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quinta-feira, 5 de setembro de 2019

TRISTE BRASIL



Desacorçoada diante de tanta roubalheira e da nada alvissareira perspectiva de ver Lula se aboletar novamente no Planalto — ainda que incorporado no bonifrate CalamiHaddad —, os cidadãos de bem deste país se viram entre a cruz e a caldeirinha. Assim, um inexpressivo membro do baixo-clero da Câmara, filiado a um partido nanico, sem dinheiro nem tempo na TV, tornou-se presidente desta Banânia. E para não se tornar um presidente-banana, o presidente da Banânia interfere em tudo e com todos e fala mais que deve sobre o que não deveria falar.

Por muitas razões, não temos um céu de brigadeiro se descortinando à nossa frente. Uma delas é a herança maldita das gestões lulopetistas. Quem não se lembra da abilolada pupila do bucaneiro imprestável, que, em 2014, resolveu quebrar o país para ficar mais quatro anos no trono — e conseguiu se reeleger, mas não foi capaz de permanecer em campo até o apito final do jogo? O problema é que, quando a estocadora de vento foi devidamente penabundada, a merdeira já era tanta que nem Santa Zita, padroeira das faxineiras, seria capaz limpar. E aqui estamos nós, fo****s, mal pagos e com o ingresso em mãos para assistir à ressurreição da CPMF.

Bolsonaro refuta a recriação da "contribuição compulsória" — só mesmo no jargão do economês é que algo assim poderia existir —, e a equipe econômica faz cara de paisagem. Mas qual será a alternativa do presidente se o Congresso negar o pedido de dinheiro extra para pagar aposentadorias, salários de servidores ativos e inativos e o Bolsa Família? O Orçamento de 2020 só tem recursos para arcar com cerca de dois terços dessas despesas, e a previsão é de que elas cheguem a 96% do Orçamento já no ano que vem.

Observação: Depois de liberar R$ 1,8 bilhão em julho, na reforma da Previdência, o governo travou as emendas parlamentares — só R$ 99 milhões foram liberados em agosto. E mais: quando anunciou que os radares móveis de velocidade seriam cortados, Bolsonaro não comentou que a Polícia Rodoviária Federal já esgotou todo o orçamento do ano e não tem mais caixa para alugar os equipamentos. A verdade é uma só: o dinheiro acabou, e não há uma maneira simples de reequilibrar as contas. Mesmo assim, por picuinhas pessoais, o presidente diz que a Europa "não tem nada a ensinar" a seu país sobre a preservação do meio ambiente e enjeita a oferta de R$ 20 milhões do G7, para ajudar no combate dos incêndios na Amazônia.

Sem o aval para aumentar (ainda mais) a dívida pública, ou o capitão suspende o pagamento das despesas obrigatórias, ou descumpre a chamada regra de ouro — e se arrisca a ser impichado. Uma possibilidade remota, mas real, a despeito de embolorarem nos escaninhos da presidência do Senado nada menos que 34 pedidos de impeachment contra ministros do STF, dos quais Gilmar Mendes coleciona 10 e Dias Toffoli, 9.

Agora a cereja do bolo: sem dinheiro sequer para o papel higiênico — o próprio presidente sugeriu a um repórter que passasse a ir ao banheiro dia sim, dia não —, com contingenciamentos a mancheias, alcançando, inclusive, programas sociais e educacionais, com reformas duras de engolir, como a da Previdência, levadas adiante como medida desesperada para diminuir o abismo fiscal, Executivo e Legislativo discutem o aumento do Fundo Eleitoral (não confundir com Fundo Partidário; embora tenham propósitos parecidos, eles foram instituídos em momentos diferentes, mas isso é conversa para uma outra oportunidade).

As eleições gerais de 2018 custaram R$ 1,7 bilhão; para as municipais, no ano que vem, os parlamentares querem elevar o Bolsa Voto para R$ 3,7 bilhões. O governo propôs R$ 2,5 bilhões. Pegou mal. A pasta da Economia insinua, inclusive, que houve erro — o valor correto seria de R$ 1,8 bilhão. A hipótese de os partidos concordarem com essa cifra é nula. A alegação é de que a eleição municipal em mais de 5.570 municípios custará mais caro do que a do ano passado, envolvendo presidente, governadores, deputados estaduais e federais e parte dos senadores. Mas há como baratear as campanhas, e fazê-lo não é uma questão de opção, e sim um imperativo fiscal.

Durante o serão que fizeram na noite da última terça-feira, suas excelências aprovaram (por 263 votos contra 144) um projeto que permite, entre outras barbaridades, o uso de verbas do fundo partidário — dinheiro seu, meu, nosso — no pagamento de advogados para políticos encrencados com a lei. Ou seja, o partido vai filiar o picareta, ele mesmo patrocinará a corrupção, ele mesmo fornecerá o advogado. É o chamado "Projeto Caracu", onde os políticos entram com a cara de pau, e o povo, com... o bolso. Para saber como votou o deputado que você elegeu, clique aqui.  

Enfim, se insistir em encaminhar ao Congresso algo parecido com a CPMF, Bolsonaro pode sofrer mais uma derrota acachapante. Mesmo que estejam propensos a debater e votar uma reforma tributária, os deputados e senadores não estão dispostos a arcar com o ônus de trazer de volta um imposto impopular, extinto pelo próprio parlamento.

domingo, 14 de julho de 2019

A REFORMA DA PREVIDÊNCIA E AS MORDOMIAS PARLAMENTARES



Na última quarta-feira, a Câmara aprovou em primeiro turno o texto-base da reforma previdenciária. Na noite da sexta, os deputados votaram os destaques que ampliaram as concessões a algumas categorias, reduzindo em cerca de R$ 70 bi a economia prevista inicialmente. Como o expediente dos parlamentares em Brasília vai de terça a quinta (e eles ainda têm direito a férias duas vezes por ano) a apreciação da proposta em segundo turno ficou para agosto, depois do recesso de meio de ano. A pergunta é: se o recesso começa no dia 18 de junho, por que, então, não liquidar essa fatura na semana que vem, antes das “merecidas férias”? Aliás, considerando a importância do tema em pauta, por que não adiar ou suspender o recesso?

Sabe o leitor quanto ganha um deputado? Não? Pois então anote aí: o salário dos parlamentares é de R$ 33.763, mais uma verba mensal (CEAP) para bancar despesas com passagens aéreas, telefonia, serviços postais e manutenção de escritórios de apoio — pagamento de condomínio, IPTU, seguro contra incêndio, água, luz locação de móveis e equipamentos, material de expediente, suprimentos de informática, acesso à internet, TV a cabo, licença de uso de software, assinatura de publicações, etc. Essa cota varia conforme o estado do congressista; representantes do DF recebem o menor valor — R$ 30.788,66 — e os de Roraima, o maior — R$ 45.612,53.

Os deputados também recebem R$ 106.866,59 por mês para bancar a contratação de até 25 secretários parlamentares (no gabinete ou no estado do deputado), cujos salários variam de R$ 980,98 a R$ 15.022,32 por mês. E além de um auxílio-moradia de R$ 4.253 — concedido aos parlamentares que não moram em residências funcionais em Brasília —, todos têm direito a atendimento gratuito no Departamento Médico da Câmara — benefício extensivo a familiares e dependentes elencados na declaração de imposto de renda. Para quem preferir recorrer a serviços médicos e hospitalares fora da rede do Demed, é só apresentar os comprovantes que o reembolso será efetuado.

Os nobres deputados podem solicitar a confecção de material de papelaria oficial (cartões, pastas, papel timbrado e envelopes) e a impressão de documentos e publicações. No início e no fim do mandato, eles recebem uma ajuda de custo equivalente ao valor mensal da remuneração (destinada a compensar as despesas com mudança e transporte), e o Plano de Seguridade Social dos Congressistas (Lei 9.506/97) assegura aposentadoria com proventos proporcionais ao tempo de mandato (calculados à razão de 1/35 por ano de mandato). É mole?

Como é melhor rir que chorar, segue um texto bem-humorado de Mentor Neto:

Depois das mensagens de Moro, Bolsonaro, filhos de Bolsonaro, togados supremos, deputados e senadores, o interesse por vazamentos caiu muito. O editor do Intracept estava desesperado.

­— De que adianta fazer esse fuzuê todo? Dinheiro que é bom, nada! — desabafou. Precisamos nos reinventar. Precisamos monetizar nosso negócio.

Os hackers se entreolharam, sem saber o que dizer. Foi um estagiário quem teve a sacada.

— Brasília saturou. Vamos expandir. O negócio é hackear gente comum.

A ideia se provou genial. Seu chefe é um panaca? Hackeie o WhatsApp dele (“R$ 2 mil por 15 dias ou consulte tabela”). Sua namorada está te traindo? Hackeie o Snapchat dela. (“Só R$ 500 por 7 dias. O oitavo é grátis!”). E por aí foi.

Patrícia e Geraldo tinham vida de núcleo rico de novela. Apartamento com varanda gourmet, viagem com personal shopper, SUV coreana blindada. Casamento inabalável, todo mundo dizia. Um belo dia, Patrícia acordou, pegou o iPad para ver as notícias e, mesmo sendo muito equilibrada, não conteve o calor que lhe subiu até as orelhas. Estava lá, escancarada, a foto do marido e o título: “Intracept vaza WhatsApp de Geraldo Freire”. Ele não era famoso nem nada. Mas de uns meses para cá era assim. Ninguém estava salvo. Patrícia não conseguia imaginar alguém capaz de uma maldade dessas com o marido — e com ela. Porque não há dignidade que sobreviva a um vazamento do Intracept. Ainda por cima quando vão liberando um pouco por dia. Qualquer desculpa esfarrapada de um dia não se sustenta no outro. Toda semana tem um anônimo novo com a vida devassada. Patrícia sempre acabava conhecendo alguém.

— Porque esse mundo é uma ervilha, né?

Só esse mês, no cabeleireiro, teve notícia de dois divórcios. Luciana, amiga íntima, teve as mensagens do Insta divulgadas. O marido a botou para fora de casa sem direito nem ao iPhone.

— Pede um novo para ele, safada! — gritou para o condomínio ouvir.

As conversas que vazaram eram comprometedoras demais: Luciana e um amigo do tempo de faculdade trocavam receitas de nhoque, ravióli, linguine, tudo com as respectivas fotos. Não tem casamento que resista. Mas não era hora de pensar nos outros. Patrícia olhou para o marido que dormia com seu ronronar de homem de bem. Ela não teve coragem de clicar no link. Contou para a mãe pelo Facebook.

— Coisa de amante, filha. Batata. Sempre disse para você ficar esperta. Deu nisso — respondeu.

Patrícia balançou o marido até acordá-lo. Geraldo despertou com o iPad esfregando a ponta do seu nariz. Leu o texto ainda com os olhos melados de sono. Geraldo também sabia que não existe vida após vazamento. Era só ver Brasília. Virou uma cidade fantasma. Ele se reagrupou.

— Amor, calma. Vamos superar isso juntos.

Patrícia concordou, chorando. Aquela semana seria definitiva para o casamento, para o futuro dos dois. Combinaram de ler as mensagens juntos, para que Geraldo pudesse explicar qualquer mal-entendido. E assim foi. A semana passou tensa, arrastada, discutindo a relação, é verdade, mas surpreendentemente, nenhuma mensagem comprometedora foi revelada. Patrícia mal podia conter o orgulho. Geraldo era o assunto de todas as conversas no cabeleireiro, entre as amigas e até da sogra. Vazou até a mensagem com o agente de turismo sobre hotéis em Positano, estragando a viagem surpresa para o aniversário dela. Quando acabou a semana, o casamento estava mais forte do que nunca. Ela nunca desconfiou de nada. Na segunda-feira seguinte, Geraldo pagou a outra metade do pacote Vazamento do Bem do Intracept.

— O negócio é esse mesmo! — vibrava o editor com a nova ideia do ex-estagiário, agora editor assistente — Tem que diversificar para sobreviver.

Diante dos vazamentos, poucos casamentos resistem. O de Patrícia até saiu fortalecido. Mas as mensagens sobre a viagem para a Itália estariam no contexto?

quinta-feira, 11 de julho de 2019

BOLSONARO E A PEC DA PREVIDÊNCIA


Contrariando uma das muitas promessas que fez durante a campanha, Bolsonaro não só desistiu de propor o fim da reeleição como também resolveu disputá-la em 2022. O sucesso da empreitada depende de vários fatores e sua previsibilidade é nula, visto que muita água vai rolar até lá. Os índices de aprovação do governo, segundo as mais recentes pesquisas (detalhes no post anterior), orbitam os 30%. Com apenas um terço dos votos válidos, nenhum disputante vence eleições majoritárias (para prefeito, governador e presidente da República), onde se elege quem obtém maioria absoluta (se não no primeiro turno, fatalmente no segundo, quando então a disputa se limita aos dois candidatos mais votados no pleito anterior).

Claro que muita coisa pode mudar nos próximos 3 anos, e nada garante que seja para melhor. Mesmo assim, o presidente parece não se dar conta de que boa parte dos votos que obteve em 2018 não veio dos bolsomínions, mas dos antipetistas — e é bom lembrar que o fato de alguém ser inimigo do seu inimigo não significa necessariamente que é seu amigo.

Observação: No presidencialismo de coalizão, governar exige dividir espaço com o Congresso, que, como se sabe, não é movido a patriotismo. Mas é bom não confundir o que chamamos pejorativamente de “toma-lá-dá-cá” com a fórmula adotada por Lula, que instituiu o mensalão e o petrolão para sustentar seu nefasto projeto de eternizar o lulopetismo no poder.

Mesmo tendo passado 30 como deputado do baixo clero, o Bolsonaro presidente parece cultivar a mais profunda aversão pelo “é dando que se recebe”, e assim conta apenas com o apoio dos parlamentares do PSL — partido nanico até as últimas eleições, mas que multiplicou por 50 sua presença na Câmara e se tornou, da noite para o dia, a maior bancada da Casa. Só que os deputados pesselistas não têm atuado como base do governo. Muitos deles não demonstram o menor respeito pelas decisões da cúpula do partido e pelas demandas do Planalto, e alguns deixam claro que seu único propósito na Câmara é defender as corporações que julgam representar, em especial a dos profissionais de segurança pública.

O problema da Previdência não vem de hoje, mas, nem FHC, nem Lula, nem Dilma nem Temer tiveram peito resolvê-lo. Para além de algumas tímidas tentativas, todos ele simplesmente a coisa com a barriga, levando o déficit chegar ao ponto que chegou e o atual governo sem alternativa que não propor essa espinhosa reforma. Só que o capitão nunca se empenhou verdadeiramente em defendê-la, embora o futuro do seu governo e sua eventual reeleição dependam dela. 

Depois de cruzar a Praça dos Três Poderes e entregar a proposta ao presidente da Câmara, Bolsonaro pôs-se a repetir que havia feito sua parte e que “a bola estava com o Congresso”, afastou-se das negociações e se dedicou a fomentar picuinhas, hostilizar Rodrigo Maia — de quem podermos não gostar, mas cujo empenho temos de reconhecer —, fritar ministros e promover enfrentamentos tanto desnecessários quanto indesejáveis. Instado a ajudar na articulação para reinserir Estados e municípios, o presidente não moveu uma palha, mas bastou ser chamado de "traidor" por policiais para se apressar a trabalhar pela concessão de aposentadoria especialíssima à corporação amiga e, para desassossego de Paulo Guedes e da equipe econômica, vem se empenhando em levar o esforço às últimas consequências. Porém, ao intervir para tentar garantir aos policiais federais e à Polícia Rodoviária regras mais brandas, fora da emenda principal, ele contribui para a obstrução da votação e coloca em risco a própria economia de que seu governo tanto necessita para dar início à Nova Previdência.

A oposição — magote de esquerdistas e boçais insensíveis ao fato de que, mesmo não sendo uma panaceia, a aprovação da reforma é a única alternativa para a Economia deixar a UTI com vida — tem feito diabo para obstruir a tramitação, e ainda que não some nem 150 votos, faz um barulho danado. Alguns dizem que a oposição está cumprindo seu papel, mas, convenhamos, fazer oposição responsável é uma coisa e agir como essa cáfila vermelha age é outra bem diferente. E como se isso já não bastasse, o capitão, antipetista e antiesquerdista, ajuda “o inimigo” ao se tornar um grande estorvo para a tramitação da PEC — cuja aprovação, volto a frisar, definirá o sucesso do seu governo e quiçá sua reeleição.

Bolsonaro monta uma armadilha para si mesmo, pois cada emenda apresentada abre espaço para discussões que consomem tempo valioso, pondo em risco a votação final — inclusive dos destaques — antes do próximo dia 18, quando o Congresso entra em recesso. E não faltam oportunista que se aproveitem da sua iniciativa para incluir outros agentes de segurança no pacote da PF, como guardas penitenciários e municipais, bem como retirar os professores da reforma. Esse seria o pior dos mundos, pois desidrataria ainda mais a reforma.

Paralelamente, os governadores insistem na inclusão de servidores de Estados e Municípios, o que não conta com o apoio da maioria dos deputados e pode reduzir a economia de R$ 1 trilhão prevista para os próximos 10 anos — montante inferior ao desejado por Paulo Guedes, mas, mesmo assim, ainda aceitável. É por isso que Rodrigo Maia quer deixar essa questão fora do bojo da reforma e tratar dela mais adiante, de preferência numa emenda constitucional cuja tramitação começaria no Senado.

Aos trancos e barrancos, a coisa vai caminhado. A despeito da tramitação conturbada — afora a exigência do pedaço fisiológico do Congresso, que condiciona o voto à liberação de verbas orçamentárias, há o desejo dos partidos de oposição de obstruir as sessões, esticando a corda até o último instante — o texto-base aprovado na Comissão Especial da Câmara foi chancelado no plenário, em primeiro turno, por 379 votos a 131. Há 18 destaques para serem apreciados, mas Rodrigo Maia — indiscutivelmente o pai biológico da criança — está confiante de que a aprovação em segundo turno aconteça ainda esta semana, ficando para depois do recesso apenas o escrutínio do Senado. A impressão que se tem é de que a maioria dos deputados ou se conscientizou da necessidade da emenda, ou votará a favor para não ser responsabilizada pelo agravamento da crise econômica. 

Oposição é necessária e faz bem à democracia, mas a oposição brasileira frequenta o debate previdenciário sem demonstrar sua utilidade. Há espaço no Congresso para o surgimento de uma nova oposição, menos venenosa e mais propositiva, mas ainda não surgiu força capaz de ocupar o vazio.

Bolsonaro é, ao mesmo tempo, o grande estorvo e o maior beneficiário da reforma cujos impactos na Economia o capitalizarão politicamente, embora o verdadeiro pai da criança seja o Presidente da Câmara. Mesmo assim, o estorvo poderá jactar-se de ser a mãe, e de ter parido o filho sem recorrer ao toma-lá-dá-cá, ainda que isso não seja exatamente verdade: emendas parlamentares e outras bondades para garantir votos no plenário da Câmara vêm sendo distribuídas a toque de caixa nos últimos dias.

Como dizia Ulysses Guimarães, “em política, quem prepara a refeição nem sempre come o melhor bocado”.

domingo, 30 de junho de 2019

GREENWALD E OS VILÕES REBATIZADOS PELA ODEBRECHT QUE QUEREM ESCAPAR DA CADEIA, PRENDER O XERIFE E ROUBAR O FILME QUE MOSTRA A LADROAGEM



Quando Moro for inquirido na Câmara sobre a troca de mensagens com Dallagnol — cujo processo administrativo disciplinar foi arquivado pelo corregedor nacional do MPF — os parlamentares que apoiam a Lava-Jato deveriam neutralizar os interrogadores mais agressivos com um método simples e eficaz: a cada ataque, um deles recordaria o codinome do atacante no Departamento de Propinas da Odebrecht. Por exemplo: depois da intervenção de Gleisi Hoffmann, algum parlamentar informaria que a pergunta fora feita pela excelentíssima deputada conhecida como Amante ou Coxa. Será divertido ver o efeito do lembrete sobre o ímpeto dos vilões que, como sempre acontece no faroeste à brasileira, querem prender o xerife e roubar o filme. 

(Com Augusto Nunes).

CONVERSA ENTRE ARAPONGAS DO BEM

— E aí, já falou lá no Supremo?

— Sim, a Lula ser inocente e vai estar solta amanhã.

— Que bom. E na Câmara? Tudo certo?

— Eu só ter dúvida se amigas da PT ir botar tapete vermelha pra eu.

— Não exagera. Já tem um palco lindo pra você brilhar e uma imprensa meiga pra te dar todas as manchetes como jornalista investigativo. Se melhorar, estraga.

— Você pensar pequena. Eu querer poder e grana, mas querer prêmia também.

— Vamos focar: o que você vai falar na Câmara?

— Que a Moro ser chefe do Lava-Jato e que isso desmascarar esse operação contra a Lula.

— Deixa só eu te passar uma informação que a gente interceptou aqui: tá saindo um acordo de leniência com devolução de mais de 800 milhões de reais roubados da Petrobras…

— Essa problema não ser minha…

— Claro que não. Mas é coisa da Lava-Jato, podem querer te perguntar sobre isso.

— Elas não vai perguntar de isso.

— Como você sabe?

— Darling, nós só lidar com duas grupos de gente: as comparsas e as otárias. As duas só ir repetir até morte minha mantra: Lavo-Jata ser armação de Mora pra fuck Lula.

— Gênio. Mas só pra te alertar que dessa vez a Lava-Jato conseguiu que os sócios da gangue do Lula indenizem também o governo dos Estados Unidos…

— Minha país ser fascista e estar nas mãos de uma fascista que gosta da Moro porque ser fascista também.

— Incrível, você tem tudo mesmo na ponta da língua.

— Jornalista investigativa ter que saber muita.

— Não te preocupa o STF dar defeito?

— Que defeita?

— Desistir de botar em votação a tal liberdade provisória do Lula.

— Ser ruim, hein?

— Sei não. Uma coisa é tu combinar uma gambiarra dessas no escurinho, outra coisa é botar o carão ali no plenário da suprema corte e mandar uma barbaridade dessas sem cair na gargalhada.

— Elas não ir cair no gargalhada. Elas ser triste, igual nós. Todas que vive fingimento ser pessoa que não é e lutar luta de mentira não rir nunca.

— Pô, também não precisava ser tão sincero… Que baixo astral.

— É isso que eu te falar a tempo toda: ser sincera é uma baixo astral. Melhor ser triste mentindo que ser muito triste falando verdade.

— Agora você falou tudo. Seu português até saiu legal… Aliás, tava pra te perguntar: tanto tempo por aqui, por que você continua falando português como se tivesse chegado ontem?

— Não ter tempo, muito sabotagem pra inventar. E linguagem do fake news ser universal, não precisar aprender esse língua chato.

— Tá certo. Lula também nunca aprendeu. Lula livre!

— Não precisar dessa gritinha ridícula, só ter nós duas aqui.

— Ah, é. Foi mal.

(Por Guilherme Fiúza publicado na Forbes Brasil)

segunda-feira, 17 de junho de 2019

BOLSONARO PATO MANCO?



Jair Bolsonaro foi eleito com os votos dos brasileiros que não queriam a volta do PT e que viam em Paulo Guedes uma garantia para o programa econômico liberal. Em seus arroubos mais megalômanos, o capitão acha que chegou aonde chegou por méritos próprios. Só que não. Mas isso não muda o fato de que ele foi eleito com o desafio de incorporar ao seu governo o que chama de "nova política", nem o ambiente hostil que lhe impede de consolidar uma base aliada.

Se continuar travando batalhas ideológicas sem sentido, Bolsonaro pode perder o poder para o Congresso e ver seu respaldo popular se reduzir aos bolsomínions — militância cega que vê no “mito” o que a patuleia desvairada vê no presidiário de Curitiba. O capitão já reconheceu que não foi talhado para o cargo, pois nasceu para ser militar, mas, depois que foi afastado do Exército por indisciplina, entrincheirou-se no baixo-clero da Câmara Federal, onde, ao longo de 27 anos, apresentou 172 projetos e relatou 73 e conseguiu aprovar apenas 2.  

Em 1986, quando tinha 31 anos, o capitão publicou na revista VEJA um artigo em reclamava do soldo (salário pago aos militares). A matéria lhe rendeu 15 dias de prisão e um processo por indisciplina. No ano seguinte, também em protesto contra os baixos salários, ele planejou explodir bombas de baixa potência em quartéis e academias. O assunto foi resolvido discretamente, e o insurreto foi absolvido de todas as acusações. Mas sua carreira militar terminou ali.

Devido a sua autodeclarada inaptidão para a Presidência, Bolsonaro dá ao Legislativo a oportunidade de usurpar o poder de fato do Executivo. Esse processo já está em curso, embora de modo dissimulado. Ao manejar mal a “caneta”, o presidente perde confiabilidade e cria um vácuo que, na política, nunca fica vago durante muito tempo. E ao acusar o Congresso de estar todo ele comprometido com o toma-lá-dá-cá da velha política, estimula os parlamentares a assumirem as rédeas da coisa pública — aqui entendida como aquilo que afeta a vida do povo brasileiro. Prova disso é que os presidentes da Câmara e do Senado se mostram mais engajados na reforma da Previdência do que o próprio Bolsonaro, tomando para si a responsabilidade da aprovação e avisando que ela se dará nos termos dos parlamentares.

Observação: Em entrevista à Globo, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que foi lembrado de forma nada elogiosa nas manifestações do último dia 26, disse que falta ao Planalto um plano de governo, que a reforma previdenciária não é uma panaceia (*), que o país ruma para um “colapso social” e que nada está sendo feito para impedir que isso aconteça.

A reforma tributária também será tocada a partir de proposição apresentada no Legislativo, que vem se interessando por uma reformulação administrativa mais profunda que a parca extinção e/ou fusão de ministérios — objeto da MP 870, recentemente aprovada na Câmara e no Senado, e que, numa clara retaliação ao ministro Sérgio Moro, mandou para a pasta da Economia o Coaf. Cogita-se no Parlamento uma discussão sobre a inevitável reforma política, mas o Executivo não deu um pio a respeito. O assunto surgirá, ainda que no debate torto sobre o fim ou não da reeleição.

As pessoas que foram às ruas no domingo 26, atendendo ao chamado do presidente, deram uma demonstração de política real. Uma e outra sugerem a Bolsonaro que ele teria prevalecido num teste de forças que, na verdade, está apenas no começo, e no qual a caneta Bic presidencial é insuficiente para vencer. O tal “pacto” entre os Poderes não tem como existir, já o STF não pode se comprometer em aprovar algo que, mais adiante, será obrigado a julgar. E vale lembrar que a corte não é o ministro Dias Toffoli, que atualmente a preside, mas um conjunto de 11 ministros com têm ideias próprias (e nem sempre isentas ou sensatas) a respeito de quase tudo.

Na visão de Willian Waak, a ênfase retórica no “pacto” é, em parte, o resultado da percepção de Bolsonaro de que os termos da vitória eleitoral e “as ruas” lhe teriam permitido enfrentar os outros dois Poderes, e que levou o ministro Paulo Guedes a dizer que “não há antagonismo” entre eles (os Poderes) — frase que só provocou risadas entre seus pares no mundo real da economia e finanças. Tudo bem, reconheça-se que um dos pilares do governo não poderia mesmo declarar outra coisa em público, ainda que fosse para segurar o dólar.

“As ruas” — ou o que Bolsonaro entende por isso — teriam também dito ao presidente que ele não precisa se esforçar muito em conseguir uma base estável no Congresso, pois o ronco das multidões que o apoiam superaria, em caso de necessidade, os cochichos dos participantes do nefasto conchavo que o impede de realizar os anseios do povo. O problema aqui é o de desafiar um dado estrutural do sistema de governo brasileiro (admita-se, o pior do mundo), que obriga Executivo e Legislativo a se entenderem de alguma maneira. 

Bolsonaro está conseguindo o inverso do que pretende. O Congresso caminha com alarmante rapidez para fortalecer suas prerrogativas e com pautas próprias (na área tributária, por exemplo, como foi citado linhas atrás). Mais complicado ainda para o presidente, o mundo parlamentar se impressionou menos do que ele acredita com as manifestações de rua. Ao contrário, está tomando a guerra deflagrada pelo bolsonarismo nas redes sociais como incentivo para reduzir as prerrogativas do Executivo em dois setores-chave: alocação de recursos pelo orçamento e uso de medidas provisórias.

Ao aderir a simplificações brutais da (admita-se) complexa e dificílima relação com o Legislativo, Bolsonaro ignora um outro dado relevante da realidade dos fatos. Parlamentares reagem, sim, não só “às ruas”, mas, também, a uma série de pressões políticas, sociais, econômicas e regionais que os empurram, por exemplo, para a aprovação de alguma reforma da Previdência — é o que explica, em parte, o entendimento relativamente muito mais fácil entre o próprio Guedes e os presidentes das casas legislativas, que estabeleceram há tempos linha direta com importantes segmentos da atividade econômica. 

As elites da economia estão há tempos totalmente convencidas de que não há um plano B para a não aprovação de alguma reforma da Previdência. Mais ainda: clamam por algo que mexa com a sufocante questão dos impostos (nem estamos falando da carga). Alguma surpresa com o fato, mencionado acima, de o Legislativo querer seguir adiante com uma pauta “própria” de reforma tributária? Ou das expectativas dos agentes de mercado voltadas agora menos para Bolsonaro e mais para o Congresso?

Aos cinco meses de governo, amplia-se a noção de que a formação de uma base coesa e estável de Bolsonaro no Legislativo é uma quimera com chances pífias de se concretizar. O presidente atua como um competente gerador de crises, não se mostra disposto a liderar coisa alguma, e mais de uma vez deixou a própria bancada na mão. Ele confia estar na rota política correta, mas que é justamente a que vai diminuir drasticamente o poder da sua prosaica Bic. Talvez esteja na hora de usar uma Montblanc.

(*Na mitologia grega, Panaceia era a deusa da cura, mas o termo é usado popularmente para designar algo que remedeia qualquer doença, que é capaz de solucionar todos os males. Bom seria se a reforma de Previdência fosse realmente uma panaceia para as mazelas do Brasil, e melhor ainda sem também despachasse todos os petistas e congêneres para a Venezuela (com passagem só de ida) e fizesse com que locutores de comerciais de supermercados e lojas de departamento parassem de gritar.

quinta-feira, 6 de junho de 2019

O INFERNO EXISTE, É AQUI E NÃO FUNCIONA.



Inicio esta postagem reproduzindo uma anedota antiga, mas filosófica. Ao final, o leitor certamente entenderá por quê.

Um brasileiro morreu e foi para o inferno. O capeta-recepcionista disse que ele poderia ficar na ala administrada pelo seu país de origem ou escolher outra, a seu critério, mas que os castigos eram basicamente os mesmos; o que variava era apenas a severidade com que eles eram aplicados. Na sucursal brasileira, o penitente teria de comer 20 kg de merda por dia, divididos em três porções, além de levar 100 chibatadas de hora em hora. Na dos EUA, por exemplo, eram apenas 5 kg de merda e 10 chibatadas duas vezes ao dia. Dito isso, o funcionário infernal o autorizou a fazer um “tour” pelas embaixadas e escolher aquela onde passaria o resto da eternidade. Chamou a atenção do brasileiro o tamanho das filas. Na maioria das “embaixadas”, havia somente uns poucos gatos pingados, mas na do Brasil a fila se estendia por vários quarteirões. Curioso, ele foi até lá e perguntou o motivo de tamanha discrepância. 
— Entra aí e fecha o bico —, respondeu-lhe o último da fila. — Aqui o carrasco bate o ponto e vai para casa, e um dia falta lata, no outro falta merda...    

Dias atrás, Bolsonaro insinuou que "está na hora de termos um evangélico no STF". Não faltou quem interpretasse suas palavras como a pavimentação do caminho que pode levar o juiz federal Marcelo Bretas, evangélico e responsável pelos processos da Lava-Jato no Rio de Janeiro, à nossa suprema corte. Até aí, nenhum problema. A questão é que o Brasil é um país laico, e balizar a indicação dos ministros supremos na religião que os candidatos professam ou dizem professar não faz sentido  como também não faz descartar um candidato potencial simplesmente porque ele é budista, testemunha de Jeová ou adepto do Candomblé. Na minha desvaliosa opinião, o capitão e quem vier a suceder-lhe na presidência desta banânia deveriam preencher as vagas supremas levando em conta os pressupostos constitucionais. E convenhamos que “notável saber jurídico” e “reputação ilibada” são artigos que há tempos andam em falta nas prateleiras da nossa mais alta corte de Justiça, devido, sobretudo, aos critérios eminentemente políticos que norteiam a nomeação de seus membros.

Deixando de lado o STF e focando na conturbada relação do chefe do Executivo (cuja inépcia para o exercício do cargo é de uma clareza meridiana) com o Congresso (onde o percentual de parlamentares fisiologistas e enrolados com a Justiça chega a ser assustador), como se já não bastasse a novela da PEC previdenciária, surge agora mais uma questão conturbada, que tem a ver com a folclórica “regra de ouro” — criada para evitar que governos se endividem para pagar despesas que não sejam investimentos ou com a rolagem da dívida pública —, que pode pôr em risco a governabilidade deste arremedo de país.

Quando Bolsonaro ainda estava em campanha, seu Posto Ipiranga prometia zerar o déficit público no primeiro ano da nova administração. Ainda estamos no primeiro semestre, mas o presidente já se vê obrigado a elevar preces ao Altíssimo para que o Congresso o autorize a emitir quase R$ 250 bilhões em dívidas. Caso suas orações não sejam atendidas, faltarão recursos para despesas correntes, do Bolsa Família aos benefícios dos aposentados e pensionistas do INSS (o que nos remete à urgência da aprovação da reforma da Previdência, coisa que a oposição insiste em fingir que não vê e o PSL e demais apoiadores eventuais do Planalto parecem não conseguir lhes mostrar), do salário do funcionalismo ao Plano Safra, e até para a conta de luz. 

Ou os parlamentares atendem os apelos do Executivo, ou o presidente se verá em palpos de aranha: não honrar os compromissos é agravar ainda mais a crise econômica, e honrá-los sem o aval do Congresso é trilhar o mesmo caminho que levou a calamidade em forma de gente (cujo nome eu prefiro não pronunciar) a ser penabundada do cargo. Parafraseando Josias de Sousa, “misturando-se a penúria financeira à roubalheira e à incompetência que infelicitam o Estado brasileiro, conclui-se que o inferno não só existe, mas é aqui... e não funciona”.

Bolsonaro, que passou as três últimas décadas como deputado federal e se elegeu com um discurso de repúdio ao establishment parlamentar, continua claudicante, dando uma no cravo e outra na ferradura. Estatista convicto, só posou de liberal para obter o apoio do economista Paulo Guedes, mas agora parece relutante em abastecer no seu Posto Ipiranga, haja vista a regularidade com que toma decisões relacionadas com a Economia sem consultar seu ministro, preferindo enveredar pelo viés do autoritarismo, ao negociar com o Congresso, a pretexto de manter sua promessa de campanha de abolir a prática nefasta do toma-lá-dá-cá. 

Como bem lembra Merval Pereira, o presidente, que hoje defende a redução do número de deputados federais de 513 para 400 e uma reforma política onde está implícita a cláusula de barreira para enxugar a máquina partidária, saltitou alegremente por nada menos que nove legendas: PDC (1989-1993); PP (1993–1993); PPR (1993–1995); PPB (1995–2003); PTB (2003–2005); PFL (2005–2005); PP (2005–2016); PSC (2016–2018) e novamente PSL (2018–presente). E só não embarcou no PEN porque que achou que não conseguiria ser escolhido pela sigla para concorrer à Presidência. Sem mencionar que já confidenciou a aliados seu descontentamento com o partido e a ideia de trocar de galho mais uma vez.

Em entrevista à revista VEJA, o capitão disse textualmente que “o PSL é um partido que foi criado, na verdade, em março do ano passado e buscava pessoas, num trabalho hercúleo no Brasil. Então nós fomos pegando qualquer um: ‘Quebra o galho, vem você, cara, vamos embora’. E tem muita gente que entrou e acabou se elegendo com a estratégia que eu adotei na internet. Só para ter uma ideia, o Major Olímpio, que estava em quarto em São Paulo, passou a ser o primeiro e se elegeu senador. Eu falava: ‘Clica aqui. Vote em um desses colegas nossos’ .

Mesmo incomodado com os problemas que o PSL lhe traz, especialmente a questão dos “laranja”, Bolsonaro reluta em demitir seu ministro do Turismo, que comandava o partido em Minas e é acusado de ter usado várias candidatas para desviar dinheiro de campanha. Dias atrás, o capitão cobriu de elogios o presidente da Câmara, a quem chamou  de “nosso presidente” — o mesmo que que, nas manifestações bolsonaristas, apareceu com os bolsos cheios de dinheiro e referências a delações de supostos crimes eleitorais. Numa sessão nostálgica na Câmara, onde foi levar pessoalmente o projeto que anistia multas de trânsito e amplia os limites para multas e perda de pontos na carteira, o hoje chefe do Executivo afirmou “ter saudades” de seu tempo de deputado federal, e emendou: “Agradeço a recepção e aproveito para dizer que o Parlamento é meu e a Presidência é de vocês”.

Afora os projetos defendidos arduamente no Congresso pelos ministros Paulo Guedes e Sérgio Moro, que dão rumo a esse governo, Bolsonaro gasta seu tempo defendendo questões laterais, como a flexibilização das leis de proteção ao meio-ambiente, a ampliação da posse e porte de armas, que agradam a seus nichos eleitorais. Nas entrelinhas, lê-se claramente que Câmara está se aliando a Paulo Guedes para aprovar uma agenda que devolva ao país a capacidade de crescimento econômico. Essa relação está provocando ciúmes no capitão, e fazendo com que ele se aproxime de Rodrigo Maia. É cobra comendo cobra!

domingo, 5 de maio de 2019

DEU NÓ NO BRASIL (ou: O RAIO DO PAPEL)



Deu um nó. Está sempre dando, na política brasileira, porque é mesmo da natureza da política produzir complicação, aqui e no resto do mundo. Mas desta vez parece que se formou entre governo, Congresso, partidos e o resto da nebulosa que compõe a vida pública brasileira um nó de escota duplo, ou um lais de guia holandês, ou algum outro dos muitos enigmas criados pela ciência dos marinheiros — desses que você olha, mexe, olha de novo, e não tem a menor ideia de como desfazer. É fácil para os marinheiros — mas só para eles. Como, no presente momento, não há ninguém com experiência prévia a respeito da desmontagem dos nós que apareceram desde que Jair Bolsonaro formou o seu governo, o mundo político está com um problema sério. 

Como se sabe, é a primeira vez na história recente do Brasil que o time inteiro de cima foi montado sem ninguém pedir licença aos políticos, ou sequer perguntar a sua opinião — e menos ainda comprar seu apoio com a entrega de cargos na administração. Há muito técnico, muito general etc. Mas não há, como a ciência política considera indispensável, nada de “engenharia política”. Isso quer dizer, na prática, que ficou difícil fazer a turma da situação votar a favor do governo — pois a maior parte dela passa mal se tiver de votar alguma coisa por princípio, ou seja, de graça. É esse o nó que não desata. Por causa dele, dizem que o governo está “paralisado há 100 dias”.

Vejam, para citar o exemplo mais indecente do momento, a reforma da Previdência. Nada mais natural que o PT, seus auxiliares e o resto da esquerda fiquem contra. Têm mesmo de ficar: a única escolha que faz sentido para a oposição, hoje, é ser 100% contra qualquer ideia que tenha a mínima chance de melhorar o Brasil em alguma coisa. Isso seria, em seu raciocínio, ajudar o governo Bolsonaro a ser bem-sucedido — e um governo Bolsonaro medianamente bem-­sucedido é um desastre mortal para o consórcio Lula-PT. Que futuro vai ter essa gente na vida, a não ser que o governo acabe em naufrágio? Nenhum. É compreensível, assim, que a oposição não aprove nada que possa dar certo. Mas PT, PSOL e PCdoB, somados, não chegam a 15% da Câmara dos Deputados. E o resto: por que eles demoram tanto para votar a reforma? Mesmo descontando outras facções antigoverno, daria para aprovar. Resposta: demoram porque querem cargos na máquina e não estão levando.

É isso: o sujeito quer uma diretoria, uma superintendência, uma vice-­presidência — uma boquinha gorda qualquer, Santo Deus — e não tem a quem pedir. Falam em “agilização” das nomeações. Mas nomeação, que é bom, não sai. Chegou-se a falar num “Banco de Talentos”, para onde a politicalha mandaria os nomes que quer empregar — e onde as escolhas seriam feitas segundo “critérios técnicos”. Também não rolou. Um deputado especialmente desesperado com a demora, Felipe Francischini, chutou o balde e pediu um emprego na estatal Itaipu para a própria madrasta. Outro, um Elmar Nascimento, do liberalíssimo DEM, disse que não quer saber de “talentos”; quer emprego mesmo, e dos bons. “Não vamos nos contentar só com marmita”, ameaçou ele. Histórias como essa encheriam a revista inteira; não vale a pena ficar repetindo a mesma ladainha. O certo é que a manada quer os empregos, não está conseguindo e, pior que tudo, não sabe com quem falar para descolar a nomeação. Não adianta falar “no governo”, ou “no palácio”. Tem de ser com o sujeito de carne e osso que manda assinar o raio do papel que vai para o Diário Oficial. E quem é que chega até ele?

A Caixa Econômica Federal, para dar um exemplo só, trocou todos os vice-presidentes, 38 dos quarenta diretores e 75% dos 84 diretores regionais — tudo propriedade privada dos políticos. Mais: quer cortar em dois anos 3,5 bilhões de reais em despesas como aluguéis ou “prestação de serviços”. Só na Avenida Paulista, a CEF ocupa hoje sete prédios — nenhum outro banco do mundo chegou perto disso, mesmo na época em que bancos tinham milhares de agências. Em Brasília é pior: são quinze prédios, um deles só para tratar da admissão de funcionários, como se a Caixa tivesse de admitir funcionários todos os dias. Até uma criança de 10 anos sabe que mexer nisso é mexer diretamente no interesse material dos políticos. Eles perderam esses cargos; querem todos de volta, desesperadamente. Na CEF, no serviço contra as secas, nos portos, nos aeroportos, nos armazéns de atacado, no Oiapoque e no Chuí.

Uma coisa é pedir um negócio desses ao ministro Onyx Lorenzoni, outra é pedir ao general Santos Cruz. Dá para entender o nó, não é mesmo?

Texto de J.R. Guzzo.

quarta-feira, 3 de abril de 2019

E LA NAVE VA - PARTE IV


Articulação política”, no Brasil, vai desde o diálogo entre o Executivo e o Legislativo sobre propostas em tramitação no Parlamento até o pagamento de vantagens ilícitas aos congressistas em troca de votos — como no caso do Mensalão —, passando pela oferta de cargos e uma série de outras benesses. Os parlamentares cobram “articulação política” do governo para a aprovação da PEC da Previdência porque são devotos de São Francisco de Assis (aquele do “é dando que se recebe”), e só sabem fazer política na base do toma-lá-dá-cá. Basta lembrar que Michel Temer conseguiu neutralizar as denúncias do então procurador-geral Rodrigo Janot (postergá-las, na verdade,  pois os esqueletos já começam a sair do armário para assombrá-lo) mediante a compra do apoio das marafonas do Congresso.   

Bolsonaro prometeu combater o toma-lá-dá-cá, mas está vendo agora que é mais fácil falar do que fazer, sobretudo num país onde: 1) uma aberração que atende por Justiça Eleitoral (e que, por decisão de outras aberrações, passará a julgar processos da Lava-Jato conectados a crimes de caixa 2) não vê problema em registrar mais de 30 partidos políticos; 2) o Planalto não tem uma base aliada que lhe assegure maioria nas votações, nem um projeto de governo em torno do qual os parlamentares orbitem sem que seja preciso atraí-los a poder de conchavos espúrios.

Depois de dias a fio trocando farpas com Bolsonaro, Rodrigo Maia requentou uma PEC de 2015 e a aprovou em dois turnos, numa votação relâmpago. O projeto precisa ser aprovado no Senado — e se o for, só surtirá efeito no próximo ano (e não no próximo governo, como Rodrigo Maia afirmou erroneamente). Mas não se trata de o Congresso impor um Orçamento ao governo, como alguns têm dito, e sim de tornar impositivas as emendas das bancadas, a exemplo de como acontece com as individuais. Mas foi uma derrota retumbante para o Planalto. Seja como for, Bolsonaro demorou para entender o recado: “Tem político que não quer largar a velha política”, disparou, além de endossar zero dois ao afirmar que Maia “está um pouco abalado com questões pessoais”. O deputado rebateu dizendo que o Presidente está “brincando de governar”; Bolsonaro retrucou que “não existe brincadeira da minha parte”, e assim foi até que o presidente da Câmara declarou: “Pare, chega, peça ao entorno para parar de criticar”.

Observação: Em qualquer democracia que se preze, o Executivo e o Legislativo trabalham juntos pela aprovação do Orçamento. Aqui, o que se tem é uma peça de ficção na qual o Planalto escolhe o que quer ou não pagar. Tecnicamente, quem define o Orçamento é o Executivo; se os parlamentares quiserem implementar mudanças, devem negociar com ele ou formar maioria para derrotá-lo no plenário. Na prática, porém, antes de cada votação importante uma chusma de políticos faz fila no Planalto para oferecer apoio em troca da liberação de verbas e outras benesses. Com isso, partidos de todas as ideologias (ou sem qualquer ideologia) recebem ministérios e cargos sem sequer saberem qual programa irão conduzir.

Trocas de farpas como as que presenciamos nos últimos dias seria admissíveis em bordéis de quinta classe — ou no STF, onde ministros se acusam mutuamente de vender habeas corpus, de envergonhar o Tribunal, etc. Não que o Legislativo e o Executivo sejam farinha de outro saco, mas daí a fomentar picuinhas enquanto a economia patina e a nau dos insensatos depende das bendita reforma previdenciária para evitar de ir a pique... tenha santa paciência! O propósito de Maia ao articular a aprovação do engessamento do Orçamento era demarcar território — como um cachorro mijando pelos cantos ou um galo que estufa o peito, bate as asas e canta para mostrar quem manda naquele terreiro. Como 9 entre 10 políticos brasileiros, o deputado tem receio de ser denunciado por corrupção, e é por isso que ele e tantos outros são contra a Lava-Jato e o projeto anticrime de Moro. E é também por isso que falam em “articulação política” quando na verdade estão fazendo chantagem para obter a impunidade.

Rodrigo Maia, filho de César Maia, é investigado em dois inquéritos oriundos da Lava-Jato, identificado como “Botafogo” nas planilhas do departamento de propina da Odebrecht e marido da enteada do ex-ministro Moreira Franco — preso juntamente com o ex-presidente Temer na semana passada, mas solto dias depois por um desembargador especialista em libertar ladrões do erário (que ficou sete anos afastado da magistratura por acusações de praticar estelionato). Talvez ele tenha ficado ainda mais puto ao saber que Bolsonaro foi ao cinema (!?) e estava mais preocupado com a comemoração, ou rememoração, do golpe militar de 1964 (aquele que jamais aconteceu) do que com sua demonstração de poder. Seria cômico se não fosse trágico, mas é trágico porque Bolsonaro não tem um projeto de governo, nem base aliada, nem muito menos maioria no Congresso. O que ele tem é a PEC da Previdência do ministro da Fazenda e o Pacote Anticrime e Anticorrupção do ministro da Justiça, além, é claro, de uma vocação inata para fazer merda: toda vez que abre a boca, uma crise se avizinha.

A PEC da Previdência e o pacote anticrime e anticorrupção são projetos do Executivo, mas só terão força de lei quando e se forem aprovados pelo Congresso. Bater de frente com o Legislativo, portanto, é uma péssima ideia, sobretudo neste “presidencialismo de cooptação”. Foram o temperamento beligerante e a falta de jogo de cintura no trato com o parlamento que garantiu a Collor e Dilma, cada qual a seu tempo, um providencial pé na bunda. Aliás, a eleição de políticos como esses é a prova provada de que Pelé estava certíssimo quando afirmou que “o brasileiro não sabe votar” — embora tenha dito a coisa certa pelos motivos errados, já que, na ocasião, ele opinava sobre a decisão da ditadura militar (aquela que nunca existiu) de suspender eleições diretas para cargos do Executivo, mas isso é outra conversa.

"O Brasil não é para amadores", dizia o saudoso Tom Jobim. E governar o país também não é. Bolsonaro teve uma longa carreira parlamentar em Brasília, mas ela se resumiu basicamente e a representar o corporativismo militar. Na Presidência, ele parece mais interessado em insuflar suas hordas extremistas, colhendo o aplauso fácil da ala fanática de seus apoiadores, do que governar com sobriedade, com seriedade e com eficácia. Parafraseando o Papa Francisco, "o papa, os bispos e os padres não são príncipes, mas servidores do povo de Deus". Mutatis mutandis, o mesmo se aplica aos políticos e aos membros dos Três Poderes, que parece ainda não terem se dado conta disso.
Na Carta ao Leitor da edição desta semana, Veja resume a coisa da seguinte maneira:

Com apenas três meses de governo, há ainda um longo caminho pela frente. Bolsonaro tem, portanto, condições de corrigir seus erros, acertar o rumo e amadurecer seu entendimento da política. Uma segunda hipótese, muito mais preocupante, é que aquilo que aqui se aponta como erro do bolsonarismo não seja exatamente um erro, mas a sua essência. Algo que, se eliminado, elimina também o próprio bolsonarismo. Para o bem do Brasil, ­fiquemos todos com a primeira hipótese.

Não vejo como discordar.

Atualização — A informação a seguir foge ao assunto em pauta, mas nem por isso deixa de ser importante: O juiz federal Marcelo Bretas, responsável pelos processos da Lava-Jato no Rio de Janeiro, aceitou nesta terça-feira, 2, as duas denúncias apresentadas pelo MPF contra Michel Temer, pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e peculato. As investigações que levaram o ex-presidente a ser preso, denunciado e, agora, tornar-se réu, apuraram supostos esquemas de corrupção nas obras da usina de Angra-3 e contratos da Eletronuclear, estatal que recebia influência política de Temer e seu grupo.

sábado, 2 de março de 2019

DEBATE RASTEIRO — Artigo de J.R. Guzzo


Antes do texto de Guzzo, uma notícia importante: 

Morreu na tarde de ontem Arthur Araújo Lula da Silva, filho de Sandro Luiz Lula da Silva e neto do criminoso de Garanhuns. Um helicóptero da Polícia Civil transportou Lula da sede da PF em Curitiba para o aeroporto de Bacacheri, também na capital paranaense. Em seguida, o ex-presidente se deslocou para São Paulo em uma avião do governo do Paraná. O avião pousou na capital paulista às 8h30. Arthur morreu aos 7 anos de idade, vítima de meningite bacteriana. Lula, que foi condenado a 12 anos e 1 mês de prisão pelo TRF-4 no caso do tríplex, a 12 anos e 11 meses pela 13ª Vara Federal do Paraná no caso do sítio, e ainda responde a outras seis ou sete ações penais distribuídas pela JF do Paraná, de São Paulo e do DF, continua vivo, custando aos cofres públicos cerca de R$ 10 mil por dia para ser mantido numa sala VIP da Superintendência da PF em Curitiba. Pois é, meus caros, a vida nem sempre é justa.

Com a palavra, J.R. Guzzo:  

O Brasil dos nossos dias realmente elevou ao estado de arte, como se diz, a capacidade que as classes superiores desenvolveram nesses últimos tempos para transformar questões de desimportância ilimitada em motivo para discussões de altíssima tensão, nas quais se debate, desesperadamente, o destino final de tudo o que pode existir de essencial na existência humana. A mulher do empresário Nizan Guanaes, por exemplo, cometeu ou não crime de racismo ao utilizar os serviços profissionais de negras vestidas com o traje clássico de baianas, em sua recente festa de aniversário em Salvador? Quais os segredos de vida e morte que o ex-ministro Gustavo Bebianno, do qual nenhum cidadão comum jamais tinha ouvido falar até hoje, vai enfim “contar para todo mundo” — e provocar com isso a autodestruição imediata do governo? O vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, já está marcando reuniões secretas com a CUT, a Conferência Nacional dos Bispos e o ex-presidente Fernando Henrique para acertar os detalhes finais do golpe de Estado que vai derrubar, a qualquer horinha dessas, o presidente Jair Bolsonaro? Viram o que saiu publicado na coluna do colunista A? E o que saiu publicado na coluna do colunista Z? Com a crise cada vez mais grave, quantos meses ainda pode durar este governo? E por aí se vai.

Nenhum desses portentos tem a mais remota possibilidade de resultar em qualquer tipo de coisa relevante, é claro, mas cada um deles faz um barulho danado até evaporar do noticiário, para dar lugar a outros vendavais da mesma qualidade. Aguarde a qualquer momento, portanto, mais uma crise fatal em Brasília — ou melhor, mais um “desdobramento” da crise que se instalou no governo desde o dia 1º de janeiro deste ano e até agora não foi embora. Já ouvimos, entre outras desgraças garantidas, que o presidente jamais conseguiria montar o seu ministério sem entregar a alma e o erário aos “políticos”. Anular o convite para o ditador da Venezuela vir à cerimônia de posse de Bolsonaro foi uma atitude “de altíssimo risco” do novo governo — o Brasil, com essa decisão tresloucada, estava se isolando do resto do mundo. Renan Calheiros iria ser eleito para a presidência do Senado e, a partir dali, formaria um vigoroso polo de “poder alternativo” ao governo; a “Resistência” encontraria nele o seu novo comandante. Outros terremotos, além desses? É só escolher no Google.

Fica a impressão, no meio de toda essa calamidade permanente, que a vida política brasileira está tentando, em pleno século XXI, operar num sistema de moto-contínuo — os fatos, aí, se criariam através da reutilização infinita da energia gerada pelo movimento desses próprios fatos. É a fantasia da máquina que funciona sozinha. O moto-contínuo, como se ensinava na escola, é um fenômeno cientificamente impossível, por violar as leis da termodinâmica. Mas isso aqui é o Brasil, e no Brasil todo mundo sabe que há uma porção de leis que não pegam — talvez seja o caso, justamente, da crise política que é apresentada todos os dias ao público. Um acontecimento ganha vida, prospera, desaparece e se reproduz num outro, o tempo todo; o mesmo processo se repete com esse outro acontecimento, e assim a coisa não para nunca. Não tem a menor importância a força real dos fatos apresentados à população, nem a constatação de que nunca resultam em nada de prático; eles existem porque são anunciados, e pronto.

A próxima catástrofe é a reforma da previdência que o governo acaba de apresentar à Câmara dos Deputados. Tanto faz o que vai realmente acontecer. Mesmo que as mudanças sejam aprovadas, você ouvirá que o governo sofreu mais uma derrota ou porque tal ou qual item não passou, ou porque o custo foi alto demais”, ou porque o ministro Zé falou uma coisa e o ministro Mané falou outra, e assim por diante. As verdadeiras questões que têm de ser resolvidas, enquanto isso, ficam voando no espaço sideral, inalcançáveis por um debate neurastênico, rasteiro e sem lógica.

domingo, 13 de maio de 2018

FORO PRIVILEGIADO - CRIME POLÍTICO EM REGIME DEMOCRÁTICO? SÓ NO BRASIL




Segue versão condensada de mais um texto brilhante de J.R. Guzzo. O original foi publicado na coluna do jornalista, na última página de Veja desta semana.

Nunca aconteceu em nenhuma democracia do mundo, em nenhuma época, um caso de político que tenha sido preso por fazer política. Ou seja, nenhum político precisa de “foro privilegiado” ou “imunidade parlamentar” para se proteger de qualquer tipo de perseguição quando está no exercício legítimo dos seus direitos e funções ― venha a perseguição do Executivo, do Judiciário ou de onde vier. Ao mesmo tempo, segundo a lógica mais simples, vai ser processado como todos os demais cidadão se roubar o cofre do governo ou der um tiro na cabeça do vizinho.

Não existe “crime político” em nenhum regime democrático deste planeta. Se for acusado de um ato criminoso, que arrume um advogado e vá se defender, seja ele deputado, governador ou astronauta. Se não fez nada proibido nas leis penais, não precisa de imunidade nenhuma.

Qualquer zé-mané entende isso em dez minutos. Só não entendem os políticos, magistrados e intelectuais que raciocinam em bloco e aparecem na mídia ensinando como funciona o mundo. Na verdade, eles não querem entender. O que querem, isso sim, é impedir que homens públicos corram o risco de ir para a cadeia ― e não apenas por corrupção, como é normal esperar de um indivíduo que entra na vida política brasileira, mas por qualquer crime já praticado por qualquer ser humano desde que Caim matou Abel.

Se você está achando que há alguma coisa errada com essa comédia degenerada, espere pelo segundo ato. O “foro privilegiado” não se limita aos políticos: neste preciso momento, protege 55 mil sujeitos que têm uma licença virtual de cometer crimes, pois torna praticamente impunes os criminosos que contam com esse privilégio, como diz o próprio nome da tramoia. É por isso, exatamente, que o Brasil não tem a menor chance de ser confundido com um país sério.

Entram nesse cardume prodigioso, além do presidente da República e do vice, todos os ministros de Estado, os comandantes das três armas e os governadores, deputados federais, senadores, prefeitos, e mais a ministrada dos “tribunais superiores” (até o do “trabalho”). Também estão a salvo os conselheiros dos tribunais de contas, os procuradores federais e estaduais, os desembargadores e juízes estaduais ― enfim, é um milagre que não tenham enfiado aí os juízes de futebol e os bandeirinhas.

A última tentativa de acabar com essa aberração, ao que parece, partiu do STF, mas não foi. No mundo das coisas práticas, mais uma vez, houve muita falação, muita “data venia” e muita cara séria fazendo discurso sobre o “Estado de direito” ―, mas ação mesmo, que é bom, nada. Como sempre, ficaram ciscando durante horas a fio numa língua que poderia ser o servo-croata (pior, se fosse em servo-croata, um cidadão da Sérvia ou da Croácia, pelo menos, entenderia alguma coisa), e no fim acabaram não indo para diante, nem para trás, nem para os lados.

Qual é o problema com essa gente? Existem no mundo coisas permitidas e coisas proibidas. As coisas proibidas não podem ser feitas ― nenhum cidadão pode cometer estupro, dirigir embriagado ou assaltar um banco. Não há exceções. E lugar algum está escrito que há dois tipos de estupro, por exemplo ― o cometido por um indivíduo comum e o cometido por um dos 55 mil portadores de “foro privilegiado”. Mas aqui as coisas são feitas para a conversa não acabar nunca.

Os leigos podem não entender isso ― mas é preciso preservar os “agentes do Estado” de “acusações injustas”. Se não for assim, o Brasil vai acabar virando uma baderna.

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sexta-feira, 24 de novembro de 2017

CADEIA NELES! E LULA LÁ!


Nossas organizações políticas se tornaram quadrilhas que visam exclusivamente acumular riquezas e se perpetuar no poder. Seus membros, na esmagadora maioria, são políticos fisiologistas que moldam a legislação conforme suas conveniências, não raro blindando-a para impedir a renovação dos quadros. Ao impotente eleitor, resta a triste missão de comparecer às urnas a cada dois anos para legitimar a permanência dessa caterva no poder.

No nosso arremedo de democracia, o voto não baliza as ações do governo, apenas se limita, pleito após pleito e escândalo após escândalo, a manter tudo como está. E o resultado não poderia ser diferente do que vimos dias atrás, quando 3 deputados fluminenses, presos por notório envolvimento com a máfia dos ônibus, foram prontamente acudidos por seus cúmplices (39 dos 70 membros da ALERJ) e colocados em liberdade mediante uma discussão legal estapafúrdia, na qual os fatos não produzem consequências.

Foi o STF que, no mês passado, ao julgar uma ação direta de inconstitucionalidade impetrada pelo PP, pelo PSC e pelo Solidariedade, decidiu que medidas cautelares que suspendem ou prejudicam o exercício de mandato parlamentar devem ser submetidas às Casas legislativas em 24 horas. Com isso, abriu-se uma porta para o Senado reverter o afastamento do tucano Aécio Neves, a vergonha nacional, e criou-se o perigoso precedente que já trouxe de volta à vida pública, além dos 3 da ALERJ, deputados corruptos também no Rio Grande do Norte e no Mato Grosso.

Enfim, o TRF-2 mandou Picciani e seus cúmplices de volta para o xadrez, por não reconhecer a competência da ALERJ para anular a prisão original. Resta saber como se pronunciarão o STJ e o STF, já que recursos certamente serão interpostos pelos nobres defensores dessa cáfila de malfeitores, que precisam justificar seus régios honorários.

Depois de assembleias legislativas usarem a decisão do STF para livrar colegas de plenário da prisão antes mesmo da publicação do acórdão, alguns ministros questionaram a extensão da interpretação usada no caso de Aécio para beneficiar deputados estaduais. Caberá ao Supremo esclarecer se todo o Legislativo pode cometer crimes e ficar impune, ou se essa é uma prerrogativa exclusiva dos parlamentares federais ― por enquanto, pelo mesmo ralo onde passa um corrupto federal passam quadrilhas estaduais, oesgoto é o mesmo.

Observação: Nunca é demais lembrar que foi o vergonhoso e pusilânime voto de Minerva da ministra Cármen Lúcia que desempatou o placar o julgamento da tal ação direta de inconstitucionalidade, fazendo o fiel da balança apontar para o lado errado (na minha opinião, naturalmente, que certamente não é a mesma dos nossos caríssimos políticos).

Urge impedir que essa caterva de políticos moralmente putrefatos continue impondo sua imoralidade à sociedade brasileira, como fez com o neto de Tancredo e quase conseguiu fazer com o trio calafrio fluminense a partir de uma discussão “legalista” que só interessa aos advogados que ganham rios de dinheiro defendendo as quadrilhas com mandato. Lugar de corrupto é na cadeia, seja político ou não, tenha mandato parlamentar ou não.

Basta de foro privilegiado para ladrões de colarinho branco. Que sejam todos julgados pela mesma Justiça que investiga, processa, julga e pune de simples ladrões de galinha a empresários que se mancomunaram com políticos para roubar o suado dinheiro dos contribuintes. Cadeia neles! E Lula lá!    

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sábado, 18 de novembro de 2017

MAIS SOBRE NOSSA FAUNA PARLAMENTAR...



Vivemos numa democracia representativa, onde todo poder emana do povo e em seu nome é exercido ― pausa para as gargalhadas...

... e onde a população interfere no funcionamento do governo por meio de eleições, ainda que, dada a qualidade do nosso eleitorado, melhores resultados são obtidos através das redes sociais e manifestações populares, como as que nos trouxeram eleições diretas e, mais adiante, o previsível e previsivelmente traumático impeachment da nefelibata da mandioca.

Os 3 poderes da República ―Executivo, Legislativo e Judiciário ― são instituições independentes, cada qual com suas funções específicas. A imprensa é tida como o quarto poder, mas isso é outra conversa. No Legislativo, que é o foco desta abordagem, a fauna parlamentar tupiniquim é composta por 513 deputados federais e 81 senadores ― boa parte dos quais é atualmente investigada na Lava-Jato, mas isso também é outra conversa.

Aos nobres integrantes da Câmara Federal cabe elaborar e revisar as leis, de acordo com as demandas populares e os ditames da Constituição ― podem rir de novo ―, bem como cobrar as contas do Executivo, autorizar a abertura de processo contra o presidente da República (impeachment) por crime de responsabilidade, e por aí vai. Aos conspícuos senadores compete aprovar a escolha de magistrados, ministros do TCU, presidentes e diretores do Banco Central, embaixadores e o Procurador Geral da República, bem como autorizar operações financeiras de interesse da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, fixar limites da dívida pública e avaliar periodicamente o funcionamento do Sistema Tributário Nacional. Adicionalmente, suas insolências podem elaborar projetos de lei ― que são debatidos e votados por seus pares e pelos membros da Câmara ―, bem como analisar, avaliar e aprovar ou rejeitar projetos de lei propostos pelos deputados federais ou pelo chefe do Executivo.

O Congresso Nacional (que é formado pela Câmara, Senado e TCU) tem como principais atribuições votar medidas provisórias, vetos presidenciais, leis de diretrizes orçamentárias e o orçamento geral da União, além de dar posse ao presidente da República e seu vice, autorizá-los a se ausentar do país por período superior a 15 dias, autorizar o presidente da República a declarar guerra, celebrar a paz, permitir que forças estrangeiras entrem ou saiam do país, aprovar o estado de defesa, a intervenção federal, o estado de sítio ― e suspender essas medidas ―, deliberar sobre tratados, fixar a remuneração dos parlamentares (a raposa tomando conta do galinheiro, como veremos mais adiante), apreciar os atos de concessão de rádio e televisão, autorizar referendos, convocar plebiscitos, aprovar iniciativas do Executivo no que tange a atividades de energia nuclear, e por aí afora.

Observação: As atribuições do Congresso estão especificadas nos artigos 48 e 49 da Constituição Federal, sendo que aquelas elencadas no primeiro exigem a participação do Executivo ― mediante sanção presidencial ―, enquanto que as do segundo tratam de competências exclusivas do Congresso, estabelecidas por meio de Decreto Legislativo. O presidente do Senado acumula a função de presidente do Congresso, o mandato é de 2 anos e, a despeito de os membros da mesa diretora do Senado não poderem ser reconduzidos aos mesmos cargos na eleição imediatamente subsequente ao mandato, prevalece o entendimento de que essa proibição não se aplica quando se tratar de uma nova legislatura, de modo que sua reeleição é, sim, possível.

Veremos no próximo capítulo quanto custa manter essa caterva ativa e operante. Até lá.

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