fator surpresa. “No fundo, ele não queria acreditar, mas ele tava sabendo”, declarou Myriam Ribeiro, mulher do pastor, noutro diálogo captado pelos grampos da PF. "Pra ter rumores do alto, a coisa... É porque o negócio já tava certo." Outros membros do grupo que os agentes classificaram como “organização criminosa” foram submetidos, em outras praças, ao mesmo ritual litúrgico. Foram à garra, por exemplo, os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, corretores de verbas do MEC junto a prefeituras. 

 

Milton, Gilmar e Arilton são exemplos acabados de uma mutação genética do espécime chamado “pastor bolsonarista”. Milton é pastor da Igreja Presbiteriana. Tem a admiração da primeira-dama. Ascendeu ao MEC por indicação do ministro “terrivelmente evangélico” André Mendonça, outro pastor presbiteriano. Gilmar achegou-se a Bolsonaro como presidente da Convenção Nacional de Igrejas e Ministros das Assembleias de Deus no Brasil e chefe do Instituto Teológico Cristo para Todos. A credencial de Arilton era de assessor de assuntos políticos da Convenção Nacional das Igrejas. Suponha-se que os três tenham sido devotados servos de Deus. É o que de melhor se pode fazer por eles. Quando se deu a mutação de pastores para alvos de batidas policiais? Infelizmente, o fenômeno da involução moral é infenso a respostas com precisão científica. Poder e dinheiro, naturalmente, contam. Mas como identificar o momento exato em que as portas da tentação se abriram?

 

Para efeito da investigação em curso, a coisa desandou quando a conversão ao bolsonarismo e o culto ao “mito” viraram a cabeça dos pastores e as maçanetas dos gabinetes do Planalto e da Esplanada. Os grampos da PF foram precedidos de gravação na qual a língua de Ribeiro, num movimento diabolicamente celestial, admitiu que os cofres do MEC foram destravados para os pastores graças a “um pedido especial” de Bolsonaro. Para desassossego do presidente, a língua do ex-ministro revelou-se uma venenosa produtora de incontinências verbais. Primeiro, ela, a língua, colocou o capitão na posição de patrono de traficantes de verbas para a construção e aparelhamento de creches e escolas. Agora, a língua exibiu-se para os grampos da PF. Os investigadores constataram que a “organização criminosa” dispunha de linhas telefônicas desconhecidas da polícia. Mas a língua traiu o dono nas conversas com “celulares normais”.

 

Na primeira hora do escândalo, há três meses, Bolsonaro disse que levaria sua cara de pau ao fogo por Milton Ribeiro. Não se deu conta do alto teor de combustão do óleo de peroba. Jogando lenha na fogueira, prefeitos achacados contaram que os pastores do MEC cobravam um pixuleco que variava de R$ 15 mil a R$ 40 mil para franquear o acesso às arcas bilionárias do FNDE. Num dos achaques, o irmão Arilton rogou que a propina fosse liquidada em ouro; noutro, pediu que lhe comprassem mil Bíblias superfaturadas. Numa fase em que ainda era socorrido pelo benefício da dúvida, o então ministro justificou-se alegando que já havia encaminhado as denúncias à CGU. Verdade. O diabo é que Milton não retirou os pastores de sua agenda. E as verbas do FNDE, convenientemente geridas pelo Centrão, continuaram saindo pelo ladrão.

 

Na origem, o inquérito sobre o escândalo do MEC começou a tramitar no STF. Mas Bolsonaro, com as bochechas carbonizadas, viu-se compelido a estimular o pedido de demissão de Milton Ribeiro. Sem mandato, o pastor virou matéria-prima para a primeira instância. O envolvimento de Bolsonaro manteria o caso na Corte Suprema. Entretanto, o departamento de blindagem da PGR sustentou que não havia o que investigar em relação ao presidente, e o caso desceu para o primeiro grau. Deu no que está dando.

 

Bolsonaro agora diz que leva ao fogo por Milton apenas a mão, não a cara. Demora a perceber que entrou processo de autocombustão. Vangloria-se da independência da sua PF. É desmentido pelo delegado que cuida do caso, segundo o qual não só houve interferência como o ex-ministro foi tratado com honrarias não existentes na lei. O delegado lamentou a perda da “autonomia investigativa para conduzir o inquérito com independência e segurança institucional.”

 

A pedido do Ministério Público, o caso subiu novamente para o Supremo, agora puxado pela suspeita de que o “pressentimento” de Bolsonaro é um eufemismo para o crime de obstrução de Justiça. O silêncio dos bumbos do Centrão indica que os pastores não estão sozinhos. O escândalo do MEC, apenas o mais recente de uma série, expõe outros personagens. O espécime “pastor bolsonarista”, em simbiose com uma fauna aliada que —manjada desde a chegada das caravelas— dispensa mutações, faz do governo “sem nenhum caso de corrupção” um antro de perver$ão. Sob Bolsonaro, não há inocentes. Há apenas suspeitos, investigados, denunciados e cúmplices. A corrupção tornou-se parte do sistema do presidente “antissistêmico”. O bolsonarismo está tonto. Antes, guerreava para retirar Bolsonaro da encrenca, empurrando Milton Ribeiro e Cia. para a primeira instância. Agora, questiona a legitimidade do inquérito que instalou grampos na língua dos pastores.

 

Com a experiência de quem matou as provas de sua rachadinha nos tribunais superiores, Zero Um rosnou nas redes sociais: “Então havia gravação do ex-ministro falando que 'ele' achava que poderia ter busca e apreensão? Se 'ele' era Bolsonaro, porque o juiz e o procurador do Ministério Público Federal não remeteram os autos ao Supremo Tribunal Federal ao invés de prender o ex-ministro. Tá cheirando a 'sacanagem', além de crime, claro”. O primogênito parece carregar no DNA o talento do pai para a premonição. 

 

No primeiro ano de governo, numa crise em que levou à frigideira o então chefe da Casa Civil Onyx Lorenzoni, Bolsonaro disse que enxergava os seus ministros como fusíveis. Eles queimam para evitar que o presidente e o sistema entrem em curto-circuito. O problema de um presidente que fabrica crises é a quantidade de fios desencapados que ficam pelo caminho. No dia em que a “organização criminosa” do MEC foi em cana, o pastor Arilton Moura telefonou para um advogado. Escutado pela PF, ele soou assim: “Preciso que você ligue para minha esposa... Porque se der qualquer problema com a minha menininha, eu vou destruir todo mundo! 

 

Todos os cristãos genuínos devem orar para que o irmão Arilton leve às últimas consequências o seu plano de Apocalipse. A essa altura, uma nova operação abafa, com a condescendência do Supremo, autorizaria os contribuintes em dia com o fisco a ecoar Flávio Bolsonaro: “Tá cheirando a 'sacanagem'.” 


Com Ricardo RangelJosias de Souza

segunda-feira, 25 de maio de 2020

GOVERNO DO GENERAL DA BANDA — GANGRENA EM ESTADO AVANÇADO REQUER AMPUTAÇÃO DE MEMBRO AFETADO, SOB PENA DE ÓBITO DO PACIENTE



Nelson Teich divulgou no último sábado, 23, ter recusado um convite para ser conselheiro do Ministério da Saúde. Em postagem no Twitter, o oncologista disse que “não seria coerente ter deixado o cargo de ministro da Saúde na semana passada e aceitar a posição de conselheiro na semana seguinte”. Aplausos para o ex-ministro. De bobos da corte, o quadro palaciano está mais que completo.

Abrilhantam a Esplanada um ministro da educação mal-educado, que defende a prisão de ministros do STF; uma ministra que viu Jesus na goiabeira e quer prender governadores e prefeitos; uma (agora ex) secretária da Cultura que dá piti no ar e interrompe entrevista porque o script “fugiu ao combinado”; um ministro que enche o tempo (e o saco) com notas de repúdio ao Supremo por ter sido convocado a depor debaixo de vara, e que acha que periciar o telefone do capitão trará “consequências imprevisíveis”; um ministro que concorda e apoia a opinião do ministro anterior e, pior, fala em nome das Forças Armadas...

Isso sem falar nos ministros terraplanistas, criacionistas, negacionistas... Tem até ministro que acredita (mesmo) que o general da banda comanda. Suas excelências devem ter tomado muita cloroquina. Ou tubaína.

Interlocutores ligados à Globo vazaram que a emissora cresceu o olho para o Ibope do vídeo da reunião interministerial, que deu de lavada na novela Malhação — exibida pela Vênus Platinada desde o tempo em que televisor era movido a corda. Já se fala num projeto de filmar outras reuniões e exibi-las numa minissérie, cujo título será escolhido pelo diretor de dramaturgia, Sílvio de Abreu, entre as diversas sugestões apresentadas. Entre as cotadas estão “Palhação”, “Empulhação”, “O Canastrão” e “O Canetão”.

Brincadeiras à parte, uma série de mensagens trocadas entre o presidente e o então ministro da Justiça evidencia que o primeiro falava da Polícia Federal, e não de sua segurança pessoal, quando exigiu substituições nessa área na fatídica reunião ministerial.

A cronologia de oito diálogos aos quais o Estadão teve acesso mostra que Bolsonaro chegou à reunião com a decisão já tomada de demitir o diretor-geral da PF: “Moro, Valeixo sai esta semana”, escreveu o presidente às 6h26 de 22 de abril. “Está decidido”, continuou ele, em outra mensagem enviada na sequência. “Você pode dizer apenas a forma. A pedido ou ex ofício”. A resposta de Moro foi enviada 11 minutos depois, às 6h37. “Presidente, sobre esse assunto precisamos conversar pessoalmente. Estou ah (sic) disposição para tanto”.

Em outra sequência de mensagens, enviadas também antes da reunião ministerial, Bolsonaro encaminha dois vídeos e reclama com Moro de ser informado por “terceiros”. “Força Nacional, Ibama, Funai... As coisas chegam para mim por terceiros... Eu não vou me omitir”, disse o presidente às 8h01m.

Na reunião ministerial, Bolsonaro demonstrou irritação. “Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro, oficialmente, e não consegui! E isso acabou. Eu não vou esperar foder a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meu (sic), porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence a estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui pra brincadeira”, disse o presidente, olhando para Moro.

As mensagens que agora vêm à tona contrariam a versão de Bolsonaro de que Valeixo pediu para ser demitido, além de ajudarem a explicar o comportamento de Moro na reunião. O ex-ministro ficou em silêncio quando foi constrangido pelo chefe, que cobrou mudanças nas áreas de inteligência. Àquela altura, ele já havia sido comunicado da decisão unilateral de demitir Valeixo, sem que pudesse opinar a respeito. Na entrevista que o Fantástico levou ao ar neste domingo, Moro reforçou essa justificativa, além de afirmar que "o ambiante claramente não abria espaço para o contraditório". Disse ainda que se valeu de um compromisso previamente agendado para antecipar sua saída da reunião. Menos de 48 horas depois, o então ministro pediu sua exoneração. 

Bolsonaro tem sustentado em entrevistas que foi Valeixo quem pediu para ser demitido. Segundo ele, isso comprova que não houve interferência da sua parte. “O senhor Valeixo de há muito vinha falando que queria sair. Na véspera da coletiva do senhor Sérgio Moro, dia 24 (de abril), o senhor Valeixo fez uma videoconferência com os 27 superintendentes do Brasil, onde disse que iria sair. Eu liguei pro senhor Valeixo, o qual respeito, na quinta-feira, à noite. Primeiro ele ligou pra mim. Depois eu retornei pra ele. ‘Valeixo, tudo bem?. Sai amanhã? Ex officio ou a pedido?’. A pedido (foi a resposta de Valeixo, segundo Bolsonaro). E assim foi publicado no DOU. Lamento ter constado o nome do ministro da Justiça ali. É porque é praxe”, disse o presidente na noite de sexta-feira, após a divulgação do vídeo.

Em depoimento no inquérito, no dia 11 de maio, Valeixo contou que jamais formalizou um pedido de demissão. De acordo com ele, um dia antes da publicação no Diário Oficial, recebeu um telefonema do próprio presidente questionando se ele concordava que sua exoneração saísse a pedido. Sem alternativa, assentiu. Valeixo relatou, ainda, que Bolsonaro justificou que queria alguém no cargo com quem tivesse “afinidade”.

A troca de mensagens foi extraída do celular de Moro durante seu depoimento. Na ocasião, peritos da PF fizeram uma varredura completa no aparelho, em busca de mensagens que poderiam comprovar a acusação contra o presidente. Na sexta-feira, o ministro Celso de Mello encaminhou à PGR um pedido de partidos de oposição para que o celular de Bolsonaro fosse apreendido em busca de mais provas da suposta interferência dele na PF. A reação do Planalto veio do general Augusto Heleno, que, em nota, disse que uma decisão favorável a esse pedido poderia ter “consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional”.

Três horas depois dos diálogos obtidos pelo Estadão, nos quais Bolsonaro dá a ordem para mudar a PF, ocorreria a reunião ministerial tornada pública na sexta-feira, na qual o presidente afirma claramente que desejava troca na “segurança” do Rio. Chegou a dizer que era alvo de “putaria o tempo todo” para atingir não só ele como sua família.

Bolsonaro disse ali que não podia ser “surpreendido com notícias”. “Pô, eu tenho a PF que não me dá informações”, reclamou. E assegurou, ainda, que ia interferir em todos os ministérios. “Não dá pra trabalhar assim. Fica difícil. Por isso, vou interferir! E ponto final, pô! Não é ameaça, não é uma … uma extrapolação da minha parte. É uma verdade”, afirmou, olhando para o lado onde estava Moro.

A versão de que o presidente se referia à sua segurança pessoal no Rio, e não à PF, é colocada em xeque por mudanças ocorridas no escritório do GSI no Rio, dois meses antes da reunião ministerial. A contradição foi revelada pelo Jornal Nacional. A reportagem mostrou também que, 28 dias antes daquela reunião, o responsável pela segurança do presidente havia sido promovido.

Em 5 de maio, Bolsonaro exibiu o seu celular com mensagens trocadas por ele e Moro na tarde do dia 22 de abril para dizer que o ex-ministro havia mudado de versão sobre a tentativa de interferência na PF. “Isso é uma mentira deslavada”, disse. No entanto, a conversa ocorrida na manhã do dia 22, em que Bolsonaro avisa a Moro que demitirá Valeixo, não foram mostradas pelo presidente.

Estadão procurou a Secom para falar sobre as mensagens, mas o Planalto informou que não iria comentar. A defesa de Moro disse que “as declarações do presidente da República demonstram, de maneira inquestionável, sua vontade de interferir indevidamente” na Polícia Federal. “Esses elementos probatórios somam-se às demais diligências investigatórias, inclusive ao vídeo da reunião de 22 de abril, comprovando as afirmações do ex-ministro Sérgio Moro”, afirmou o advogado Rodrigo Rios.

Fica cada vez mais nítido que este governo apodreceu. Urge concitar o excelso general da banda a enfiar a cloroquina no saco e ir tocar em outro coreto.