quarta-feira, 21 de agosto de 2019

A PIOR DITADURA É A DITADURA DO JUDICIÁRIO, POIS DELA NÃO HÁ A QUEM RECORRER


 

No livro OS ONZE (Companhia das Letras; 376 páginas; R$ 59,90 reais ou R$ 39,90 em versão digital), Felipe Recondo e Luiz Weber oferecem uma visão crítica da mais alta corte de Justiça deste país, à luz do comportamento dos onze togados supremos que a integram — a pior composição de toda a história do Tribunal, como eu venho dizendo há tempos. Os autores, jornalistas escolados na cobertura das atividades do Supremo, valeram-se de entrevistas com 33 ministros do, incluindo os atuais, além de juízes de instâncias inferiores, advogados, políticos, etc.

Não se trata propriamente uma história do STF, mas do perfil aprofundado de uma corte atravessada por conflitos e contradições que por vezes eclodem com fragor em meio à civilidade protocolar de suas sessões plenárias, de onde emerge uma certa leviandade no modo as excelências insulares perseguem sua agenda idiossincrática valendo-se da prerrogativa de conceder liminares monocráticas.

O Supremo é visto hoje mais como um agente político do que como uma corte constitucional, e não estranha que já se multipliquem, no Senado, pedidos de impeachment contra seus membros. Pena que, para seguirem adiante, eles dependem de decisão monocrática do presidente do Congresso, mas isso já é outra conversa. O fato é que o STF, com o individualismo absoluto que norteia suas decisões — onde cada magistrado age como se fosse dono da verdade e de seu próprio tribunal —, produz o único caso mundialmente conhecido em que uma democracia é constituída por 13 poderes: o Executivo, o Legislativo e os 11 semideuses togados.

Como todo profissional da área do Direito, Moro aspira a ingressar nessa seleta confraria. Segundo Robson Bonin publicou na sessão Radar da revista Veja, quando se sentou no sofá da sala de Bolsonaro, em 2018, o ex-juiz da Lava-Jato topou assumir o ministério da Justiça com a condição de ir para o STF dois anos depois, na vaga do decano Celso de Mello. A despeito de suas relações com o capitão terem desandado — dizem que o motivo é sua popularidade superar a do chefe —, especula-se que, por ora, apenas a quebra dessa promessa pode tirar o ministro do governo. E isso é bom: sua saída provocaria um baque sem precedentes na correlação de forças que sustenta esta claudicante gestão. Mas também se comenta a boca-pequena que o ex-magistrado tem planos mais ambiciosos, como disputar a presidência da República. De minha parte, rezo para que Deus o abençoe e não nos desampare.

A interferência direta de Bolsonaro na substituição do delegado Ricardo Saadi, superintendente da corporação, pegou mal internamente e por pouco não resultou num pedido de demissão coletivo dos chefes da polícia, aí incluído o próprio diretor-geral, Maurício Valeixo. “Quem manda sou eu. [Vou] Deixar bem claro. Eu dou liberdade para os ministros todos, mas quem manda sou eu. Pelo que está pré-acertado, seria o lá de Manaus”, afirmou o capitão na última quinta-feira, incomodado porque a troca seria feita sem o seu aval e, mais que isso, atropelaria o seu indicado para o posto — por sugestão de integrantes da ala militar do governo, ele queria colocar na chefia da PF no Rio o delegado Alexandre Silva Saraiva, atual superintendente no Amazonas. A declaração soou como uma reprimenda a Sérgio Moro.

Valeixo deixou claro que não cederia à pressão política e que cabia a ele, e apenas a ele, definir o nome do novo superintendente. Disse ainda que, se a cedesse no caso do Rio, a PF abriria a porteira para outras interferências em Brasília e no restante do país. E para marcar posição contra o “quem manda sou eu”, divulgou uma nota anunciando o nome do delegado que havia escolhido para o Rio e sinalizou ao Planalto que as consequências seriam graves se o presidente insistisse em empurrar goela abaixo o nome de Alexandre Saraiva (estava tudo encaminhado para que, se isso acontecesse, o próprio Valeixo e a maioria dos superintendentes da PF nos estados entregassem seus cargos).

Bolsonaro recuou: “Tanto faz para mim. Eu sugeri o de Manaus e se vier o de Pernambuco não tem problema, não”. Valeixo anunciou que o novo superintendente será Carlos Henrique Sousa, o seu escolhido, e não o preferido do presidente e de militares do Planalto. Se não houver uma nova ofensiva do capitão a nomeação deverá sair nas próximas semanas.

Muitos delegados em posições de comando na PF se ressentiram do silêncio de Moro, que, segundo eles, deveria ter vindo a público defender a polícia, mesmo que isso estremecesse ainda mais suas relações com o presidente. Resolvida a questão do Rio, também há dúvidas acerca de como ficará a relação de Bolsonaro com a PF após a crise — como se sabe, ele não gosta de ser contrariado, e poderá retaliar no futuro.

Aliás, devido à decisão do "mito" de fazer mudanças na Receita Federal, chefes do órgão também ameaçam entregar seus cargos. Assim como na PF, eles reagem ao que classificam como uma tentativa indevida de interferência política nos trabalhos da instituição. É outro foco de incêndio que pode ganhar grandes proporções. Pressionado a impor limites a órgãos de investigação e fiscalização que, na visão de alguns setores do poder (ministros do Supremo, por exemplo), estariam se excedendo em suas funções, o chefe do Executivo terá de decidir entre se curvar às queixas dos poderosos ou deixar que instituições como a PF e a Receita sigam fazendo o seu trabalho sem amarras.

Vale lembrar que toda escolha traz consequências, e o problema com as consequências é que elas vêm depois.