segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

AINDA SOBRE INIMIGOS DO POVO E PRISÃO EM 2ª INSTÂNCIA — FINAL




Impõe-se concluir esta novela antes que o ano termine, até porque paciência tem limite (tanto a dos leitores quanto a minha). E o faço no último dia deste glorioso ano porque desisti de publicar a retrospectiva que vinha elaborando, dada a abissal desproporção entre fatos negativos e positivos que permearam o cenário político nos últimos 12 meses. Quem tem vocação para masoquista, ou se delicia com a desgraça alheia, que acompanhe o noticiário pelo rádio ou pela TV.

Indo direto ao ponto, a conclusão que se impõe à luz do que foi exposto até aqui, salvo melhor juízo, é a de que o STF não vem cumprindo seu papel, qual seja de preservar e reforçar sua jurisprudência a respeito do cumprimento antecipado da pena. E a alegação da "ala garantista", de que é preciso “liberar geral” para evitar o crescimento insustentável da população carcerária, não se sustenta: segundo um estudo feito por juristas da FGV e da Universidade do Texas, prender réus condenados em segunda instância resultaria num aumento de 0,6% no número de apenados (3.460 novos presos) — anos-luz distante, portanto, das previsões catastróficas propaladas pelos críticos da jurisprudência que voltou a viger em 2016. Aliás, Marco Aurélio, o soltador, defende o induto de Natal, que, segundo ele, é uma tradição no Brasil. “Não sei por que nós não concluímos o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade que impugnou o anterior, de 2017”, disse o ministro. Tradição ou não... bem, assistam a este vídeo e tirem vocês mesmos suas próprias conclusões. Fecho aqui o parêntese.

Observação: O problema da superlotação carcerária não se resolve soltando os presos, mas construindo mais presídios e gerenciando melhor os que estão em funcionamento. Qualquer imbecil vê isso, mas a alta cúpula do Judiciário, não. "Tempos estranhos", como repete sempre o ministro soltador Marco Aurélio. A propósito, ouça esta entrevista com o promotor de justiça Rogério Mendelski.

Com exceção do período entre 2009 e 2016, a prisão após condenação em primeira ou segunda instâncias foi regra geral nos últimos 77 anos. Foi no julgamento do HC 84.078, relatado pelo então ministro Eros Grau, que se passou a exigir o trânsito em julgado para execução da pena, mas o próprio Grau declarou recentemente que: “Neste exato momento, até fico pensando se não seria necessário prender em primeira instância esses bandidos que estão aíinclusive do Lula; se ele foi condenado depois de uma série de investigações, é porque é culpado.”

Naquele intervalo de 7 anos, porém, políticos e outros agentes de crimes do colarinho branco fizeram a festa, recorrendo a todos os itens do cardápio de chicanas procrastinatórias para empurrar o processo até que a prescrição os livrasse da cadeia — por prescrição, entenda-se a perda da pretensão punitiva estatal em razão do decurso do lapso temporal previsto em lei.

Digam o que disserem os “garantistas” e quem mais rezar pela mesma cartilha, presunção de inocência e garantia da liberdade e proibição da prisão arbitrária são coisas diferentes, como bem salientou a PGR em parecer enviado ao STF sobre a ADC 54, patrocinada pelo PCdoB. Juízes devem julgar de acordo com a lei, mas sem se limitar à letra fria da lei, sob pena de distribuírem mais injustiças do que Justiça.

Por outro lado, é impossível negar que os magistrados também estão sujeitos a paixões e ideologias. Considerando que 7 dos 11 ministros do STF foram nomeados pelo criminoso Lula e por sua imprestável sucessora (dos 4 restantes, 3 são herança dos governos SarneyCollor e FHC e 1 foi nomeado por Temer), o que poderíamos esperar do Supremo

Salta aos olhos que o sistema de escolha atual dos ministros do STF não atende aos anseios e necessidades do povo brasileiro, já que um postulante com boa articulação política no governo leva vantagem em relação a outro mais apto ou com maiores conhecimentos jurídicos. Portanto, urge mudar isso, ou pelo menos atentar para o que dispõe o artigo 101 da Constituição em seu parágrafo único: “Os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal”.

Note que, embora deixe claro que é da competência do chefe do Executivo nomear o magistrado após sua aprovação pela maioria absoluta do Senado, a Constituição não explicita quem indica o candidato à vaga. Salvo melhor juízo, o ato do presidente é o último, não o primeiro de três — que são a indicação, a escolha (pelo Senado) e a nomeação (pelo presidente). Até porque não se nomeia para escolher, mas escolhe-se para nomear, e a indicação do candidato pelo presidente da República é de praxe, mas não é uma imposição legal.

Infelizmente, para remover o entulho petista e o ranço deixado pelos governos anteriores é preciso dar tempo ao tempo: ainda que o decano e os ministros Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber sejam septuagenários e, portanto, estejam às portas da aposentadoria — que é compulsória para os membros do Supremo aos 75 anos —, Luiz Fux nasceu em 1953; Cármen Lúcia em 1954; Gilmar Mendes em 1955; Edson Fachin e Luís Roberto Barroso em 1958; Dias Toffoli em 1967 e Alexandre de Moraes (indicado por Temer) em 1968.     

Faz muito tempo que o STF deixou de ter alguma relação com o ato de prestar justiça a alguém. No poema épico-teológico Divina Comédia, escrito por Dante Alighieri no século XIV e dividido em três partes (inferno, purgatório e paraíso), lê-se na porta do inferno a inscrição “Lasciate ogni speranza, voi che entrate”. Parafraseando o poeta florentino, poder-se-ia afixar na entrada do STF os seguintes dizeres: “deixem de lado de fora qualquer esperança todos aqueles que passarem por esta porta em busca da proteção da lei”. Ou melhor, todos não, que aquela Corte é o melhor lugar do mundo para delinquentes cinco estrelas e com recursos financeiros sem limites para contratar advogados que cobram honorários milionários.

O STF, no fundo, é uma legítima história de superação. Por mais que tenha se degenerado ao longo do tempo, está conseguindo se tornar pior a cada dia que passa e a cada decisão que toma. Ninguém sabe onde os seus ocupantes pretendem chegar. Vão nomear o ex-presidente Lula para o cargo de Imperador Vitalício do Brasil? Vão dar indulgência plenária a todos os corruptos que conseguirem comprovar atos de ladroagem superiores a 1 milhão de reais? Vão criar a regra segundo a qual as sentenças de seus amigos, e os amigos dos amigos, só “transitam em julgado” depois de condenação no Dia do Juízo Universal?

Os ministros, com as maiorias que conseguem formar, podem fazer qualquer coisa dessas, ou pior. Por que não? Eles vêm sistematicamente matando a democracia com doses crescentes de veneno, ao se colocarem acima das leis, dos outros poderes e da moral comum. Mandam, sozinhos, num país com 200 milhões de habitantes, e ninguém pode tirá-los dos seus cargos pelo resto da vida. O presente que querem dar a Lula, mudando a jurisprudência sobre o cumprimento da pena após a condenação em segunda instância — regra vigente em qualquer lugar do mundo onde haja justiça de verdade, pois as penas de prisão precisam começar a ser cumpridas em algum momento da vida —, é a prova mais recente da degradação que impõem ao sistema de justiça neste país. Gilmar Mendes que o diga, e Marco Aurélio que puxe o coro de améns. A exemplo de Toffoli, Lewandowski e Celso de Mello, esses ministros se dizem “garantistas” e juram que seu único propósito é resguardar o “direito de defesa”. Mas quem pode levar a sério uma piada dessas? A única coisa que suas excelências garantem é a impunidade.

No julgamento do recurso de Lula, Lewandowski teve a coragem de dizer que a decisão não era para favorecer o ex-presidente, mas sim “milhares de mulheres lactantes” e “crianças” que poderiam estar “atrás das grades” se o STF não mandasse soltar quem pede para ser solto. É realmente fazer de palhaço o cidadão que lhes paga o régio salário (quase R$ 40 mil mensais, mais benefícios e penduricalhos). À certa altura, no esforço de salvar Lula, chegaram a falar em “teratologia”. Será que eles acham que falando desse jeito as pessoas dirão: “Ah, bom, se é um caso de teratologia… Aí fica tudo claríssimo, não é mesmo?

É um mistério, na verdade, para o que servem essas sessões do STF abertas ao público. Depois que um ministro toma a palavra e diz “boa tarde”, ninguém entende mais uma única palavra que lhe sai da boca. Talvez seja mais fácil entender o moço que fica no cantinho de baixo da tela, à direita, e que fala a linguagem dos surdos-mudos. Sem má vontade: como seria humanamente possível alguém compreender qualquer coisa dita por Rosa Weber? Ou, então, pelos ministros Celso de Mello, ou Marco Aurélio? É puro javanês.

Daqui a 24 horas estaremos em 2019. Mais algumas horas, Temer descerá a rampa, e o presidente eleito a subirá em seguida. Em fevereiro, quando termina o (vergonhoso) recesso do Legislativo, teremos um Congresso (parcialmente) renovado, a despeito do risco de Rodrigo Maia continuar presidindo a Câmara e o cangaceiro das Alagoas retornar à presidência do Senado (será mais difícil com o voto aberto, mas estamos no Brasil, onde nem o passado é previsível). Todavia, continuaremos com o mesmíssimo STF em sua mesmíssima composição.

Bolsonaro, quando quase ninguém apostava dois tostões de mel coado na sua vitória, disse que seria preciso aumentar para 21 o número de ministros supremos, de modo a colocar lá “dez isentos”. Foi duramente criticado, mas, pensando bem, talvez não estivesse tão errado assim. Pela mesma época, seu filho Eduardo gravou um vídeo — que foi largamente explorado às vésperas do segundo turno — no qual afirmou que “bastariam um soldado e um cabo para fechar o STF”. Assistam ao clipe, atentem para o contexto em que ele disse o que disse e tirem suas próprias conclusões.

A televisão nos mostra umas figuras de capa preta, fazendo cara de Suprema Corte da Inglaterra e proferindo frases incompreensíveis. O que temos, na vida real, é um tribunal de Idi Amin, ou qualquer outra figura de pesadelo saída de alguma ditadura africana.

FELIZ ANO NOVO A TODOS.