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quarta-feira, 8 de outubro de 2025

A MICROSOFT PELA JANELA DO WINDOWS

VOCÊ NUNCA CHEGARÁ A SEU DESTINO SE PARAR PARA ATIRAR PEDRAS EM CADA CÃO QUE LATE.

Tudo que sobe tem que descer, mas a Microsoft parece fugir à regra, com um valor de mercado na caso dos US$ 4 trilhões e uma valorização de 20% no primeiro semestre deste ano — enquanto Amazon e Tesla recuaram 1,2% e 16,2% respectivamente.

Em 1975, logo após o primeiro microcomputador comercial da história estampar a capa da Popular Electronics, Paul Allen escreveu um interpretador BASIC que Bill Gates ofereceu à desenvolvedora da geringonça, que o distribuiu como Altair BASIC. Meses depois, os dois amigos fundaram a Microsoft — cuja trajetória muitos confundem com a do Windows, embora não seja bem assim.


CONTINUA DEPOIS DA POLÍTICA


Um mês depois da exibição de um bandeirão americano de 36 metros num ato na Avenida Paulista, em pleno Dia da Pátria, descobre-se em meio à crise terminal que "significado" perdeu o significado.

Difícil enxergar lógica na caminhada brasiliense convocada por Silas Malafaia a pretexto de que o bolsonarismo não pode "deixar a esquerda com a última palavra" em matéria de meio-fio, e nula a hipótese de os aliados de Bolsonaro extraírem do asfalto brasiliense, no meio da tarde de um dia útil, um ronco mais alto do que aquele que soou nas manifestações contra o combo blindagem-anistia. De resto, a hipótese de o Congresso conceder ao ex-presidente golpista uma anistia ampla está situada abaixo da estaca zero.

Portanto, além da crise semântica, a extrema-direita bolsonarista vive uma crise existencial: é como se o chefe da organização criminosa do golpe e seus devotos só enxergassem uma maneira de sair do buraco em que se meteram: cavando um buraco ainda maior.

 

Quando lançou o IBM-PC para competir com o Apple II, em 1980, a IBM não tinha um sistema operacional para controlar o aparelho. Pensando que a Microsoft fosse dona do CP/M, a empresa procurou Bill Gates, que desfez o engano e mediou uma reunião com, Gary Kildall, desenvolvedor do software. Mas Kildall saiu para voar em seu avião e deixou as negociações a cargo da esposa, que teria pedido um aumento nos royalties com o qual os executivos não concordaram. Assim, a Big Blue voltou a Gates, que dessa vez não se fez de rogado.

 

Em vez de desenvolver o sistema do zero, a Microsoft comprou por US$ 50 mil a licença do QDOS, desenvolvido por Tim Paterson, adaptou o software ao IBM-PC e ofereceu-o à IBM como MS-DOS. O pulo do gato foi não incluir no contrato o acesso ao código-fonte nem uma cláusula de exclusividade, ladrilhando o caminho que a levou a líder do mercado de PCs compatíveis e colocou Gates e Allen na lista dos bilionários da Forbes.

 

O Windows "nasceu" em 1985 como uma interface gráfica que rodava no MS-DOS e foi chamado inicialmente de Interface Manager — como a palavra "windows" significa "janelas", foi trabalhoso e demorado registrá-la como nome de um produto —, mas só se tronou um sistema operacional semiautônomo em 1995, já que o DOS continuou operando nos bastidores até 2001, quando a versão XP cortou o cordão umbilical.


O Windows 98/SE reinou sobranceiro até ser destronado pelo XP. A exemplo do Windows ME — lançado em setembro de 2000 para aproveitar o apelo mercadológico da virada do milênio — o Vista (2007), o 8 (2012) e o 8.1 (2013) foram fiascos de crítica e de público. O Seven (2009) repetiu o sucesso do XP. O Windows 10 — lançado em 2015 como "serviço" — foi incumbido de atingir 1 bilhão de instalações e em três anos. No entanto, a despeito do upgrade gratuito para usuários de cópias legítimas do Windows 7 SP1 e 8.1, só cumpriu a meta em 2020. 

 

Quando lançou o Windows 10 como parte da ideia "Windows as a Service" — segundo a qual o software evoluiria com atualizações contínuas, sem precisar de novos nomes ou versões numeradas — a Microsoft deu a entender que ele seria a "versão definitiva" do sistema. Mas não há nada como o tempo para passar: além de lançar o Windows 11 em 2021— com exigências de hardware que frustraram milhões de usuários —, a empresa avisou que o suporte ao Windows 10 seria descontinuado em outubro de 2025 (clique aqui para saber como continuar usando essa versão com segurança). 

 

Observação: O Windows 12 está no forno, mas a próxima atualização relevante será o Windows 11 25H2, previsto para setembro ou outubro, que será distribuído via "enablement package" — pacote de ativação de cerca de 1 MB que instala em poucos minutos.     

 

Apesar de Bill Gates ser a face mais conhecida da Microsoft, muitos dos erros estratégicos da empresa ocorreram sob Steve Ballmer, que assumiu a presidência em 2000 e foi sucedido por Satya Nadella em 2014. Ballmer comandou a criação do Xbox e aquisições importantes (Skype, LinkedIn, GitHub e Activision Blizzard), mas também foi responsável pelo fiasco do Windows Vista e por subestimar os smartphones — erro que custou à Microsoft a chance de competir com o Apple iPhone (detalhes nesta postagem).

 

Nadella, por sua vez, apostou na nuvem (Azure) e na mudança para o modelo SaaS, que substituiu as tradicionais licenças permanentes por uma base de usuários de software como serviço. Mas a parceria com a OpenAI, criadora do ChatGPT, à qual a Microsoft já destinou mais de US$ 13 bilhões até 2024, foi um marco para ambas as empresas.

 

Hoje, 50 anos após sua fundação, a Microsoft continua liderando o mercado de sistemas operacionais (com participação estimada em 69%), mas enfrenta o desafio de monetizar a IA, altos gastos com infraestrutura, e forte concorrência da Google e da Amazon nos serviços de nuvem. Ainda assim, 2025 lhe tem sido generoso: no primeiro trimestre, a receita bateu US$ 70 bilhões — alta de 16% em relação a 2024 —, com lucro líquido de US$ 24,7 bilhões. 

 

Resumo da ópera: Enquanto a Apple enfrenta riscos regulatórios e uma cadeia de produção vulnerável (concentrada na China), a Gigante de Redmond demonstra notável resiliência, trajetória sólida e expectativas alvissareiras para os próximos 50 anos. 


Quem viver verá.

segunda-feira, 31 de outubro de 2022

HABEMUS PAPAM

 

O título desta postagem advém do fato de que a indesejável mistura de política com religião trouxe matizes de conclave a uma sucessão presidencial que a imbecilidade chapada do eleitorado tupiniquim já havia convertido em pleito plebiscitário. Dito isso, segue o texto que escrevi no início da tarde de ontem — antes de conhecer o resultado das urnas, portanto —, convicto de que, parafraseando um inusitado rompante de coerência do ainda presidente, o candidato que tivesse mais votos venceria a disputa. 

 

Uma vez que a polarização infeccionou mais de 80% da récua de muares travestidos de eleitores, é possível (e até provável) que seu candidato a presidente, caríssimo leitor, tenha vencido a disputa. Em sendo o caso, meus parabéns. Ao Brasil, minhas condolências. 


A menos que o imprevisto tenha voto decisivo na assembleia dos acontecimentos, o país do futuro que nunca chega amargará mais quatro anos de desgoverno abjeto e ímprobo (nunca é demais lembrar que maus governantes não brotam nos gabinetes por geração espontânea; se estão lá, é porque foram votados, e se você votou nessa caterva, não pode reclamar de não estar devidamente representado).

 

Mudando de um ponto a outro, depois de ser nomeado bispo por João XXIII e cardeal pelo Papa Paulo VI, Albino Luciani foi eleito papa na terceira votação do conclave que se seguiu à morte de Paulo VI, superando Giuseppe Siri por 99 votos a 11, e entrando para a História como o primeiro pontífice desde Clemente V a recusar uma coroação formal e o pioneiro na adoção de um nome papal duplo — que ele escolheu para homenagear seus dois antecessores, Paulo VI e João XXIII.

 

João Paulo I morreu 33 dias depois de ter sido guindado ao Trono de Pedro e um dia após ter confidenciado ao bispo John Magee, seu secretário, que: "Alguém mais forte que eu, e que merece estar neste lugar, estava sentado à minha frente durante o conclave. Ele virá, porque eu me vou". Esse alguém era o cardeal polonês Karol Wojtyla, que se tornou João Paulo II


Na época, chegou-se a comentar à boca pequena que o finado tinha bom coração, mas não estava à altura do ambiente maquiavélico do Vaticano, e que sua morte decorreu de um complô. Consta que ele sentiu fortes dores no peito durante o chá da tarde do dia 27 de outubro de 1978, e que foi encontrado morto, na manhã seguinte, pela freira que o acordava havia muitos anos (e que fez voto de silencio após esse trágico episódio).  No entanto, a versão oficial do Vaticano dá conta de que um dos secretários do papa — Diego Lorenzi — teria encontrado o corpo, e que a causa mortis fora um infarto do miocárdio (associado às terríveis pressões do cargo). 

 

Essas e outras declarações inconsistentes deram azo a diversas teorias da conspiração. No livro In God's Name, o escritor britânico David Yallop afirma que o papa foi morto porque estava prestes a desvendar escândalos financeiros que envolviam o Vaticano. Passados mais de 40 anos, o mafioso Antoni Raimondi, sobrinho de Lucky Luciano, revelou em seu livro de memórias que envenenou o João Paulo I a mando de seu primo, o arcebispo norte-americano Paul Marcinkus — então presidente do Banco do Vaticano. A ideia era evitar que o pontífice de tornar públicos documentos que comprovavam uma fraude financeira bilionária (ainda segundo o mafioso, João Paulo II não revelou o escândalo do banco do Vaticano por temer pela própria vida, mas isso é outra conversa).


O plano era drogar o chá que João Paulo I tomava antes de dormir, entrar em seus aposentos e lhe administrar uma dose letal de cianeto (essa versão foi dramatizada por Mario Puzzo e Francis Ford Copolla no terceiro capítulo da imperdível trilogia "The Godfather"), e que o arcebispo Marcinkus se encarregou pessoalmente dessa tarefa. Raimondi diz só ficou na porta, pois assassinar o papa com as próprias mãos lhe garantiria um bilhete só de ida para o inferno (o curioso código de ética da Onorata Società será discutido em outra oportunidade).

 

Marcinkus começou sua carreira no Vaticano como secretário de Estado em Roma e chegou a ser um dos guarda-costas de Paulo VI. Em 1971, ele foi nomeado presidente do banco do Vaticano (cargo que ocupou até 1989). Quando assumiu o posto, foi interrogado pelo departamento da Justiça norte-americano sobre seu envolvimento com ações falsas avaliadas em € 13.07 milhões (de um total estimado quase € 1 bilhão), mas não houve provas suficiente para avançar com a investigação  até porque, sob o pretexto de não quebrar o sigilo que envolvia as operações conduzidas pelo banco, o arcebispo se recusou a revelar detalhes sobre o esquema de corrupção. 

 

Observação: Em 1982, Marcinkus foi implicado no escândalo do colapso do Banco Ambrosiano e, mais adiante, nos assassinatos de Roberto Calvi e do jornalista Mino Pecorelli, que vinha escarafunchando a podridão que cercava o banco do Vaticano. Mas sua participação na emissão das ações falsas e nos assassinatos e raptos relacionados com o escândalo não restaram provadas, e ele morreu aos 84 anos, no Arizona, sem ter sido formalmente acusado por crime algum.

 

Voltando ao aviltante cenário político tupiniquim, o desafio, para os pesquisadores, será explicar como este país alcançou um nível de deterioração das instituições democráticas que seria inimaginável em 2018, quando vinha de um traumático processo de impeachment e de um momento marcado por sucessivas acusações de corrupção.

 

As manifestações em prol da deposição de Dilma começaram em 2013, mas a ascensão de Temer ao Planalto, em 2016, não produziu um sentimento de esperança como o de 1992, quando Fernando Collor foi apeado e Itamar Franco assumiu a Presidência. As forças democráticas, desorganizadas, sem lideranças de expressão nacional nem programa político e tendo o PT na oposição, produziram um enorme vazio político, nenhuma renovação frente à dualidade eleitoral, que vinha desde 1994 (entre PT e PSDB), nem quaisquer soluções programática para os problemas nacionais que surgiram após a trágica crise de 2015 e 2016. 

 

Segundo o historiador, youtuber e suplente de deputado federal Marco Antonio Villa, o Brasil virou uma enorme delegacia de polícia, com um entra-e-sai constante de acusados. As propostas de ação político-econômica foram deixadas de lado. Mas não chegamos aonde chegamos por acaso. O desafio, agora, é encontrar o caminho da superação desse descalabro — que, aliás, pode estar numa insuspeita xícara de chá.


Que Deus nos ajude.

segunda-feira, 26 de setembro de 2022

A MALDITA POLARIZAÇÃO (CONTINUAÇÃO)


Sem Lula e com dois Bolsonaros — o falso cristão e o fake-padre Kelmon —, o debate transmitido pelo SBT no último sábado não produziu fato novo capaz de virar votos ou seduzir indecisos. Se serviu para alguma coisa, foi para retardar a decisão dos eleitores que cogitam lançar mão do "voto útil". 

A presença do pseudoprelado-pau-mandado de Roberto Jefferson deu a Bolsonaro uma aparência de madre Tereza, analisa Josias de Souza. Ausente, Lula apanhou indefeso. Mas o orçamento secreto do capitão fez sombra às perversões petistas. De resto, ficou no ar uma interrogação: Quem ganha exposição num debate medíocre é melhor ou pior do que quem perde?

O cinismo do candidato à reeleição não aumentou, mas continuou nos mesmos 100%. Instado a dizer o que diferencia o mensalão petista do seu orçamento secreto, ele fez pose de vítima do patrimonialismo do Congresso. "Eu não sei para onde vai o dinheiro desse tal orçamento secreto." A frase tem um quê de confissão de culpa, pois Bolsonaro sabe que boa parte das verbas que libera para comprar apoio no Legislativo escoam pelo ralo da corrupção.

***

A sementinha do "nós conta eles" encontrou solo fértil na seara do jornalismo profissional, donde é quase impossível separar comentaristas isentos de militantes (petistas ou bolsonaristas). Como o Judiciário também foi infectado por essa praga, tornou-se comum ver membros das cortes superiores balizando-se pela máxima getulista segundo a qual "aos amigos, tudo; aos inimigos, o rigor da lei".
 
Vice-líder nas pesquisas, o mandatário de fancaria que guindamos ao Planalto em 2018 para evitar a volta do criminoso à cena do crime emendou ao comício que fez no funeral da rainha Elizabeth II o discurso de abertura na ONU. A jornalista Eliane Cantanhêde — a quem eu admiro, malgrado sua evidente simpatia pelo lulopetismo — detectou sinais evidentes de "despedida, prestação de contas e ataque ao líder das pesquisas" na fala do presidente. 

Observação: De acordo com O Antagonista, o discurso original de Bolsonaro incluía um ataque ao Supremo e ao sistema eleitoral, mas o presidente foi dissuadido por assessores. Logo após citar indiretamente a corrupção na gestão de Lula, Bolsonaro diria: “Lembro que, mesmo não sendo absolvido, os juízes que tiraram o responsável por essa tragédia da cadeia são os mesmos que conduzem o atual processo eleitoral brasileiro”. Mesmo assim, ele aproveitou o palanque em Nova York para criticar o período em que “a esquerda presidiu o Brasil”, reiterando que o petista foi condenado em três instâncias (o que é a mais pura verdade).

Não é preciso ter bola de cristal para vislumbrar o tamanho da pedreira que separa o candidato da reeleição. Talvez ele sobreviva primeiro turno, mas é improvável que vença o adversário no embate final. Dizer que seu governo pôs fim à corrupção sistêmica das gestões petistas é o mesmo que o sujo criticar o mal lavado, ou, melhor dizendo, uma tentativa desesperada de fomentar a rejeição ao adversário — o que é compreensível, considerando que cerca de 50% dos entrevistados pelo Ipec descartam a possibilidade de votar em Bolsonaro. 

O finado guru do bolsonarismo disse certa vez que os brasileiros tinham apenas dois neurônios, um contra e outro a favor. Para Paulo Kramer*, os documentos pró-democracia que inundaram a internet nas últimas semanas refletem a guerra de narrativas. Desde a eleição de 2018 que a imprensa convencional passou a se mostrar incomodada com o surgimento de vozes discordantes. Até então, existia apenas um grupo acostumado a veicular os seus pontos de vista de forma que fossem considerados como um consenso aceito pela sociedade. O início dessa ruptura se deu com os protestos de junho de 2013, em que a população se revoltou contra os gastos excessivos com os estádios da Copa do Mundo enquanto setores básicos, como Educação e Saúde, estavam sendo sub financiados.

Bolsonaro começou a preparar a sua campanha após essas manifestações, que deram visibilidade a setores que antes não estavam representados no mercado de opiniões da população economicamente ativa. Esse arco histórico evolui até o impeachment de Dilma e à eleição do ex-capitão. Para a mídia tradicional, os resultados do pleito de 2018 foram difíceis de prever e mais difíceis ainda de engolir. De um lado, ficou a bolha dos já conhecidos formadores de opinião; do outro, os grupos emergentes que entram para participar da política — um choque que não se atenuou nos anos subsequentes, muito pelo contrário. 
 
Ainda segundo Kramer
o populismo não é um problema exclusivo do Brasil. Vivemos a ascensão mundial de um movimento nacionalista e conservador — um rompimento que tem provocado conflitos graves em democracias até mais sólidas do que a nossa, e que veio para ficar, pelo menos enquanto as demandas da população por uma maior transparência e credibilidade dos entes políticos não forem atendidas. O que se trava é um grande diálogo de surdos, onde cada lado acha que está certo. 

As cartas pela democracia e o bolsonarismo representam uma diversidade de ideias à qual nossa opinião pública não estava acostumada. Havia um consenso dos formadores de opinião que se caracterizava como de centro-esquerda. Basta analisar a Constituição de 1988 — que, apesar dos avanços inegáveis do ponto de vista da consolidação das liberdades políticas, também se configura como uma lei majoritariamente estatizante. Ironicamente, isso aconteceu também às vésperas da derrocada comunista na Queda do Muro de Berlim.
 
A democracia precisa da diversidade de pensamentos, e não de um pensamento único. O verdadeiro conservadorismo conserva o que é bom e rejeita o que é ruim, mas não pretende congelar a história nem tampouco é reacionário, até porque não é possível girar para trás os ponteiros do relógio. Edmund Burke, pai do conservadorismo moderno, dizia que um governo incapaz de se reformar é também um governo incapaz de sobreviver. 
 
*Paulo Kramer: professor doutor aposentado de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), é expert da Fundação da Liberdade Econômica.

terça-feira, 3 de maio de 2022

AS VIÚVAS DA TERCEIRA VIA


No último Sete de Setembro não houve manifestações, mas arruaças capitaneadas por um presidente golpista. Grupelhos de esquerda protestaram aqui e ali, e meia dúzia de cidadãos que execram tanto Lula quanto Bolsonaro se reuniram cá e acolá. 

A pandemia contribuiu para a falta de adesão popular, mas o fiasco se deveu mesmo à conjuntura. A população, em sua maioria desalentada, não saiu às ruas porque está mais preocupada com o próprio sustento.

Manifestações populares no Brasil, depois dos atos pró-diretas, eclodiram em 2013 e se estenderam até 2016, resultando no impeachment de Dilma — que, graças maior estelionato eleitoral da história até então, derrotou Aécio Neves em 2014 e foi penabundada em 2016, sob panelaços e manifestações populares como manda o figurino. 


Faltando cinco meses para as eleições, as campanhas presidenciais (que começaram lá atrás, quando Bolsonaro subiu a rampa e Lula deixou a cadeia) ainda não se tornaram assunto de conversas de botequim. Se uma ou outra discussão acontece, isso se deve à nefasta polarização e aos esforços da mídia — que amplia e reverbera cada arroto do ex-ladrão e cada peido do sociopata de plantão.

 

No Dia do Trabalhador, a falta de público levou Lula a atrasar sua aparição. Bolsonaro, chamado à ordem pelo Centrão, participou virtualmente das “manifestações” na Avenida Paulista, onde um magote de bolsomínions exibia cartazes e faixas contra o Poder Judiciário e pedia o impeachment dos ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, entre gritos antidemocráticos em defesa da volta do AI-5 e do fechamento do Congresso e do STF. 


No vídeo — recheado de ataques velados ao Supremo —, o mandatário sociopata enalteceu seus apoiadores, falou em “liberdade”, afirmou ser o chefe de um governo que “acredita em Deus” e que “respeita os militares, defende a família e deve lealdade a seu povo” e voltou a dizer que “o bem sempre vence o mal”. 


Observação: Barroso disse que existe um limite para liberdade de expressão. Para demonstrar apoio ao Judiciário, o presidente do Senado e um grupo de parlamentares pretendem se encontrar nesta terça-feira com o presidente do STF. E lá vamos nós pagar pelo chá com bolachinhas. Enquanto suas excelências não unirem ação às palavras, o sociopata continuará assombrando o Brasil. O Ibovespa, que tinha subido 17% em 2022 até abril, já devolveu quase todo o ganho. A alta acumulada caiu para 2,6%. É verdade que teve a pandemia e a invasão da Ucrânia, mas há duas desgraças ainda maiores: uma se chama Jair Messias Bolsonaro e a outro, Luiz Inácio da Silva. Elidir essa parelha de abantesmas não resolveria todos os problemas do Brasil, mas ajudaria um bocado.
 

Diogo Mainardi escreveu em O Antagonista que o fiasco do ato lulista reflete o vazio de sua candidatura; que o Brasil se prepara para eleger um presidente que ninguém quer; que o petralha está saindo das planilhas da Odebrecht diretamente para o Palácio do Planalto (após breve escala numa cela VIP em Curitiba) apenas porque seu principal adversário é Bolsonaro — daí o PT fazer de tudo para manter o “mito” no poder até outubro, pois a vitória do partido depende mais da rejeição ao oponente do que do proselitismo de seu eterno presidente de honra. 


Recentemente, quando Lula voltou a ser Lula e a vomitar as velhas asnices de sempre, o resultado foi uma queda imediata nas pesquisas. José Dirceu chegou mesmo a dizer que atua nos bastidores porque, se aparecer, atrapalha — de certa maneira, isso vale também para Lula, que, quando aparece, atrapalha.

 

Bolsonaro afronta o STF para disfarçar as agruras que seu funesto governo impôs aos brasileiros — mais de 600 milhões de vítimas fatais da Covid, volta da inflação, dólar nas alturas, gasolina a preço de ouro e outras mazelas que o incompetente não foi capaz de evitar (ou pelo menos mitigar). 


O ato mais emblemático do bolsonarismo, no último domingo, não teve o "mito" como protagonista, mas sim o dublê de ex-cobrador de ônibus mandrião e ex-policial truculento (que sofreu dezenas de sanções disciplinares), ora travestido de deputado federal, que estava num palanque em Niterói, segurando uma placa de rua com seu nome, ao lado de um sujeito fantasiado como o Viking do Capitólio. 


Essa imagem representa o escárnio com o STF, o plano de macaquear o golpismo dos partidários de Donald Trump, a pobreza mental dessa gente e a alusão orgulhosa ao assassinato de Marielle Franco, que deve render uns votos nas zonas ocupadas por milicianos (para quem não se lembra, o deputado neandertal se tornou conhecido depois de quebrar uma placa em homenagem à vereadora assassinada). 

 

É esse tipo de imagem grotesca alimenta o bolsonarismo e, ao mesmo tempo, empurra o eleitorado desesperado em direção à armadilha lulista. Até porque terceira via é uma incógnita — não por não se saber quem será o “candidato único”, mas por não se saber se ela será produzirá um aborto ou um natimorto. 


Depois que o União Brasil conseguiu matar a candidatura Sergio Moro e desinventar a de Luciano Bivar (aquele que deu palanque a Bolsonaro em 2018 no PSL dos laranjais), a tão sonhada candidatura alternativa desliza melancolicamente do improvável para o patético. Já nem se sabe se haverá realmente o anúncio de qualquer coisa no próximo dia 18.

 

Se liberar geral, o UB favorecerá Bolsonaro e propiciará a repetição desse movimento com o Podemos — de onde Bivar arrancou Moro para jogar no vazio — e com o PSD de Gilberto Kassab — que apoia Lula, mas pode mudar de lado conforme a direção do vento. 


Com o que (ainda) resta da terceira via se resumindo a João Doria e Simone Tebet (ou Tebet e Doria, a depender de quem narra o jogo), a rede da polarização tende a apanhar peixes graúdos em meio ao eleitorado órfão. Ciro Gomes, sempre pronto a disputar a próxima derrota, aparece em terceiro lugar nas pesquisas (ah, as pesquisas!). Entre xingamentos e agressões a puxa-sacos de Bolsonaro, o cearense de Pindamonhangaba sonha em reduzir a distância intergalática que o separa do segundo colocado. Triste Brasil.   

 

Entrementes, no outro canto do tabuleiro político-ideológico, o ex-presidiário que encabeça as pesquisas comete atos falhos (defendendo o aborto, insinuando que policiais não são gente, e por afora) no afã de conquistar o apoio do PSB e da Rede, ampliar o de setores do MDB, do PSD e do União Brasil e transformar uma decisão — estapafúrdia e sem efeito prático — do Comitê de Direitos Humanos da ONU contra Moro e a Lava-Jato em troféu a ser exibido em seus palanques.

 

O que advirá desse furdunço — para além de uma possível guerra civil ou de um provável golpe de Estado — as viúvas da finada terceira via dirão. Chamem as carpideiras!

domingo, 6 de março de 2022

O ORGULHO DE SER BRASILEIRO

No País das Maravilhas sem Alice, o STF prestou mais um “inestimável serviço” aos cidadãos de bem  avalizando o crime contra a economia popular conhecido como “fundo eleitoral” (dinheiro que é roubado de nós para ajudar a eleger quem vai nos roubar na próxima legislatura). O voto da ministra Rosa Weber formou maioria pela improcedência da ação movida pelo partido Novo contra elevação do butim para R$ 4,9 bilhões, e o placar final ficou em 9 x 2.

Ainda sobre os valorosos serviços prestados pelo STF, o ministro Lewandowski concluiu o que seu colega de toga Luís Edson Fachin começou em março do ano passado, quando anulou as condenações de Lula nos processos que tramitaram ou tramitavam na Justiça Federal do Paraná. 

O mesmo magistrado que presidia o Supremo quando Dilma foi defenestrada pelo Senado — e urdiu com o senador Renan Calheiros, então presidente Congresso, o "fatiamento do julgamento do impeachment", visando preservar os direitos políticos da gerentona de araque — agora socorre quem lhe cobriu os ombros com a suprema toga, suspendendo liminarmente a tramitação do processo em que seu benfeitor é acusado de tráfico de influência, lavagem de capitais e organização criminosa pela compra de 36 caças suecos Saab-Gripen em 2013 (leia a íntegra da decisão). 

Trata-se da última das 20 ações penais movidas contra o ex-corrupto, já que tanto o caso do tríplex quanto o do sítio de Atibaia já foram arquivados pela JF do DF

São decisões como essa que nos orgulham de ser brasileiros... ou não?

Mas não é só: segundo publicou O ANTAGONISTA, o PT gastou R$ 14 milhões de reais na defesa de Lula e seus comparsas. O escritório Teixeira Zanin Martins, que comanda a defesa de Lula nos casos da Lava-Jato, recebeu pagamentos que somam R$ 1,2 milhão desde 2019, diz a Folha de S. Paulo.

No total, os criminalistas do PT embolsaram R$ 6 milhões para defender o pessoal do petrolão. A essa quantia devem ser somados os gastos do partido com seus advogados no STF e no STJ: O escritório Aragão & Ferraro, que representa a sigla nas cortes superiores, recebeu quase 8 milhões de reais desde 2018. A banca foi fundada por Eugênio Aragão, nomeado para o Ministério da Justiça no fim do governo Dilma”.

Considerando que partidos políticos não geram recursos, nós, “contribuintes”, acabamos pagando duas vezes: com os desvios dos quadrilheiros e com o fundo partidário.

É esse tipo de gente que, a julgar pelas pesquisas de intenções de voto, o esclarecidíssimo eleitorado tupiniquim tenciona reconduzir ao poder central em 2022. Triste Brasil! 

***

Enquanto o Ocidente se mostra unido contra a invasão russa na Ucrânia, o posicionamento brasileiro oscila de forma surpreendentemente ambígua, para não dizer esquizofrênica. No Conselho de Segurança, o governo se juntou a outros países em um voto duro contra a Rússia, mas, por outro lado, não apoiou a declaração da OEA que criticava a invasão da Ucrânia. Quando se olha para as manifestações pessoais de Bolsonaro, o panorama fica ainda mais confuso. "Na própria manifestação pessoal do presidente da República, ele tem se declarado neutro. Mas uma neutralidade que interpreto como sendo sensivelmente inclinada à Rússia", diz o professor de relação internacionais Davi Magalhães, da FAAP.

Segundo Magalhães, uma divisão dentro dos grupos bolsonaristas revela diferentes visões sobre o conflito Um núcleo se inspira na extrema direita ucraniana e outro, no regime do Putin. Num panorama mais amplo, posicionar-se neste conflito coloca Bolsonaro numa grande sinuca de bico. Se ele apoiar a Ucrânia, entra na foto com líderes que os bolsonaristas chamam de "globalistas", como Justin Trudeau, Joe Biden e Emmanuel Macron. Por outro lado, há uma certa desconfiança de assumir uma postura abertamente pró-Rússia, pois isso coloca o capitão junto com a esquerda bolivariana, Cuba, Nicarágua e Venezuela, que representa de longe o inimigo número um do bolsonarismo.

Portanto, a neutralidade "esquizofrênica" de Bolsonaro, em certa medida e em partes, é produzida por esse constrangimento que vem de ambos os lados. Como saída, o Brasil tenta assumir uma postura parecida com a da Índia. O voto de ambos esses países no Conselho de Segurança foram muito parecidos, na forma e no conteúdo. 

Por outro lado, a inclinação pessoal de Bolsonaro para o lado russo gerará uma reação no Ocidente, e a imagem brasileira, que, desgraçadamente, já não era boa na comunidade internacional, só tende a piorar. Boa parte das democracias liberais no mundo rejeitam a agressão russa. E o Brasil se isola ainda mais com esse posicionamento ambíguo.