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sábado, 2 de fevereiro de 2019

AINDA A DECISÃO DE TOFFOLI SOBRE O PEDIDO DE LULA E A DE MARCO AURÉLIO SOBRE A RECLAMAÇÃO DE FLÁVIO BOLSONARO.



Como vimos no post anterior, depois que o desembargador Leandro Paulsen confirmou a decisão da juíza Carolina Lebbos, o ministro Dias Toffoli autorizou Lula a se reunir com os familiares, mas impôs uma série de restrições. Talvez a ideia fosse agradar a gregos e a troianos, mas sua "sentença salomônica" causou constrangimento entre militares das Forças Armadas e contrariou os petistas, sobretudo ao vir a público somente minutos antes do enterro.

Em resposta às críticas da petralhada, o ministro afirmou que “o juiz não pode acordar de manhã e decidir: vou solucionar tal problema da sociedade. Se um juiz quer ter desejos e ir além de sua função tradicional, que vá ser deputado”.

Toffoli acalenta o sonho de entrar para os anais do Supremo como um presidente “conciliador”. Diante das controvérsias sobre a prisão em segunda instância, em vez de se aliar à ala garantista que defende a prisão somente após o trânsito em julgado da sentença condenatória (como quer o PT), ele propôs como alternativa o início do cumprimento após o esgotamento dos recursos no âmbito do STJ — a assim chamada terceira instância. Mesmo que não tente vender a imagem de “um novo Toffoli” com a desfaçatez de Renan Calheiros — que se articula para presidir mais uma vez o Senado dizendo-se “um novo Renan” —, a decisão que tomou no caso do enterro do irmão de Lula está de acordo com seus “propósitos conciliatórios”.

O ministro não levou em consideração que o artigo 120 da Lei de Execução penal prevê a possibilidade de condenados deixarem a prisão, mediante escolta, no caso de falecimento ou doença grave do cônjuge, companheira, ascendente, descendente ou irmão, a critério do diretor do estabelecimento onde se encontra o preso, mas acolheu o pleito da defesa em parte, determinando que a reuniãozinha familiar se desse numa unidade militar, sem a presença da imprensa e de militantes, além de vetar o uso de celulares e a realização de declarações públicas — ou seja, nada de comício do chefão.

Como dito no post anterior, a intenção do petralha não era se despedir do irmão Vavá ou rever parentes que nunca visitou quando estava em liberdade. O que o explorador de cadáveres queria era fazer outro comício à beira de caixão, como fez no funeral da mulher, em fevereiro de 2017. Uma vez que faltou palanque, ele preferiu faltar ao encontro e alimentar a narrativa de perseguido: "Não deixaram que eu me despedisse do Vavá por pura maldade. Não posso fazer nada porque não me deixaram ir. O que eu posso fazer é ficar aqui e chorar". Então tá.

Toffoli graduou-se em Direito pela Faculdade do Largo de São Francisco (a mais tradicional da capital paulista), mas levou bomba em dois concursos para Juiz de primeira instância (em 1994 e 1995, ambas as vezes na etapa preliminar, que avalia conhecimentos gerais e noções elementares de Direito do candidato). Foi advogado do Sindicato dos Metalúrgicos de SBC, atuou nas campanhas de Lula à presidência (em 1998, 2002 e 2006), ocupou o cargo de subchefe para assuntos jurídicos da Casa Civil da presidência da República, foi promovido a advogado-geral da União e finalmente a ministro do STF (em 2009, na vaga aberta com a morte de Carlos Alberto Menezes Direito. Sua vida pregressa dificilmente justificaria a nomeação para a mais alta corte do país, mas no Brasil o Q.I. (de “Quem Indica”) fala mais alto, e estar nas boas graças do grão-petralha fazia toda a diferença na época, já que, apesar do Mensalão, a popularidade do sevandija vermelho beirava a estratosfera. E assim o nome de Toffoli foi aprovado no Senado por 58 votos a favor, 9 contra e 3 abstenções (a votação foi secreta).

Nas sabatinas de praxe (a que são submetidos os candidatos a ministro supremo), o então candidato a ministro classificou como “coisa do passado” sua atuação como advogado de Lula e do PT, além de afirmar que não tinha mestrado, doutorado, nem escrevera qualquer livro simplesmente porque “optou pela advocacia, que é uma atividade nobre, honrosa, que na Constituição federal como função essencial justiça, defensora das liberdades, da aplicação dos direitos". Vale lembrar que não é preciso ser bacharel em Direito para concorrer a uma vaga no Supremo, mas exige-se do candidato “notável saber jurídico” e “reputação ilibada”, sem mencionar que a OAB exclui da lista de indicações para o quinto constitucional os advogados reprovados em concursos para a magistratura.

Observação: Curiosamente, mesmo não tendo sido autorizado a assinar uma simples sentença de despejo e a despeito de ter sido condenado pela Justiça do Amapá a devolver aos cofres públicos cerca de R$ 700 mil recebidos indevidamente, o apadrinhado de Lula se tornou ministro supremo. Mais adiante, ele seria citado na delação Léo Pinheiro por ter sido agraciado com reformas milionárias em sua mansão e acusado de receber mesada de R$ 100 mil de sua mulher, a advogada Roberta Maria Rangel, mas isso já é outra conversa. 

Em 2012, durante o julgamento do mensalão, Toffoli não se deu por impedido e tampouco encontrou provas suficientes contra seu ex-chefe José Dirceu — que acabou sendo condenado pela maioria da Corte. Mas pesa a seu favor o fato de ter considerado culpados Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT, e José Genoíno, ex-presidente do partido. Há quem diga que o ministro deixou a militância petista, mas a militância petista jamais deixou o ministro, só que quem achava que Lula estaria com um pé fora da cadeia assim que Toffoli assumisse a presidência do STF se deu mal — pelo menos até agora (volto a esse assunto oportunamente).

Passando agora a Flávio Bolsonaro, o ministro Marco Aurélio foi coerente com o que antecipou ao Estado semanas atrás, quando Luiz Fux suspendeu as investigações envolvendo “zero um” e seu ex-assessor até posterior decisão do relator da Reclamação. Como esperado, o pedido da defesa foi negado, ou seja, a investigação que apura as movimentações financeiras atípicas de Fabrício Queiroz continuarão a cargo do MP-RJ

Marco Aurélio ressaltou que, à época dos fatos apurados pelo Coaf, o senador eleito desempenhava o cargo de deputado estadual, e que no ano passado o Supremo limitou o alcance do foro privilegiado dos parlamentares a crimes cometidos no exercício do mandato e em função do cargo. Mas o magistrado não avançou na análise do pedido de anulação das provas. Também volto a esse assunto numa próxima postagem, até porque ainda falta responder uma das oito perguntas que deixei em aberto no post do último dia 28.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

NO SUPREMO PELA PORTA DOS FUNDOS


A lambança do ministro Marco Aurélio Mello a poucos minutos do expediente de fim de ano do Poder Judiciário, ao tentar soltar 169 mil presos condenados pós-segunda instância, entre eles Lula, despertou mais uma vez a fúria popular. E com ela emergiu também a criatividade das fórmulas desejadas para substituir a atual indicação de seus componentes pelo presidente da República, com aval do Senado Federal após sabatina. Eleição direta dos ministros, concurso público para admissão e indicação por notáveis ou mesmo associações da classe jurídica são, entre elas, as mais citadas.

Como dizia minha avó, “devagar com o andor, que o santo é de barro”. E seguindo instruções de Jack, o Estripador, “vamos por partes”. Quem tem conhecimento mínimo do resultado de eleições diretas, principalmente para ocupantes de colegiados, como o Congresso Nacional, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais, não pode nutrir a mínima esperança de que o voto direto livre os tribunais superiores dos vícios de sempre com a escolha dos mais sábios e mais justos. Concurso público pode escolher mais membros com mais conhecimentos para lidarem com informações sobre determinada área, mas não há prova, oral ou escrita, que escolha entre os pares o mais habilitado a dirimir questões sobre a adequação de determinada lei ao texto constitucional vigente. Não há notáveis ou instituições isentas da interferência de lobbies e que tais na escolha de um profissional para ocupar um cargo de tal relevância e que representa o mais elevado posto na carreira de um profissional do Direito.

A vida do protagonista citado no início deste texto dá a oportunidade de indicar caminhos mais seguros para levar gente mais capacitada e equilibrada para ocupar o topo. Marco Aurélio Mello é o exemplo perfeito de como o patrimonialismo atravessou incólume todas as tentativas de superá-lo e resiste, como entulho, no terreno das instituições republicanas, acentuando suas imperfeições e demolindo a reputação de seus agentes. Ele entrou na carreira pública como procurador na Justiça do Trabalho, invenção de Getúlio Vargas depois da Revolução de 1930, para funcionar como elo no aparelho de poder de um tipo de populismo latino-americano, o trabalhismo. Uma espécie de fascismo cucaracho, também estrelado por Juan Domingo Perón, na Argentina, e Haya de la Torre, no Peru.

O cargo não foi obtido por concurso público, mas por nomeação patrocinada pelo pai, Plínio Affonso de Farias Mello, patrono até hoje reverenciado no ambiente do sindicalismo patronal como uma espécie de benemérito da classe dos representantes comerciais. O prestígio de Plínio Mello era tal que o último presidente do regime militar, João Figueiredo, manteve aberta a vaga no Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro para o filho dele, Marco, completar 35 anos, em 1981, e com isso cumprir preceito legal para assumi-la. O prestígio paterno levou-o ao Tribunal Superior do Trabalho, em Brasília, onde Fernando Affonso Collor de Mello o encontrou para promovê-lo — tcham, tcham, tcham, tcham! — para o Supremo Tribunal Federal.

Neste caso, em que se entrelaçam parentela, compadrio e interesses corporativos, Fernando merece citação especial, pois seu avô materno, Lindolfo Collor, revolucionário de 1930, foi ministro do Trabalho. É também uma história com marcas de chumbo e sangue: Arnon, pai do ex-presidente, irmão de Plínio e tio de Marco Aurélio, atirou em Silvestre Péricles de Góes Monteiro, seu inimigo em Alagoas, no plenário do Senado e matou, com uma bala no coração, o acreano José Kairala, que entrou na tragédia como J. Pinto Fernandes, citado no último verso do poema Quadrilha, de Carlos Drummond de Andrade: “que não tinha entrado na história”. É um caso comum na era dos “pistolões” e pistoleiros.

No STF, Marco Aurélio sempre foi voto vencido e um espírito de porco até que encontrou um rumo depois que a ex-presidente Dilma Rousseff nomeou sua filha Letícia desembargadora no Tribunal Regional da 3.ª Região, no Rio, demonstração de como o nepotismo se perpetua. Foi desde então que o campeão das causas perdidas abraçou cruzadas que atendem aos interesses petistas e aos de nababos da advocacia de Brasília, que defendem a troco dos dólares que ganharão, quando for, se é que vai ser, extinta a jurisprudência que autoriza a prisão de condenados em segunda instância. Foi em nome dela que cometeu o tresloucado gesto.

O antagonista no episódio, Dias Toffoli, presidente do STF, mas adepto da mesma cruzada, até tentou ser juiz por concurso, mas foi reprovado em dois. Como defensor de José Dirceu e do PT e advogado-geral da União de Lula, contudo, ascendeu ao cargo que hoje ocupa. O posto, aliás, já tinha pertencido antes, com graves danos para a Constituição, rasurada por ele na ocasião do impeachment de Dilma, a Ricardo Lewandowski. Este foi nomeado pelo quinto constitucional para o Tribunal de Alçada Criminal por indicação de seu então chefe, Aron Galant, prefeito de São Bernardo do Campo. Extinto o órgão, foi transferido para o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e chegou ao STF por mercê de suas ligações de compadrio e amizade com o casal Marisa e Lula da Silva. O monturo patrimonialista só será desmanchado se forem fechadas a porta dos fundos do STF, pela qual entram os quintos, e a Justiça trabalhista.

Este conto de trancoso terá um final feliz se loucuras como a de Marco Aurélio e do desembargador Rogério Favreto, do TRF-4, em Porto Alegre, não forem sequer tentadas. Toffoli marcou a sessão plenária do STF para decidir sobre a jurisprudência da possibilidade de prisão em segunda instância para 10 de abril. Mas só haverá solução final se Bolsonaro e Moro levarem à aprovação do Congresso uma lei para determiná-la. O resto é lero.

José Nêumanne (publicado no Estadão)

segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

AINDA SOBRE INIMIGOS DO POVO E PRISÃO EM 2ª INSTÂNCIA — FINAL




Impõe-se concluir esta novela antes que o ano termine, até porque paciência tem limite (tanto a dos leitores quanto a minha). E o faço no último dia deste glorioso ano porque desisti de publicar a retrospectiva que vinha elaborando, dada a abissal desproporção entre fatos negativos e positivos que permearam o cenário político nos últimos 12 meses. Quem tem vocação para masoquista, ou se delicia com a desgraça alheia, que acompanhe o noticiário pelo rádio ou pela TV.

Indo direto ao ponto, a conclusão que se impõe à luz do que foi exposto até aqui, salvo melhor juízo, é a de que o STF não vem cumprindo seu papel, qual seja de preservar e reforçar sua jurisprudência a respeito do cumprimento antecipado da pena. E a alegação da "ala garantista", de que é preciso “liberar geral” para evitar o crescimento insustentável da população carcerária, não se sustenta: segundo um estudo feito por juristas da FGV e da Universidade do Texas, prender réus condenados em segunda instância resultaria num aumento de 0,6% no número de apenados (3.460 novos presos) — anos-luz distante, portanto, das previsões catastróficas propaladas pelos críticos da jurisprudência que voltou a viger em 2016. Aliás, Marco Aurélio, o soltador, defende o induto de Natal, que, segundo ele, é uma tradição no Brasil. “Não sei por que nós não concluímos o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade que impugnou o anterior, de 2017”, disse o ministro. Tradição ou não... bem, assistam a este vídeo e tirem vocês mesmos suas próprias conclusões. Fecho aqui o parêntese.

Observação: O problema da superlotação carcerária não se resolve soltando os presos, mas construindo mais presídios e gerenciando melhor os que estão em funcionamento. Qualquer imbecil vê isso, mas a alta cúpula do Judiciário, não. "Tempos estranhos", como repete sempre o ministro soltador Marco Aurélio. A propósito, ouça esta entrevista com o promotor de justiça Rogério Mendelski.

Com exceção do período entre 2009 e 2016, a prisão após condenação em primeira ou segunda instâncias foi regra geral nos últimos 77 anos. Foi no julgamento do HC 84.078, relatado pelo então ministro Eros Grau, que se passou a exigir o trânsito em julgado para execução da pena, mas o próprio Grau declarou recentemente que: “Neste exato momento, até fico pensando se não seria necessário prender em primeira instância esses bandidos que estão aíinclusive do Lula; se ele foi condenado depois de uma série de investigações, é porque é culpado.”

Naquele intervalo de 7 anos, porém, políticos e outros agentes de crimes do colarinho branco fizeram a festa, recorrendo a todos os itens do cardápio de chicanas procrastinatórias para empurrar o processo até que a prescrição os livrasse da cadeia — por prescrição, entenda-se a perda da pretensão punitiva estatal em razão do decurso do lapso temporal previsto em lei.

Digam o que disserem os “garantistas” e quem mais rezar pela mesma cartilha, presunção de inocência e garantia da liberdade e proibição da prisão arbitrária são coisas diferentes, como bem salientou a PGR em parecer enviado ao STF sobre a ADC 54, patrocinada pelo PCdoB. Juízes devem julgar de acordo com a lei, mas sem se limitar à letra fria da lei, sob pena de distribuírem mais injustiças do que Justiça.

Por outro lado, é impossível negar que os magistrados também estão sujeitos a paixões e ideologias. Considerando que 7 dos 11 ministros do STF foram nomeados pelo criminoso Lula e por sua imprestável sucessora (dos 4 restantes, 3 são herança dos governos SarneyCollor e FHC e 1 foi nomeado por Temer), o que poderíamos esperar do Supremo

Salta aos olhos que o sistema de escolha atual dos ministros do STF não atende aos anseios e necessidades do povo brasileiro, já que um postulante com boa articulação política no governo leva vantagem em relação a outro mais apto ou com maiores conhecimentos jurídicos. Portanto, urge mudar isso, ou pelo menos atentar para o que dispõe o artigo 101 da Constituição em seu parágrafo único: “Os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal”.

Note que, embora deixe claro que é da competência do chefe do Executivo nomear o magistrado após sua aprovação pela maioria absoluta do Senado, a Constituição não explicita quem indica o candidato à vaga. Salvo melhor juízo, o ato do presidente é o último, não o primeiro de três — que são a indicação, a escolha (pelo Senado) e a nomeação (pelo presidente). Até porque não se nomeia para escolher, mas escolhe-se para nomear, e a indicação do candidato pelo presidente da República é de praxe, mas não é uma imposição legal.

Infelizmente, para remover o entulho petista e o ranço deixado pelos governos anteriores é preciso dar tempo ao tempo: ainda que o decano e os ministros Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber sejam septuagenários e, portanto, estejam às portas da aposentadoria — que é compulsória para os membros do Supremo aos 75 anos —, Luiz Fux nasceu em 1953; Cármen Lúcia em 1954; Gilmar Mendes em 1955; Edson Fachin e Luís Roberto Barroso em 1958; Dias Toffoli em 1967 e Alexandre de Moraes (indicado por Temer) em 1968.     

Faz muito tempo que o STF deixou de ter alguma relação com o ato de prestar justiça a alguém. No poema épico-teológico Divina Comédia, escrito por Dante Alighieri no século XIV e dividido em três partes (inferno, purgatório e paraíso), lê-se na porta do inferno a inscrição “Lasciate ogni speranza, voi che entrate”. Parafraseando o poeta florentino, poder-se-ia afixar na entrada do STF os seguintes dizeres: “deixem de lado de fora qualquer esperança todos aqueles que passarem por esta porta em busca da proteção da lei”. Ou melhor, todos não, que aquela Corte é o melhor lugar do mundo para delinquentes cinco estrelas e com recursos financeiros sem limites para contratar advogados que cobram honorários milionários.

O STF, no fundo, é uma legítima história de superação. Por mais que tenha se degenerado ao longo do tempo, está conseguindo se tornar pior a cada dia que passa e a cada decisão que toma. Ninguém sabe onde os seus ocupantes pretendem chegar. Vão nomear o ex-presidente Lula para o cargo de Imperador Vitalício do Brasil? Vão dar indulgência plenária a todos os corruptos que conseguirem comprovar atos de ladroagem superiores a 1 milhão de reais? Vão criar a regra segundo a qual as sentenças de seus amigos, e os amigos dos amigos, só “transitam em julgado” depois de condenação no Dia do Juízo Universal?

Os ministros, com as maiorias que conseguem formar, podem fazer qualquer coisa dessas, ou pior. Por que não? Eles vêm sistematicamente matando a democracia com doses crescentes de veneno, ao se colocarem acima das leis, dos outros poderes e da moral comum. Mandam, sozinhos, num país com 200 milhões de habitantes, e ninguém pode tirá-los dos seus cargos pelo resto da vida. O presente que querem dar a Lula, mudando a jurisprudência sobre o cumprimento da pena após a condenação em segunda instância — regra vigente em qualquer lugar do mundo onde haja justiça de verdade, pois as penas de prisão precisam começar a ser cumpridas em algum momento da vida —, é a prova mais recente da degradação que impõem ao sistema de justiça neste país. Gilmar Mendes que o diga, e Marco Aurélio que puxe o coro de améns. A exemplo de Toffoli, Lewandowski e Celso de Mello, esses ministros se dizem “garantistas” e juram que seu único propósito é resguardar o “direito de defesa”. Mas quem pode levar a sério uma piada dessas? A única coisa que suas excelências garantem é a impunidade.

No julgamento do recurso de Lula, Lewandowski teve a coragem de dizer que a decisão não era para favorecer o ex-presidente, mas sim “milhares de mulheres lactantes” e “crianças” que poderiam estar “atrás das grades” se o STF não mandasse soltar quem pede para ser solto. É realmente fazer de palhaço o cidadão que lhes paga o régio salário (quase R$ 40 mil mensais, mais benefícios e penduricalhos). À certa altura, no esforço de salvar Lula, chegaram a falar em “teratologia”. Será que eles acham que falando desse jeito as pessoas dirão: “Ah, bom, se é um caso de teratologia… Aí fica tudo claríssimo, não é mesmo?

É um mistério, na verdade, para o que servem essas sessões do STF abertas ao público. Depois que um ministro toma a palavra e diz “boa tarde”, ninguém entende mais uma única palavra que lhe sai da boca. Talvez seja mais fácil entender o moço que fica no cantinho de baixo da tela, à direita, e que fala a linguagem dos surdos-mudos. Sem má vontade: como seria humanamente possível alguém compreender qualquer coisa dita por Rosa Weber? Ou, então, pelos ministros Celso de Mello, ou Marco Aurélio? É puro javanês.

Daqui a 24 horas estaremos em 2019. Mais algumas horas, Temer descerá a rampa, e o presidente eleito a subirá em seguida. Em fevereiro, quando termina o (vergonhoso) recesso do Legislativo, teremos um Congresso (parcialmente) renovado, a despeito do risco de Rodrigo Maia continuar presidindo a Câmara e o cangaceiro das Alagoas retornar à presidência do Senado (será mais difícil com o voto aberto, mas estamos no Brasil, onde nem o passado é previsível). Todavia, continuaremos com o mesmíssimo STF em sua mesmíssima composição.

Bolsonaro, quando quase ninguém apostava dois tostões de mel coado na sua vitória, disse que seria preciso aumentar para 21 o número de ministros supremos, de modo a colocar lá “dez isentos”. Foi duramente criticado, mas, pensando bem, talvez não estivesse tão errado assim. Pela mesma época, seu filho Eduardo gravou um vídeo — que foi largamente explorado às vésperas do segundo turno — no qual afirmou que “bastariam um soldado e um cabo para fechar o STF”. Assistam ao clipe, atentem para o contexto em que ele disse o que disse e tirem suas próprias conclusões.

A televisão nos mostra umas figuras de capa preta, fazendo cara de Suprema Corte da Inglaterra e proferindo frases incompreensíveis. O que temos, na vida real, é um tribunal de Idi Amin, ou qualquer outra figura de pesadelo saída de alguma ditadura africana.

FELIZ ANO NOVO A TODOS.

domingo, 30 de dezembro de 2018

AINDA SOBRE INIMIGOS DO POVO E PRISÃO EM 2ª INSTÂNCIA — PENÚLTIMO CAPÍTULO


Fechei o post anterior dizendo que a Constituição não deixa claro o que é “não ser juridicamente tratado como culpado”, e inicio este acrescentando que "a lei penal pode determinar que alguns efeitos jurídicos ocorram já durante o processo, desde que não afrontem a presunção de inocência". Vejamos isso melhor.

Conforme o entendimento emanado do STF nos precedentes que voltaram a admitir a execução provisória da pena após condenação em segunda instância, em 2016, as consequências jurídico-penais são gradualmente deflagradas no decorrer da persecução penal à medida que a culpa vai sendo comprovada, restando a plenitude dos efeitos penais condenatórios reservada para após o trânsito em julgado. Vejamos isso melhor.

Para que alguém seja investigado, basta a simples suspeita de que tenha cometido um crime, mas, para ser denunciado, é preciso que o órgão de acusação apresente provas da materialidade — ou seja, de que o crime ocorreu — e indícios de autoria — isto é, de que foi realmente o acusado que o cometeu. Para que o indiciado se torne réu, o juiz precisa reconhecer expressamente a existência dos pressupostos anteriores, e para que haja condenação, que o magistrado entenda que a acusação comprovou a culpa do réu para além de qualquer dúvida razoável.

Qualquer das partes que se sentir desfavorecida pode recorrer da decisão, e o julgamento do(s) recurso(s) na segunda instância encerra a discussão sobre a prova da materialidade e da autoria. Se, por exemplo, o tribunal entender que o delito ocorreu e que o réu foi realmente o autor, esse fato ganha reconhecimento jurídico pleno. Às instâncias superiores compete somente analisar questões acerca das regras aplicáveis — a legislação federal, no caso do STJ, e a Constituição, no do STF —, mas não lhes cabe reverter a conclusão do juízo a quo quanto à matéria fática (provas). Em outras palavras, não é mais possível negar a conduta criminosa e sua autoria se o juízo de segunda instância as tiver reconhecido, e é por isso que o início do cumprimento provisório da pena é admissível, sem prejuízo dos recursos pendentes de apreciação pelas cortes superiores. Segundo o art. 637 do Código de Processo Penal, esses recursos “não têm efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância, para a execução da sentença”. Como bem assinalou o ministro Jorge Mussi, do STJ, na decisão em que rejeitou o HC impetrado pela defesa de Lula, “o estado de inocência vai se esvaindo à medida que a condenação vai se confirmando”.

A cantilena do “nós contra eles” entoada por Lula, pelo PT e pelos sectários da seita do inferno se alastrou como fogo no palheiro, atingindo, inclusive, o próprio Supremo, onde os ministros se dividiram em “punitivistas e garantistas”. E a possibilidade de revisão da jurisprudência definida em 2016 pela apertada maioria de 6 votos a 5 pode não se sustentar quando for novamente posta à prova, em abril do ano que vem. Tudo inicia que a ministra Rosa Weber será, mais uma vez, o fiel da balança — ela é contrária à prisão em segunda instância, mas tem respeitado o entendimento colegiado, tanto no plenário quanto na primeira turma e em suas (raras) decisões monocráticas.

Impõe-se salientar que a judicatura não pode ser exercida de forma esquizofrênica; há que prezar pela unidade, coerência e previsibilidade das decisões, sem o que a população e os órgãos de base não saberão com razoável certeza qual o direito em vigor nesta Banânia. O Supremo voltou a admitir a prisão em segunda instância no julgamento do HC 126.292, em 17 de fevereiro de 2016 (por 7 votos a 4), e manteve essa posição ao decidir os embargos de declaração do julgado, afirmando que seu entendimento não esvazia o art. 283 do Código de Processo Penal (CPP), segundo o qual “ninguém poderá ser preso senão (…) em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado”. Isso porque, como vimos, em havendo recurso, mas não o efeito suspensivo (art. 637), é possível a execução provisória da pena. Também em 2016, mas em outubro e por 6 votos a 5 (Toffoli mudou seu posicionamento depois que a Lava-Jato começou a bafejar no cangote de Lula), o plenário indeferiu liminar nas ADCs 43 e 44, reafirmando o entendimento retrocitado. No mês seguinte, ao julgar o RE com Agravo 964.246, analisado sob a sistemática de Repercussão Geral — ou seja, de precedente vinculante —, o plenário reiterou, também por 6 votos a 5, a admissão da execução provisória da pena após condenação em segunda instância.

Considerando que esse tema debatido em plenário nada menos que quatro vezes ao longo de uns poucos anos — uma delas em sede de repercussão geral e duas em liminar de controle concentrado de constitucionalidade —, e que a composição da Corte não se alterou desde então, tornar a discuti-lo seria “apequenar o Supremo”, como salientou várias vezes a ministra Cármen Lúcia, que se recusou a tornar a pautá-lo durante o biênio em que presidiu o tribunal. Demais disso, uma guinada brusca não só seria um indesejável retrocesso, mas também fragilizaria de modo contundente e até irresponsável a coerência e previsibilidade do direito brasileiro e a credibilidade do Supremo.

Não se defende aqui a perenidade da jurisprudência, até porque uma postura por demais engessada pode comprometer a eficácia da lei e provocar ruptura entre a legislação e a realidade social. No entanto, sem a observância de certos requisitos, como a perda de congruência social — quando uma posição anterior colide com os valores sociais — ou da consistência sistêmica — quando a legislação que fundou a decisão é revogada —, a superação de precedentes seria irracional e leviana. Mas é bom deixar claro que tais requisitos não estão presentes no caso em tela, já que a decisão que permitiu a execução provisória da pena permanece íntegra, a exemplo da legislação que lhe dá suporte. A rigor, a posição adversa é que faleceria de congruência com valores constitucionais e sociais caros, como a efetividade do direito penal e o combate à impunidade.

A conclusão fica para amanhã. Até lá.

sábado, 29 de dezembro de 2018

AINDA SOBRE INIMIGOS DO POVO E PRISÃO EM 2ª INSTÂNCIA


Quando a Lava-Jato revelou o mar de lama envolvendo políticos, comandantes de estatais e a alta cúpula do empresariado tupiniquim, o STF voltou a admitir o início do cumprimento da pena após a condenação em segunda instância (detalhes na postagem anterior). Com isso, muita gente graúda — da cadeia ou prestes a ser mandado para lá —, passou a entregar gente ainda mais graúda em troca de punições mais brandas. Não obstante, quando a força-tarefa começou a bafejar o cangote de Lula, a Corte passou a ser pressionada para restabelecer o entendimento anterior, que, como vimos, vigeu no Brasil apenas e 7 dos últimos 77 anos.

A “plausibilidade” de reforma da sentença de Lula é uma falácia, mas tem servido de argumento para ministros como Gilmar Mendes (que até não muito tempo atrás era defensor ferrenho da prisão após condenação em segunda instância), LewandowskiToffoliCelso de Mello e Marco Aurélio — este última, nunca é demais lembrar, se superou na semana passada, ao protagonizar uma encenação revista e atualizada da palhaçada encenada em julho pelo desembargador “cumpanhêro” Rogério Favreto, do TRF-4 (detalhes nesta postagem).

Lula foi condenado a 9 anos e meio de prisão, teve a pena aumentada para 12 anos e 1 mês pelo TRF-4 e está preso desde abril — outras condenações estão por vir, já que ele é réu em 8 processos, dois dos quais sob a pena da juíza substituta Gabriela Hardt, que assumiu os processos da Lava-Jato na 13ª Vara Federal do Paraná depois que Sérgio Moro aceitou o convite do presidente eleito para chefiar a pasta da Justiça e Segurança Pública no próximo governo. Do ponto de vista jurídico, sua prisão não constituiu um fato novo que justifique a revisão da jurisprudência do STF, mas tem propiciado uma indesejável reedição da lei Fleury para soltar o grão-petralha e evitar que outros “figurões” — como Michel Temer e atuais ministros e parlamentares, hoje cobertos pelo guarda-chuva do foro privilegiado, mas que estarão na chuva quando terminarem seus mandatos — acabem na prisão.

Quando julgou pedido de habeas corpus em favor de Lula, logo após sua prisão, o Supremo manteve o entendimento cristalizado em 2016 — que autoriza o cumprimento antecipado da pena após condenação em segunda instância. Mas Marco Aurélio e Lewandowski, que foram votos vencidos, têm se empenhado desde então em forçar uma revisão. No biênio em que presidiu a Corte, Cármen Lúcia se recusou a “apequenar o Supremo” reabrindo a discussão sobre um tema que foi revisitado quatro vezes no passado recente (mais detalhes na postagem de amanhã) —, e por isso foi alvo de grosserias de Marco Aurélio, o impoluto. E o mesmo aconteceu com Rosa Weber, que também rejeitou a tese que favoreceria Lula. Célebre pelos pronunciamentos, digamos, confusos, a ministra se redimiu ao dizer, litteris: “Compreendido o tribunal como instituição, a simples mudança de composição não constitui fator suficiente para mudar jurisprudência”.

Na liminar que assinou na semana passada — e que poderia ter produzido consequências desastrosas se não tivesse sido cassada pelo presidente do Supremo —, Marco Aurélio, o incrível, escreveu que a segurança jurídica “pressupõe a supremacia não de maioria eventual (…), mas da Constituição”, e aproveitou o embalo para destratar seus pares, acusando-os de desrespeitar a ordem jurídico-constitucional: “Que cada qual faça a sua parte, com desassombro, com pureza d’alma, segundo ciência e consciência possuídas”. E acrescentou, quase como um deboche:Tempos estranhos os vivenciados nesta sofrida República!

O início do cumprimento da pena após condenação em segunda instância é uma questão que divide os juristas, mas vale lembrar nossa Justiça tem quatro instâncias e um vasto cardápio de apelos, recursos, embargos e chicanas protelatórias possíveis. Nesse cenário, vincular o cumprimento da pena ao trânsito em julgado da condenação — ou, na melhor das hipóteses, à decisão da terceira instância (STJ), como sugere o ministro Toffoli — seria ferir de morte a Lava-Jato, cujo sucesso se deve em grande medida às delações premiadas, que por sua vez dependem de conduções coercitivas, prisões preventivas e ameaça real de cumprimento da pena — sem o que os bandidos de colarinho branco dificilmente entregariam a rapadura. 

A possibilidade de Lula ser preso instaurou uma cizânia, entre os ministros Supremos, que se acentuou ainda mais depois que a prisão se tornou um fato consumado. A partir de então, os favoráveis ao “Lula-Livre” vêm manobrando em duas frentes: a primeira é um habeas corpus que estava sendo apreciado pela segunda turma e foi suspenso por um pedido de vista de Gilmar Mendes, o divino, quando dois votos contrários sugeriam que o pleito da defesa seria rejeitado, e a segunda remete às famigeradas ADCs, que estão sob relatoria de Marco Aurélio, o salvador, e parecem ter se tornado uma questão de vida ou morte para esse magistrado.

A Constituição não proíbe a execução provisória da pena após condenação em segunda instância, embora explicite que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória” — o tão falado “princípio da presunção de inocência”, do qual se infere que o onus probandi é de quem acusa. Portanto, cabe ao Estado provar a culpa do acusado, o que significa produzir provas de que o crime de fato ocorreu e de que foi ele (o acusado) quem o cometeu. À defesa compete apenas provar teses defensivas — como causas excludentes da ilicitude (caso de legítima defesa, por exemplo) e/ou da culpabilidade (coação moral irresistível, também por exemplo), além de extintiva da punibilidade (caso da prescrição, idem) e eventuais álibis. 

É importante salientar que o legislador não pode transferir o ônus da prova o réu, sob pena de violar o princípio da presunção de inocência. Em outras palavras, isso significa que a pessoa investigada ou processada não pode ser tratada juridicamente como culpada antes do trânsito em julgado da sentença que reconheça sua culpa. Mas a questão é que a Constituição não deixa claro o que significa “não ser juridicamente tratado como culpado” — como veremos em detalhes no próximo post. 

sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

SOBRE INIMIGOS DO POVO E PRISÃO APÓS CONDENAÇÃO EM 2ª INSTÂNCIA


A prisão após condenação em segunda instância reúne defensores e detratores, e cada lado tem seus argumentos, uns bons, outros nem tanto. Mas o fato é que essa discussão só ganhou vulto porque afeta diretamente o ex-presidente Lula — que, nunca é demais lembrar, responde a oito processos, já foi condenado a 12 anos e 1 mês de prisão num deles e vem cumprindo a pena desde abril. Duas outras ações em trâmite perante a 13ª Vara Federal do Paraná, em Curitiba, estão aguardando sentença. Na que trata da cobertura de SBC e do terreno onde seria construída a futura sede do Instituto Lula, os autos estão conclusos desde antes das eleições; na que versa sobre o folclórico sítio em Atibaia, o prazo para alegações finais termina no próximo dia 7, após o que a juíza substituta Gabriela Hardt, que assumiu provisoriamente os casos da Lava-Jato com a exoneração de Sérgio Moro, pode sentenciar o molusco a qualquer momento.

Capitaneada pelo advogado estrelado Cristiano Zanin — genro do também advogado Roberto Teixeira, compadre de Lula e igualmente enrolado na Justiça penal —, a defesa do ex-presidente bombardeou implacavelmente todas as instâncias do Judiciário com mais de uma centena de apelos, que vão dos recursos ordinário, especial e extraordinário a pedidos de habeas corpus e chicanas de todo tipo (isso sem mencionar a batalha travada na esfera da Justiça Eleitoral, primeiro para postergar e depois para reverter a decisão do TSE de cassar a candidatura do petista, à luz do disposto pela Lei da Ficha-Limpa). Diante disso, a conclusão a que se chega é que, na visão dos nobres causídicos, o STF existe apenas para apreciar seus recursos. A propósito, diz um velho ditado que quem dá asas a cobra assume o risco de ela acreditar que pode voar... e sair voando. Para bom entendedor...

Um dos pilares da segurança jurídica é a jurisprudência assentada pelas cortes superiores, que não pode ser questionada a todo instante, muito menos atropelada pela vontade individual de algum magistrado, sob pena de transformar o sistema judiciário do País numa loteria. No limite, quando envereda pelo caminho da imprevisibilidade, esse sistema falha em sua tarefa de alcançar a pacificação social e ameaça até mesmo a manutenção do Estado Democrático de Direito.

Na semana passada, como todos bem se lembram, o ministro Marco Aurélio decidiu suspender monocraticamente a possibilidade do início da execução penal após condenação em segunda instância. Com sua estapafúrdia liminar, o magistrado afrontou o princípio da segurança jurídica e deixou o país intranquilo diante da perspectiva de um ministro supremo, com uma única canetada, soltar quase 170 mil presos, dentre os quais o detento mais famoso do Brasil, o que certamente causaria tumulto e muita confusão, sobretudo às vésperas da posse do presidente eleito Jair Bolsonaro.

A prisão após a condenação em primeira instância vigeu no Brasil de 1941 até 1973, quando então a ditadura militar pressionou o Congresso a aprovar a Lei nº 5.941, (que ficou conhecida como Lei Fleury), garantindo a réus primários e com bons antecedentes o direito de, mediante fiança, responder ao processo em liberdade até a decisão da segunda instância. O objetivo dessa maracutaia era favorecer Sérgio Paranhos Fleury, delegado do DOPS, notório torturador e exterminador de militantes comunistas, mas o resultado foi o cumprimento da pena após a confirmação da sentença condenatória em segunda instância tornar-se regra geral.

Em 1988, a “Constituição Cidadã” ampliou esse benefício, estabelecendo a presunção de inocência até o julgamento do último recurso cabível, ou seja, após o trânsito em julgado da sentença da sentença condenatória. A partir daí, a tradicional morosidade do Judiciário, combinada com o instituto da prescrição — perda do direito de ação por não ter sido exercido dentro do prazo previsto em lei —, favoreceu criminosos ricos, poderosos, bem posicionados no mundo político e assistidos por advogados estrelados a iniciar o cumprimento da pena “no dia de São Nunca”, dada a quantidade quase ilimitada de recursos, apelos e chicanas que podem ser impetradas nas quatro instâncias do Judiciário tupiniquim.

No STJ, porém, cristalizou-se o entendimento de que a prisão após condenação em segunda instância não ofende a presunção de inocência, e que, para apelar, o apenado deve iniciar o cumprimento provisório da pena (súmula 09). Isso faz muito sentido, sobretudo porque o reexame de matéria fática (provas) só é possível até a segunda instância; o que se discute no STJ é uma possível interpretação da legislação de maneira divergente dos demais tribunais ou ofensa à legislação federal e a tratados internacionais, e no STF, eventuais ofensas ao texto constitucional.

E assim foi até 2009, quando o STF mudou novamente as regras ao estabelecer que condenados em segunda instância permanecessem em liberdade até o trânsito em julgado da sentença condenatória. Coincidentemente ou não, isso aconteceu durante o processo do mensalão, que foi instaurado no final de 2007 e começou a ser julgado em 2012 — a fase de julgamento dos recursos só terminou em 2014 —, e quem liderou essa mudança no entendimento do Supremo foi o então ministro Eros Grau, nomeado pelo ex-presidente Lula. Provocado pela imprensa a comentar o assunto no início deste ano, Grau disse o seguinte: “Agora, neste exato momento, eu até fico pensando se não seria bom prender já na primeira instância esses bandidos que andam por aí”.

Mais adiante, o STF retomou o entendimento anterior — de que o artigo 283 do Código de Processo Penal não impede o início da execução da pena após condenação em segunda instância — e o vem mantendo a dura penas (se me desculpam o trocadilho). No entanto, depois que a Lava-Jato passou a expor as entranhas pútridas da política e dos políticos tupiniquins — e sobretudo quando a possibilidade de Lula ser preso tornou-se real —, a corrente garantista da Corte (Lewandowski, Toffoli, Marco Aurélio, Celso de Mello e o vira-casaca Gilmar) vem defendendo o status quo ante, o que representa séria ameaça à Lava-Jato e ao combate à corrupção em geral.

Quando a ADC do PCdoB— cujo julgamento parece ser um caso de vida ou morte para seu relator, o ministro Marco Aurélio — for levada a plenário, em abril do ano que vem, a ministra Rosa Weber tende a ser o fiel da balança. Pessoalmente, ela se diz contrária ao cumprimento antecipado da pena, mas, em suas decisões individuais, tem seguido o entendimento firmado pela maioria (por 6 votos a 5), em respeito ao princípio da colegialidade. Vale lembrar que o ministro Gilmar Mendes, a pretexto de uma delirante cruzada contra as prisões preventivas alongadas (sobretudo no âmbito da Lava-Jato), passou de antipetista ferrenho e defensor incondicional do cumprimento da pena após a condenação em segunda instância a laxante togado de quatro costados, como se pode inferir dos habeas corpus que vem agasalhando às baciadas, e de sua tonitruante cantilena louvando a proposta de Toffoli, que, em linhas gerais, defende a prisão dos condenados somente após a decisão de terceira instância.

O resto fica para a próxima postagem. 

domingo, 23 de dezembro de 2018

AINDA SOBRE O STF E A ESTAPAFÚRDIA LIMINAR DE MARCO AURÉLIO


Marco Aurélio Mello foi indicado para o STF pelo primo e então presidente Fernando Collor de Mello. Há 28 anos na Corte e a 3 da aposentadoria compulsória, sua excelência — que José Nêumanne definiu como uma mistura de Hidra de Lerna (corpo de dragão, hálito venenoso e nove cabeças de serpente capazes de se regenerar) com o deus romano Jano (retratado com duas faces, uma olhando para a frente e a outra, para trás) — parece ter uma estranha predileção por ser voto vencido. E sendo o antepenúltimo a se pronunciar nas sessões plenárias, não tem como errar, pois profere seu voto quando o entendimento majoritário já é conhecido. Na última quarta-feira, porém, o ministro se superou ao conceder monocraticamente uma liminar suspendendo as execuções provisórias de pena de 169 mil presos, dentre os quais a autodeclarada “alma viva mais honesta do Brasil”.

No melhor estilo “aprendiz de Maquiavel”, o magistrado soltarrão programou cada movimento com a precisão suíça do vistoso Rolex que ostenta no pulso: depois de deixar seu despacho pronto para a publicação, compareceu à última sessão plenária antes do recesso de final de ano e almoçou com Dias Toffoli e outros seis colegas de toga no salão nobre do STF. Tudo sem dar um pio sobre o rebosteio que ocorreria dali a poucos minutos, quando já não houvesse tempo de o colegiado reverter sua decisão. Perguntado por que não informou aos colegas do que tencionava fazer, o animador de velório respostou: "E eu lá tenho de avisar alguém? O que é isso? Vamos respeitar as instituições pátrias, as decisões são autoexplicativas". Vale salientar que, dias antes desse lamentável episódio, Toffoli anunciou que a ADC do PCdoB será analisada em abril do próximo ano.

O Supremo tem sido palco (ou picadeiro?) de decisões semelhantes de vários outros ministros, o que só apequena o Judiciário e contribui para que a população aplauda quem arreganha os dentes contra a Suprema Corte. Agindo como agiu, talvez por pirraça, já que nem Cármen Lúcia nem Dias Toffoli pautou as Ações Diretas de Constitucionalidade sob sua relatoria, a despeito de ele as ter liberado para julgamento em abril passado, Hidra-Jano achincalha os cidadão de bem, que pagam escorchantes impostos para sustentar as formidáveis mordomias do funcionalismo categorizado tupiniquim.

 Assim, ao embasar sua decisão na presunção de que o plenário altere o placar quando revir a questão da prisão em segunda instância, Marco Aurélio fez como quem aposta na Mega Sena e sai gastando por conta antes do sorteio. A liminar vigeu por pouco mais de 5 horas, tempo bastante para estarrecer os cidadãos de bem e alegrar os adeptos do Lula-Livre. A presidente nacional do PT, que dias atrás assegurou que faria o possível para Lula passar o Natal em casa, determinou que o pedido de soltura fosse protocolado imediatamente — o que foi feito 48 minutos depois de a liminar ser publicada. Aliás, a defesa do petralha ingressou com mais um recurso tão logo a decisão foi cassada, sustentando que Toffoli não a poderia ter derrubado, e que Lula deve ser solto ainda assim (as chances desse apelo produzir algum efeito prático são mínimas, pois a decisão caberá ao próprio Toffoli).

Observação: Não se deve considerar a decisão de Toffoli como um gesto favorável à Lava-Jato, até porque ele integra o grupo liderado por Gilmar Mendes, que vem tentando impor limites à operação a partir da revisão de alguns dos instrumentos que a sustentam.

A impressão que se tem é que, de uns tempos a esta parte, a função precípua do STF passou a ser apreciar chicanas pró-soltura do ex-presidente corrupto. Talvez por isso, no Paraná, a Lava-Jato tenha firmado 176 acordos de delação premiada, prendido 264 suspeitos, condenado 140 criminosos e recuperado 12 bilhões de reais, ao passo que no Supremo, apesar de as investigações envolverem quase duas centenas de deputados, senadores, ministros e até o atual presidente da Banânia, há apenas um condenado — o deputado Nelson Meurer —, e que nem preso está. 

A ignomínia de Marco Aurélio evidencia como a dicotomia fomentada pelo “nos contra eles” — criada por Lula e seguida cegamente por petistas de todo calibre — contaminou os ministros supremos, que desrespeitam decisões colegiadas e agem como se cada qual fosse um tribunal distinto. Se houvesse mais entrosamento entre eles (e um mínimo de decência), a Corte seria poupada das cada vez mais recorrentes execrações públicas. Mas não. Atuam como ilhas incomunicáveis que, por vaidade e para fazer valer suas opiniões pessoais, não raro desconsideram os precedentes da corte, fomentam um ambiente de insegurança jurídica e desgastam a imagem do Judiciário perante a população.

Alguns supremos não se dão ao respeito, conquanto o exijam: Lewandowski, que atuou mais como advogado dos réus do que como magistrado no julgamento do Mensalão e fatiou a votação do impeachment de Dilma para evitar a cassação de seus direitos políticos, mandou a PF deter um cidadão que ousou lhe dizer o STF era uma vergonha. Gilmar Mendes, que se dedica a atividades particulares incompatíveis com o cargo de ministro e é alvo de uma dezena de pedidos de impeachment, foi brilhantemente definido pelo colega Luís Roberto Barroso como “uma pessoa horrível, uma mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia”. Sem citar Mendes nominalmente, mas fazendo uma clara referência a ele, Barroso disse ainda que “há gabinetes na Corte distribuindo senha para soltar corruptos”. Toffoli, atual presidente da Corte, foi citado na delação Léo Pinheiro por ter sido agraciado com reformas milionárias em sua mansão, além de ser suspeito de receber mesada de R$ 100 mil de sua mulher, a advogada Roberta Maria Rangel. E por aí vai.  

A presepada de Marco Aurélio não só fechou com chave de ouro o ano judiciário, como demonstrou de forma cabal — como se ainda fosse preciso — que o Supremo, a despeito de ser um colegiado, é um órgão cada vez mais suscetível aos humores individuais de seus integrantes. São onze ministros, onze ilhas, onze vaidades. Para além disso, o episódio mostrou que, apesar de o país ter saído há pouco de uma eleição que varreu do mapa dezenas de políticos envolvidos com corrupção, a Lava-Jato continua sob permanente ataque. Principalmente vindo de  quem deveria defendê-la.

Em abril, o julgamento da famigerada ADC forçará o plenário a reavaliar a jurisprudência capenga que autoriza o cumprimento provisório da pena. Aos votos de Toffoli, Lewandowski e do vira-casa Gilmar somam-se os de Marco Aurélio e Celso de Mello — o decano tem posição histórica contrária à prisão antecipada. Fachin, Fux, Cármen, Barroso e Alexandre são mais alinhados às demandas da Lava-Jato, de modo que o fiel da balança, mais uma vez, será Rosa Weber.

A alternativa — que vem sendo defendida pelo próprio Toffoli — é que o STJ seja a última instância antes do cumprimento da pena. Gilmar simpatiza com a ideia, mas nada se sabe quanto aos demais. Em prevalecendo tal entendimento, as chances de Lula deixar a prisão diminuem: o ministro Felix Fischer, relator da Lava-Jato no STJ, já rejeitou um recurso do petralha, que agora aguarda a análise definitiva da 5ª Turma. Se, como se espera, o apelo for rejeitado, a defesa certamente ingressará com mais um recurso ao STF. Até lá, porém, o abejto criminoso de Garanhuns seguirá preso.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

MARCO AURÉLIO, O LIBERTADOR



A notícia de que o ministro Marco Aurélio, o libertador, decidiu monocraticamente, na última quarta-feira, determinar a soltura imediata dos quase 170 mil condenados em segunda instância que aguardam presos o julgamento de recursos às instâncias superiores caiu como uma bomba (e, dizem as más línguas, quase matou de inveja o ministro Gilmar Mendes).

Marco Aurélio — a quem José Nêumanne definiu certa vez como "um misto de Hidra de Lerna com o deus romano Jano" — é primo do ex-presidente impichado Fernando Collor de Mello, que foi o responsável por sua indicação ao Supremo. Relator das ADCs que questionam a constitucionalidade da prisão em segunda instância, o ministro reclamou ao longo de todo este ano de as ter liberado em abril, mas nem Cármen Lúcia nem Dias Toffoli as terem incluído na pauta do plenário. Semanas atrás, o presidente da Corte finalmente pautou o julgamento, mas nem assim o magistrado sossegou: ao final do almoço de confraternização do STF (após o qual a Corte entrou em recesso), ele acolheu um pedido do PC do B — partido da quase candidata à presidência da República, Manoela D’Ávila, que acabou concorrendo como “vice do vice” e com ele foi derrotada por Jair Bolsonaro — e produziu uma versão revista e atualizada do “caso Favreto”.

Observação: Em julho passado o desembargador-plantonista-cumpanhêro do TRF-4 Rogério Favreto acatou um pedido de habeas corpus impetrado por três deputados petistas e determinou a imediata soltura do criminoso Lula, provocando uma guerra de liminares que acabou não soltando o petralha, mas deu muito pano pra manga.

Face à liminar concedida pelo laxante supremo, os advogados de Lula levaram míseros 48 minutos para pedir a expedição do alvará de soltura, dispensando, inclusive, o exame de corpo de delito. A juíza Carolina Lebbos, responsável pela Execução Penal do petralha, ponderou que sequer havia sido intimada, mas entendia que a liminar não tornava "imediata" a necessidade de soltar o preso, e resolveu ouvir o MPF antes de decidir. Nesse entretempo, a procuradora-geral Raquel Dodge recorreu, argumentando, dentre outras coisas, que as prisões após condenação em segunda instância são constitucionais e configuram medida que "contribui para o fim da impunidade"; que Lula confunde o "direito à ampla defesa" com "direito à defesa ilimitada", e que o ministro desrespeitou sucessivas decisões colegiadas da própria Corte, já que as prisões após segunda instância foram autorizadas por maioria no julgamento realizado no final de 2016 (o assunto foi rediscutido em abril deste ano, e mais uma vez o cumprimento antecipado da pena foi considerado legal). 

Pouco antes das oito da noite de quarta-feira o ministro Dias Toffoli — a quem, na condição de presidente do Supremo, compete tomar decisões em caráter de urgência durante o recesso do Judiciário — cassou a decisão de Marco Aurélio e pôs água no chope da petralhada. Como era de se esperar, a defesa de Lula recorreu, mas as chances de êxito são mínimas, até porque, em razão do recesso, o pedido deverá ser julgado pelo próprio Toffoli. Caso não advenha nenhuma outra surpresa — não percamos de vista o fato de estarmos no Brasil —, a liminar do purgante togado ficará suspensa até o plenário do STF julgar as tais ADCs, em abril de 2019.

Jair Bolsonaro elogiou a pronta ação de Toffoli: "Parabéns ao presidente do Supremo Tribunal Federal por derrubar a liminar que poderia beneficiar dezenas de milhares de presos em segunda instância no Brasil e colocar em risco o bem estar de nossa sociedade, que já sofre diariamente com o caos da violência generalizada!", disse o presidente eleito por meio de sua conta no Twitter

Parlamentares da base aliada do futuro governo estudam apresentar um pedido de impeachment contra Mello — a ação é liderada pelos deputados eleitos Filipe Barros e Bia Kicis, que viram no episódio uma articulação espúria entre o magistrado supremo e o PT em prol da soltura de Lula

O futuro ministro da Justiça e ex-juiz da Lava-Jato, Sérgio Moro, preferiu não se manifestar: "Sem comentários, não vou falar sobre isso", disse ele à Folha, na última quarta-feira, após deixar a primeira reunião ministerial da equipe de Bolsonaro.

Resumo da ópera: se todos os magistrados que não honram a toga fossem transformados em ar condicionado, a sensação térmica na cidade paranaense de Antonina, que atingiu 81ºC na última quarta-feira, seria a mesma do pico do Monte Everest.


quinta-feira, 5 de julho de 2018

ESTADO DE EXCEÇÃO — MINISTROS DO SUPREMO EM GUERRA COM A DEMOCRACIA



Esqueça por um momento, se for possível, as ordens do STF que mais uma vez mandaram soltar José Dirceu, o príncipe do PT condenado a 30 anos e nove meses de cadeia por corrupção, além de outros dois colossos da vida pública nacional — um, do PSDB, é acusado de roubar merenda escolar e o outro é tesoureiro do PP. (Só isso: tesoureiro do PP. Não é preciso dizer mais nada.) 

Faz sentido um negócio desses? Claro que não. Não existe na história do Judiciário brasileiro nenhum réu condenado a mais de 30 anos de prisão por engano, ou só de sacanagem; dos outros dois nem vale a pena falar mais do que já se vem falando há anos. Mas a questão, à esta altura, já não é o que cada um deles fez ou é acusado de ter feito no mundo do crime — a questão é o que estão fazendo os ministros supremos que abriram a porta da cadeia para os três, e virtualmente para todo o sujeito que hoje em dia é condenado por roubar o erário neste país.

Esses ministros, pelo que escrevem nas suas sentenças, decidiram na prática que ninguém mais pode ser preso no Brasil por cometer crimes de corrupção. Tudo bem, mas há uma pergunta que terá de ser respondida uma hora qualquer: é possível existir democracia num país onde Gilmar Mendes, Antonio Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello, com a ajuda de algumas nulidades assustadas e capazes de tudo para remar a favor da corrente, decidem o que é permitido e o que é proibido para 200 milhões de pessoas?

Esse grupo de cidadãos está no STF por indicação, basicamente, de um ex-presidente da República hoje na cadeia, condenado a 12 anos por corrupção e lavagem de dinheiro, e por uma ex-presidente deposta por quase três quartos dos votos do Congresso. Foram aprovados para seus cargos pelo Senado Federal — um dos ajuntamentos mais corruptos que se pode encontrar entre os seres humanos vivos no momento sobre a face da Terra. Jamais receberam um voto. Não respondem a ninguém. Como os loucos, os pródigos e os silvícolas, estão fora do alcance da lei — não podem ser acusados de nada, e muito menos punidos por qualquer ato que venham a cometer. Têm o direito de ficar nos seus cargos pelo resto da vida. Com essa proteção toda, garantida pela Constituição suicida em vigor no Brasil, deram a si próprios o poder de anular provas. Podem ignorar qualquer lei em vigor, recusar-se a aplicar normas legais, não aceitar decisões do Congresso e suprimir procedimentos judiciais. Dizem, é claro, que todas as suas sentenças estão de acordo com as leis — mas são eles, e só eles, que decidem o que a lei quer dizer. Se resolverem que dois mais dois são sete, nenhum brasileiro terá o direito de dizer que são quatro.

Os grandes gênios da nossa criatividade política, com os seus imensos estoques de sabedoria acumulada, devem ter alguma resposta para a pergunta feita acima. Talvez eles saibam como seria possível manter, ao mesmo tempo, o regime democrático e uma corte suprema povoada por Toffolis, Gilmares e Lewandowskis e dedicada a manter a corrupção como uma atividade legal no Brasil. Para os mortais comuns, está difícil de entender. 

Não existe em lugar nenhum do mundo, e nunca existiu, uma democracia em que o tribunal mais alto do Poder Judiciário faz uso da lei para impedir a prestação de justiça. Se as atuais leis brasileiras, como garantem os ministros a cada vez que soltam um ladrão de dinheiro público, os obrigam a transformar o direito de defesa em impunidade, então todo o sistema de justiça está em colapso; nesse caso, o que existe é um Estado de exceção, onde as pessoas que mandam valem mais que todas as outras. Contra eles, no entendimento de parte do STF, nenhum fato existe; nenhuma prova é válida. Os Toffolis, etc., conseguiram montar no Brasil um novo fenômeno: ao contrário da fábula narrada por Kafka em “O Processo”, o simples fato de alguém ser acusado perante o tribunal é a prova indiscutível de sua inocência.

Artigo de J.R. GUZZO

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sábado, 21 de abril de 2018

AS LEIS, ORA, AS LEIS!



Como hoje é sábado e feriado nacional (em homenagem a Tiradentes), eu pensei em dar um descanso das maracutaias da banda podre do Supremo, da prisão de Lula, da irresignação dos militontos e de outros temas que já encheram o saco. Mas não tem jeito. E como não tive tempo de concluir o texto sobre a nova ADC (esta do PCdoB) que o ministro Marco Aurélio já liberou para julgamento, segue o excerto de um artigo do festejado jornalista J.R. Guzzo.

As leis são feitas, tanto quanto se saiba, para melhorar a vida das pessoas. Que sentido poderia ter uma lei que piora a existência do cidadão? Nenhum, e por isso mesmo é francamente um espanto a quantidade de leis em vigor, neste país, que não melhoram coisa nenhuma e, ao mesmo tempo, conseguem piorar tudo.

Um dos mais notáveis exemplos práticos dessa espécie de tara, tão presente no sistema legal e jurídico do Brasil, é o apaixonante debate atual sobre a “segunda instância” e o “trânsito em julgado”. Quase ninguém, mesmo gente que foi à escola, conseguiria dizer até outro dia que diabo quer dizer isso; dá para entender as palavras “segunda” e “trânsito”, mas daí pouca gente passa. 

No entanto, tanto uma como outra coisa são o centro da questão mais decisiva da vida política do Brasil de hoje, e as nossas altíssimas autoridades, aí, conseguiram transformar um clássico “não-problema” num tumulto que tem infernizado como poucos a estabilidade política do país ― e enchido a paciência de muitos, ou quase todos os habitantes do território nacional.

Os artigos, parágrafos, incisos, alíneas e sabe lá Deus quanto entulho legal os doutores, políticos e magnatas deste país invocaram para colocar em discussão se a Terra é redonda ou é plana, mostram bem a extraordinária dificuldade, para os que mandam no Brasil, de aceitar o princípio pelo qual uma lei só fica de pé se fizer nexo ― e só faz nexo se vem para tornar mais segura, mais cômoda ou mais compreensível a vida do cidadão comum. 

Não faz o menor nexo sustentar que o bem estar das pessoas melhora, ou que elas ficam mais protegidas, se for proibido colocar um criminoso na cadeia quando ele é condenado duas vezes em seguida; é incompreensível que a punição para um crime só deva acontecer quando o autor perder na “última instância”, que ninguém sabe direito qual é. Eis aí o raio do “trânsito em julgado” ― o momento em que não há mais o que inventar em matéria de trapaça legal para manter o malfeitor fora do xadrez. É algo tão raro quanto a passagem dos cometas.

Alguém é capaz de achar que os direitos civis do cidadão brasileiro estão sendo protegidos por um negócio desses? Quem ganha com isso a não ser criminosos tamanho GGGG-plus, que têm poder e dinheiro para pagar sua defesa durante anos a fio, e os escritórios de advocacia que sonham com processos que lhes rendem honorários pelo resto da vida? Não há absolutamente nenhum interesse coletivo beneficiado por esse tipo de entendimento da lei. O que acontece é justamente o contrário.

O veto à prisão “na segunda instância” é uma ameaça ao brasileiro que cumpre a lei. Não é um “direito”, como dizem advogados e demais sábios da ciência jurídica ― o direito, respeitado em todas as democracias, à “presunção de inocência”. Inocência como, se o indivíduo já foi condenado duas vezes? Teve todo o direito de se defender, sobretudo se conta com milhões. O acusador teve de apresentar provas, e o juiz teve de considerar que as provas eram baseadas em fatos. O que há na vida real, isso sim, é uma violação do direito que as pessoas têm de contar com punição para os criminosos que as agrediram ― por exemplo, roubando o dinheiro que pagam em impostos, ou o patrimônio que possuem legalmente nas empresas estatais.

Os “garantistas”, que defendem em latim essas aberrações, garantem apenas a impunidade. Utilizam dúvidas que existem na Constituição e que podem ser mal interpretadas ― só foram colocadas ali, aliás, com o exato propósito de serem mal interpretadas. Constroem, esses heróis da liberdade, um monumento às leis que foram escritas para fazer mal ao Brasil e aos brasileiros.

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