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sexta-feira, 4 de outubro de 2019

AINDA SOBRE A SUPREMA VERGONHA




Como eu adiantei no post anterior, o STF tornou-se uma usina de decisões monocráticas cuja essência varia ao sabor das convicções político-partidárias de cada ministro. Quando estender os limites da hermenêutica não lhes parece suficiente, os togados supremos travestem-se de legisladores para parir jabuticabas que amoldem os fatos a suas versões.

Membros do poder legislativo são eleitos pelo povo e pelo menos em tese podem ser punidos nas urnas por mijar fora do penico, mas ministros de cortes superiores são indicados pelo presidente da República e chancelados pelo Senado, de modo que têm emprego garantido até a aposentadoria compulsória (a menos que se desliguem espontaneamente ou que batam as botas antes de completar 75 anos). Claro que sempre existe a possibilidade de impichá-los, mas isso depende de combinar com o presidente do Senado da vez. Nas gavetas de Davi Alcolumbre — que vem se revelando um clone perfeito de Renan Calheiros, só que algumas arrobas a mais  dormitam nada menos que 34 pedidos de impeachment contra ministros do STF. Gilmar Mendes é alvo mais recorrente, com 10, sendo seguido de perto por Dias Toffoli, com 9 (entre os demais, a única que escapa até agora é Cármen Lúcia).

Na última quarta-feira, após anular a condenação de Márcio de Almeida Ferreira por corrupção passiva e lavagem de dinheiro (a segunda no âmbito da Lava-Jato), a pretexto de o réu ter sido prejudicado pelo fato de o juiz não permitir que sua defesa apresentasse as razões finais depois da defesa do réu delator, os ministros decidiram sumular esse entendimento capenga para homenagear os criminosos e escarnecer dos cidadãos de bem. No finalzinho da tarde, o plenário alcançou os 8 votos necessários para o desenvolvimento de uma tese que norteie as instâncias inferiores sobre a ordem de apresentação dos memoriais em processos que envolvem réus delatores e delatados (votam contra os ministros Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello, mas cada qual com um entendimento diferente).

Apesar de ter ressalvas em relação a Marco Aurélio Mello, destaco (e aplaudo) o lampejo de sensatez desse ministro que tantas barbaridades já cometeu — quem não se lembra da estapafúrdia liminar que ele assinou no dia 19 de dezembro do ano passado, minutos depois do início do recesso do Judiciário, que só não libertou Lula e outros 170 mil condenados em segunda instância que aguardam presos o julgamento de seus recursos às instâncias superiores porque foi prontamente cassada por Toffoli? Voltando ao voto do ministro na última quarta-feira, confira esse trecho:

"O Supremo não legisla, pronuncia-se a partir da ordem jurídica em vigor; entender que o delatado deve falar após o delator é esquecer que ambos têm condição única no processo, qual seja de réus, estabelecendo-se ordem discrepante da versada na legislação de regência (...) a delação sempre existiu e não é mais que depoimento revelador de materialidade criminosa e indícios de autoria (...) e por si só não serve à condenação de quem quer que seja." 

Enfim, Toffoli suspendeu a sessão até a tarde de quinta-feira, mas pensou melhor e resolveu tirar o tema da pauta e adiar o julgamento sine die. Oficialmente, porque diversos ministros tinham outros compromissos e não poderiam participar da sessão de quinta-feira. Na verdade, porque não houve consenso em torno de sua proposta; alguns de seus pares são contrários à fixação da tese e outros rejeitam o modelo que o presidente da corte sugeriu — segundo o qual só teriam a sentença anulada e voltariam à fase de alegações finais os processos de réus que efetivamente reclamaram da ordem de apresentação de memoriais na origem e que comprovassem o dano causado por sua inobservância.  

Lembro que o réu não se defende da delação, mas da acusação feita pelo Ministério Público. Assim, salvo melhor juízo, não faz diferença nenhuma apresentar as razões finais ao mesmo tempo ou depois dos corréus, delatores ou não. Reza o melhor entendimento que: 1) réus colaboradores não estão no polo da acusação — ou seja, também são processados pelo Estado; 2) a lei processual não dispõe sobre prazo diverso para corréus em nenhuma hipótese, sejam eles delatores ou delatados.

Em outras palavras, essa conversa de que não conceder prazo diferenciado para as razões finais de réus delatores e delatados fere o direito de defesa destes últimos é mera cantilena para dormitar bovinos. Isso não está na lei, e só faz sentido na imaginação prodigiosa dos eminentes ministros que ora se valem de criatividade para retaliar a Lava-Jato. Ao parir mais essa jabuticaba, o Supremo se apequenou ainda mais, não só por abrir os portões do inferno, mas por relutar em decidir quais capetas poderão passar ele. 

Se o Brasil já era uma aberração em vários sentidos, agora tornou-se também a única democracia do planeta com 13 poderes: o Executivo, o Legislativo e os 11 ministros do Supremo, cada qual agindo como se fosse dono de seu próprio tribunal e de seus próprios fatos. A propósito, semanas atrás o brilhante comentarista político Caio Coppolla tuitou mais ou menos o seguinte: "Era uma vez um supremo tribunal federal que se tornou um pequeno parlamento autoritário com um enorme balcão de atendimento reservado aos poderosos e aos opressores".

O Supremo sempre foi um tribunal político, mas esse aspecto só ficou visível com a Lava-Jato. Até então, mal se ouvia o nome de um ou outro ministro, e, mesmo assim, só na indigesta Voz do Brasil. Hoje, as chances de você encontrar quem saiba de cor os nomes do 11 togados são bem maiores que de encontrar quem se lembre da escalação da seleção canarinho que foi goleada pela Alemanha na copa de 2010. 

Ministros que se autodeclaram "garantistas" são na verdade coniventes com a corrupção. E já não têm o menor constrangimento em confabular diante das câmeras da TV JUSTIÇA. Alguns têm se encontrado sub-repticiamente com o presidente Bolsonaro, cujo projeto de governo ora se resume a blindar seu primogênito contra as investigações do MP-RJ e emplacar o caçula na embaixada do Brasil nos EUA. Toffoli já havia se encarregado de aliviar a barra do primeiro rebento, mas agora a blindagem ganhou o reforço de Gilmar Mendes (veremos isso melhor numa próxima postagem), que não esconde seu ódio pela Lava-Jato.

Haveria muito mais a dizer, mas por hoje é só.

sábado, 28 de setembro de 2019

AINDA SOBRE O "CASO JANOT" E O DISCURSO DE BOLSONARO



Ainda sobre o supremo buchicho da última quinta-feira, o prosseguimento ficou marcado para a próxima quarta, quando então a composição plenária contará com a presença do anjinho barroco primo de Collor, e todos ouvirão atentamente a solução que o mestre de cerimônias do circo supremo promete tirar magicamente da cartola. Até lá, resta-nos a certeza de que as forças do bem nem sempre vencem o mal: a despeito do didatismo do relatório do ministro Fachin, das ponderações lúcidas dos ministros BarrosoFux, o entendimento que prosperou foi o de que, quando se trata de favorecer criminosos, normas estranhas aos nossos diplomas legais (e não estou falando aqui de leis consuetudinárias) podem e devem ser aplicadas, sobretudo se ajudarem a pavimentar a estrada dos tijolos vermelhos que leva à soltura do sórdido criminoso de Garanhuns. Também na quinta-feira, causou frisson a notícia de que Rodrigo Janot chegou ao cúmulo de entrar armado no STF para exterminar Gilmar Mendes e dar cabo da própria vida. Vamos aos detalhes.

Janot e a maritaca de Diamantino (se me permitem parafrasear o brilhante jornalista Augusto Nunes) foram empossados no Ministério Púbico em 1984, mas a relação degringolou por motivos que o ex-procurador geral detalha em seu livro Nada Menos que Tudo (Editora Planeta), a ser lançado na próxima semana. Em 2017, ao rebater críticas do então PGR ao andamento dos processos no STF, o semideus togado afirmou que a atuação de Moro é que era muito rápida (!?). Em março do ano seguinte, acusou Janot de divulgar de forma indevida informações de processos sigilosos. Este, sem citar nominalmente o desafeto, rebateu: "Não vi uma só palavra de quem teve uma disenteria verbal a se pronunciar sobre esta imputação ao Congresso, ao Palácio e até o Supremo".

O clima azedou ainda mais depois que Rodrigo Janot passou a mirar suas flechadas no então presidente Michel Temer, com quem o togado supremo era carne e unha. Depois que deixou a PGR, o procurador e o ministro se estranharam num voo para a Europa. Mais adiante, durante palestra em Washington, disse Janot (referindo-se a Gilmar): "Ninguém tem essa capacidade de odiar gratuitamente a várias pessoas a não ser que tenha algum problema, né, de saúde". Pouco antes, durante uma sessão no STF, o togado afirmou que o PGR deveria ter pedido a própria prisão diante do malogro das investigações do caso JBS: "Eu sou da turma de 84. Certamente já ouvimos falar de procuradores preguiçosos, de procuradores violentos, alcoólatras, mas não de procuradores ladrões. É disso que se cuida aqui, corruptos num processo de investigação. Essa pecha a Procuradoria não merecia ao fazer investigação criminal".

"Ele [Janot] não tem preparo jurídico nem emocional para dirigir um órgão dessa importância", disse o ministro em outra oportunidade, depois de afirmar que o Ministério Público ficou "a reboque das loucuras" do inimigo. A animosidade entre ambos cresceu a ponto de levar Janot pensar em matar Mendes. Em entrevista ao Estado, disse o ex-procurador: “Não ia ser ameaça não. Ia ser assassinato mesmo. Ia matar ele (Mendes) e depois me suicidar”. O motivo teria sido uma notícia sobre a participação da filha de Janot na defesa da OAS: “Foi logo depois que eu apresentei a sessão (...) de suspeição dele no caso do Eike. Aí ele inventou uma história que a minha filha advogava na parte penal para uma empresa da Lava Jato. Minha filha nunca advogou na área penal... e aí eu saí do sério”.

Em 15 de setembro, Mendes voltou a criticar Janot e o comparou ao médico Simão Bacamarte, de "O Alienista", clássico do escritor Machado de Assis. Na história, o médico resolve internar a si próprio em um hospício. "Acredito que a gestão do procurador Rodrigo Janot na Procuradoria-Geral da República foi sem dúvida alguma a mais infeliz, a mais desastrosa. Faltou institucionalidade, houve abuso de poder, houve tentativa de transformar a Procuradoria em palanque político. O procurador-geral quase que chegou à situação tal qual o personagem principal do livro 'O Alienista'. Ao final de seu mandato, quase que o procurador-geral pediu sua própria prisão preventiva".

Momentos antes da última participação de Janot em sessão plenária no STF, Gilmar citou um verso de Bocage para se referir à despedida: "Eu diria em relação ao procurador-geral Janot uma frase de Bocage: 'Que saiba morrer quem viver não soube'"Janot respondeu: "Mas tudo isso já encontra-se no passado. Os mortos, então, deixai-os a seus próprios cuidados". E acrescentou: "As páginas da história certamente hão de contar com isenção e verdade o lado que cada um escolheu para travar sua batalha pessoal nesse processo".

Dada a extensão deste texto, volto ao assunto no post de amanhã, quando então comentarei também a decisão estapafúrdia tomada pela nossa mais alta corte de injustiça na sessão plenária da última quinta-feira. Fiquem com o texto que eu havia preparado para hoje:

O discurso que nosso indômito presidente proferiu no último dia 24 já é notícia velha, mas a mídia continua repercutindo mesmo assim. Na manhã desta quinta-feira, incomodado com a reação negativa da imprensa, o capitão afirmou ter assistido a própria fala novamente e que considerou suas posições agressivas. "Queriam alguém lá que fosse para falar abobrinha, enxugar gelo e passar o pano?", questionou. "Não fui ofensivo com ninguém. Assisti ao que eu falei, seria muito mais cômodo eu fazer um discurso para ser aplaudido, mas não teria coragem de olhar para a cara de vocês aqui". Disse ainda reconhecer que o governo tem enfrentado algumas derrotas no Congresso, mas que isso é normal na democracia, pois não pode impor sua vontade em tudo. "O parlamento tem um freio necessário, às vezes a gente não concorda, mas tem que respeitar", sentenciou o "mito". É verdade. Pena que boa parte dos congressistas não valha dois tostões de mel coado.

Repito aqui o tuíte de Guilherme Fiuza: " O discurso de Bolsonaro na ONU decepcionou a intelectualidade mundial. Não teve a genialidade da Dilma, a honestidade do Lula, o biquinho do Macron, os suspiros da Bachelet, não salvou as girafas da Amazônia, não demitiu Sergio Moro e ainda disse que a verdade liberta. Não dá."

Enquanto nosso presidente desfilava seu júbilo em Nova York, seu "novo Brasil" apodrecia em Brasília. Horas depois de sua estreia na ONU, seu líder no Senado, Fernando Bezerra Coelho, escalou a tribuna para discursar sobre a acusação de que recebeu R$ 5,5 milhões em propinas na época em que foi ministro da Integração Nacional do velho Brasil presidido por Dilma, a insuportável. Disse pouco em sua defesa. Preferiu queixar-se da batida policial realizada em seus endereços pela PF, subordinada ao "símbolo" Sergio Moro, e posar de perseguido: "Fui vítima de uma operação política, articulada para atingir o Congresso Nacional e o governo do presidente Jair Bolsonaro, do qual tenho a honra de ser líder no Senado Federal", declarou o coelho maroto.

Embora não se considere alvo da investigação criminal, Bezerra evocou sua condição de cliente de caderneta da Lava-Jato para expressar sua fé no futuro: "Pela ausência de elementos comprobatórios, [o caso] terá o mesmo destino de outras acusações que enfrentei: o arquivamento. Inclusive com força de decisão do STF. Que fique claro, senhores parlamentares, não temo as investigações. Digo com veemência que jamais excedi os limites impostos pela lei e pela ética".

A despeito do destemor, o obelisco da probidade pediu ao Supremo que ordene a devolução de todo o material recolhido pela PF, por tratar-se de prova ilícita. Foi socorrido também pela advocacia do próprio Senado, que preparou petição sobre a suposta ilegalidade dos mandados de busca e apreensão expedidos pelo ministro Luís Roberto Barroso. Formou-se ao redor do senador desconsolado um denso e comovente cinturão de solidariedade. Inclui do PT, sócio majoritário do MDB de Bezerra nos governos que levaram o Brasil "à beira do socialismo", até o DEM de Davi Alcolumbre, guindado à presidência do Senado com o apoio do chefe da Casa Civil Onyx Lorenzoni, um ministro do "novo Brasil".

Sob a liderança de Alcolumbre, uma caravana pluripartidária de 15 senadores cruzou a Praça dos Três Poderes para entregar a Toffoli, o luminar, o recurso preparado pela advocacia do Senado. Os defensores de Bezerra revelam-se capazes de quase tudo, exceto de tomar as dores de quem lhes paga o salário: o brasileiro em dia com suas obrigações tributárias.

Indefeso, o contribuinte assiste ao início da exposição dos achados da PF. Relatório enviado pelo delegado Edson Lopes ao ministro Barroso empilhou itens encontrados nos endereços de Bezerra e do seu primogênito, o deputado Fernando Coelho Filho, também sob investigação. Há coisas constrangedoras na lista — de dinheiro vivo a arquivo digital chamado "doadores ocultos"; de indícios de transferências imobiliárias a um automóvel registrado no nome de empresa cujo sócio é investigado como operador do esquema sob investigação.

Por enquanto, coelhão e coelhinho silenciam sobre os indícios. Seu silêncio não resolve o problema, mas é extremamente útil para ouvir os ruídos da reação corporativa do Legislativo. Em meio ao sacolejo, culpados e cúmplices se uniram no plenário do Congresso para derrubar 18 dos 33 vetos que Bolsonaro havia aplicado à lei sobre abuso de autoridade. Foram restaurados artigos que o "símbolo" Sergio Moro considera inibidores do trabalho de juízes, procuradores e investigadores. Mantido o padrão da contraofensiva, o país "socialista" resgatado pelo capitão à "beira do abismo" logo acusará o "novo Brasil" de plágio.

Como toda unanimidade é burra, vale citar a opinião do PT sobre a fala presidencial, que ecoou o sempre lúcido, isento e ponderado pensamento da líder nacional da quadrilha, deputada Gleisi “Lula” Hoffmann. A petralhada sórdida afirmou que o discurso foi permeado de ataques infundados, Fake News e muita, muita teoria conspiratória dos anos 70: Bolsonaro atacou governos petistas, países vizinhos, a mídia internacional e a sanidade mental dos ouvintes, bem como envergonhou o povo brasileiro ao tentar justificar a destruição que provoca no país, desmontando estatais, prejudicando os mais pobres e instaurando a censura e o preconceito. É curioso que, para o PT, quem envergonha o país é Bolsonaro, e não o presidiário condenado.

Aliás, Lula vai apresentar (mais) uma queixa na ONU, desta vez contra Jair Bolsonaro. O criminoso de Garanhuns alega que o presidente violou seus direitos ao dizer, na Assembleia Geral, que seus antecessores roubaram centenas de bilhões de dólares. Isso, sim, é uma vergonha internacional.

Com Josias de Souza e O Antagonista.

sexta-feira, 30 de agosto de 2019

SER BRASILEIRO — COMO PASSAR DA VERGONHA À REPULSA NAS ASAS DE UMA SIMPLES DECISÃO DO STF



José Nêumanne frisou em sua coluna que o ministro-deus Gilmar Mendes tem participado ativamente — se não como protagonista, no mínimo como cúmplice — de todas as decisões do STF pelas quais os cidadãos de bem deste país sentem repulsa. E na última terça-feira não foi diferente.

Regida pela batuta de Cármen Lúcia — nomeada por Lula e que tem peninha do “bom velhinho que já sofreu demais na cadeia", —, a 2ª Turma reeditou seus recentes tempos de predomínio do trio “Deixa que eu solto” — com Gilmar, Lewandowski e o retirado Toffoli, que em setembro passado trocou assumiu a presidência da Corte. Aproveitando-se da ausência do decano da Corte, que convalesce de uma pneumonia, o terceto notável, ora integrado também pela presidente da Turma, derrotou o relator Fachin e passou por cima de qualquer previsão legal para cancelar a condenação do corrupto Bendine.

Em assim decidindo, o trio assombro legislou — já que nada existe na lei brasileira que determine que o réu seja o último a se defender quando há delatores entre os outros condenados. Como salientou o ex-ministro supremo Carlos Velloso, a Lei de Organizações Criminosas não exige períodos distintos para as alegações finais de delatores e delatados: “Nem o Código Penal, nem a lei da colaboração premiada fazem esta distinção que o Supremo adotou. Penso que não é possível o tribunal, invocando o direito de defesa, ampliar norma processual”.
  
Em seu voto, Gilmar Mendes, o inigualável, aproveitou o embalo para destilar seu veneno contra Sérgio Moro, Dallagnol e a Lava-Jato (da qual ele era admirador confesso enquanto seus alvos não fossem os tucanos). Se esta republiqueta de bananas fosse uma democracia que desse ao respeito, exigir-se-ia que Mendes se afastasse do julgamento por suspeição. Mas num país falido, onde o presidente da república impõem condições para aceitar a esmola oferecida pelo G7 para ajudar a combater os incêndios na Amazônia, não se poderia esperar coisa muito diferente. 

Observação: Em 2016, quando o plenário manteve a condenação de soldados ouvidos antes da acusação num processo penal militar, Gilmar disse que anular a sentença produziria “um quadro de instabilidade”. Na época, a maioria dos ministros decidiu que, dali em diante, os militares também deveriam depor por último no processo, assim como ocorre com os civis, embora o Código de Processo Penal Militar determinasse a oitiva no início. Assim, processos já julgados não seriam afetados. Ao votar pela manutenção dessas condenações, disse Gilmar: “Garantias que são importantíssimas, como a garantia do contraditório e da ampla defesa, do devido processo legal, é claro, têm um forte caráter institucional. Significa dizer: a toda hora, elas são passíveis de aprimoramento. E isso acontece. Agora, não significa que aquilo que foi praticado no passado era ilegítimo, ilegal”. Desta vez, porém, a excelência das excelências votou de forma diferente, não ao garantir que o réu se defendesse após seus delatores, mas ao anular uma condenação já estabelecida.

Analistas e palpiteiros de plantão dizem que o processo do sítio de Atibaia, que resultou na segunda condenação de Lula, é igual ao de Bendine. Não é. A defesa do ex-presidente do Banco do Brasil e da Petrobras questionou a decisão do então juiz Moro sobre os prazos das alegações finais quando o processo ainda estava na primeira instância — antes, portanto, de a sentença ser proferida. 

No caso do molusco abjeto, Zanin, o fabuloso, não tomou esse cuidado, dando a entender que, ao menos nesse ponto específico, a defesa não se sentia prejudicada, e agora quer que o mesmo entendimento seja aplicado no processo envolvendo o terreno do Instituto Lula e a cobertura vizinha à do petralha em SBC, que está prestes a ser julgado pelo juiz Luís Antonio Bonat.

A PGR está tentando conter os danos. Uma alternativa, segundo a Folha, é requerer aos ministros que um processo só possa ser revisto se a defesa do réu pediu, ainda na primeira instância, para se manifestar por último, e seu pedido foi negado. Foi isso que ocorreu com Bendine. Outra possibilidade seria tentar restringir as anulações a casos em que o delator efetivamente apresentou em suas alegações finais alguma prova ou acusação nova, não tratada nas fases anteriores da tramitação da ação penal e, portanto, não conhecida formalmente pelos demais acusados.

O fato é que os advogados de Lula e de outros condenados na Lava-Jato exultaram com a decisão da 2ª Turma. Choverão pedidos de isonomia valendo-se da anulação da sentença de Bendine como paradigma. É a velha política tomando o seu espaço de volta, com o empenho de Rodrigo Maia, Gilmar Mendes, Lula e até Jair Bolsonaro — que, para sair desta lista, precisa vetar integralmente a lei de abuso de autoridade.

Conforme eu publiquei dias atrás, o STF é visto hoje mais como um agente político do que como uma corte constitucional. É compreensível, portanto, que se multipliquem pedidos de impeachment contra seus membros. Lamentavelmente, todos foram barrados pelos presidentes do Senado da vez — emboloram nos escaninhos da Casa nada menos que 34 petições, sendo 11 contra Mendes, 10 contra Toffoli e, dos outros 9 ministros. A única que escapa até agora é Cármen Lúcia, mas, a julgar pelo modo como a ministra atuou na última terça-feira, isso pode mudar em breve.

Observação: Dizer que o STF combate a corrupção é piada. Enquanto Moro condenou cerca de 159 corruptos a mais de 2200 anos e colocou na cadeia o picareta dos Picaretas, o juiz Marcelo Bretas sentenciou o ex-governador do Rio, Sérgio Cabral, a mais de 200 anos de prisão, os togados supremos condenaram um único político lalau (o ex-deputado Nelson Meurer, que ainda nem foi preso). Se não falta letargia aos ministros, sobra-lhes cara de pau. Falar em excessos da Lava-Jato, quando quem cometeu excessos foi a quadrilha de Lula e companhia, que saqueou o país, é muita hipocrisia, muito cinismo, muita desfaçatez!

O individualismo absoluto que norteia as decisões do Supremo — onde cada decisor age como se fosse dono da verdade e de seu próprio tribunal — produz o único caso mundialmente conhecido de uma democracia constituída por 13 poderes: o Executivo, o Legislativo e os 11 semideuses togados. E o clima entre os togados não é dos melhores. Não bastassem os bate-bocas entre Gilmar Mendes e Luís Roberto Barrosonum deles, Barroso acusou o colega de ser “uma pessoa horrível, uma mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia” —, Fux e Toffoli quase não se falam.

O presidente da Corte é do grupo "garantista", que dissemina alegremente a impunidade a pretexto de resguardar o direito dos réus, ao passo que o vice defende a prisão antecipada dos condenados em nome do combate à impunidade. Segundo matéria publicada na revista Época (cuja leitura eu recomendo), o grupo de Fux é chamado pejorativamente pelo outro time de "iluministas".

A relação entre Fux e Toffoli está a tal ponto estremecida que ex-militante petista e ora presidente da Corte não quis dividir o plantão do recesso de julho com o vice, como sói acontecer a cada seis meses, preferindo ficar responsável por todas as decisões urgentes do período, inclusive aquela que, a pretexto de proteger Flávio Bolsonaro, o magistrado enterrou o Coaf.

Como disse Rui Barbosa certa vez, cabe ao Supremo errar por último. Mas os três votos que inovaram a interpretação da lei para anular pela primeira vez um julgamento da Lava-Jato — usando uma criatividade que até o momento era atribuída apenas ao “direito de Curitiba”, na expressão jocosa de (sempre ele) Gilmar Mendes — não representam a opinião de todos os magistrados, e em algum momento o caso deverá ser enfrentado pelo plenário. 

Diante da má repercussão do julgamento, a 2ª Turma pode explicitar no acórdão que os efeitos da decisão só se produzem nos processos posteriores, ou seja, não se estendendo a casos anteriores em que a defesa não alegou cerceamento em recurso ainda na primeira instância.

De acordo com Merval Pereira, a anulação da condenação de Bendine com base nessa "nova interpretação" só deveria ser possível em situações em que os advogados dos réus pediram para falar depois dos delatores antes de ser proferida a sentença e tiveram seus recursos negados pelo juiz de primeira instância, pelo TRF-4 e pelo STJ. A defesa de Lula não tomou esse cuidado nos dois julgamentos em que o petista foi condenado, e, portanto, não poderia ser beneficiada pela jabuticaba suprema.

Dada a controvérsia que a decisão da última terça-feira causou, era previsível que o ministro Fachin, relator da Lava-Jato no STF, encaminhasse ao plenário o recurso da PGR. Será a única maneira de esclarecer se essa criatividade jurídica conta com o respaldo da maioria dos ministros da Corte. Se fosse a 2ª Turma a julgar recurso, o resultado dificilmente seria diferente, a menos que Cármen Lúcia, que surpreendeu a todos com seu voto bizarro, defendesse a tese de que a decisão tomada na última terça-feira se restringe ao caso de Bendine. Mas Mendes e Lewandowski dificilmente mudariam seu entendimento, e uma vez que o decano está licenciado, o placar de 2 a 2 ainda beneficiaria o réu.

Observação: Fachin determinou também — sabiamente, na minha avaliação — que a 13º Vara Federal de Curitiba refizesse os passos finais da instrução processual na ação que Lula responde sobre o terreno e apartamento em SBC, evitando que a sentença seja futuramente contestada e anulada mais adiante, se esse merdeira não for revertida o quanto antes pelo plenário do Supremo. Em abono à minha tese, transcrevo trecho do despacho do ministro: “Enfatizo, ademais, que não se trata de constatação de mácula à marcha processual. Nada obstante, considerando o atual andamento do feito, em que ainda não se proferiu sentença, essa providência revela-se conveniente para o fim de, a um só tempo, adotar prospectivamente a compreensão atual da Corte acerca da matéria, prevenindo eventuais irregularidades processuais, até que sobrevenha pronunciamento do Plenário”.

A Lava-Jato vem incomodando poderosos desde 2014, e por isso é bombardeada por todos os lados. De início, os petardos vinham do Legislativo, onde boa parte dos parlamentares é composta de investigados, denunciados ou réus. De uns tempos a esta parte, porém, tanto a banda contaminada do Judiciário quanto o próprio Executivo vêm colaborando para emparedar a força-tarefa, que amargou sua primeira grande derrota no Supremo

Outros reveses — como o fim da condução coercitiva e a contenção da prisão preventiva — foram superados na prática do dia a dia, mas agora, depois que a Vaza-Jato do Intercept de Verdevaldo das Couves revelou detalhes pessoais dos investigadores — que, mesmo não comprovados e obtidos de maneira criminosa, fomentaram uma rejeição que já vinha latente em alguns togados e era verbalizada sem firulas por Gilmar Mendes.

Ainda que não revelem nenhuma irregularidade jurídica nas decisões tomadas, as mensagens vazadas expõem os intestinos da força-tarefa, suscitando questões morais que não deveriam interferir no julgamento, mas interferem. E há quem atribua esse incômodo à inusitada mudança de procedimento da ministra Cármen Lúcia.

terça-feira, 6 de agosto de 2019

MARCO AURÉLIO E A SUPREMA MORDAÇA



Indignado com as declarações de Bolsonaro sobre a morte do pai do presidente da OAB, Marco Aurélio Mello sugeriu que o capitão usasse uma “mordaça” para evitar tais comentários. “Tempos estranhos; aonde vamos parar?”, questionou o ministro, apropriando-se do aforismo atribuído a Platão (348/347 a.C).

Na reta final de sua, digamos, bem sucedida mas pouco expressiva carreira, o primo e apadrinhado de Fernando Collor de Mello queima os últimos cartuchos em busca de alguma notoriedade, algo que vá além dos votos sonolentos que profere nas reuniões plenárias do Supremo com voz sombria de animador de velório. Mas talvez devesse ele próprio tomar uma colherada do remédio que prescreveu ao presidente.

Depois que Verdevaldo começou sua espúria campanha contra Sérgio Moro e a Lava-Jato, Marco Aurélio passou a exibir especial predileção por compartilhar com a imprensa opiniões que deveria guardar para si ou, no máximo, usar para abrilhantar seus votos soporíferos. Mas não. De uns tempos a esta parte, quando se trata de dar palpites sobre seja lá o que for, ele só perde para o colega Gilmar, o insuperável (quem tiver tempo e estômago forte deve ler a entrevista que esse semideus togado concedeu dias atrás ao Correio Brasiliense)  

ObservaçãoA trajetória de Marco Aurélio é um exemplo lapidar de como o patrimonialismo não só atravessou incólume todas as tentativas de superá-lo, mas acentuou suas imperfeições e demoliu a reputação de seus agentes. Seu pai, Plínio Affonso de Farias Mello é até hoje reverenciado no ambiente do sindicalismo patronal como uma espécie de benemérito, Seu prestígio era tamanho que o general Figueiredo, último presidente do regime militar, manteve aberta uma vaga no TRT-RJ para que o filho Marco a assumisse quando completasse 35 anos. Foi também graças ao prestígio paterno que o hoje ministro supremo foi guindado ao TST, em Brasília, onde o primo Fernando Affonso Collor de Mello o encontraria mais adiante e cobriria com a suprema toga.

Recentemente, perguntado pelo site da Rede Brasil Atual sobre a indicação de Sérgio Moro para o STF, Marco Aurélio assim se pronunciou: “Que não seja a minha (risos). Você, presidente da República, o indicaria a uma cadeira no Supremo? Eu não indicaria”.

Desde junho, quando o Intercept descarregou o primeiro caminhão de merda sobre Moro e a Lava-Jato, o magistrado vem destilando seu veneno contra o atual ministro da Justiça. Talvez o faça por despeito, já que, em quase 30 anos no supremo, Mello jamais conseguiu uma fração do protagonismo e aprovação popular que o ex-juiz federal conquistou à frente da 13ª Vara Federal do Paraná, em Curitiba.

Marco Aurélio Mello sempre teve predileção especial por ser voto vencido e foi a encarnação do “espírito de porco” até a ex-presidanta Dilma nomear desembargadora sua filha Letícia, em mais uma demonstração de como o nepotismo se perpetua. A partir daí, o campeão das causas perdidas abraçou cruzadas que atendem aos interesses petistas e aos de nababos da advocacia de Brasília, que, de olho no filão milionário que os corruptos representam, defendem incondicionalmente a mudança da jurisprudência que autoriza a prisão de condenados em segunda instância. O resto é mera cantilena para dormitar bovinos.

Para não repetir o que eu já disse sobre a atual composição do Supremo ser a pior de todos os tempos, sugiro a quem interessar possa reler esta postagem e a seguinte. Mas volto a dizer que a solução não é fechar o tribunal, como defendem alguns extremistas (recomendo assistir ao clipe que eu inseri no final da postagem anterior).

Em julho do ano passado, durante uma palestra em Cascavel (PR), perguntado sobre a hipótese de uma intervenção militar no caso de o STF impedir que o então candidato Jair Bolsonaro, se eleito, assumisse a presidência, nosso presumível futuro embaixador nos EUA disse que aí já se estaria caminhando para um regime de exceção, e que para fechar o Supremo não era preciso mandar sequer um jipe, bastava enviar um soldado e um cabo. O detalhe — e o diabo mora nos detalhes — é que essa fala, retirada do contexto, viralizou nas redes sociais a uma semana do segundo turno das eleições. Na oportunidade, um Marco Aurélio ainda comedido em suas opiniões fez alusão aos “tempos sombrios” e afirmou que seria preciso aguardar com serenidade o desenrolar dos acontecimentos.

Se Deus quiser, o Diabo não atrapalhar e as regras do jogo não mudarem — como aconteceu em 2015, quando a PEC da Bengala aumentou de 70 para 75 anos a idade com que ministros de tribunais superiores se aposentam compulsoriamente —, Marco Aurélio deixará a STF em 2021. Até lá, se o imprevisto não tiver voto decisivo na assembleia dos acontecimentos, já nos teremos livrado do decano Celso de Mello — a quem o jurista e ex-ministro da Justiça Saulo Ramos classificou de juiz de merda —, que se aboletou na suprema poltrona em 1989 por obra e graça do eterno donatário da capitania do Maranhão, José Ribamar Ferreira de Araújo Costa, mais conhecido como José Sarney

Na sequência, serão expelidos Ricardo Lewandowski em 2023 (ele foi indicado por Lula em 2006); Rosa Weber em 2023 e Luiz Fux em 2028 (ambos foram indicados por Dilma em 2011); Cármen Lúcia em 2029, (indicada por Lula em 2006); Gilmar Mendes nos longínquos 2030 (indicado por FHC em 2002); Luís Roberto Barroso e Edson Fachin em 2033 (ambos foram indicados por Dilma, o primeiro em 2013 e o segundo, em 2015); Dias Toffoli em 2042 (indicado por Lula em 2009) e Alexandre de Moraes em 2043  (indicado por Temer em 2017). Considerando que 7 dos atuais 11 ministros ascenderam ao posto durante os governos lulopetistas, não é difícil entender por que a atual composição é a pior de toda a história desta república.

terça-feira, 2 de julho de 2019

O CORINGA QUER SER SOLTO PORQUE O BATMAN CONVERSOU COM O COMISSÁRIO GORDON



A novela continua: Hoje, na segundo capítulo da Santa Inquisição, o ministro Sérgio Moro deve ir à CCJ da Câmara para ser inquirido pelos deputados sobre as revelações espúrias feitas pelo site esquerdista The Intercept. Prevê-se um ambiente ainda mais hostil do que da primeira vez, quando o ex-juiz da Lava-Jato foi interpelado por quase 9 horas na CCJ do Senado. Na Câmara, a oposição ao governo Bolsonaro é maior e mais atuante, mas Moro chega respaldado pelas manifestações de rua em seu apoio, ocorridas, no último domingo, em dezenas de cidades brasileiras. 

Ficou também para esta terça-feira a apresentação final do relatório do deputado Samuel Moreira na comissão especial que analisa a reforma da Previdência. Ainda há pendências importantes, como a inclusão ou não de estados e municípios no projeto. A leitura do parecer final estava prevista para a semana passada, mas não ocorreu porque Rodrigo Maia buscava costurar um acordo com os governadores.

No apagar das luzes do primeiro semestre, atos em defesa do ex-juiz Sérgio Moro eclodiram nos 26 estados e no DF, com maior repercussão em capitais como Rio, Sampa, BH, Recife e Salvador. Houve manifestações também em apoio à Lava-Jato, à reforma previdenciária e às medidas anticrime e anticorrupção, além de repúdio a determinados políticos e membros do STF. Estima-se que a adesão tenha sido menor do que no dia 26 de maio, mas é bom lembrar que esta foi a segunda vez, em menos de 2 meses, que o povo saiu às ruas para “protestar a favor do governo”, o que é algo inusitado — pelo menos para mim, que nunca havia visto, em seis décadas de existência, protestos a favor de alguma coisa.

Não se tem uma ideia precisa do número de manifestantes e de municípios participantes, já que as PMs estaduais deixaram de fazer essa contagem e divulgar os resultados. É claro que os inimigos da Lava-Jato — parlamentares suspeitos, acusados, processados e condenados pela operação — desdenharam os protestos, mas isso era esperado e não quer dizer muita coisa. O fato é que os atos de domingo mostraram que as tentativas — da esquerda em geral e do PT em particular — de desestabilizar o ministro da Justiça têm produzido o efeito inverso, pois abre a porta da política, através da qual Moro poderá se tornar um competidor de peso.

Em sua participação no Jornal da Gazeta da noite de ontem, José Nêumanne sugeriu ao Congresso, que se jacta de representar a cidadania, e ao STF, que considera como principal missão corrigir decisões de juízes de instâncias inferiores e fazer ouvidos de mercador à pressão popular, convocarem  o povo a defender suas prerrogativas institucionais nas mesmas ruas onde os atos de 26 de maio e 30 de junho os recriminaram. Se políticos e magistrados não gostaram de ser execrados nas passeatas em defesa de Moro e da Lava-Jato, por que Alcolumbre, Maia e Toffoli não convocam o povo que os dois primeiros dizem representar e o terceiro prefere não ouvir para desagravá-los em atos mais concorridos do que os que consideram pífios? Se o fizerem, a PM nem precisará fazer a contagem, pois é provável que o número de policiais seja maior que o de manifestantes.Dito isso, segue o baile. 

Num país onde os ratos culpam o queijo, pode parecer natural o Coringa querer ser solto porque o Batman conversou com o Comissário Gordon. Mas não tem nada de natural na maneira como boa parte da imprensa, do Congresso e do Judiciário reage aos vazamentos do Intercept Brasil. A menos que seja natural defender a corrupção, prender o xerife e soltar os bandidos.

Os novos trechos divulgados pelo site neste final de semana envolvem críticas que procuradores do MPF supostamente fizeram ao então juiz federal Sérgio Moro. Essa “bomba” produziu orgasmos múltiplos na mais petista das jornalistas da Folha e levou ao delírio a patuleia em geral, os petistas em particular e uma porção de debiloides fanáticos, para quem o fato de a procuradora Monique Cheker não reconhecer a autenticidade dos diálogos não passa de mero detalhe.

Ao Antagonista, Monique afirmou que jamais havia ouvido falar de Sérgio Moro ou tido qualquer contato com alguém do MPF/PR na época em que as supostas conversas teriam ocorrido, e que não reconhece os registros remetidos pelo Intercept, que possuem dados errados e alterações de conteúdo. Pelo Twitter, o ministro da Justiça disse que, se verdadeiras, as mensagens não passariam de "supostas fofocas de procuradores, a maioria de fora da Lava-Jato”, e salientou mais uma vez a possibilidade de os diálogos terem sido adulterados: "o que se tem é um balão vazio, cheio de nada".

Não é o que pensa muita gente, a começar pelo semideus togado mato-grossense — brilhantemente definido pelo também ministro supremo Luís Roberto Barroso como “uma pessoa horrível, uma mistura do mal com o atraso e pitadas de psicopatia“, e pelo jornalista J.R Guzzo como “uma fotografia ambulante do subdesenvolvimento brasileiro, mais um na multidão de altas autoridades que constroem todos os dias o fracasso do país”. Na última terça-feira, de seu trono no alto da versão tupiniquim do Monte Olimpo, o obelisco do saber jurídico roubou o papel da defesa de Lula ao sugerir a soltura do petralha e sua permanência em liberdade até o julgamento do mérito do HC baseado na suspeição do juiz de primeira instância responsável pela condenação. 

Na subida opinião do excelso ministro, o então juiz federal Sérgio Moro cometeu falhas funcionais gravíssimas, que podem anular todas as atos processuais na ação sobre o tríplex no Guarujá. Se você tem estômago forte, não deixe de assistir à entrevista que Mendes deu à Globo News um dia depois de a 2ª Turma do STF decidir nada decidir, mas ainda assim rejeitar a concessão da liminar sugerida pelo ministro numa manobra indecente, mas não inédita, dada a semelhança com o salvo-conduto dado pelo plenário da Corte ao próprio Lula em março de 2018, depois de desistir de prosseguir com o julgamento e, atendendo a um pedido verbal da defesa, conceder uma estapafúrdia liminar que impedia a prisão do petista até que o mérito do recurso fosse julgado — o que veio a acontecer somente após os feriados da Semana Santa.


Vamos combinar que essa caça às bruxas já está virando palhaçada (detalhes no post anterior). Afinal, o que teria a ver a suposta “parcialidade” de Sérgio Moro com o bloqueio de R$ 78 milhões de Lula, determinado recentemente pelo juiz Luís Antonio Bonat nos autos do processo que trata do terreno que a Odebrecht se propôs a doar para servir de sede ao Instituto Lula? E com o fato de o MP, no recurso contra a decisão da juíza-substituta Gabriela Hardt nesse mesmo processo, pedir o aumento da pena  de 12 anos e 11 meses de prisão que foi imposta ao molusco? E como Lula, o desempregado que deu certo, teria acumulado patrimônio suficiente, como sindicalista e político, para justificar um bloqueio dessa magnitude? E o que tudo isso tem a ver com a suspeita de que Moro e os procuradores, no caso do tríplex, considerando que a condenação foi ratificada, por unanimidade, tanto pelo TRF-4 (que, de quebra, aumentou a pena) quanto pelo STJ (que a reduziu para algo próximo do que Moro havia estabelecido em sua decisão)? Vão insultar nossa inteligência na ponte que os partiu!

Na entrevista à Globo NewsGilmar traça um paralelo entre o material que vem sendo vazado pelo Intercept com a gravação da conversa de alcova entre o então presidente Michel Temer e o moedor de carne bilionário dono da JBS, publicada por Lauro Jardim em O Globo em maio de 2017. Data venia, uma coisa nada tem a ver com a outra. 

Naquele caso de Temer, quem gravou a conversa, ainda que à sorrelfa, foi um dos interlocutores. Quando a notícia veio à público, todos sabiam disso. Mesmo assim, foram feitas perícias para atestar a veracidade do conteúdo. Segundo Ricardo Molina, contratado pela defesa do então presidente para periciar os arquivos, mas que atuou mais como advogado do vampiro do Jaburu do que como perito, a gravação era imprestável dada a existência de mais de 70 “pontos de obscuridade” ― e o MPF, “inocente e incompetente”. 

Os peritos ouvidos pelo Jornal Nacional chegaram à conclusão de que toda a gravação estava intacta  ― a exemplo do que a PF atestaria mais adiante ― e Temer só não foi afastado porque as marafonas da Câmara venderam seus votos a peso de ouro, e ele empenhou as cuecas da nação para os comprar. Nem é preciso lembrar que desde o início do ano, quando deixou o Planalto e perdeu a prerrogativa de foro, Temer se tornou alvo de 11 ações criminais na Justiça Federal do Rio de Janeiro, de São Paulo e do DF, chegando a ser preso preventivamente, em duas ocasiões, por determinação do juiz Marcelo Bretas, responsável pelos processos da Lava-Jato no Rio.

Para encurtar a conversa, ideologias e paixões à parte, o bom jornalismo é aquele que recorre a expedientes que facilitam a separação do joio do trigo no noticiário. A prática de ouvir as partes citadas em reportagens logo após os fatos revelados é ao mesmo tempo a oportunidade de dar voz ao outro lado e uma defesa prévia para eventuais ações judiciais que vierem a questionar a correção das notícias divulgadas.

Até agora, o Intercept e seus parceiros não apresentaram nenhum atestado de autenticidade das mensagens que obtiveram (criminosamente, uma vez que fruto de hackeamento digital), o que reduz a cada dia a credibilidade dos diálogos reproduzidos. Essa dúvida só será dirimida se e quando os diálogos vazados forem autenticados por registro de fé pública — e o resultado, qualquer que seja, não afastará a essência criminosa da maneira como os arquivos foram obtidos. Demais disso, somente agentes que atuaram e atuam no combate à corrupção vêm sendo mirados nesses ataques, numa evidente tentativa de desqualificar e desmoralizar a Lava-Jato e outras medidas em curso de combate à corrupção.

Em contrapartida, eventuais vazamentos e delações premiadas no bojo da Lava-Jato nunca privilegiaram políticos ou partidos. Foram denunciadas quase todas as organizações partidárias do espectro político brasileiro, do PT e seus satélites ao PSDB, legenda tida tradicionalmente como opositora ao lulopetismo. Dilma, em sua subida sabedoria, costumava a se referir aos vazamentos como “seletivos”, quando seletiva, mesmo, é a espionagem dirigida exclusivamente a agentes da lei que devassaram, investigaram, processaram, condenaram e até conseguiram repor dinheiro roubado do erário.

O Intercept perdeu a credibilidade — se é que a teve em algum momento — ao fatiar as “informações bombásticas” e disseminá-las a conta-gotas. Nos jornais que têm reproduzido com mais destaque o material divulgado pelo site, o colunista Elio Gaspari referiu-se explicitamente a esse erro de origem cometido pelo militante americano. No último dia 23, ele publicou: O site Intercept Brasil deveria divulgar todo o acervo de grampos que amealhou. A divulgação parcial e seletiva dos grampos, acompanhada por insinuações ameaçadoras de Glenn Greenwald, é um feitiço que pode se virar contra o feiticeiro. Antes da internet era comum que revelações jornalísticas fossem expostas em séries, mas Greenwald vem fazendo bem outra coisa, prometendo isso ou aquilo, às vezes em tom de vaga ameaça. A divulgação de denúncias num regime de conta-gotas foi uma das piores táticas dos procuradores da Lava-Jato”.

Greenwald não se comportou em nenhum momento como repórter, mas, sim, como ativista político. Isso, de per si, não significa que o material que divulgou não tem valor, ou mesmo que o jornalista mente. Mas a maneira como escolheu divulgar esse material, de forma unilateral, sem checagem, autenticação e, sobretudo, sem nenhum cuidado em dar ao lado exposto o direito elementar de expor sua versão dos fatos, torna sua história bastante suspeita. Isso para dizer o mínimo.

Segundo o Estadão, a versão de integrantes da inteligência do governo dá conta de que já se esgotou o arsenal do The Intercept contra Moro, e que os próximos capítulos seriam sobre conversas entre Dallagnol e outros procuradores. Com efeito: no mais recente episódio dessa abominável novela, Greenwald primeiro atribuiu a nova troca de mensagens ao procurador Ângelo Villela, depois disse que seria Ângelo Augusto Costa. A interlocutora, segundo Glenn, era Monique Cheker, a quem o americano atribui lotação na Procuradoria em Osasco — local onde ela nunca trabalhou. Quem tem lotação original em Osasco é justamente Ângelo Villela, retirado da matéria por “erro de edição”. Villela, como é de conhecimento público, foi preso pela Operação Greenfield, do MPF em Brasília, vendendo informações privilegiadas à JBS

Não se trata, portanto, de erro de edição, mas de pura (e atrapalhada) manipulação com nítido objetivo político.

segunda-feira, 1 de julho de 2019

COISAS DO BRASIL — PARTE 2



Na avaliação de Dora Kramer, ao pedir ao TRF-4 o aumento da pena (de 12 anos e 11 meses) de Lula no processo referente ao sítio de Atibaia, o MPF claramente reagiu à tentativa de Gilmar Mendes de criar um atalho jurídico para a soltura do petista. Dora pondera ainda que os procuradores não só deixaram patente o tratamento que entendem deva ser dispensado ao condenado, como reafirmaram seu apoio ao ministro da Justiça, que conduziu o processo quando era juiz da 13ª Vara Federal do Paraná — à juíza substituta Gabriela Hardt coube apenas firmar a condenação e estabelecer a pena.

A narrativa de perseguição política e condenação sem provas que Lula e seus eternos apoiadores cantam em prosa e verso não se sustenta senão nos delírios megalômanos do demiurgo pernambucano — se bem que megalomania é uma característica que ele já demonstrou ad nauseam, inclusive no discurso-comício que fez no dia em que foi preso, quando disse não ser mais uma pessoa, mas sim uma ideia. Naquela época, a 8ª Turma do TRF-4 havia confirmado por unanimidade sua condenação, aumentado sua pena para 12 anos e 1 mês e, após apreciar os embargos declaratórios da defesa, determinado sua prisão. Ao então juiz Moro — que o ex-presidente vê como seu algoz — coube apenas fazer cumprir a decisão do Tribunal.

No post daquele sábado, 7, comentei jamais ter visto em 6 décadas de existência a imprensa cobrir ao vivo, durante tanto tempo, uma comédia burlesca como aquela, cujo ápice se deu na manhã do sábado, no discurso-comício feito sob medida para militontos e apoiadores em que o petista, em sua peroração patética, desafiou procuradores e asseclas, Moro e os desembargadores do TRF-4 para um debate sobre as provas que embasaram sua condenação (volta a esse assunto mais adiante). 

Se em algum momento Moro pecou, foi quando ofereceu ao condenado, “em homenagem à dignidade do cargo” (do qual Lula jamais foi digno), a opção de se entregar espontaneamente, além de vetar o uso de algemas e mandar preparar uma cela especial para acomodá-lo, esquecendo-se de que oferecer a mão a um petista implica o risco de perder o braço. Lula brincou de gato e rato com a PF durante mais de 24 horas, e quando o prazo para se entregar voluntariamente expirou, às 17h do dia 6 de abril de 2018, encastelou-se no Sindicato dos Metalúrgicos de SBC e lá ficou até o início da noite seguinte. Ao longo de toda a palhaçada, integrantes da alta cúpula petista estimularam seu amado líder a não se entregar, enquanto seus advogados sugeriam o contrário. Entrementes, o STJ negou mais um pedido de habeas corpus — em seu despacho, Fachin, escreveu que a existência de recursos sub judice (no caso, os famigerados “embargos dos embargos”) não constituía fator impeditivo ao cumprimento da pena de prisão.

Terminado o “ato ecumênico” em homenagem a Marisa Letícia — que completaria 68 anos naquele sábado se não tivesse morrido 14 meses antes —, o metalúrgico que aprendeu a falar com tanto brilho que bastava abrir a boca para iluminar o mundo de Marilena Chauí resolveu tomar mais uns tragos, almoçar e dormir a sesta antes de, finalmente, dignar-se de ser conduzido pela PF ao aeroporto de Congonhas e de lá para Curitiba, onde uma sala VIP havia sido preparada para acomodá-lo (ao custo de 10 mil reais por mês).

Réu em 10 ações criminais (detalhes mais adiante), condenado em duas e preso há 450 dias, o pseudo parteiro do Brasil Maravilha continua protestando inocência — e assim continuará até o dia em que o diabo finalmente o carregar. No processo do tríplex, nada menos que 21 juízes viram evidências de culpabilidade suficientes para condená-lo ou, conforme o caso, manter sua condenação e ordem de prisão. Seu batido ramerrão — em que os ratos põem a culpa no queijo — insulta nossa inteligência com a fantasiosa teoria em que a ratazana mor atribui suas mazelas, que são mera consequência dos crimes que cometeu, a uma conspiração política, a uma tramoia da elite que não a perdoa por dar aos pobres a chance de andar de avião e comer carne, a Moro e os procuradores da Lava-Jato, que o condenaram sem provas para impedi-lo de disputar a presidência da Banânia. É muita cara de pau!

Observação: Em nenhum país que se pretende civilizado e democrático a candidatura de um criminoso condenado e encarcerado seria levada a sério, e tampouco que as mais altas esferas judiciais declarassem que a inelegibilidade do presidiário era tão chapada quanto sua culpabilidade — coisa que um servidor do cartório eleitoral poderia ter dito logo no começo dessa patética função circense. Mas estamos no Brasil, o “sistema” está fora do ar e por conta disso tivemos de pagar por uma das farsas mais velhacas já aplicadas na política deste país.

Insulta nossa inteligência, também, a falácia de que todos os juízes que condenaram o pseudo redentor dos miseráveis — muitos dos quais foram indicados por ele próprio ou por sua imprestável sucessora — se mancomunaram para colocá-lo atrás das grades sem prova alguma. Seriam todos perseguidores e/ou incompetentes? Só mesmo nos delírios mais megalomaníacos do parteiro do Brasil Maravilha — e na cabeça oca daqueles cuja capacidade de discernimento, rasa a ponto de uma formiguinha conseguir atravessar sem sequer molhar as canelinhas  que tamanho absurdo poderia fazer sentido.  

Observação: Se você tem estômago forte para rever cenas autênticas com Lula, Dilma, Cunha, Temer, Cardozo e outros ícones da corrupção nacional, não deixe de assistir ao documentário Democracia em Vertigem, no qual a cineasta Petra Costa ora pinta o desempregado que deu certo como herói nacional, ora deixa claro que ele enveredou pelo caminho sem volta da corrupção ao comprar apoio parlamentar através do Mensalão, mas as cenas gravadas no dia de sua prisão são imperdíveis.


Durante a tramitação do processo sobre o tríplex do Condomínio Solaris, na badalada Praia das Astúrias, que foi totalmente remodelado e ricamente decorado pela construtora OAS como “agradecimento” pela ajuda na obtenção de contratos da empreiteira com a Petrobras, os advogados de Lula ingressaram com mais de 100 recursos. Nunca antes na história deste país houve outro caso em que o direito de defesa tenha sido tão amplamente explorado. Ao contrário do que afirma a defesa, o então juiz Moro e os três desembargadores da 8º Turma do TRF-4 não condenaram o demiurgo de Garanhuns com base “em meros depoimentos”, mas à luz de um conjunto avassalador de provas documentais — tais como termos de adesão e compromisso, formulários (alguns dos quais rasurados, mostrando intenção de ocultar a real propriedade do imóvel), contratos, declarações de Imposto de Renda, emails trocados entre executivos da OAS e até imagens do ex-presidente em visita ao imóvel. Não havia como não reconhecer a culpabilidade chapada do acusado — tanto assim que o TRF-4 aumentou a pena de 9 anos e meio para 12 anos e 1 mês de prisão. 

A defesa levou o caso aos tribunais superiores, não para analisar o mérito da condenação, até porque o reexame das provas só é possível até a segunda instância, mas para conseguir os habeas corpus que livrariam o exterminador do plural do cumprimento antecipado da pena. Se tivesse havido arbitrariedade, se a defesa tivesse sido cerceada ou prejudicada, se a condenação tivesse alguma irregularidade jurídica ou factual, haveria motivo para conceder o habeas corpus. Mas nenhum dos cinco membros da 5ª Turma do STJ (Fischer, Mussi, Fonseca, Dantas e Paciornik) e os seis ministros que votaram contra o HC de Lula no Supremo (Fachin, Moraes, Barroso, Rosa, Fux e Cármen) viram qualquer irregularidade no processo. E os que votaram a favor (Gilmar Mendes, Toffoli e Lewandowski, Marco Aurélio e Celso de Mello) só o fizeram porque são contrários ao início da execução da pena após condenação em segunda instância — se algum deles tivesse encontrado algum problema, certamente teria feito alguma menção explícita, mas todos embasaram seus votos na tese geral a respeito da presunção de inocência.

Na semana passada, ao decidir não decidir sobre o habeas corpus com base na suposta parcialidade do ex-juiz Sergio Moro, a 2ª Turma do STF deu abertura a uma manobra indecente, mas não inédita, semelhante ao salvo-conduto dado pelo plenário da Corte ao próprio Lula, em março de 2018, quando, depois desistiram de prosseguir com o julgamento e, atendendo a um pedido verbal da defesa, concederam uma estapafúrdia liminar que impedia a prisão do molusco até que o mérito do recurso fosse julgado — o que só ocorreu depois dos feriados da Semana Santa. Desta vez, o procedimento foi parecido, mas o resultado, felizmente, foi diferente: Celso de Mello votou com Fachin e Cármen Lúcia contra a concessão da liminar ou seja, Gilmar e Lewandowski, que votaram favoravelmente à soltura do paciente, "entraram pelo decano", como disse o sempre inspirado José Simão.

STF esteve muito perto de manchar sua história como poucas vezes se viu na vida deste país: uma decisão equivocada da corte, motivada por determinadas visões jurídicas ou mesmo ideológicas, é grave e perigosa, mas ainda passível de debate e argumentação. Já se Lula tivesse conseguido a liberdade, estaríamos diante da validação do truque regimental, da institucionalização da chicana, do abandono da missão de julgar, da promoção objetiva da injustiça ou do privilégio por meio de atalhos, independentemente de haver alguma intencionalidade neste sentido. E isso não há como defender.

Eu pretendia concluir este post com uma breve retrospectiva da situação jurídica do deus pai da Petelândia, mas o tamanho do texto recomenda deixá-la para uma próxima oportunidade.