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segunda-feira, 2 de novembro de 2020

DEMOCRATAS X REPUBLICANOS — SOBRE O CONFUSO SISTEMA ELEITORAL AMERICANO E OUTRAS CONSIDERAÇÕES

 


Preocuparmo-nos com a eleição presidencial nos Estados Unidos quando vivemos sob os desmandos de um morubixaba medíocre — que usa com igual mediocridade sua ordinária esferográfica Bic — e a semanas das eleições municipais — com uma trupe de feira de horrores postulando a prefeitura da maior metrópole da América Latina (para não falar no quadro igualmente desolador que se descortina nas demais 5.569 cidades brasileiras) — seria como tomar partido numa briga de vizinhos estando em pé de guerra com quem vive sob nosso próprio teto.

Seria, não fosse o fato de a escolha entre o republicano Donald Trump e o democrata Joe Biden ter repercussões globais, desde importantes resoluções econômicas —  em que se destaca a atual briga com a China em torno do 5G —  até o questionamento de um modelo de fazer política, ao redor da postura histriônica de um líder que nunca se furtou a espalhar inverdades e provocações pelas redes sociais, muitas vezes alimentadas por xenofobia e preconceitos (por quem nosso presidente morre de amores, embora seja por ele tratado não com o respeito devido a um igual, mas sim como um fã patético e, eventualmente, útil).

Costumo dizer que o imprevisto pode ter voto decisivo na assembleia dos acontecimentos. Por óbvio, o que é imprevisto não pode ser controlado, e como bem ensinou o Conselheiro Acácio (personagem do romance O PRIMO BASÍLIO, do escritor português Eça de Queiroz), o problema com as consequências é que elas sempre vêm depois. Não fosse a pandemia da Covid-19 trazer a reboque uma crise econômica como não se via desde 1929, a reeleição de Trump estaria garantida. Mas ele perdeu o favoritismo, Biden se tornou a bola da vez, e uma derrota do republicano trará consequências — não só para o Brasil, naturalmente, mas preocupa-nos mais saber como esse imbróglio vai nos afetar.

Se as previsões se confirmarem, Trump entrará para a seleta confraria dos ex-presidentes expelidos da Casa Branca ao final do primeiro mandato — a exemplo de George Bush pai e de Jimmy Carter. Oficialmente, a eleição termina amanhã, e pelo fato de o voto ser facultativo (para garantir ao cidadão a liberdade de escolher entre votar ou não, embora sirva para desestimular a participação ativa das parcelas mais pobres da população, facilitando a reprodução de oligarquias políticas no poder), atrair os eleitores às urnas sempre foi uma tarefa árdua para os candidatos. Mas não desta vez.

Até a última quinta-feira, mais de 80 milhões de americanos já haviam votado. Esse número corresponde a mais da metade do total de votos do pleito de 2016 e, em tese, bastaria para liquidar a fatura. Mas na prática a teoria é outra, e não só não sabemos quem sairá vencedor, nem quando quando saberemos. Em situações normais, sabe-se no dia da eleição quem venceu a corrida presidencial. Desta vez, no entanto, a contagem de votos pode levar muito mais tempo, já que mais pessoas estão votando pelo correio ou remotamente. Sem mencionar a possibilidade de o candidato menos votado nas urnas sagrar-se vencedor — como aconteceu em 2016, quando Hillary Clinton obteve mais votos que Trump, mas foi o homem da peruca alaranjada que se mudou de mala e cuia para a Casa Branca.

O bizarro sistema eleitoral americano é confuso e difícil de entender — e mais ainda de explicar, sobretudo para e por quem está acostumado com a lógica do sistema eleitoral majoritário, que é aplicado em nossas eleições presidenciais e para governadores, prefeitos e senadores. No caso dos deputados (tanto federais quanto estaduais) e vereadores, o buraco é mais embaixo, pois os candidatos a esses cargos são eleitos com base num intrincado sistema proporcional (de lista aberta). Em linhas gerais, primeiro se estabelece um quociente eleitoral, que é calculado a partir da divisão do total de votos válidos (nominais e de legenda) pelo número de vagas a serem preenchidas para o cargo em questão. Em seguida, calcula-se quociente partidário, que é obtido a partir da divisão do número de votos que cada partido recebeu pelo quociente eleitoral.

Nas eleições majoritárias, vence o candidato que obtiver mais de 50% dos votos válidos (descontados os votos brancos e nulos). Caso esse percentual não seja alcançado, os dois concorrentes mais bem votados disputam um segundo turno, do qual sai vencedor aquele que superar o outro em número de votos (em caso de empate, vence o candidato mais velho). Note que municípios com menos de 200 mil eleitores não têm eleições em dois turnos; elege-se o candidato com maior número de votos válidos, ainda que a diferença em relação ao segundo colocado seja de um único voto.

Voltando às eleições americanas, os partidos Democrata (mais liberal) e Republicano (mais conservador) são os mais conhecidos, seja porque se alternam no poder desde priscas eras, seja porque somente os dois têm chances reais de eleger um presidente. Mas há dezenas de outros partidos, como o Libertário, o Verde, o Novo, o da Montanha, o da Reforma, o dos Trabalhadores (é, lá também tem), o do Alaska, o do Havaí, e por aí vai. Dada sua inexpressividade, essas legendas não aparecem nas cédulas de todos os Estados (com exceção do Libertário e do Verde). Vale mencionar que alguns estados mantêm posição partidária definida, como é o caso do Texas, que tem tradição republicana, e a Flórida, que é majoritariamente democrata.

Na prática, a democracia americana é bipartidária. Isso ocorre porque o primeiro grande ativo de um candidato não são as ideias, mas o dinheiro. Para que um candidato conste nas cédulas de todos os 50 Estados, é preciso montar uma gigantesca – e custosa – estrutura partidária. Ao longo do tempo, houve tentativas de furar esse oligopólio, mas os nomes que surgem como candidatos independentes são sempre de bilionários que podem bancar a própria candidatura, como o magnata texano Ross Perot, em 1992, e o ex-prefeito de Nova York Michael Bloomberg.

Essa anomalia foi criada no século 18 como forma de garantir a união das ex-colônias britânicas. Por exclusão, foi o compromisso encontrado pelos fundadores dos EUA para escolher o chefe do Executivo numa época em que em nenhum país do mundo havia eleição direta. O sistema evidencia o pavor da escolha popular, especialmente se os 40 milhões de escravos algum dia tivessem poder de voto, e serve ainda como uma espécie de "fusível", capaz de evitar um "curto circuito", caso o povo escolha um líder populista — além de manter o poder de Estados que não teriam voz se a escolha fosse pelo voto popular (caso em que eleição seria decidida nos grandes centros urbanos). 

Na prática, esse mecanismo acaba com a disputa na maioria dos estados. Redutos progressistas, como Califórnia e Nova York, viraram curral eleitoral dos democratas. Trincheiras do conservadorismo, como Oklahoma e Carolina do Sul, são dominadas pelos republicanos. Dessa forma, a campanha se concentra em uma dúzia de estados-chave, que oscilam entre um e outro partido — os únicos onde há realmente competição. Este ano, a lista cresceu à medida que a popularidade de Trump caiu. Na Flórida, Pensilvânia, Wisconsin, Michigan, Ohio e Carolina do Norte a disputa ainda é voto a voto.

O colégio eleitoral tem também a vantagem da descentralização. Em caso de recontagem dos votos, o trabalho não é feito sobre a base nacional e pode ser cirurgicamente restrito a um estado. Mas há problemas que vão além de distorção óbvia da vontade popular. O primeiro deles é a composição dos 538 eleitores. O número é calculado com base na população de cada estado e reflete a soma dos 100 senadores com os 435 deputados, mais os 3 representantes de Washington DC. A questão é que cada um dos 538 eleitores é uma pessoa de carne e osso, que deposita o voto escrito em papel, para presidente e vice-presidente, um mês após a eleição, em local determinado em cada estado. O método não é à prova de falhas e depende do humor do cidadão na hora de votar. Muitas vezes, como forma de protesto, o sujeito escreve um nome qualquer na cédula. Desde 1948, isso havia acontecido oito vezes. Na eleição passada, porém, dez indivíduos não votaram em Trump ou Hillary — sete votos foram validados, incluindo três que votaram no ex-secretário de Estado Colin Powell. Em uma disputa acirrada, esse tipo de gracinha pode fazer o resultado parar nos tribunais.

Outro risco do colégio eleitoral é o de empate, já que o número de eleitores é par. A probabilidade é estimada em menos de 1%, mas considerada um desastre de proporções épicas. Caso ocorra, o resultado só será definido na posse do próximo Congresso, dois meses depois da eleição. A Câmara dos Deputados escolhe o presidente e o Senado, o vice. Nesse cenário, a indefinição poderia afetar os mercados e desestabilizar a maior economia do mundo, já que abre espaço para a eleição de presidente e vice de partidos opostos — caso republicanos e democratas cada um dominem, cada um, uma das Casas do Congresso.

Em princípio, não é necessário ser filiado a um partido para votar, embora a legislação de alguns estados obrigue os eleitores filiados a votar no candidato escolhido pelo partido nas primárias presidenciais — etapa em que são realizadas assembleias para eleger os representantes dos distritos, que escolhem os representantes do condado, que elegem delegados de estado, que elegem o presidente da república.

Como dito, cada estado tem um número de delegados proporcional a sua representação no Congresso (a Câmara mais dois senadores). Daí Nova Iorque ter mais cadeiras que Vermont e Alasca, por exemplo, e o Wyoming ter 3 delegados, enquanto a Califórnia tem 55. A capital federal, Washington D.C. (não confundir com o estado homônimo) tem direito a 3 delegados, embora não possua representantes no Congresso. Maine e Nebraska utilizam um sistema misto (Congressional District Method), no qual os delegados são atribuídos a um ou outro candidato presidencial de forma proporcional. No Maine, duas das cadeiras no colégio eleitoral vão para o vencedor no estado, e as outras duas vão para o vencedor em cada um dos distritos do estado (cada distrito tem direito a uma cadeira). Isso significa que um candidato presidencial que não vença na contagem total do estado pode obter delegados que o apoiem se conseguir vencer em um ou mais distritos. Entendeu? Nem eu.

A característica do sistema eleitoral americano que mais nos causa espécie — até porque estamos habituados ao sistema majoritário — é a possibilidade de o candidato mais votado nas urnas sair derrotado. Isso se dá porque o presidente não é eleito pelo voto direto da população, mas por um colégio eleitoral composto por delegados (representantes) escolhidos pelos eleitores de cada estado. Dito de outra maneira, os eleitores americanos votam para presidente, mas na verdade são os delegados que elegerão o presidente, que, para se eleger, precisa de pelo menos 270 dos 538 votos possíveis (que corresponde ao número de delegados de estado definido em 1964). Se nenhum candidato atingir 270 votos colegiados (ou os dois empatarem com 269), a Câmara assume o processo de eleger o presidente, situação em que cada delegação estadual teria um voto, e o processo seguiria adiante, até que um dos candidatos conseguisse maioria.

De acordo com a Constituição, os delegados não são obrigados a votar de acordo com a vontade dos cidadãos. Em alguns estados, eles são livres para apoiar o candidato que bem entenderem, enquanto em outros são obrigados a votar no candidato que prometeram apoiar. No entanto, na prática — e por tradição —, eles tendem a respeitar a decisão do povo e do seu partido. Em toda história dos EUA, houve apenas nove casos de “delegados dissidentes”, que votaram contra a vontade do seu Estado. No entanto, de acordo com o Serviço de Investigação do Congresso dos Estados Unidos, até agora os delegados dissidentes não chegaram a complicar o resultado de qualquer eleição presidencial.

Observação: Depois que os cidadãos votam no seu candidato presidencial, no dia da eleição, os votos são contabilizados em nível estadual. Em 48 estados e em Washington D.C., rege o sistema “the winner takes all”, ou "o vencedor leva tudo", em referência aos votos do Colégio Eleitoral de cada estado. Isso significa que o candidato que obtiver a maioria dos votos populares em um estado fica com todos os delegados atribuídos a esse território, e que apenas os delegados de seu partido representarão o estado no Colégio Eleitoral. Foi assim que Trump se tornou presidente, a despeito de mais pessoas tenham votado em Hillary em 2016. O mesmo aconteceu com George W. Bush contra Al Gore e com uma série de outros presidentes na história.

A título de curiosidade, as eleições presidenciais americanas passaram a ser realizadas sempre numa terça-feira para uniformizar o calendário eleitoral. Antes disso, cada estado tinha o seu próprio calendário, o que gerava confusão na hora de compor as vagas do Executivo e do Legislativo. Mas a terça-feira foi escolhida também por razões culturais: às segundas, por exemplo, muitas pessoas teriam que viajar no domingo sabático; às quartas — dia de feira — parte dos comerciantes não poderia comparecer.

Enfim, o jeito é esperar para ver que bicho dá.

sábado, 7 de setembro de 2024

ELEIÇÕES 2024 — POLARIZAÇÃO, BAIXARIA E CEGUEIRA MENTAL DÃO O TOM


 
Faltando menos de um mês para as eleições municipais, Ricardo Nunes, Guilherme Boulos e Pablo Marçal estão tecnicamente empatados, Tábata Amaral aparece em 4º lugar e José Luiz Datena carrega a lanterninha. 
Pelo que se pôde inferir dos debates e do anacrônico "horário eleitoral gratuito" — gratuito para os partidos e candidatos, já que quem paga a conta somos nós — nenhum deles tem condições de administrar nem carrinho de pipoca, quanto mais a maior metrópole da América Latina. A proposta de Tábata é a "menos pior", mas, a julgar pelas pesquisas, a moça precisa de um milagre para chegar ao segundo turno. 
 
No Brasil, presidente, governadores, prefeitos e senadores são eleitos com base no sistema majoritário, e deputados (federais e estaduais) e vereadores, pelas regras do sistema proporcional. Como eu comentei esses dois sistemas em outra postagem, vou resumir a ópera relembrando somente que, em municípios com mais de 200 mil eleitores inscritos, se nenhum candidato a prefeito obtiver 50% + 1 dos votos válidos no primeiro turno, os dois mais votados disputarão uma segunda eleição 
— conhecida como "segundo turno" — que é decidida por maioria simples, ou seja, vence o candidato mais votado.

ObservaçãoNos últimos 24 anos, o segundo turno das eleições paulistanas foi disputado por um candidato da esquerda contra um da direita. Mesmo em 2016, quando Dória venceu no primeiro turno, Haddad ficou em segundo lugar. Seguido esse padrão, um embate final entre dois candidatos da direita — no caso, Marçal e Nunes — é no mínimo improvável. Nesse cenário, Boulos deve representar a esquerda. Resta saber quem será seu oponente. Datena parece não ter a menor chance, e Tábata tem menos de um mês para se consolidar na disputa.
 
Situações desesperadoras exigem medidas desesperadas, mas abster-se de votar, votar em branco, anular o voto ou recorrer ao "voto útil" no primeiro turno é estupidez, mas a nefasta polarização vem produzindo pleitos plebiscitários, e um eleitorado despreparado, mal-informado e eivado de apedeutas e idiotas de carteirinha tende a votar não no candidato com quem mais se identifica, mas naquele que supostamente tem mais chances de derrotar o candidato "deles", o que acaba falseando o resultado final do pleito.
 
Magalhães Pinto ensinou que "política é como as nuvens; a gente olha e elas estão de um jeito, olha de novo e elas já mudaram" e Ciro Gomes, que "eleição é filme, pesquisa é frame". Se admitirmos
 que a opinião de alguns milhares de entrevistados representa fielmente o que pensam 9,32 milhões paulistanos aptos a votar, o resultado das pesquisas constitui um "instantâneo" do humor do eleitorado no momento da abordagem. O bom senso recomenda analisar os números com a devida cautela, mas explicar isso a quem sofre de cegueira mental é como dar remédio a um defunto.
 
Uma das características da democracia brasileira é produzir "salvadores da Pátria". Vimos isso em 1989 com Collor, em 2002 e 2006 com Lula e em 2018 com Bolsonaro. Talvez a história se repita em 2026, tendo como protagonista o "coach motivacional" que teve a candidatura ao Planalto barrada pelo TSE, conseguiu se eleger deputado federal, foi impedido de assumir e agora mira a prefeitura paulistana com um olho e a Presidência com o outro. 

A exemplo de Bolsonaro em 2018, Marçal se vende como candidato "antissistema", mas já acena uma aproximação com o sistêmico União Brasil, que um dos principais partidos do Centrão. Se for eleito, cairá no colo do UB, exatamente como o "mito" caiu no colo do Centrão — e lhe deu o orçamento secreto em troca do engavetamento de 150 pedidos de impeachment. 
 
Campanha eleitoral movida a ódio não é novidade por estas bandas, mas terminou mal todas as vezes que a raiva foi industrializada com propósitos políticos: Jânio renunciou, Collor foi impichado, Bolsonaro perdeu a reeleição, está inelegível, vive sob a sombra de uma sentença criminal esperando para acontecer enquanto posa de cabo-eleitoral de luxo. 
A diferença entre ele e Marçal é que as redes sociais dão a este um alcance maior que o daquele

Com a repetição do fenômeno de forma mais turbinada na seara municipal paulistana, resta torcer para que o eleitor despache a aberração antes que ela se consolide como um fenômeno eleitoral. A despeito de estar claro que se trata de um produto estragado, quem tem que comprá-lo ou não é o eleitor.

quinta-feira, 16 de novembro de 2017

PARA QUE SERVE O CONGRESSO NACIONAL?


Nossa fauna parlamentar trabalha de terça a quinta-feira em Brasília, deixando a capital da República às moscas no restante da semana. Nesta semana em particular, devido ao feriado do dia 15, a gazeta dessa classe particularmente laboriosa foi plena, geral e irrestrita, embora a pauta de debates e votações devesse ser retomada após o sepultamento da segunda denúncia contra Michel Temer, no mês passado. Mas qual o quê!

Brasília da Fantasia é um ponto fora da curva, um exoplaneta totalmente divorciado da realidade tupiniquim. Tem até ministra que reclama de “trabalho escravo” porque recebe R$ 30.471,10 mensais de aposentadoria e somente R$ 3.292 do salário de ministro, já que re a lei determina que nenhum funcionário público perceba salário superior ao dos ministros do STF. “Como vou comer, beber e calçar? Só no meu IPTU em Brasília pago mais de R$ 1 mil. E tenho meu apartamento em Salvador, que pago uma pessoa para cuidar. Sou aposentada, poderia me vestir de qualquer jeito e sair de chinelo na rua, mas, como ministra de Estado, não me permito andar dessa forma. Tenho o direito de peticionar, a autoridade vai decidir e eu vou acolher. É algum pecado fazer analogia à escravidão? Não acho que errei”, disse Luislinda Valois ― esse é o nome da criatura, e R$ 61 mil é o total que ela receberia por mês se não tivesse voltado atrás ― e se a Justiça acolhesse seu despretensioso petitório de 207 páginas, naturalmente.

Não sei por que precisávamos de uma secretaria de Direitos Humanos, nem muito menos a razão pela qual o Chefe Supremo do Quadrilhão do PMDB ― nosso primeiro presidente denunciado por crime comum no exercício do cargo e que se valeu de todos os estratagemas concebíveis para impedir que a Câmara autorizasse o Supremo a investigá-lo ― lha concedeu status de ministério no início do ano. Enfim, cada povo tem o governo que merece, e o brasileiro, que parece especialmente vocacionado a perpetuar os erros do passado, vem amargado passivamente o terceiro tempo do funesto governo lulopetista, que se teria encerrado em 2016 se a deposição da anta vermelha tivesse levado seu vice de embrulho, e não o promovido a titular. Mas não foi o que aconteceu, e agora não adianta chorar.

Mudando de pato para ganso, pouca gente sabe para que serve o Congresso Nacional, mesmo que o impeachment da ex-presidanta incompetenta nos tenha familiarizado com algumas sutilezas do Poder Legislativo ― e até mesmo do Judiciário. Então, sem mais preâmbulos, vamos ao assunto.

Nosso país é uma República Federativa supostamente democrática e regida por um sistema de governo presidencialista. Trata-se de um Estado Democrático de Direito baseado no “modelo dos Três Poderes”, surgido na França do século XVIII, por obra e graça de Montesquieu, para pôr fim ao Estado Absolutista Moderno ― no qual o monarca, agraciado com a “proteção e o ordenamento divino”, gozava de poder ilimitado.

Os três poderes da República, como se sabe, são o Executivo ― a quem compete gerenciar o Estado e pôr em prática as leis aprovadas ―, o Legislativo ― que se encarrega da elaboração das leis ― e o Judiciário ― que tem por incumbência apreciar os litígios entre cidadãos e entre cidadãos e Estado e julgá-los segundo um ordenamento jurídico. Para os efeitos desta postagem, vamos nos ater ao Poder Legislativo, que é integrado pelo Congresso Nacional e pelo Tribunal de Contas de União (órgão de apoio que presta auxílio ao Congresso nas atividades de controle e fiscalização externa).

Nosso Parlamento é bicameral, ou seja, formado por duas casas que possuem graus de representação política e prerrogativas próprias em equilíbrio inquestionável ― em outras palavras, nenhuma delas tem mais poder do que a outra. Em tese, o bicameralismo evita que o sistema político se torne refém de um mesmo grupo e dos mesmos interesses, já que as propostas apresentadas por uma das casas são sempre revisadas pela outra, bem como previne a tirania da maioria, porquanto as minorias podem ser representadas ao mesmo tempo em que os interesses da maioria são contemplados.

Os 513 deputados que compõem a Câmara Federal podem representar demandas mais específicas da população, já que o número de pessoas que cada um representa é menor do que no Senado, onde 81 parlamentares cuidam de assuntos, digamos, mais gerais. Vejamos isso em detalhes.

A Câmara Federal ― também chamada de Câmara Baixa, o que não quer dizer que tenha menos poder que o Senado ― é descrita na Constituição como sendo a representante do povo, já que os deputados, em número que varia de 8 a 70 por Estado (aí incluído o Distrito Federal), são eleitos de forma proporcional à população do Estado que representam. Seu mandato é de 4 anos, de modo a possibilitaria a renovação do quadro a cada eleição se suas insolências não pudessem reeleger e permanecer no cargo por diversas legislaturas, sucessivas ou intercaladas.

O Senado é constituído por 3 representantes de cada Estado (e do DF), mas eleitos segundo o princípio majoritário. Isso significa que as 81 cadeiras são ocupadas pelos candidatos que obtêm mais votos ― diferentemente do que acontece na Câmara, onde a proporção de votos obtidos por partido ou coligação e o tamanho da população de cada Estado são levados em conta. Os senadores têm mandato de 8 anos, mas a renovação parcial do elenco se dá a cada 4 anos ― 1/3 dos membros é substituído numa eleição e 2/3 na subsequente, embora também nesse caso exista a (indesejável) possibilidade de reeleição. Para se candidatar a senador, a idade mínima é de 35 anos ― contra 21 para os deputados ―, daí porque o Senado é composto de políticos supostamente mais experientes e chamado de Câmara Alta.

Por hoje é só, pessoal. O resto fica para a próxima postagem.

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sexta-feira, 30 de outubro de 2020

HORÁRIO POLÍTICO — ANACRONISMO QUE VOCÊ PAGA PARA SER FEITO DE PALHAÇO E TER OS OUVIDOS USADOS COMO PENICO

 


A reboque das eleições diretas, trazidas de volta pela redemocratização da nossa republiqueta, veio o anacrônico, oneroso e ominoso “horário eleitoral gratuito”. 

Desde o último dia 9 que candidatos a prefeito e vereador vêm fazendo nossos ouvidos de penico — e continuarão a fazê-los até 12 de novembro (em virtude da pandemia da Covid-19, o primeiro turno das eleições municipais de 2020 foi adiado para 15 de novembro).

Vereadores são eleitos com base no sistema proporcional, que não prevê votação em dois turnos. No caso dos prefeitos. é usado o sistema majoritário, no qual vence o candidato mais votado. Mas aqui cabe uma ressalva: nos municípios com mais de 200 mil eleitores registrados, serão considerados eleitos os candidatos a prefeito que obtiverem mais da metade dos votos válidos (ou seja, descontados os votos brancos e nulos). Se nenhum dos candidatos atingir a meta, os dois mais votados disputarão o segundo turno (que, neste ano, acontecerá no dia 29 do mês que vem), e a diarreia da propaganda no rádio e na TV recomeçará cinco dias após o primeiro escrutínio e perdurará até a antevéspera do segundo.

Desde o último pleito municipal que a propaganda eleitoral em bloco foi limitada aos candidatos a prefeito e veiculada de segunda a sábado — no rádio, das 7h às 7h10 e das 12h às 12h10; na TV, das 13h às 13h10 e das 20h30 às 20h40. Além disso, 70 minutos diários são reservados para inserções de 30 e 60 segundos durante a programação (inclusive aos domingos), sendo 60% do tempo (42 minutos) destinados aos candidatos a prefeito e 40% (28 minutos) aos candidatos a vereador. As inserções podem ocorrer das 5h à 0h e a divisão do tempo é calculada com base na representação da sigla no Congresso.

Observação: Passou a valer este ano a cláusula de barreira instituída pelo Congresso em 2017, que exclui do horário eleitoral os candidatos dos partidos que, na eleição geral anterior, não obtiveram um mínimo de votos para a Câmara dos Deputados.

Apesar do nome, não há nada de gratuito nessa aberração. A não ser, naturalmente, para os partidos e candidatos. Portanto, toda vez que seu programa de rádio ou de TV for interrompido pela conversa mole dessa caterva, comemore: quem está pagando a conta é você.

O rádio e a televisão são concessões públicas que, segundo a Constituição, a União pode explorar diretamente ou mediante outorga. A emissora que detém uma concessão, seja de rádio, seja de televisão, está autorizada a explorá-lo por tempo determinado — 10 anos no caso do rádio e 15 no caso da TV. Em tese, ao receber a concessão o empresário estaria obrigado a arcar com o ônus da propaganda eleitoral, mas nossos políticos embutiram na Carta de 1988 a compensação fiscal pela cedência do “horário gratuito”. Assim, as emissoras calculam quanto faturariam se vendessem o tempo cedido à propaganda eleitoral a anunciantes e agências de publicidade e descontam o valor do imposto a pagar no acerto de contas com o Leão (IRPJ).

A propaganda eleitoral obrigatória foi implementada pela Lei nº 9.504/1997, artigo 47, caput, e artigo 51. Naquela época, contavam-se nos dedos quantos usuários domésticos de PC tinham acesso à Internet, e a propaganda política via rádio e televisão fazia algum sentido. Hoje, insistir nesse anacronismo incomodante é a quintessência da falta de absolutamente. 

De acordo com levantamento, pela FGV-SP, há atualmente no Brasil 424 milhões de dispositivos móveis (notebooks, smartphones e tablets). Segundo a mais recente pesquisa realizada pelo IBGE, o celular é atualmente o principal meio de acesso à rede mundial para os brasileiros e o meio exclusivo de comunicação e acesso à Internet para 78% daqueles com renda familiar de até 1 salário mínimo. Incluídas no cálculo as classes D e E, a porcentagem sobe para 85%; isolado somente o uso da Internet, os números são ainda mais impressionantes: 97,9% acessam a rede através do aparelho nas áreas rurais, contra 98,1% nas cidades.

Torça para seu candidato a prefeito liquidar a fatura no próximo dia 15. Ou não haverá cotonete que baste.