No livro OS ONZE (Companhia
das Letras; 376 páginas; R$ 59,90 reais ou R$ 39,90 em versão digital), Felipe Recondo e Luiz Weber oferecem uma
visão crítica da mais alta corte de Justiça deste país, à luz do comportamento
dos onze togados supremos que a integram — a pior composição de toda a história
do Tribunal, como
eu venho dizendo há tempos. Os autores, jornalistas escolados na
cobertura das atividades do Supremo,
valeram-se de entrevistas com 33 ministros do, incluindo os atuais, além de
juízes de instâncias inferiores, advogados, políticos, etc.
Não se trata propriamente uma história do STF, mas do perfil aprofundado de uma
corte atravessada por conflitos e contradições que por vezes eclodem com fragor
em meio à civilidade protocolar de suas sessões plenárias, de onde emerge uma
certa leviandade no modo as excelências insulares perseguem sua agenda
idiossincrática valendo-se da prerrogativa de conceder liminares monocráticas.
O Supremo é visto
hoje mais como um agente político do que como uma corte constitucional, e não
estranha que já se multipliquem, no Senado,
pedidos de impeachment contra seus membros. Pena que, para seguirem adiante, eles
dependem de decisão monocrática do presidente do Congresso, mas isso já é outra
conversa. O fato é que o STF, com o
individualismo absoluto que norteia suas decisões — onde cada magistrado age
como se fosse dono da verdade e de seu próprio tribunal —, produz o único caso
mundialmente conhecido em que uma democracia é constituída por 13 poderes: o
Executivo, o Legislativo e os 11 semideuses togados.
Como todo profissional da área do Direito, Moro aspira a ingressar nessa seleta confraria. Segundo Robson Bonin publicou na sessão Radar da revista Veja, quando se sentou no sofá da sala de Bolsonaro, em 2018, o ex-juiz da Lava-Jato topou assumir o ministério da Justiça com a condição de
ir para o STF dois anos depois, na
vaga do decano Celso de Mello. A despeito de suas
relações com o capitão terem desandado — dizem que o motivo é sua popularidade superar a do chefe —,
especula-se que, por ora, apenas a quebra dessa promessa pode tirar o ministro do
governo. E isso é bom: sua saída
provocaria um baque sem precedentes na correlação de forças que sustenta esta claudicante gestão. Mas também se comenta a boca-pequena que o ex-magistrado tem planos
mais ambiciosos, como disputar a presidência da República. De minha parte, rezo para
que Deus o abençoe e não nos desampare.
A interferência direta de Bolsonaro na substituição do delegado Ricardo Saadi, superintendente da corporação, pegou mal
internamente e por pouco não resultou num pedido de demissão coletivo dos
chefes da polícia, aí incluído o próprio diretor-geral, Maurício Valeixo. “Quem manda sou eu. [Vou] Deixar bem claro. Eu dou liberdade
para os ministros todos, mas quem manda sou eu. Pelo que está pré-acertado,
seria o lá de Manaus”, afirmou o capitão na última quinta-feira,
incomodado porque a troca seria feita sem o seu aval e, mais que isso,
atropelaria o seu indicado para o posto — por sugestão de integrantes da ala
militar do governo, ele queria colocar na chefia da PF no Rio o delegado Alexandre
Silva Saraiva, atual superintendente no Amazonas. A declaração soou como
uma reprimenda a Sérgio Moro.
Valeixo deixou
claro que não cederia à pressão política e que cabia a ele, e apenas a ele,
definir o nome do novo superintendente. Disse ainda que, se a cedesse no caso
do Rio, a PF abriria a
porteira para outras interferências em Brasília e no restante do país. E para
marcar posição contra o “quem manda sou eu”, divulgou uma nota anunciando o
nome do delegado que havia escolhido para o Rio e sinalizou ao Planalto que as
consequências seriam graves se o presidente insistisse em empurrar goela abaixo
o nome de Alexandre Saraiva (estava
tudo encaminhado para que, se isso acontecesse, o próprio Valeixo e a maioria dos
superintendentes da PF nos
estados entregassem seus cargos).
Bolsonaro recuou:
“Tanto
faz para mim. Eu sugeri o de Manaus e se vier o de Pernambuco não tem problema,
não”. Valeixo anunciou
que o novo superintendente será Carlos
Henrique Sousa, o seu escolhido, e não o preferido do presidente e de
militares do Planalto. Se não houver uma nova ofensiva do capitão a nomeação
deverá sair nas próximas semanas.
Muitos delegados em posições de comando na PF se ressentiram do silêncio de Moro, que, segundo eles, deveria ter
vindo a público defender a polícia, mesmo que isso estremecesse ainda mais suas
relações com o presidente. Resolvida a questão
do Rio, também há dúvidas acerca de como ficará a relação de Bolsonaro com a PF após a crise — como se sabe,
ele não gosta de ser contrariado, e poderá retaliar no futuro.
Aliás, devido à decisão do "mito" de fazer
mudanças na Receita Federal,
chefes do órgão também ameaçam entregar seus cargos. Assim como na PF, eles reagem ao que classificam como
uma tentativa indevida de interferência política nos trabalhos da instituição.
É outro foco de incêndio que pode ganhar grandes proporções. Pressionado a
impor limites a órgãos de investigação e fiscalização que, na visão de alguns
setores do poder (ministros do Supremo,
por exemplo), estariam se excedendo em suas funções, o chefe do Executivo terá
de decidir entre se curvar às queixas dos poderosos ou deixar que instituições
como a PF e a Receita sigam fazendo o seu
trabalho sem amarras.
Vale lembrar que toda escolha traz consequências, e o problema com as consequências é que elas vêm depois.
Vale lembrar que toda escolha traz consequências, e o problema com as consequências é que elas vêm depois.