quarta-feira, 22 de outubro de 2025

O TEMPO PERGUNTOU AO TEMPO QUANTO TEMPO O TEMPO TEM… (QUARTO CAPÍTULO)

WHAT'S DONE CANNOT BE UNDONE

Prosseguindo de onde paramos no capítulo anterior, se retirarmos todos os acontecimentos, restará somente o tempo em sua forma pura, sem conteúdo. Mas será que no próprio tempo existem presente, passado e futuro? 


Para tentar responder a essa pergunta, devemos ter em mente que o conceito de flecha do tempo, — proposto pelo astrônomo britânico Arthur Eddington com base na Segunda Lei da Termodinâmica — se baseia no aumento irreversível da entropia para sustentar a unidirecionalidade do tempo. 


Ocorre que a entropia é a única lei da física com forte direcionalidade temporal que perde essa característica quando trata de coisas muito pequenas — ou seja, a flecha do tempo só avança irreversivelmente do passado para o futuro quando nos afastamos do mundo microscópico em direção ao macroscópico.


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Lula nasceu em 1945. Nos anos 1950, o Brasil de Getúlio Vargas tinha o rádio como grande meio de comunicação. Francisco Alves e René Bittencourt lançaram o disco com uma valsa que faria enorme sucesso na voz de um coro infantil: “Criança feliz, feliz a cantar, alegre a embalar, seu sonho infantil”. A alegria estava decretada no céu porque todos tinham percebido que Jesus havia sido criança. Mas a criança feliz mudou. 

A infância encolheu. Nossas avós brincavam com bonecas na idade em que as crianças de hoje já pensam em baladas. E encolheu também na demografia: o Brasil envelheceu, e há menos filhos por casal. Segundo nosso censo, em 2000, havia uma média de 2,43 filhos por casal; em 2020, o número caiu para 1,66. A família encolheu, e a geriatria tem mais nosso futuro do que a pediatria.

Antes, havia “adultos pequenos” sem roupas específicas, sem restrições como censura ou limites judiciais de responsabilização. O avanço da infância foi enorme desde o século 19. Efeitos? O Natal e a Páscoa foram “infantilizados”. Sai Jesus (recém-nascido ou recém-ressuscitado) e aumenta a imagem do Papai Noel e do Coelho. 

Sem rebentos, a festa em família parece estar esvaziada. As violências contra crianças foram condenadas e proibidas. A palmatória sumiu das escolas. O tapa materno ou paterno foram barrados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. A criança consome e é alvo de campanhas publicitárias. A pedagogia revestiu-se de positividade e a erotização de crianças choca a todos. No apogeu da proteção, começam a escassear as crianças em si. Resta saber quem habitará a redoma sagrada e protegida que nossa consciência edificou para as crianças.

No mesmo mês do “dia da criança” existe o dia do “idoso”. Mas a infância é idealizada, ao passo que a maturidade é evitada e disfarçada. Encurtamos a infância e ampliamos o ideal de juventude. Há poucas crianças, mas ninguém quer ser velho. 

Viramos imortais de pele boa porque estamos na “melhor idade”. Nesse ritmo, em 2055 o Brasil estará sem crianças e tomado por septuagenários felizes com o verão interminável tapado pela peneira da publicidade e da medicina. 

A criança era “feliz, feliz a cantar” em 1952. No ano anterior, a música mais cantada era Bota o retrato do velho outra vez (Haroldo Lobo e Marino Pinto), destacando a volta de Getúlio Vargas ao poder. Os autores exaltavam que “O sorriso do velhinho faz a gente trabalhar”. 

Sabem a idade do “velhinho” Getúlio ao ser eleito em 1950? Ele tinha 69 anos. Trump fez 79 anos no dia 14 de junho, e Lula completará 80 no próximo dia 27. Ambos os Macróbios almejam a reeleição. Somem os “babies” e ficam os “boomers”...

Pelo jeito que as melancias vão se ajeitando na carroça do tempo, logo não haverá crianças. Resta saber o que fazer com esta vida que teima em se alongar para um crepúsculo interminável... Esperança? Só com “meu bom Jesus, que a todos conduz”. 

Segundo a Bíblia, Jesus saiu da casa da mãe aos 30 anos — o primeiro “millennial”. Haja colágeno!

 

Se considerarmos o tempo como um trem que segue pelos trilhos em velocidade constante, do antes para o depois, o hoje é o amanhã de ontem e o ontem de amanhã. O presente é o ponto transitório entre o passado (ontem) e o futuro (amanhã), e a sucessão dos eventos segue uma ordem linear que conhecemos, como as datas do Réveillon, Carnaval, Páscoa, Corpus Christi e Natal, por exemplo. 


Vale ressaltar que essa direção unívoca do tempo não se encaixa na física quântica, onde sistemas podem existir em múltiplos estados ao mesmo tempo (superposição) até a medição, sem que haja uma definição clara e única de presente, passado ou futuro até que a observação ocorra. 


A metáfora do Gato de Schrödinger destaca isso ao sugerir que o estado do gato (vivo e morto simultaneamente) só se define quando abrimos a caixa e fazemos a observação. Assim, se o sistema não segue a flecha temporal clássica nos seus estados definidos antes da observação, o presente pode estar em múltiplos pontos no tempo — ou não estar restrito a um ponto temporal específico. Mas e quanto a nós? 


A priori, nada indica como ficamos. Como o que realmente importa é a relação entre os acontecimentos, poderíamos estar em qualquer ponto e ver o mundo e seus acontecimentos expostos diante de nós como se estivéssemos fora do tempo. Ou imersos no ˝rio do tempo˝, onde o tempo escoa ao redor de nós, do futuro que está adiante para o passado que está atrás, enquanto nós ficamos no presente, presos a esse ˝agora˝. 


Observação: Estar no rio do tempo significa envelhecer à medida que o tempo passa. O presente nunca é o mesmo, mas estamos presos a ele e não podemos voltar ao passado nem avançar para o futuro senão um dia de cada vez.


O trem e o rio compartilham da mesma topologia de tempo linear, unidimensional, unidirecional e sem lacunas. Mas há duas diferenças importantes. No caso do trem, a flecha do tempo impõe datações objetivas — o sábado vem antes do domingo, janeiro, antes de fevereiro, e assim por diante —, ao passo que no rio as datações são relativas ao falante — duas horas atrás, daqui a duas horas, ontem, hoje, amanhã,, presente, passado e futuro.


A flecha do tempo e o trem nos informam objetivamente sobre a relação entre os acontecimentos e a maneira como eles se situam uns em relação aos outros — antes, depois, e até mesmo simultaneamente. O rio nada nos diz sobre a relação entre os eventos, apenas sobre a posição subjetiva que eles ocupam em relação a nós — ou seja, se existem ao mesmo tempo em que falamos ou existimos, se existem anteriormente a nós, ou se existem posteriormente ao nosso presente.


Essas duas metáforas soam contraditórias. No caso do trem, o tempo parece seguir no sentido contrário ao do rio. Olhamos da esquerda (passado) para a direita (futuro), ou seja, os eventos seguem do passado para o presente e deste para o futuro, mas no rio o futuro vem até nós, torna-se presente e se afasta como passado. Isso nos leva às seguintes perguntas: 1) Seria o tempo como a flecha que vemos passar ou como o rio em que estamos? 2) O futuro é o que vem ao nosso encontro ou o que deixamos para trás? 


De certo modo, a resposta para a segunda pergunta está na primeira,, onde há relações temporais (anterior/posterior/simultâneo), mas não há presente. Na segunda há propriedades temporais absolutas (presente/passado/futuro), mas nós estamos fora da flecha do tempo e dentro do rio do tempo. 


O que chamamos tempo, na flecha, é o fato de as coisas mudarem ou os acontecimentos se sucederem. No rio, vemos o desenrolar do tempo a partir da posição fixa que ocupamos no presente — que é sempre o mesmo enquanto presente; mas sempre outro em seu conteúdo. 


O que chamamos ˝tempo˝, no rio, é o fato de o mesmo presente ter sempre um conteúdo distinto, como se houvesse um ponto fixo em relação ao qual a flecha iria em sentido inverso, com os acontecimentos se tornando passado conforme o tempo passa.


A partir daí se colocam duas questões: 1) Qual seria a melhor representação do tempo? 2) O presente, o passado e o futuro existem objetivamente ou apenas subjetivamente? 


Se não há passado nem futuro, a ideia de que o passado é necessário e de que diversos futuros são sempre possíveis é em si mesma uma ilusão devida à nossa condição de seres temporais. Mas isso é assunto para o próximo capítulo.

terça-feira, 21 de outubro de 2025

DO TELEFONE DE D. PEDRO AO CELULAR (4ª PARTE)

TODO MUNDO É IGNORANTE, SÓ QUE EM ASSUNTOS DIFERENTES.

Ainda sobre a questão da autonomia — que é de suma importância para quem usa smartphones 24/7 —, poucos aspectos incomodam tanto quanto a necessidade de recarregar a bateria todos os dias. Nesse contexto, a marca chinesa Oukitel oferece modelos com bateria de 18.000 mAh, que proporcionam uma semana de uso moderado ou de três a quatro dias de uso intenso, sem necessidade de recarga. 


Isso nos leva à seguinte pergunta: se é possível equipar smartphones com baterias de mais de 10.000 mAh, o que a Apple, a Samsung e a Motorola estão esperando para lançar modelos com esse "poder de fogo"? A resposta está no equilíbrio entre design e usabilidade: a maioria dos usuários prioriza aparelhos finos e leves, confortáveis no bolso e na mão, e uma bateria com tamanha capacidade exige quase o dobro da espessura de um iPhone. Isso sem falar no peso adicional, no custo de fabricação e no tempo de recarga, que pode variar entre 3 e 5 horas, mesmo com carregadores rápidos.


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Dizem que burros velhos não aprendem truques novos, mas até um burro cego tropeça na cenoura por acidente. Prova disso é a indicação de Jorge Messias para a vaga do ministro Barroso, que formalizou sua aposentadoria antecipada no sábado (18).

Em junho de 2003, com apenas seis meses no cargo, coube a Lula indicar três nomes para o Supremo. Na época, o petista seguiu os conselhos de seu ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. A tríade foi composta por Cesar Peluso — desembargador de carreira de São Paulo —, Ayres Britto — poeta-advogado sergipano —, e Joaquim Barbosa — membro do MPF que se tornou o primeiro negro no STF.

Para o posto de um magistrado de carreira paulista, o molusco escolheu outro de mesmo perfil; para o lugar de um ministro de origem nordestina e de posição moderada, Ayres Britto veio como da mesma região, mas com viés mais progressista; e para a cadeira do decano e último sobrevivente das indicações do regime militar, Lula indicou Joaquim Barbosa.

No ano seguinte, foi guindado ao STF Eros Grau — advogado e ex-torturado na ditadura —; em 2006, o advogado paulista Ricardo Lewandowski e a procuradora mineira Carmen Lúcia.

A opção jurídica desenhada por Thomaz Bastos nas seis indicações se mostrou uma decepção para os petistas. Quando veio o mensalão em 2005, nenhum deles se alinhou ao grupo do ‘deixa disso’, à exceção de Lewandowski, hoje ministro da Justiça no Lula 3. Barbosa, como relator do processo, virou o algoz do grupo flagrado distribuindo dinheiro na boca do caixa do Banco Rural. Vieram outras vagas, e Lula indicou Menezes Direito e Dias Toffoli, e Dilma, a inolvidável, três “Luíses” — Fux, Barroso e Fachin.

De um tempo a esta parte, os supremos togados ganharam tal protagonismo que o chefe do Executivo de turno procura indicar nomes que não se tornarão problemas. O ex-deputado e ex-ministro da Justiça Nelson Jobim, que ganhou a suprema toga de FHC, chegou a ser chamado maldosamente de líder do governo no STF por conta de pedidos de vistas em processos de interesse do Executivo. 

Bolsonaro abrilhantou a Corte com o ministro-tubaína Nunes Marques e o terrivelmente evangélico André Mendonça. Se a vaga de Barroso for preenchida por Messias, também evangélico, será a prova provada de que Lula aprendeu a lição.

Triste Brasil. 


Para quem tem acesso a tomadas em casa, no trabalho, na escola e até no carro, essa autonomia pode até ser desejável, embora esteja longe de ser indispensável. No entanto, em operações de campo, trilhas longas e regiões inóspitas, sem disponibilidade de energia elétrica, não se trata de luxo — mas de necessidade.

 

Falando em celulares chineses, fabricantes como Xiaomi, Realme, OPPO, JOVI, Honor e Huawei oferecem modelos que se destacam pelo visual diferenciado, configuração parruda e bom custo-benefício. É fato que a fama de produtos xing-ling ainda deixa muita gente com a pulga atrás da orelha, o suporte técnico no Brasil nem sempre é fácil, as atualizações de sistema costumam ser mais limitadas e, em alguns casos, os aparelhos não são certificados pela Anatel, nem compatíveis com as bandas de 5G usadas em nosso país.

 

Observação: Vale destacar que "bom custo-benefício" não significa necessariamente preço baixo: o Huawei Mate XT Ultimate — o único smartphone com três telas dobráveis, capaz de se transformar em um tablet de visual futurista e acabamento premium — custa mais de R$ 30 mil. 

 

Modelos como Realme C75, Realme 14 Pro+ e OPPO Reno 13 F contam com certificação IP69, que assegura proteção contra poeira e resistência não só a mergulhos em água doce, mas também a jatos de alta pressão e temperaturas extremas. O OPPO Reno 13 F, por exemplo, funcionou normalmente depois de ser exposto a um jato contínuo de água a 80°C e ficar submerso por 30 minutos. Mas nem tudo são flores: esse nível de proteção exige carcaça robusta e vedação reforçada, sem falar que, para manter o preço competitivo, os fabricantes não integram câmeras avançadas ou processadores topo de linha, por exemplo. No entanto, se você prioriza resistência em detrimento da leveza e da maneabilidade, pode ter certeza de que esses dispositivos foram feitos para durar, mesmo nas situações mais adversas.

 

Outro diferencial dos celulares chineses é o carregamento rápido. Enquanto Apple e Samsung limitam a potência de carga na maioria dos modelos — e nem sempre incluem o carregador na caixa —, marcas como Xiaomi, Realme, OPPO e JOVI oferecem carregadores de 45 W até com os modelos intermediários. O Realme GT 7, por exemplo, vem com bateria de 7.000 mAh, suporte ao carregamento SuperVOOC de 120 W — capaz de ir de 0% a 100% em cerca de 36 minutos sem esquentar demais — e fornece o carregador junto com o aparelho.

 

Para ilustrar melhor a questão do custo-benefício, o Poco X7 Pro integra chip Dimensity 8400 Ultra, bateria de 6.000 mAh em silício-carbono, 12 GB de RAM, 512 GB de armazenamento interno, tela AMOLED de 120 Hz, e custa a partir de R$ 2 mil. Já o Realme 13+, com chip Dimensity 7300 Energy, tela AMOLED de 120 Hz e bateria de 5.000 mAh com recarga de 80 W, pode ser encontrado a partir de R$ 1,8 mil no Mercado Livre. 


Ainda que esses valores chamem atenção, sobretudo se comparados ao de modelos concorrentes com especificações parecida, a maioria dessas ofertas tentadoras vem do chamado mercado cinza, formado por celulares importados e revendidos por canais não oficiais, sem garantia de fábrica nem assistência técnica autorizada. 


Outro aspecto que desfavorece os celulares chineses são as atualizações. Mesmo com avanços recentes, modelos de entrada e intermediários costumam receber duas ou três atualizações do Android e patches de segurança por apenas dois ou três anos. Em contrapartida, a Apple oferece até seis anos de suporte para os iPhones, e a Samsung promete sete grandes atualizações do Android para modelos topo de linha.

 

Resumo da ópera: comprar um celular chinês pode valer ou não a pena, dependendo das características que você mais valoriza. Se por um lado eles se destacam pelo design inovador, resistência elevada, carregamento ultrarrápido, ficha técnica robusta e preços acessíveis — vantagens claras para quem procura tecnologia de ponta sem gastar tanto —, por outro a política de atualização de software ainda deixa a desejar, o suporte técnico é restrito e a compra no mercado cinza reduz garantias e dificulta a assistência.

 

Continua...

segunda-feira, 20 de outubro de 2025

O TEMPO PERGUNTOU AO TEMPO QUANTO TEMPO O TEMPO TEM… (3ª PARTE)

THE UNIVERSE REMEMBERS EVERYTHING 


A maioria de nós acredita que o passado se foi, que nem mesmo Deus pode fazer com que o que foi não tenha sido. O futuro, por sua vez, é tido como incerto, embora uma parte dele dependa de leis naturais — daí ser possível prever a posição dos astros em qualquer data futura, o dia e a hora do próximo eclipse lunar e a maioria dos efeitos de uma reação física ou química.


Observação: Conforme comentou meu velho amigo Edward no primeiro capítulo desta sequência, a concepção de tempo varia profundamente entre as culturas. O povo Aymara, do altiplano andino, possui uma visão única: para eles, o passado (nayra, que significa "fronte" e "olho") está à frente, porque é conhecido e visível, enquanto o futuro (qhipa, "atrás") está às costas, por ser desconhecido e invisível. Já entre alguns povos indígenas do Brasil, como os Munduruku e os Pirahã, a experiência temporal é distinta. Sua concepção não é espacial como a dos Aymara, mas focada em um presente contínuo e expansivo. Eles valorizam intensamente a memória ancestral e o mundo imediato, vivendo de forma plena o momento, sem a mesma abstração linear de futuro que caracteriza o pensamento ocidental.

Ainda não conseguimos prever o que acontecerá na semana que vem — não porque o futuro seja intrinsecamente incerto, mas porque envolve variáveis com as quais nem os computadores mais poderosos conseguem lidar. Mas conhecer é prever, e isso torna possíveis todas as técnicas, da máquina a vapor ao computador.


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A intentona bolsonarista não prosperou devido ao amadorismo acachapante do ex-presidente e seus capangas. A tramóia urdida pelo filho do pai nos EUA frutificou, mas não impediu a condenação do chefe e demais integrantes do núcleo crucial do golpe. Para piorar a situação dessa caterva, a “química que rolou” com a calopsita alaranjada reverteu a tendência de queda do molusco eneadáctilo, que por ora é tido como imbatível em 2026, independente de quem for o adversário.
Um presidente em viés de alta nas pesquisas não precisa calçar mocassim, mas tampouco deve exagerar no tamanho do salto. Discursando para uma plateia companheira, o xamã petista disse que não rolou apenas uma química entre eles, "pintou uma indústria petroquímica." Na mesma em que ele destilou confiança no Rio de Janeiro, o representante comercial americano Jamieson Greer e o secretário de Tesouro Scott Bessent disseram, numa entrevista em Washington, que o tarifaço contra o Brasil se deveu a afronta ao "estado de direito e aos direitos humanos", "censura" a big techs e "detenção ilegal" de americanos no Brasil.
O encontro de Mauro Vieira com o chefe da diplomacia americana Marco Rubio pavimentou o caminho para uma conversa entre Lula e Trump. A chance de melhoria das relações bilaterais é grande, pois pior do que está é difícil ficar. Mas nada justifica a exacerbação do otimismo.
O último político brasileiro que se entusiasmou com Trump foi Bolsonaro. Quando seu ídolo foi coroado pela segunda vez, o futuro hóspede da Papuda exultou: "Estou animado. Não vou nem tomar mais Viagra". Mas não demorou a se dar conta de que quem pula junto com Trump dá um salto mortal.
Lula olha para Trump do alto de um salto agulha de 15 cm, mas faria um bem a si mesmo se descesse para um discreto, compacto e seguro salto Anabela. Além disso, para quem está na bica de completar 80 anos, parecer sensual deveria ser a última das preocupações.

Não temos como prever tudo, mas sabemos quase tudo que é preciso para prever a evolução física do mundo, mesmo porque as leis da natureza são constantes. Na escala microfísica, o determinismo é universal; na escala física, o futuro é previsível, mas a conduta humana não obedece às leis universais.


Quando se trata do futuro, não estamos apenas no incerto, no imprevisível, mas também no indeterminado. Alguns futuros são contingentes. Talvez um dia possamos prever tudo do cosmos, ainda que não consigamos predizer o comportamento de nosso melhor amigo — ou mesmo o nosso.


O tempo nos apresenta três graus de ser: o superior é o passado (o que não pode não ser); o  intermediário é o presente (o que é, simplesmente); e o inferior é o futuro (que pode ser ou não ser). O presente é real, o passado, real e necessário, e o futuro, apenas possível — ou a diversidade dos possíveis, já que se trata menos de um ser do que de uma potência.


No que se refere ao tempo, talvez sejamos vítimas de uma confusão — frequente e quase inevitável. Como bem observou Santo Agostinho, ˝se ninguém me pergunta, eu sei, mas se me perguntam e quero explicar, já não sei mais˝. Temos apenas um conhecimento intuitivo, não conceitual, e esse conhecimento intuitivo não é direto, já que não temos acesso ao próprio tempo, apenas às coisas que estão no tempo e mudam com o tempo. 


Percebemos a mudança, não o tempo. É o que já assinalava David Hume: ˝Toda vez que não temos percepções sucessivas, não temos noção do tempo, mesmo se houvesse uma sucessão real nos objetos˝. O tempo não pode fazer sua aparição nem completamente só, nem acompanhado de um objeto constante e invariável, apenas se deixa descobrir por alguma sucessão perceptível de objetos mutáveis. O tempo passou porque agora não chove mais, porque eu dormi, porque o ponteiro do relógio se moveu, e por aí vai. É a razão pela qual temos a impressão — enganadora — de que, se as coisas parassem de mudar, o próprio tempo pararia. 


Em versos que todos os escolares franceses conhecem, o poeta Lamartine escreveu: ˝Ô temps! Suspends ton vol, et vous, heures propices. Suspendez votre cours, laissez-nous savourer les rapides delices des plus beaux de nos jours.˝ Mas o filósofo poderia responder ao poeta: “Que o tempo suspenda seu voo, admito! Mas… por quanto tempo?


Como todos nós, o bardo francês confunde tempo com acontecimentos temporais. Mesmo que pudéssemos deter o curso dos acontecimentos, mesmo que as coisas pudessem se manter numa espécie de presente perpétuo, mesmo que o devir se detivesse, o tempo propriamente dito não se deteria. Talvez o futuro fosse semelhante ao presente, mas o tempo continuaria seu curso.


Os poetas não são os únicos a confundir a forma do tempo com seu conteúdo. O mesmo acontece com sociólogos, psicólogos e filósofos. Alguns sociólogos falam, por exemplo, em aceleração do tempo, quando na verdade há cada vez mais ações ou acontecimentos no mesmo lapso de tempo — ou talvez essa seja a impressão que temos, já que o tempo é a medida pela qual expressamos velocidade, e ele mesmo não pode ter velocidade — segue sempre segundo após segundo, por definição.


Em última análise, falar em velocidade do tempo é uma incoerência, já que pressupõe exprimir a variação do tempo em relação a si mesmo. Por outro lado, as equações relativísticas de Einstein demonstraram que o tempo é relativo: ele passa mais devagar para um observador em movimento em relação a outro, sem que exista um referencial privilegiado. Isso já foi detalhado em outras postagens, mas foge ao escopo desta abordagem.


Alguns historiadores afirmam que os gregos tinham uma concepção cíclica do tempo. É fato que eles — e outros povos antigos — previam o movimento dos astros, o retorno das estações e a repetição dos mesmos acontecimentos a intervalos regulares. Mas o fato de alguns acontecimentos serem cíclicos prova apenas que o tempo não o é. Se fosse, os eventos se confundiriam com seus precedentes. Afirmar que o mesmo acontecimento se repete a intervalos regulares, como a volta completa de um círculo, implica admitir que o mesmo momento ocorre em momentos diferentes, o que é contraditório; logo, esposar a tese do eterno retorno é tomar a repetição de eventos pela circularidade do próprio tempo.


Podemos dizer que o porvir é a parte do tempo que ainda não é presente, e que o futuro continua sendo futuro, ou seja, uma dimensão essencial e constitutiva da temporalidade tão real quanto o presente, mas que ainda não é, a parte do tempo que nunca atingimos, mas que representamos sempre. Essa distinção do tempo e de seu conteúdo nos oferece um meio indireto de definir o tempo: se suprimirmos tudo o que existe à nossa volta, restam o espaço que esses corpos ocupavam e tempo no qual ocorriam todos os acontecimentos. 


Nesse contexto, o espaço aparece como uma espécie de forma vazia, na qual se podem introduzir objetos tridimensionais. Se retirarmos o espaço, resta somente o tempo no qual e pelo qual pensamos, que aparece como uma espécie de forma vazia na qual se podem introduzir processos de uma dimensão: as mudanças que acontecem às coisas sensíveis (os corpos extensos no espaço) e aos pensamentos, o nosso. 


Em última análise, isso ilustra a distinção entre a forma do tempo e seu conteúdo. Os acontecimentos são sempre distintos, mas o tempo permanece o mesmo — como na concepção de Newton, segundo a qual ˝o tempo absoluto, verdadeiro e matemático, sem relação a nada de exterior, escoa uniformemente e se chama duração˝.


Essa é também a concepção de Kant, para quem o tempo era uma forma pura pela qual percebemos as coisas exteriores e nossos próprios pensamentos, um quadro a priori no qual se instalam a posteriori todos os fenômenos percebidos, estejam eles em nós ou fora de nós. Mas talvez o tempo não seja uma forma sem conteúdo: o que seria um tempo vazio, uma duração sem nada que dure? Absolutamente nada. Segundo a concepção de Leibniz, oposta nesse ponto à de Newton, sem acontecimentos não haveria tempo.. 


O tempo não é uma substância que existe por si mesma e que os diversos acontecimentos que nele se desenrolam, reais ou possíveis, vêm a preencher, e sim uma relação entre os acontecimentos existentes. E o mesmo se dá com o espaço, com a diferença de que o espaço e o tempo não definem o mesmo tipo de relações entre as coisas. 


O espaço é uma ordem de coexistências na qual os existentes que são compatíveis entre si podem estar, um em relação ao outro, numa relação espacial. Já o tempo é uma ordem de sucessão onde os existentes incompatíveis só podem coexistir sucessivamente, um antes do outro ou um depois do outro, mas não simultaneamente. Em suma, o tempo nada mais é que essa relação de incompatibilidade entre estados do mundo igualmente existentes.


Vale reforçar que isso não altera o que vimos no começo deste ensaio. O tempo pode existir sem os acontecimentos (como sustentou Newton) ou não existir independentemente deles (como postulou Leibniz). Mas é importante não confundir as propriedades do tempo em si com as dos acontecimentos temporais. Dado que o tempo é constante, unidimensional, unidirecional e imutável, o futuro como dimensão do tempo é sempre o mesmo.


Por outro lado — e tudo sempre tem mais que um lado num universo quadridimensional — não se deve confundir o tempo com seu conteúdo nem com a maneira como ele se nos apresenta. Mas isso é assunto para o capítulo final.


Continua…

domingo, 19 de outubro de 2025

REDUFLAÇÃO, LEITE CONDENSADO E UMA PÉSSIMA RECORDAÇÃO.

DIANTE DE DETERMINADOS MISTÉRIOS, É MELHOR FAZER O QUE A BÍBLIA DIZ QUE MARIA FEZ DEPOIS DE DAR À LUZ A JESUS: FICOU EM SILÊNCIO E PONDEROU AS COISAS NO CORAÇÃO.

 

Começando pela péssima recordação: 

 

Em janeiro de 2021, dias após Bolsonaro completar dois anos de mandato, eu escrevi que:


Um presidente que não governa, que age como se estivesse em plena campanha, que não se empenha na aprovação das reformas — e culpa o Congresso —, que tripudia do vírus — gripezinha —, insulta as pessoas sensatas — maricas — banca o curandeiro (quem não toma cloroquina toma tubaína), que aparelha a PGR, reforça a banda podre do Supremo e articula a eleição de apaniguados na Câmara e no Senado por razões escusas não é apenas uma figura inútil, e sim um estorvo, um encosto, um egun mal despachado — que deveria ser exorcizado sob pena de o país regredir aos tempos nefandos de Sarney e Collor”.

 

Na mesma postagem, comentei que R$ 15 milhões dos quase 2 bilhões gastos com alimentação foram “investidos” em leite condensado, outros R$ 2,2 milhões em chicletes, R$ 32,7 milhões em pizza e refrigerante, R$ 6 milhões em frutos do mar e R$ 2 milhões em vinhos. Por meio de nota, o Ministério da Defesa, então comandado pelo general Fernando Azevedo e Silva, afirmou que “o leite condensado é um dos itens que compõem a alimentação por seu potencial energético, podendo ser usado eventualmente em substituição ao leite". 

 

No que tange ao chiclete, a pasta sustentou que “o produto ajuda na higiene bucal das tropas, que, às vezes, não têm tempo de fazer a escovação apropriada, como também é utilizado para aliviar as variações de pressão durante a atividade aérea”, bem como ressaltou que havia 370 mil militares na ativa, e que cada um recebia apenas R$ 9 por dia para alimentação.

 

Naquele mesmo dia, durante almoço com apaniguados e puxa-sacos numa churrascaria em Brasília, Bolsonaro reagiu às críticas com a finesse que lhe é peculiar: “Quando vejo a imprensa me atacar, dizendo que comprei 2 milhões e meio de latas de leite condensado, vá pra puta que pariu, imprensa de merda! É pra enfiar no rabo de vocês da imprensa essas latas de leite condensado. Essas acusações levianas não levam a lugar nenhum e se me acusam disso é sinal que não tem do que me acusar (…) Isso não é mordomia, não é privilégio”.

 

Tanto é possível mentir dizendo a verdade quanto dizer a verdade mentindo. Conta-se que Fidel Castro, ao ser questionado sobre a penúria na ilha forçar universitárias a se prostituírem para sobreviver, respondeu que era exatamente o contrário: a situação em Cuba era tão boa que até as prostitutas eram universitárias.

 

No que tange à reduflação:

 

Com o preço dos laticínios nas alturas, margarinas e produtos lácteos à base de soro de leite se tornaram uma alternativa mais barata. Isso sem falar na reduflação — estratégia usada por fabricantes para mascarar o aumento no preço dos produtos. Trata-se de um duro golpe no bolso dos consumidores, já que o preço não cai — isso quando não aumenta. A empresa de salgadinhos Lay's, subsidiária da Pepsi Co, relançou sua batata frita num pacote maior, com um novo nome — Party Size — e um aumento de preço que superou em muito o do peso. 

 

Outros exemplos são o pacote do biscoito recheado Trakinas, que passou de 200g para 126g (redução de 37%), as barras de 180g do chocolate Garoto, que agora pesam 90g, os pacotinhos de queijo ralado de 50, que encolheram de 50g para 40g, e por aí vai. Até limpar a bunda está custando mais: os rolos de papel higiênico, que tinham 60 metros nos anos 1970, agora têm entre 30 e 20 metros.

 

No que tange ao leite condensado:

 

O produto tradicional é denso, cremoso, de sabor marcante e textura uniforme porque feito a partir da concentração do leite integral com adição de açúcar. Já o “pseudo leite condensado” é uma versão fabricado com soro de leite — um subproduto da fabricação de queijos — muito mais pobre, tanto nutricional quanto sensorialmente. 

 

Enquanto o leite condensado verdadeiro tem um dulçor profundo e uma untuosidade que se funde perfeitamente com chocolate, coco ou frutas, a versão mais barata é aguada, menos doce e com um retrogosto levemente metálico ou ácido, dependendo da formulação. A ausência de gordura e sólidos lácteos compromete sua capacidade de emulsificar e caramelizar, afetando não só o sabor, mas também a estrutura de pavês, tortas, mousses, pudins, recheios e coberturas, e exigindo correções com creme de leite, gelatina ou amido — o que encarece a receita e proporciona um resultado sempre inferior, com sabor apagado e textura comprometida. Mas é no brigadeiro que o pseudo leite condensado revela sua total imprestabilidade. 

 

Ao ser levado ao fogo com chocolate e manteiga, o leite condensado original engrossa, ganha brilho e ponto de enrolar. Já o feito com soro de leite demora mais para atingir o ponto, não ganha consistência adequada, separa líquidos e, quando esfria, vira uma massa pastosa e sem elasticidade. Resultado: o que deveria ser uma celebração da simplicidade vira um exercício de frustração. Portanto, não se iluda com a economia porca proporcionada por um produto mais barato na prateleira, pois você precisará de mais ingredientes para compensar as deficiências. Em última análise, é a reduflação disfarçada de economia: menos produto, menos qualidade, mais frustração.

 

Uma alternativa mais econômica que o Leite Moça, Mococa, Itambé e assemelhados é a versão caseira. Você precisa apenas misturar um litro de leite integral e 1 ½ xícara (chá) de açúcar cristal numa panela, deixar ferver por 35 minutos, transferir para uma batedeira e bater até esfriar (por cerca de 15 minutos). Para saber se a mistura está pronta para ser batida, coloque uma gota num pratinho ou pires que que ficou no freezer por pelo menos uma hora: se a gota não escorrer quando você virar o pratinho, pode despejar o conteúdo da panela na batedeira e finalizar o preparo.

 

Bom proveito.