Alheio à síndrome do que está por vir, Lira desafina, digo, desafia o ocaso exercitando o pecado capital da soberba. Apaixonado pela própria voz, chamou de "incompetente" o articulador político do Planalto Alexandre Padilha. O tiro ricocheteou no dono da articulação. Lula atirou de volta: "Só de teimosia, Padilha vai ficar muito tempo nesse cargo". Pressentindo o cheiro de queimado, o deputado Elmar Nascimento, candidato de Lira à própria sucessão, tentou apagar, nos bastidores, o incêndio que afugenta o governo para candidaturas alternativas.
Os poderes de Lira decrescem na proporção direta do avanço do calendário eleitoral. Premidos pela necessidade de acomodar aliados nas prefeituras de seus redutos, os deputados estão mais interessados nas urnas do que na agenda econômica do ministro Fernando Haddad — o que transforma a irascibilidade de Lira numa aposta arriscada: com sua "teimosia", Lula sinaliza a disposição de demonstrar que a divindade da Câmara e o pedaço do Centrão que carrega o seu andor têm mais a perder do que o Planalto.
Dono e senhor da pauta Câmara, Lira pode facilitar ou infernizar o segundo ano de um governo que mantém um olho na inflação dos alimentos e outro na curva descendente das pesquisas. Dono do Diário Oficial, Lula como que convida Lira e sua turma a lançarem um olhar para a caixa registradora da Codevasf, da CEF e dos ministérios terceirizados ao centrão.
Lira abespinhou-se com o Planalto contra um pano de fundo manchado pelo caso Marielle. Um pedaço do Centrão uniu-se à milícia parlamentar bolsonarista na malograda articulação para abrir a cela do deputado Chiquinho Brazão. O soberano da Câmara enxergou as digitais do articulador político do Planalto na difusão da maledicência segundo a qual sua debilidade ficou gravada no painel eletrônico que manteve o preso na tranca. Daí os disparos contra Padilha, que, para desassossego de Lira, continua dando expediente na Presidência da República.
Com Josias de Souza