"Eu vou fazer um apelo: cada pessoa que votou no Lula, em 1989, em 1994, em 1998, em 2006, em 2010 e em 2022, tem que votar no Boulos para prefeito de São Paulo —, exortou o xamã petista, como se a legislação eleitoral não proibisse pedidos explícitos de votos antes de 16 de agosto (quando termina o prazo para o registro formal das candidaturas). Na última quinta-feira, atendendo a um pedido do Partido Novo, a Justiça Eleitoral deu prazo de 24 horas para o boquirroto excluir o vídeo do ato de seu canal no Youtube.
No mesmo dia, o MDB entrou com uma ação conta Lula e Boulos por propaganda eleitoral antecipada. Ricardo Nunes, que postula a reeleição, exaltou o óbvio dizendo que o petista parece estar no palanque de 2022 com a cabeça em 2026. O ministro Paulo Pimenta, da Secom, negou o cometimento de crime eleitoral, escorando-se no velho e batido ramerrão da "liberdade de expressão". Mas não explicou por que o Planalto apagou o vídeo das redes oficiais do governo federal.
Ao erguer o braço de Boulos e pedir votos para ele, Lula violou conscientemente a Lei das Eleições. E o fez porque sabe que é falsa a máxima segundo a qual o crime não compensa: na seara eleitoral, quando compensa, o crime passa a se chamar "esperteza". O que torna o crime compensatório é a pena imposta ao infrator: multas de R$ 5 mil a R$ 25 mil. Coisa risível.
A hipocrisia eleitoral é velha conhecida de Lula. Em 2010, quando percorria o país com Dilma a tiracolo, o então presidente fez troça da Justiça Eleitoral num comício travestido de atividade governamental. A alturas tantas do discurso com que brindou uma claque atraída pela entrega de chaves de apartamentos populares no município de Osasco (SP), o mandatário escarneceu de uma multa que o TSE lhe havia imposto na semana anterior: "Não adianta vocês gritarem nome porque eu já fui multado pela Justiça Eleitoral, R$ 5 mil, porque eles disseram que eu falei o nome de uma pessoa. Pra mim não tem nome aqui", trombeteou. E a multidão: "Dilma, Dilma, Dilma..." Entre risos, o criador de postes emendou: "Se eu for multado, vou trazer a conta pra vocês. Quem é que vai pagar a minha multa? Levanta a mão aí".
Naquela época, o hoje ministro da Justiça Ricardo Lewandowski presidia o TSE. Instado a comentar a ineficácia das penas, apontou para o Legislativo: "Aplicamos rigorosamente as multas previstas na Lei Eleitoral. Não cabe nos pronunciarmos sobre a eficácia das multas, se poderia ser maior ou menor. Foi o Congresso que fixou os valores".
Tudo sobe no Brasil, exceto as multas por infrações eleitorais. E o congelamento tem propósitos explícitos: o lucro político obtido com a exposição prematura dos candidatos é sempre maior do que o prejuízo financeiro — que, de resto, não afeta o bolso dos infratores, mas as arcas partidárias, nutridas com o suado dinheiro dos "contribuintes".
Estimulado pelo valor anedótico da hipotética punição, Lula sentiu-se à vontade para ignorar novamente a lei. Criou-se no Planalto um clima de caça aos culpados pelo fiasco do 1º de Maio. O presidente inaugurou as buscas quando ainda estava sobre o palanque do ato que deveria ter sido a celebração do Dia do Trabalhador. "Não pense que vai ficar assim", vociferou para o ministro palaciano Márcio Macêdo, responsável pela interlocução do governo com os movimentos sociais.
No dia seguinte, foram à alça de mira o ministro Luiz Marinho (Trabalho), que não zelou para que as centrais sindicais providenciassem o público, e Alexandre Padilha (Coordenação Política), que não mobilizou adequadamente a bancada petista e seus satélites. Sobrou tiro até para Marco Aurélio Ribeiro, responsável por organizar a agenda do presidente, que se absteve de farejar o fracasso.
Se o nome do problema fosse Macêdo, Marinho, Padilha ou Marcola a solução seria simples. Bastariam alguns golpes de esferográfica e o envio das exonerações ao Diário Oficial. A questão é que o responsável pela desconexão do Planalto com a realidade é o dono da caneta. O mundo do trabalho foi virado do avesso, o imposto sindical acabou a militância petista envelheceu, e a direita se bolsonarizou. Quase tudo mudou, exceto Lula.
A caça aos culpados seria interrompida se Lula concedesse uma audiência ao espelho, onde a imagem refletida, de uma franqueza inescapável, revela, sem atenuantes, todas as ofensas do tempo — rugas, cabelos ralos e flacidez política. Numa conversa franca, o espelho lhe diria que ele já não é o mesmo.