No novo habitat, Toffoli buscou apoio em Gilmar Mendes, de quem absorveu a arrogância e a grosseria, julgamento da ação penal 470, ele votou pela absolvição de Dirceu (que foi apontado como "chefe da quadrilha do mensalão") e pediu transferência para a 2ª Turma do STF, que ficou responsável pela Lava-Jato, assim que a "primeira lista de Janot" foi divulgada. Foi ele quem sugeriu tirar de Curitiba os casos não relacionados diretamente à Petrobras, foi ele quem concedeu prisão domiciliar a Paulo Maluf (a foto do turco lalau se arrastando para o camburão apoiado numa bengala merecia integrar os arquivos de dramaturgia da Rede Globo) e foi dele o pedido de vista que interrompeu a votação da limitação do foro privilegiado quando já havia maioria a favor.
Léo Pinheiro revelou em sua proposta de delação que a OAS executou reformas na casa do eminente ministro, mas a informação vazou e o então procurador-geral Rodrigo Janot (notório admirador do lulopetismo) melou o acordo. A Lava-Jato descobriu que um consórcio suspeito de firmar contratos viciados com a Petrobras repassou R$ 300 mil ao escritório de advocacia da esposa do magistrado, mas investigação não foi adiante, a Lava-Jato morreu, e não é de bom-tom falar mal dos mortos.
Em 2018, pouco antes de o mais jovem ministro do STF se tornar o mais jovem presidente do Tribunal, J.R. Guzzo, então colunista de Veja, anotou num texto magistral que um indivíduo considerado incompetente para ser juiz da comarca mais ordinária do interior passaria a presidir a mais alta corte de Justiça do país. Que ele não só era uma nulidade em matéria de direito, mas também um fenômeno de suspeição e parcialidade sem paradigma no mundo civilizado, e que quem o leva a sério, a começar pelos colegas que o chamam de excelência, tratavam o Brasil como um país de idiotas.
No finalzinho do mês passado, o doutor em direito e ciência política e professor da USP Conrado Hübner Mendes publicou um artigo sob o título "É isto um juiz?". Em seu discurso de posse, relembrou o articulista, o magistrado afirmou que queria "enxergar um porto seguro" nessa "era de ponderações, imprevisibilidade e incertezas", mas sua falta de credenciais acadêmicas e profissionais e a atuação pouco conhecida como advogado de partido foram lembradas de modo recorrente durante sua sabatina no Senado. E não levou muito tempo para que ele revelasse seu estofo jurídico.
Ao autorizar Lula a comparecer ao velório do irmão Vavá meia hora antes do enterro e determinar que ele se reunisse com os familiares numa base militar, longe da imprensa, de militantes e de celulares, sua excelência forneceu munição para o então presidiário mais famoso desta banânia capitalizar "a desumana decisão” que o impediu de dar o último adeus ao "irmão querido".
Observação: Aristides Inácio da Silva, pai de Lula, morreu de cirrose em 1978 e foi sepultado como indigente — nenhuma mulher, ex-mulher ou filho se dignou de lhe conceder um túmulo e uma lápide. Dois anos depois, durante uma breve passagem pela prisão da ditadura, o então sindicalista foi autorizado a comparecer ao velório da mãe. Durante sua primeira gestão, Lula perdeu os irmãos João Inácio e Odair Inácio, mas não compareceu ao enterro de nenhum dos dois (segundo o Conexão Política, enquanto o corpo do primeiro era velado, o petista jantava com ministros e assessores na Granja do Torto). Em 2017, já em pré-campanha, transformou o velório de Marisa Letícia em comício e o cadáver em arma contra seus adversários políticos.
No primeiro ano do governo Bolsonaro, o ministro congelou o inquérito que investigava o primogênito do mandatário e outros 935 processos fornidos com dados do Coaf. No mesmo ano, quando ainda presidia o STF, hospedou um general em seu gabinete como forma de estreitar relações, e anunciou uma nova interpretação do autoritarismo brasileiro em pleno Salão Nobre da Faculdade de Direito do Largo São Francisco: " Hoje não me refiro mais a golpe nem a revolução, mas a movimento de 1964".
"Toffoli é nosso", disse o então presidente. "Muito bom termos aqui a Justiça ao nosso lado", enfatizou. Derrotado nas unas, o aspirante a tiranete foi aconselhado pelo togado a sumir: "Presidente, sua presença na cerimônia de posse só vai mostrar um país dividido, as pessoas vão vaiar" (conforme relato de Recondo e Weber no livro "O Tribunal").
Mas o mundo gira, a Lusitana roda e não há nada como o tempo para passar. Com a volta de Lula ao Planalto, o apadrinhado ingrato vem fazendo das tripas coração para se ajustar à nova conjuntura. Durante a cerimônia diplomação do xamã petista, sussurrou-lhe ao ouvido: "Me sinto mal com aquela decisão e queria dormir nesta noite com seu perdão". Fantasiado de madalena arrependida (Caravaggio deve ter se revirado na tumba), trombeteou que "a Lava-Jato foi o "verdadeiro ovo da serpente dos ataques à democracia" e que "a prisão de Lula foi um dos maiores erros judiciários da história do país".
Em 2016, o então senador Romero Jucá disse que "a sangria" precisava ser estancada". Enquanto se empenha no desmonte da Lava Jato, o STF faz sangrar sua credibilidade junto aos brasileiros, seja no exame colegiado de decisões monocráticas, seja no reparo ao comportamento de magistrados alheios aos autos e/ou aos ditames da ética. Que a Corte perde a majestade só parecem ter dúvidas seus integrantes, que, ao serem (de modo condenável) atacados nas ruas e nas redes, cobram respeito sem se mostrarem respeitáveis. Se a contestação ao papel supremo do Tribunal é danosa para a democracia, ruinosas são as atitudes que dão margem à confrontação. Passa da hora de se pôr um fim a tal embate, mas a iniciativa cabe a quem detém a prerrogativa constitucional de falar por último sobre o que é legal ou ilegal no país.
As togas não fazem um favor a si mesmas quando dão margem à interpretação de que estejam prestando favores a outrem ou obtendo vantagens de cunho pessoal. Oferecem, antes, um desserviço à coletividade aliando-se ao espírito do tempo da má educação cívica quando o ideal seria darem o exemplo oposto. Olham o panorama de cima, sem dar mostras de perceberem o tamanho da erosão sofrida na sociedade e do quanto esse desgaste por ser nocivo para a imprescindível confiança nas instituições. Na disseminação da descrença viceja o entusiasmo pela anormalidade barulhenta que confere ao autoritarismo a chance de sugerir aos incautos a pior das soluções.
Segundo Gilberto Freyre, o formalismo exacerbado leva os juristas a se isolarem da realidade brasileira. Mas o problema de certos ministros do STF não é o excesso de liturgia, mas, sim a falta dela. A julgar pela desfaçatez com que se dedicam a rega-bofes e encontros com o lobismo político e empresarial, algumas togas já deram alta aos psicanalistas, e o togado a quem me refiro nesta postagem é um dos que desafiam Freud e a própria sensatez. Dizer que os magistrados brasileiros perderam o contato com as pessoas que lhes pagam os salários é muito pouco para traduzir tamanha alienação. Na verdade, eles se desconectaram da realidade.
Houve um tempo em que eu me envergonhava de ser brasileiro. Agora, tenho nojo.