Dias Toffoli, que
deve assumir a presidência do STF a
partir de setembro, tem sinalizado que não pretende pautar, pelo menos até o
final deste ano, as ADCs que tratam
da prisão após condenação em segunda instância. Embora defenda a revisão do
entendimento atual, o ministro reconhece que a Corte já se debruçou sobre essa
questão em abril, quando manteve, por 6 votos a 5, a possibilidade do início do
cumprimento provisório da pena.
A revisão desse entendimento passou a ser uma questão de
vida ou morte para o PT e seus
acólitos após a prisão de Lula, e
ganhou fôlego no domingo
negro, depois do fiasco da maracutaia urdida pelos deputados
petralhas e o
desembargador-plantonista Rogério
Favreto, que vestiu a toga sem despir a farda de militante petista — nunca
é demais lembrar que Favreto não
precisou prestar concurso público para se tornar desembargador; depois de quase
20 anos filiado ao PT e de ocupar
cargos de confiança nos governos de Lula
e Dilma, ele foi nomeado pela
ex-presidanta, através do quinto
constitucional.
Em abono à tese de que a atual composição do STF é a pior de todos os tempos, apenas Luiz Fux e Rosa Weber
são juízes de carreira; Cármen Lúcia,
Luis Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Edson Fachin vieram da Advocacia
e Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, do Ministério Público. Detalhe: o ministro que está prestes a assumir
a presidência do Tribunal ostenta em seu invejável currículo duas reprovações em concursos para juiz de
primeiro grau em São Paulo, ambas na primeira fase (que testa conhecimentos
gerais e noções básicas de Direito).
Em sua trajetória até nossa mais alta Corte, Toffoli foi advogado do Sindicato dos Metalúrgicos de SBC,
consultor jurídico da CUT e assessor
jurídico do PT e de José Dirceu. Atuou como advogado nas
campanhas de Lula em 1998, 2002 e 2006 e como subchefe para
assuntos jurídicos da Casa Civil da presidência da República. Em 2007,
foi promovido ao cargo de Advogado Geral da União, que exerceu até 2009,
quando, mais uma vez graças a Lula, preencheu a
vaga aberta com a morte do ministro do STF Menezes Direito. Sua
indicação foi (mais) uma demonstração cabal da falta de noção de Lula
sobre a dimensão do cargo de ministro do Supremo. Sem currículo, sem
conhecimento, sem luz própria, Toffoli limitava-se a prestar serviços
ao PT. Uma vez promovido, vendo-se sem os laços com a rede protetora do
partido ou com os referenciais do padrinho, ele buscou apoio em Gilmar
Mendes, que é quem melhor encarna a figura do velho coronel político,
e já consolidado no habitat, passou a emular os piores hábitos do novo padrinho
― a arrogância incontida, a grosseria, a falta de limites, o uso da autoridade
da forma mais arbitrária possível. E a menos que o inesperado tenha voto na
assembleia dos acontecimentos, teremos de aturá-lo por mais um quarto de século,
já que a aposentadoria só é compulsória quando os ministros completam 75
anos.
Voltando à questão da prisão em segunda instância, Toffoli defendeu em abril uma solução
“intermediária” entre esperar o trânsito em julgado e executar a pena logo após
condenação em segundo grau, no que foi acompanhado por Gilmar Mendes, o santo de devoção dos encarcerados. Mendes votou a favor da execução
antecipada da pena em 2016, mas mudou de opinião, e o placar só não virou
durante o julgamento do habeas corpus
de Lula porque Rosa Weber, que é favorável à prisão somente após decisão final (coisa
que no Brasil só acontece no Dia de São
Nunca), acompanhou a maioria, em respeito ao princípio da colegialidade.
A expectativa dos petistas, dos criminalistas estrelados e
dos ministros que buscam mudar o entendimento é que Rosa mantenha o voto contrário à prisão em segunda instância quando
o plenário julgar as ADCs, já que
essa a decisão tem efeito
vinculante (ou seja, vale para todos os casos análogos) — e
provará um verdadeira tsunami de pedidos
de soltura, já que nossa Justiça tem quatro instâncias e cada uma delas
oferece amplo cardápio de apelos, recursos, embargos e chicanas protelatórias.
Para se ter uma ideia, Cristiano Zanin e seus vassalos, responsáveis pela
defesa de Lula, já ingressaram com 125 recursos contra a condenação no
processo do tríplex.
Impedir o início do cumprimento da pena após decisão
colegiada seria ferir de morte a Lava-Jato, cujo sucesso se deve em
grande medida às delações premiadas, que dependem de conduções
coercitivas, prisões preventivas e ameaça real de cumprimento da pena, sem
o que os bandidos de colarinho branco dificilmente entregariam a
rapadura. Demais disso, tudo voltaria a ser como antes no Quartel
de Abrantes, quando a prescrição fulminava a expectativa
de prisão dos apenados (especialmente dos que podem contratar criminalistas de
primeira linha).
Entre 1941 e 1973, a regra era prisão após a condenação em primeira instância. Sob a ditadura militar, a Lei Fleury alterou o CPP para favorecer o delegado homônimo, a pretexto de garantir a réus primários e com bons antecedentes o direito de responder ao processo em liberdade até a decisão na segunda instância. A partir de 2009, como consequência tardia da nossa fantasiosa “Constituição Cidadã”, os condenados passaram a ser preso após o trânsito em julgado da sentença condenatória — isto é, depois de esgotados todos os recursos até a última instância do Judiciário, o que equivale a dizer “no dia de S. Nunca” — até que, em 2016, o STF restabeleceu a norma da execução da pena após a condenação em segunda instância.
Tudo somado e subtraído, em 70 dos últimos 77 anos os
criminosos eram presos após a condenação em primeira ou segunda instâncias,
como acontece na maioria das democracias do Planeta. A prisão após trânsito em
julgado vigeu por míseros 7 anos, mas favoreceu uma miríade de criminosos
e seus advogados estrelados, que, mediante honorários milionários, “empurram
com a barriga” a prisão dos clientes até que o ocorra a prescrição.
Assim, ressuscitar essa norma de exceção não só beneficiaria o criminoso de
Garanhuns, como também um sem-número de empresários, executivos, altos
funcionários e políticos que foram apanhados pela Lava-Jato ou
estão a caminho de sê-lo.
Observação: Digam o que disserem os ministros
“garantistas”, a presunção de inocência
e a garantia da liberdade e proibição da
prisão arbitrária são coisas distintas, como bem lembrou o procurador-geral
da República em exercício, Luciano Mariz,
em parecer enviado ao STF na semana passada. Segundo ele, o PCdoB, autor da ADC 54, está confundindo dois princípios constitucionais distintos.
O resto fica para amanhã. E que Deus ajude este pobre país.
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