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sexta-feira, 7 de junho de 2019

O PACTO INSTITUCIONAL PARA INGLÊS VER



A postura de enfrentamento é da natureza de Jair Bolsonaro. Recuos e tentativas conciliatórias há, mas parecem carecer de sinceridade, pois o presidente é useiro e vezeiro e desdizer o que disse — e até o que desdisse. Às vezes, ele age como um estrategista de alto coturno; noutras, como um parlapatão irresponsável. Mas mais irresponsáveis ainda foram os eleitores — refiro-me ao primeiro turno, pois na fase final já não havia para onde correr.

Voltando ao capitão, há quem veja sua beligerância atávica, no velho estilo estudantil “não levo desaforo pra casa”, como um papel que ele interpreta, mas eu acho que isso faz parte de sua personalidade. É como o escorpião da fábula, que convence o sapo a levá-lo nas costas até o outro lado do rio, argumentando que ambos morrerão se ele aguilhoá-lo, mas tasca-lhe a ferroada mesmo assim, porque é da sua natureza e não há nada que ele possa fazer para mudar.

Se o presidente é como é, os deputados e senadores também são como são: demagogos, fisiologistas, venais, interesseiros. Com raríssimas exceções, eles só se preocupam com o próprio umbigo, às favas com os interesses da nação. O presidente da Câmara, por exemplo, brinca de cabo-de-guerra com o chefe do Executivo enquanto uma caudalosa enxurrada de desditos, desmentidos, acordos, pactos e que tais tentam demonstrar o indemonstrável. A exemplo daquelas famílias numerosas do início do século passado, que posavam para a posteridade diante da câmera de um lambe-lambe, Bolsonaro e Maia — e por vezes Alcolumbre — são todos sorrisos, tapinhas nas costas e apertos de mão, mas só nas fotos.

Em entrevista à Globo no último domingo, Maia, que foi lembrado de forma nada elogiosa nas manifestações do último dia 26, disse que falta ao Planalto um plano de governo, que a reforma previdenciária não é a panaceia para todos os males, que o país ruma para um “colapso social” e que nada está sendo feito para impedir que isso aconteça. Na sequência, detonou o tal pacto institucional, afirmando que Toffoli apresentou uma proposta “mais de princípios” e o governo, uma contraproposta “mais política, mais ideológica”, que “Lorenzoni entregou um documento que ninguém leu”, que ficou parecendo que o pacto fora fechado “em cima daquele texto”, e que ele (Maia) só poderia firmar qualquer pacto se “tivesse apoio majoritário” dos partidos, o que dificilmente conseguirá. Aproveitando o embalo, criticou o folclórico ministro da Educação, que não poderia se comportar como "um ator da Disney". Com aliados assim, quem precisa de inimigos?

De acordo com a revista VEJA, o pacto proporcionou uma bela imagem, mas enfrenta resistência de parlamentares e magistrados. No Supremo, o ministro Marco Aurélio (que, graças ao bom Deus, deixa a Corte no ano que vem) botou mais lenha na fogueira ao declarar que Toffoli não tem procuração do tribunal para negociar pactos com outros poderes (e a verdade é que ele não tem mesmo).

No Congresso, o governo continua a colher derrotas. Alcolumbre disse que não vai pôr em votação a medida provisória assinada pelo então presidente Michel Temer (com a anuência de Bolsonaro), que flexibiliza o Código Florestal. Ele alega que a casa não terá tempo suficiente para debatê-la, mas, nas entrelinhas, reforça o coro puxado por Maia sobre a necessidade de pôr um freio na edição de medidas provisórias pelo presidente da República. Na Câmara, os reveses também são sucessivos. Sob a batuta de Maia — cuja caneta, segundo Bolsonaro, tem menos tinta e poder —, os deputados engessara ainda mais o Orçamento da União, anularam um decreto presidencial sobre sigilo de informações, deram início à tramitação de uma proposta de reforma tributária diferente da defendida por Paulo Guedes e, caso da Previdência, declararam que não têm compromisso com a aprovação integral do projeto elaborado pelo superministro. Ambos prometem patrocinar mudanças no texto, para que ele fique mais ao feitio dos congressistas que do Executivo, demonstrando que há uma disputa clara pela paternidade do avanço da agenda econômica.

Nos bastidores, a atuação do presidente da Câmara é vista como uma tentativa de implantar um “parlamentarismo branco”. Há políticos, no entanto, que defendem passos mais ousados. Um grupo suprapartidário de senadores, que reúne quadros do PSDB ao PT, tem debatido a possibilidade de pôr em votação uma emenda constitucional para implantar o parlamentarismo no Brasil a partir de 2022, o que reduziria os poderes de Bolsonaro caso seja reeleito. Outra ideia em estudo é votar o chamado recall do mandato presidencial, que também só valeria a partir de 2022. Ele funcionaria como uma espécie de plebiscito para que os eleitores decidam sobre a continuidade ou não do governo. Apesar das conversas, prevalece por enquanto o entendimento (correto, por sinal) de que ainda não é hora de tirar tais projetos da gaveta, para não conturbar um ambiente político já devidamente conturbado.

A PEC previdenciária será aprovada (só não se sabe com que alcance), mas apenas porque a sociedade civil tem exercido pressão sobre o Congresso, e há nada que os políticos temam mais do que o rugido das ruas. Suas insolências não querem ficar com a pecha de culpados por obstruir a colagem dos cacos da Economia, mas é nítida sua intenção de pôr cabresto em Bolsonaro através da limitação dos poderes do Executivo. Segundo a Folhaesse antigo desejo de deputados e senadores está no topo da lista de ações do “parlamentarismo branco” promovido em meio à desarticulação política do governo.

Observação: Criadas pela Constituição de 1988 em substituição aos decretos-lei da ditadura, as medidas provisórias são o principal instrumento do presidente para legislar, pois têm força de lei, embora precisem ser aprovadas em até 120 dias pelo Congresso para virarem, de fato, uma lei. Por enquanto, não há limite para o uso desse instrumento — em cinco meses de mandato, Bolsonaro editou nada menos que 14 medidas provisórias.

A política é como as nuvens no céu. A gente olha e elas estão de um jeito; olha de novo e elas já mudaram. Um dia depois de ler entrevistas nas quais Rodrigo Maia declarou que a falta de agenda do governo conduz o país ao colapso social, Bolsonaro, em visita à Câmara, tratou o presidente da Casa com respeito e fidalguia, e foi tratado por ele com ensaiada amabilidade — Maia chegou a chamar de projeto de lei importante a peça que o visitante lhe entregou, uma proposta considerada secundária e extemporânea, concebida para afagar motoristas infratores, sobretudo entre os caminhoneiros. Foi o segundo encontro dos dois desde a manifestação pró-governo. No primeiro, discutiu-se o tal pacto entre os Poderes.

Que conclusão se pode extrair de tanta desavença que evolui do cheiro de queimado para a conciliação — e vice-versa — como se tudo se resolvesse num passe de mágica?  Segundo o evangelho de Josias de Sousa, a explicação é a seguinte:

Por um lado, é bom que Bolsonaro e Maia continuem a se falar; por outro, o tipo de relacionamento que a dupla mantém apenas reforça a convicção de que a política é o território da falsidade, da hipocrisia. É como se eles informassem à plateia que não convém levá-los a sério. Coube ao presidente da Comissão Especial sobre a reforma da Previdência, deputado Marcelo Ramos, gritar no Twitter o que Maia e os parlamentares do centrão cochicham em privado: "…O presidente Bolsonaro não tem noção de prioridade e do que é importante pro país. Enquanto estamos num seminário sobre reforma da Previdência ele está vindo pra Câmara apresentar PL (projeto de lei) que trata de aumentar pontos na carteira de maus motoristas."

E cosi la nave va.   

quinta-feira, 6 de junho de 2019

O INFERNO EXISTE, É AQUI E NÃO FUNCIONA.



Inicio esta postagem reproduzindo uma anedota antiga, mas filosófica. Ao final, o leitor certamente entenderá por quê.

Um brasileiro morreu e foi para o inferno. O capeta-recepcionista disse que ele poderia ficar na ala administrada pelo seu país de origem ou escolher outra, a seu critério, mas que os castigos eram basicamente os mesmos; o que variava era apenas a severidade com que eles eram aplicados. Na sucursal brasileira, o penitente teria de comer 20 kg de merda por dia, divididos em três porções, além de levar 100 chibatadas de hora em hora. Na dos EUA, por exemplo, eram apenas 5 kg de merda e 10 chibatadas duas vezes ao dia. Dito isso, o funcionário infernal o autorizou a fazer um “tour” pelas embaixadas e escolher aquela onde passaria o resto da eternidade. Chamou a atenção do brasileiro o tamanho das filas. Na maioria das “embaixadas”, havia somente uns poucos gatos pingados, mas na do Brasil a fila se estendia por vários quarteirões. Curioso, ele foi até lá e perguntou o motivo de tamanha discrepância. 
— Entra aí e fecha o bico —, respondeu-lhe o último da fila. — Aqui o carrasco bate o ponto e vai para casa, e um dia falta lata, no outro falta merda...    

Dias atrás, Bolsonaro insinuou que "está na hora de termos um evangélico no STF". Não faltou quem interpretasse suas palavras como a pavimentação do caminho que pode levar o juiz federal Marcelo Bretas, evangélico e responsável pelos processos da Lava-Jato no Rio de Janeiro, à nossa suprema corte. Até aí, nenhum problema. A questão é que o Brasil é um país laico, e balizar a indicação dos ministros supremos na religião que os candidatos professam ou dizem professar não faz sentido  como também não faz descartar um candidato potencial simplesmente porque ele é budista, testemunha de Jeová ou adepto do Candomblé. Na minha desvaliosa opinião, o capitão e quem vier a suceder-lhe na presidência desta banânia deveriam preencher as vagas supremas levando em conta os pressupostos constitucionais. E convenhamos que “notável saber jurídico” e “reputação ilibada” são artigos que há tempos andam em falta nas prateleiras da nossa mais alta corte de Justiça, devido, sobretudo, aos critérios eminentemente políticos que norteiam a nomeação de seus membros.

Deixando de lado o STF e focando na conturbada relação do chefe do Executivo (cuja inépcia para o exercício do cargo é de uma clareza meridiana) com o Congresso (onde o percentual de parlamentares fisiologistas e enrolados com a Justiça chega a ser assustador), como se já não bastasse a novela da PEC previdenciária, surge agora mais uma questão conturbada, que tem a ver com a folclórica “regra de ouro” — criada para evitar que governos se endividem para pagar despesas que não sejam investimentos ou com a rolagem da dívida pública —, que pode pôr em risco a governabilidade deste arremedo de país.

Quando Bolsonaro ainda estava em campanha, seu Posto Ipiranga prometia zerar o déficit público no primeiro ano da nova administração. Ainda estamos no primeiro semestre, mas o presidente já se vê obrigado a elevar preces ao Altíssimo para que o Congresso o autorize a emitir quase R$ 250 bilhões em dívidas. Caso suas orações não sejam atendidas, faltarão recursos para despesas correntes, do Bolsa Família aos benefícios dos aposentados e pensionistas do INSS (o que nos remete à urgência da aprovação da reforma da Previdência, coisa que a oposição insiste em fingir que não vê e o PSL e demais apoiadores eventuais do Planalto parecem não conseguir lhes mostrar), do salário do funcionalismo ao Plano Safra, e até para a conta de luz. 

Ou os parlamentares atendem os apelos do Executivo, ou o presidente se verá em palpos de aranha: não honrar os compromissos é agravar ainda mais a crise econômica, e honrá-los sem o aval do Congresso é trilhar o mesmo caminho que levou a calamidade em forma de gente (cujo nome eu prefiro não pronunciar) a ser penabundada do cargo. Parafraseando Josias de Sousa, “misturando-se a penúria financeira à roubalheira e à incompetência que infelicitam o Estado brasileiro, conclui-se que o inferno não só existe, mas é aqui... e não funciona”.

Bolsonaro, que passou as três últimas décadas como deputado federal e se elegeu com um discurso de repúdio ao establishment parlamentar, continua claudicante, dando uma no cravo e outra na ferradura. Estatista convicto, só posou de liberal para obter o apoio do economista Paulo Guedes, mas agora parece relutante em abastecer no seu Posto Ipiranga, haja vista a regularidade com que toma decisões relacionadas com a Economia sem consultar seu ministro, preferindo enveredar pelo viés do autoritarismo, ao negociar com o Congresso, a pretexto de manter sua promessa de campanha de abolir a prática nefasta do toma-lá-dá-cá. 

Como bem lembra Merval Pereira, o presidente, que hoje defende a redução do número de deputados federais de 513 para 400 e uma reforma política onde está implícita a cláusula de barreira para enxugar a máquina partidária, saltitou alegremente por nada menos que nove legendas: PDC (1989-1993); PP (1993–1993); PPR (1993–1995); PPB (1995–2003); PTB (2003–2005); PFL (2005–2005); PP (2005–2016); PSC (2016–2018) e novamente PSL (2018–presente). E só não embarcou no PEN porque que achou que não conseguiria ser escolhido pela sigla para concorrer à Presidência. Sem mencionar que já confidenciou a aliados seu descontentamento com o partido e a ideia de trocar de galho mais uma vez.

Em entrevista à revista VEJA, o capitão disse textualmente que “o PSL é um partido que foi criado, na verdade, em março do ano passado e buscava pessoas, num trabalho hercúleo no Brasil. Então nós fomos pegando qualquer um: ‘Quebra o galho, vem você, cara, vamos embora’. E tem muita gente que entrou e acabou se elegendo com a estratégia que eu adotei na internet. Só para ter uma ideia, o Major Olímpio, que estava em quarto em São Paulo, passou a ser o primeiro e se elegeu senador. Eu falava: ‘Clica aqui. Vote em um desses colegas nossos’ .

Mesmo incomodado com os problemas que o PSL lhe traz, especialmente a questão dos “laranja”, Bolsonaro reluta em demitir seu ministro do Turismo, que comandava o partido em Minas e é acusado de ter usado várias candidatas para desviar dinheiro de campanha. Dias atrás, o capitão cobriu de elogios o presidente da Câmara, a quem chamou  de “nosso presidente” — o mesmo que que, nas manifestações bolsonaristas, apareceu com os bolsos cheios de dinheiro e referências a delações de supostos crimes eleitorais. Numa sessão nostálgica na Câmara, onde foi levar pessoalmente o projeto que anistia multas de trânsito e amplia os limites para multas e perda de pontos na carteira, o hoje chefe do Executivo afirmou “ter saudades” de seu tempo de deputado federal, e emendou: “Agradeço a recepção e aproveito para dizer que o Parlamento é meu e a Presidência é de vocês”.

Afora os projetos defendidos arduamente no Congresso pelos ministros Paulo Guedes e Sérgio Moro, que dão rumo a esse governo, Bolsonaro gasta seu tempo defendendo questões laterais, como a flexibilização das leis de proteção ao meio-ambiente, a ampliação da posse e porte de armas, que agradam a seus nichos eleitorais. Nas entrelinhas, lê-se claramente que Câmara está se aliando a Paulo Guedes para aprovar uma agenda que devolva ao país a capacidade de crescimento econômico. Essa relação está provocando ciúmes no capitão, e fazendo com que ele se aproxime de Rodrigo Maia. É cobra comendo cobra!

terça-feira, 28 de maio de 2019

AINDA SOBRE AS MANIFESTAÇÕES


Se não houve consenso sobre o número de municípios em que o povo saiu às ruas no último domingo, seria esperar demais que as opiniões dos analistas fossem convergentes em relação ao resultado. Para alguns, o governo saiu fortalecido; para outros, a adesão ficou abaixo do esperado. Como na velha história do copo pela metade, pode-se dizer que ele está meio cheio ou meio vazio, a critério de cada um. Há quem diga que os protestos fariam mal de qualquer jeito, fossem volumosos, fossem pífios.

Particularmente, concordo com José Nêumanne, para quem a impressão que elas deixaram, não tendo sido espetaculares como os bolsonaristas esperavam nem mínimas como previam seus adversários, é que a cidadania em marcha traz sempre bons resultados para a democracia e produzem um equilíbrio maior entre os Poderes da República. Os que são contra o governo recorrem a soluções estapafúrdias e covardes, como o recall planejado no Senado à sombra de Davi Alcolumbre, que ainda não deu conhecimento ao público da fraude transmitida para todo o País em sua escolha para o lugar antes ocupado por Renan Calheiros. Os atos trouxeram como novidade para os dois lados da dicotomia política brasileira nomes de ministros apoiados aos berros nas concentrações populares numa advertência de que o povo sabe mesmo o que quer. O presidente deveria aprender a governar para todos e os mandachuvas do Congresso, a ficarem no espaço restrito de suas cumbucas.

Guilherme Fiúza, mais incisivo, publicou o seguinte texto: “E eis que o debate nacional, cada vez mais dominado pela picaretagem intelectual, chega à suprema impostura: em nome da democracia, as novas vozes da resistência cenográfica decretam que uma manifestação de rua — ou, mais precisamente, a ideia de uma manifestação de rua — é autoritária! Nunca se viu nada parecido em tempos democráticos. A rua agora tem dono, que decide quem pode sair de casa. Fascistas são os outros. Nem Lula, que depenou o país e tentou transformá-lo em quintal do PT, ousou atacar a legitimidade de qualquer manifestação no país — fossem meia-dúzia de gatos pingados mandando-o ir para Cuba ou milhões de pessoas pedindo o impeachment de sua sucessora. Você jamais ouviu de Lula uma palavra contra o direito de qualquer pessoa sair à rua para se manifestar sobre o que bem entendesse. Podia dizer que era coisa da elite branca etc., mas ele jamais alegou que um ato de protestar em público era expressão de autoritarismo. Nem Fernando Collor, talvez o governante mais prepotente que o país já teve, vendo um número cada vez maior de pessoas ocupando as ruas pela sua queda, se atreveu a dizer que havia algo de autoritário ou antidemocrático nas manifestações. E olhem que entre os manifestantes havia gente como José Dirceu, Lindbergh Faria e outros famosos impostores — o que não tirava a legitimidade do movimento popular que levou, de forma democrática, ao impeachment dele. Pois bem. Essa democracia que já sobreviveu a prepotentes e larápios tem agora uma novidade quente: personagens que sempre se disseram liberais aparecem dizendo que a manifestação “A” pode, mas a manifestação “B” não pode. Como não têm coragem de dizer que não pode, dizem que um determinado ato público — que eles não poderiam saber o que é antes de acontecer — contém motivação autoritária; que pode ser um golpe contra as instituições; que é mais democrático ficar em casa. Como eles sabem de tudo isso? Nem Dilma, a famosa vidente que previu os tiros contra a caravana de Lula, ousou insinuar que qualquer das inúmeras manifestações de rua contra ela desaguaria num golpe institucional. Sendo que nem mesmo ela — Dilma, a única —, espalhando por aí até hoje que foi vítima de um golpe, se atreveu a sugerir que as manifestações de rua fossem, em si, uma orquestração autoritária. Nem mesmo ela teve a petulância de intervir nas intenções alheias, de decretar qual protesto é legítimo ou não é. Agora o mais grave (sim, é pior ainda): esses novos democratas de butique sabem muito bem que a agenda de reformas — que eles sempre defenderam — está em implantação (da forma que eles sempre pediram) e está também sob risco de sabotagem. Não por divergência de mérito, mas por disputa de poder. E quando surge a iniciativa de pressionar o Congresso contra a sabotagem da agenda que eles sempre pregaram, de que lado eles ficam? Ficam do lado da sabotagem, dizendo que estão lutando contra a ameaça de fechamento do Congresso. A lógica personalizada é boa por isso: se o dono mandar, ela rebola até o chão, na boquinha da garrafa, e não tem que dar satisfação a ninguém. Todo mundo viu o que a imprensa amiga do PT fez na época do impeachment: fotografava faixas de grupinhos pedindo intervenção militar no meio da multidão pedindo a deposição de um governo corrupto e botava na manchete “o viés antidemocrático” do protesto. É horrível isso, não é? Covarde, canalha, etc., certo? Pois é exatamente o que vocês estão fazendo agora, caros liberais arrependidos. Aliás, vocês estão ajudando a esconder a agenda positiva da equipe do Paulo Guedes (que vocês veneravam até anteontem) com a sua chocante indiferença perante ações cruciais como a MP da Liberdade Econômica — engolida e soterrada em meio a esse falatório periférico que vocês travestem todo dia de crise governamental. Parece que tem muita gente querendo protestar contra a sabotagem das reformas (que é um risco) e da informação (que é uma realidade). E, por mais que vocês queiram, essa gente não vai pedir licença a vocês.

Encerro com a avaliação de Ricardo Noblat e um vídeo de Caio Coppola. Começando por Noblat:

Foi uma manifestação fake, a de ontem. Simples de demonstrar. O que disseram a propósito os seus organizadores? E o que disse à noite o presidente Jair Bolsonaro em uma entrevista chapa branca à Rede Record de Televisão? Organizadores e Bolsonaro disseram que milhares de pessoas foram às ruas de mais de 150 cidades para cobrar a aprovação da reforma da Previdência, do pacote anticrimes do ex-juiz Sérgio Moro, e renovar seu apoio ao governo. Fosse verdade, não teria havido espaço para bonecos gigantes que ridicularizaram o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. Afinal, ninguém mais do que Maia batalha pela aprovação da reforma. E isso todos reconhecem. Bolsonaro, não, só finge apoiá-la. Faz as declarações de praxe. E vez por outra fraqueja, deixando às claras seu raso compromisso com ela. O ministro Paulo Guedes, autor da proposta de reforma, até ameaçou ir embora porque o presidente mais atrapalha do que ajuda. O mercado financeiro dá por seguro que a reforma passará no Congresso e em tempo razoável. Então, por que milhares de brasileiros trocariam a praia e o descanso do domingo para suarem a sol a pino em defesa de uma reforma que não inspiraria tantos cuidados? De resto, em que lugar do mundo multidões se reuniriam alegres e ruidosas para comemorar a supressão de direitos conquistados e menos dinheiro no bolso? Ora, por toda parte, reforma da Previdência é sinônimo de confusão e de gente zangada nas ruas. É fato que a violência por aqui ultrapassou o limite do tolerável. E que o Congresso faz restrições ao pacote de medidas desembrulhado por Moro. Mas isso está longe de significar que o pacote irá para o lixo. Convenhamos: cabe ao Congresso aperfeiçoá-lo, não o engolir a seco. E aqui mora o busílis: na verdade, Bolsonaro e seus devotos querem que o Congresso apenas referende os projetos para ali enviados pelo governo. E que a Justiça se comporte como um poder amigável, dócil às suas vontades, e garantidor de suas iniciativas. Assim, começa a fazer sentido o que se viu e se ouviu, ontem, nas ruas – os bonecos de Maia, faixas e cartazes com duras críticas aos políticos e aos ministros do Supremo Tribunal Federal, palavras de ordem que exaltavam o Mito, o Messias, o presidente, ou simplesmente Jair. Sem financiamento empresarial, sem incentivo de partidos ou dos movimentos sociais organizados, a estudantada surpreendeu o governo e todo mundo no último dia 15 ocupando as ruas de 220 cidades para protestar contra o corte de verbas para a Educação.
Bolsonaro chamou os jovens de “idiotas úteis”. Pois os “idiotas úteis” obrigaram o governo a devolver parte do dinheiro cortado. Usados por Bolsonaro como massa de manobra contra o Congresso e a Justiça, os “patriotas” do dia 26 não terão o que celebrar. Congresso e Justiça não recuarão um passo de suas posições. Darão um tempo para só depois retaliar o governo. Conforme-se Bolsonaro com as regras da democracia. Ou então peça para sair.

Com a palavra, Caio Coppola:



Que cada um tire suas próprias conclusões.

sexta-feira, 17 de maio de 2019

MORO, BOLSONARO E JÂNIO QUADROS


Reafirmar que colocará à disposição de Sérgio Moro a primeira vaga que se abrir no STF, quando ainda faltam 18 meses para a aposentadoria compulsória do decano da Corte, foi uma maneira de Jair Bolsonaro evitar que seu ministro abandone o barco (comenta-se à boca pequena que o ex-juiz da Lava-Jato cogitou de pedir o boné depois dos recorrentes revezes que lhe foram infligidos pelo presidente da Câmara e um sem-número de parlamentares envolvidos com a Lava-Jato). De quebra, o presidente sinalizou que o derrotado de hoje pode se tornar julgador decisivo amanhã, e sem favores a pagar a políticos em alguma votação de processos protegidos por foro privilegiado no Supremo.

Para Dora Kramer, no entanto, o que Bolsonaro fez foi desnecessário e, sobretudo, fruto de inexperiência. Ao afirmar que acertou com Moro a indicação para o Supremo quando do convite para integrar o governo, o presidente colocou o auxiliar numa situação difícil, pois enquadrou a indicação e aceitação numa moldura de toma lá dá cá absolutamente desconfortável, além de colocá-lo com contraproducente antecedência na condição de alvo de um Congresso (a quem cabe aprovar o nome do indicado pelo Executivo paro o STF) em boa medida crítico à atuação judicante de Moro. Restou ao ministro negar que tenha feito tal acordo por ocasião do convite para deixar a carreira de juiz e assumir o Ministério da Justiça. Ou seja, Bolsonaro obrigou um subordinado a desmentir uma fala do seu presidente. Tudo errado: do começo, meio e fim.

Fato é que os erros do capitão vêm superando com folga seus pífios acertos nestes quase cinco meses de governo. Algumas menções na imprensa apontam semelhanças entre ele e Jânio Quadros, mas há que destacar que o caminho do professor de português mato-grossense foi de êxito político e administrativo, sempre marcado por oratória e conhecimento do vernáculo e da história do Brasil. No período em que ele governou esta banânia — de 31 de janeiro a 25 de agosto de 1961 —, havia tensões políticas, mas não problemas econômicos. Mesmo com sua renúncia — cujos motivos nunca ficarem bem claros, diga-se —, o Brasil cresceu.

Segundo o historiador Marco Antonio Villa, esse paralelo entre Jânio e Bolsonaro não existe. Bolsonaro foi deputado baixo clero, é péssimo orador, não tem preparo para a Presidência da República. No campo econômico, Relações Exteriores, a postura do político e o conhecimento entre ambos não tem nenhum paralelo. Confira a íntegra do comentário:



sexta-feira, 10 de maio de 2019

NÃO HÁ ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL. O BRASIL É UMA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA.



Enquanto juiz, Sérgio Moro “atuou contra os políticos”. Como sempre há um dia da caça e outro do caçador, nada interessa menos à classe política do que o sucesso do ora ministro da Justiça e Segurança Pública. Por determinação do presidente da Câmara — ele próprio enrolado na Lava-Jato —, o pacote de medidas anticrime e anticorrupção apresentado pelo ex-magistrado está sendo discutido por um grupo de trabalho formado por parlamentares de pouca expressão, e temas importantes, como a criminalização do caixa 2, foram apartados. 

Também por decisão de Rodrigo Maia, foi anexada aos projetos uma proposta de mudanças na legislação criminal apresentada ao Congresso em 2018 pelo togado supremo Alexandre de Moraes. Pelo andar da carruagem, a análise só deve terminar em setembro, quando então uma comissão especial terá dois meses para deixar o projeto em condições de ser votado. Vencidas essas etapas, se o Senado não fizer alterações que obriguem a Câmara a reexaminar o assinto, Moro poderá ver seu projeto se transformar em lei no ano que vem, se até lá ele ainda estiver no governo.

Bolsonaro não tem sido de grande ajuda — aliás, a julgar pelo que vem fazendo desde que assumiu o posto, o presidente não é de grande ajuda nem para si mesmo. Além de não mover uma palha para apressar a tramitação do projeto do ministro da Justiça, o presidente negou que lhe tivesse prometido a indicação do próximo procurador-geral (o mandato de Raquel Dodge termina em setembro), fê-lo recuar da nomeação da cientista política Ilona Szabó como suplente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, flexibilizou a posse de armas sem levar em conta suas sugestões e não se empenhou pela manutenção do Coaf  em sua pasta. Prova disso é que na manhã da última quinta-feira uma comissão mista da Câmara e do Senado, ao analisar a Medida Provisória que montou o governo, aprovou por 14 votos a 11 a volta do Coaf para o Ministério da Economia. É certo que a medida ainda precisa ser votada no plenário da Câmara dos Deputados e no Senado, mas até aí morreu o Neves.

Observação: O personalismo de Moro ajuda a aprofundar o abismo existente entre ele e a classe política. Um dos poucos parlamentares a apoiar abertamente sua agenda no Congresso, o senador tucano Márcio Bittar resume a má vontade de Brasília: “Ele não tem bancada, não é do meio político e sendo quem é não facilita. Representa alguém que prendeu políticos. Não é um personagem agradável para a maioria no Congresso. Contrariou muitos interesses”.

A exemplo da maioria dos políticos tupiniquins, Rodrigo Maia e seu papai — o ex-prefeito do Rio e hoje vereador Cesar Maia — são investigados na Lava-Jato, e o ex-ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência e ex-ministro de Minas e Energia no governo TemerWellington Moreira Franco, e casado com sua sogra. 

Identificado como Gato Angorá nas planilhas do departamento de propina da Odebrecht, Moreira Franco era o único ex-governador eleito e ainda vivo do Rio sem passagem pela prisão até março deste ano, quando foi preso preventivamente com o ex-presidente e o coronel Lima. Os três foram soltos depois dias depois por um desembargador que ficou afastado do cargo durante sete anos por suspeita de estelionato e formação de quadrilha, mas, na última terça-feira, 7, a 1ª Turma do TRF-2 cassou os habeas corpus que beneficiaram Temer e Lima, conquanto tenha mantido o gato gatuno em liberdade.  

No final do mês passado, o ministro Edson Fachin atendeu a um pedido da PGR que pleiteava o arquivamento de um inquérito envolvendo Rodrigo Maia e o senador Renan Calheiros — o presidente da Câmara ainda responde a outros 2 inquéritos, ao passo que o cangaceiro das Alagoas é alvo de 13 apurações. Dias atrás, Marcos Tadeu, ex-executivo da OAS, afirmou em depoimento que a empreiteira pagou propina a Cesar Maia por meio de contrato fictício com o escritório de Sérgio Bermudes — renomada banca de advogados que tem entre seus clientes Eike Batista e a mineradora Vale, e cuja sucursal em Brasília acontece de ser chefiada por Guiomar Mendes, esposa do semideus togado que o ministro Luís Roberto Barroso definiu como “uma pessoa horrível, uma mistura do mal com o atraso e pitadas de psicopatia“ e o jornalista J.R Guzzo como “uma fotografia ambulante do subdesenvolvimento brasileiro, mais um na multidão de altas autoridades que constroem todos os dias o fracasso do país”).

Para encurtar a conversa, o pacote de medidas anticrime e anticorrupção de Sérgio Moro perdeu protagonismo devido à relevância da reforma previdenciária, que vem sendo tratada como prioridade única pelo Planalto. Apesar de as mudanças no sistema de aposentadorias serem muito mais impopulares, interlocutores do presidente dizem que a proposta do ministro, mesmo sendo positiva para o governo, não recebe igual tratamento devido à sua rejeição no Congresso, sem mencionar que o presidente Bolsonaro não gosta de dividir a ribalta com seus “superministros”. Mesmo ciente das consequências políticas de um eventual pedido de demissão de Moro — que, fora do governo, não teria dificuldades em arrumar um novo emprego com remuneração infinitamente superior à de ministro de estado —, o capitão faz questão de reafirmar que ele é quem manda, deixando claro que sombras não são bem-vindas. 

Moro se mostra resignado com as “boladas nas costas”, mas acredita que conseguirá aprovar ao menos uma parte de seu pacote, o que lhe daria reconhecimento. Depois, em não havendo outros sobressaltos, poderia assumir uma das vagas a serem abertas no Supremo durante a gestão de Bolsonaro. Reservadamente, ele diz acreditar que está no “caminho certo”, mas que os desafios são imensos. Tomara que não mude de ideia agora que perdeu o Coaf.

Para fechar em grande estilo: numa sessão marcada por momentos de tensão, o plenário supremo decidiu na tarde de ontem, por 7 a 4, declarar constitucional o decreto assinado pelo então presidente Michel Temer em 2017, beneficiando, inclusive, condenados por crimes do colarinho branco ao entender que o indulto é um ato privado do presidente da República, não cabendo ao Judiciário definir ou rever as regras estabelecidas pelo chefe do Executivo. Lula não será beneficiado, porque só começou a cumprir pena em 2018, ao ser condenado pelo TRF-4.

Eis aí mais uma decisão tomada por togados supremos que acham perfeitamente normal, num país com 13 milhões de desempregados e um salário mínimo "de fome", fazer uma licitação de R$ 1,3 milhão para comprar medalhões de lagosta e vinhos importados — e somente os premiados — para as refeições servidas pela Corte. O ministério público do TCU pediu a suspensão, o pedido foi acatado pela juíza Solange Salgado, da 1ª Vara Federal em Brasília (para quem a licitação afronta o princípio da moralidade administrativa) mas a AGU recorreu e o vice-presidente do TRF-1 cassou a decisão e liberou a boca-livre. País de merda, este nosso, e povo de merda esse que aceita bovinamente essa bandalheira toda com o suado dinheiro dos impostos. Depois vem deputado de esquerda dizer que a reforma da Previdência vai matar de fome os mais pobres. Demorô! Quem vota nessa corja merece bem mais que isso.

Como disse o zero três, "bastam um soldado e um cabo...". Às vezes, fico pensando se isso não vai acabar acontecendo, pois é público e notório que uma banda podre... enfim, a tendência é a coisa mudar naturalmente, conforme os atuais integrantes forem se aposentando (Celso de Mello e Marco Aurélio completam 75 anos em 2021, ainda no governo Bolsonaro, portanto), mas se a mudança será para melhor vai depender de quem os substituirá. Mas isso é conversa para outra hora.



quinta-feira, 4 de abril de 2019

E LA NAVE VA — PARTE V



A audiência pública na CCJ da Câmara, convocada para Paulo Guedes esclarecer dúvidas dos deputados sobre a PEC da Previdência, virou um campo de batalha onde esquerdopatas inadjetiváveis massacrarem implacavelmente o ministro. 
Saltava aos olhos que o propósito de um grupelho, munido de cartazes com dizeres PEC da Morte, Pé na Cova e outras bobagens, era tumultuar a sessão e desestabilizar o convidado, mas ficou ainda mais claro (e foi ainda mais revoltante) o total absenteísmo dos deputados do PSL, do Centrão e outros que supostamente apoiam o governo. Guedes foi literalmente atirado às feras (não vou dizer leões para não ofender o rei dos animais) e ninguém acorreu para defendê-lo.
No início da noite, o deputado Zeca Dirceu — que acontece de ser filho do dublê de guerrilheiro de araque e rapinador do Erário José Dirceu, ex-ministro de Lula e condenado a quase 30 anos de cadeia — acusou o ministro de ser “tigrão” para cortar aposentadorias de trabalhadores e “tchutchuca” para cortar privilégios de ricos e banqueiros do país, e ouviu dele que tchutchuca eram “sua mãe e sua avó”. Em meio ao tumulto que se formou, o presidente da comissão, deputado Felipe Franceschini, encerrou a sessão.
Em algum momento de sua trajetória política, o hoje presidente da República afirmou que “o único erro [do governo militar] foi torturar e não matar” — referindo-se aos comunistas em geral e a FHC em particular. Em situações como a de ontem, eu fico pensando se sua excelência não tem uma certa razão.

No último dia primeiro (que acontece de ser 1ª de abril, o dia dos trouxas), o presidente Jair Messias Bolsonaro completou três meses no cargo. De janeiro até agora, ele esteve na Suíça, nos Estados Unidos, no Chile e em Israel, deu uma passadinha rápida em casa (no Rio), e outra no Hospital Sírio Libanês (em São Paulo). Em Brasília, foi cinema com a primeira dama e a ministra Damares na manhã da terça-feira, 26 de março (que, até onde se sabe, não era feriado no DF), em plena articulação da reforma da Previdência e em meio à estúpida guerra de egos que levaria o presidente da Câmara desengavetar e a pôr em votação a PEC do Orçamento Impositivo (detalhes no post anterior), criada originalmente para conter os arroubos dilmistas. A proposta foi aprovada em dois turnos em menos de 3 horas, com 3 votos contrários e 6 no segundo. O próprio partido do presidente contribuiu para a acachapante derrota do governo votando em peso a favor do projeto, talvez porque a maioria dos 54 deputados pesselistas esteja em seu primeiro mandato e não tinha a menor ideia do que estava fazendo.

Rodrigo Maia ergueu a bandeira branca — “Peço ao presidente que pare” — e depois disso os ânimos serenaram. O dólar parou de subir e o Ibovespa, mesmo longe da marca história dos 100 mil pontos que atingiu semanas atrás, quando tudo indicava que a PEC da Previdência caminhava a passos de gigante, ao menos parou de cair. Paulo Guedes explicou a reforma previdenciária aos senadores — depois de faltar ao compromisso marcado com os deputados, segundo ele porque ainda não havia um relator —, e as relações entre Maia e Moro mudaram de guerra quase declarada para paz armada. Mas já dizia o velho Magalhães Pinto que “política é como nuvem; você olha e ela está de um jeito, olha de novo e ela já mudou”.

O fato é que, se crises fosse tijolos, o presidente, seus filhos e alguns ministros que o chefe do Executivo foi buscar só Deus sabe onde seriam uma olaria. Com a oposição combalida no Congresso e nas ruas, o maior adversário do governo é a desarticulação de sua própria base. A eleição formou uma vasta maioria de centro-direita nas duas Casas do Legislativo. Na Câmara, os partidos de esquerda somados contabilizam pouco mais de 130 deputados, número que seria inofensivo para um governo bem articulado com suas bases. O problema é que, diante da implosão das pautas federais provocadas pelo próprio Bolsonaro, a minoria consegue fazer barulho e protelar discussões.

Diante da possibilidade de novas rusgas, aliados de Bolsonaro e de Rodrigo Maia devem agendar uma conversa entre os dois após a volta do presidente volte de Israel — onde, para alívio do agronegócio, ele anunciou apenas a abertura de um escritório em Jerusalém. Enfim, se não houver nenhuma intercorrência mais séria, a reforma previdenciária (ou o que restar dela depois de ser submetida ao crivo dos deputados e senadores) pode ser aprovada ainda no primeiro semestre. A expectativa é que o texto seja votado na CCJ no próximo dia 17, a fim de pressionar o início dos trabalhos na Comissão Especial (que ainda não foi instaurada), onde certamente haverá novos embates e negociações. Dois pontos do texto já estão na lista de mudanças dos parlamentares: a aposentadoria rural e o Benefício de Prestação Continuada. Esses itens são considerados muito caros, sobretudo, para a bancada do Nordeste, que vem ganhando força pela alteração das regras desses temas. É fundamental, portanto, que o relator da comissão especial seja alguém sensível à causa, ou haverá ainda mais divergência e demora na apreciação do texto.

Se quiser aprovar a “nova Previdência”, Bolsonaro terá de mostrar aos deputados como é a articulação na “nova política”. Mas a falta de diálogo com as lideranças é notória. Prova disso é que, durante a escolha da relatoria na CCJ, os parlamentares de partidos de centro e de direita se esquivaram da missão, que acabou caindo no colo do Delegado Marcelo Freitas, do PSL mineiro, que é um deputado de primeiro mandato, sem experiência legislativa anterior. Para que os parlamentares recuperem a confiança no Executivo, Bolsonaro e seu entorno precisam baixar o tom e tentar manter uma relação harmoniosa com o Congresso. Nunca é demais lembrar que bater de frente com o Legislativo custou o cargo a Collor e Dilma. Se não descer do palanque, não botar trela na filharada e nem passar a agir como o presidente de todos os brasileiros, e não dos 57,8 milhões que votaram contra o PT — dos quais uns 10% são bolsomínions legítimos — o presidente corre o risco de perder o bonde (e o cargo). Em conversas no Congresso, representantes de dois dos maiores Bancos do país chegaram a perguntar ao líder do Cidadania na Câmara, Daniel Coelho, se “a solução não seria Mourão”.

Observação: Dos 147,3 milhões de eleitores aptos a votar nas eleições passadas, apenas 39,2% votaram em Jair Bolsonaro. Ao todo, 31,3 milhões não compareceram às urnas, o equivalente a 21,3% do total de eleitores. Se a legitimidade de sua eleição é inquestionável, a da eleição e da reeleição de Dilma em 2010 e 2014 também foi, e ainda assim ela não conseguiu concluir seu segundo mandato. As pedaladas fiscais serviram de desculpa para derrubá-la. Ela caiu, de fato, porque perdeu as mínimas condições de governar.

Para encerrar, transcrevo o texto magistral que Dora Kramer publicou na revista Veja desta semana:

Não obstante o alarido do bolsonarês castiço que assola a República, a reforma da Previdência vai passar. Não porque o presidente Jair Bolsonaro esteja particularmente empenhado nisso. Não será uma obra dele nem de seus três auxiliares falastrões que por uma dessas conjunturas inusitadas são filhos com questões familiares um tanto mal resolvidas e detentores de mandato parlamentar. Se dependesse desses quatro, caminharíamos de modo irremediável para o “buraco” em que o general Rêgo Barros disse recentemente que cairemos caso a reforma não seja feita.

Ela será feita, cedo ou tarde, de um jeito ou de outro, porque o mundo do dinheiro, dos negócios e da alta esfera política concorda com a fala do porta-voz. Funciona mais ou menos como a derrubada da inflação no governo FHC e a manutenção da política econômica do antecessor na gestão Lula: ou é isso ou não tem governo. Quiçá país, na interpretação dos entendidos no assunto.

Prefeito do Rio por três vezes, Cesar Maia, pai do presidente da Câmara, aponta três eixos de sustentação efetiva do governo: Economia (Paulo Guedes), Justiça e Segurança (Sergio Moro) e administração substantiva (os militares do Planalto). Note agora o leitor que todos eles atuaram na última semana para desconstruir a barafunda que parecia levar a reforma a pique.

Moro e Guedes entenderam-se com Rodrigo Maia sobre a necessidade de a proposta da Previdência tramitar soberana, o vice-presidente Hamilton Mourão tranquilizou o PIB com encontro em São Paulo e o general Augusto Heleno certamente foi o autor oculto do apelo à “pacificação” feito por Bolsonaro em seguida a intenso tiroteio com o presidente da Câmara.

Os movimentos desse pessoal são o que realmente conta para medir a ampliação ou a redução de danos à reforma. O jogo aqui é de sobrevivência, uma vez que a aprovação do projeto é o primeiro passo, sem o qual não se vai a lugar algum. Sem ele, por exemplo, Moro não consegue nada com seu pacote de legislação anticrimes. Rodrigo Maia tampouco conseguirá imprimir relevância à sua terceira passagem pela presidência da Câmara (fundamental para o impulso do futuro) se a Previdência ficar empacada. Guedes também não levará adiante sua proposta de desvinculação constitucional das receitas da União.

Donde é de concluir que as coisas fluirão. A menos que o presidente da República resolva livrar-se de seus pilares, ou vice-versa, numa exacerbação de seu jeito rudimentar de ser, e, não sabendo exatamente do que se compõe a nova política, siga na trajetória malsã de negar-se ao exercício da boa política. Nesta, já apontaram diversos autores credenciados, existe um caminho do meio a ser trilhado entre a hostilidade e a ilegalidade. Para tanto, porém, há que ter visão estratégica, inteligência, paciência, ponderação, noção dos limites do poder e, sobretudo, plano de voo claro e detalhado. E é aí que a fêmea da espécie dos suínos corre o risco de retorcer a própria cauda e pôr tudo irremediavelmente a perder.

quarta-feira, 3 de abril de 2019

E LA NAVE VA - PARTE IV


Articulação política”, no Brasil, vai desde o diálogo entre o Executivo e o Legislativo sobre propostas em tramitação no Parlamento até o pagamento de vantagens ilícitas aos congressistas em troca de votos — como no caso do Mensalão —, passando pela oferta de cargos e uma série de outras benesses. Os parlamentares cobram “articulação política” do governo para a aprovação da PEC da Previdência porque são devotos de São Francisco de Assis (aquele do “é dando que se recebe”), e só sabem fazer política na base do toma-lá-dá-cá. Basta lembrar que Michel Temer conseguiu neutralizar as denúncias do então procurador-geral Rodrigo Janot (postergá-las, na verdade,  pois os esqueletos já começam a sair do armário para assombrá-lo) mediante a compra do apoio das marafonas do Congresso.   

Bolsonaro prometeu combater o toma-lá-dá-cá, mas está vendo agora que é mais fácil falar do que fazer, sobretudo num país onde: 1) uma aberração que atende por Justiça Eleitoral (e que, por decisão de outras aberrações, passará a julgar processos da Lava-Jato conectados a crimes de caixa 2) não vê problema em registrar mais de 30 partidos políticos; 2) o Planalto não tem uma base aliada que lhe assegure maioria nas votações, nem um projeto de governo em torno do qual os parlamentares orbitem sem que seja preciso atraí-los a poder de conchavos espúrios.

Depois de dias a fio trocando farpas com Bolsonaro, Rodrigo Maia requentou uma PEC de 2015 e a aprovou em dois turnos, numa votação relâmpago. O projeto precisa ser aprovado no Senado — e se o for, só surtirá efeito no próximo ano (e não no próximo governo, como Rodrigo Maia afirmou erroneamente). Mas não se trata de o Congresso impor um Orçamento ao governo, como alguns têm dito, e sim de tornar impositivas as emendas das bancadas, a exemplo de como acontece com as individuais. Mas foi uma derrota retumbante para o Planalto. Seja como for, Bolsonaro demorou para entender o recado: “Tem político que não quer largar a velha política”, disparou, além de endossar zero dois ao afirmar que Maia “está um pouco abalado com questões pessoais”. O deputado rebateu dizendo que o Presidente está “brincando de governar”; Bolsonaro retrucou que “não existe brincadeira da minha parte”, e assim foi até que o presidente da Câmara declarou: “Pare, chega, peça ao entorno para parar de criticar”.

Observação: Em qualquer democracia que se preze, o Executivo e o Legislativo trabalham juntos pela aprovação do Orçamento. Aqui, o que se tem é uma peça de ficção na qual o Planalto escolhe o que quer ou não pagar. Tecnicamente, quem define o Orçamento é o Executivo; se os parlamentares quiserem implementar mudanças, devem negociar com ele ou formar maioria para derrotá-lo no plenário. Na prática, porém, antes de cada votação importante uma chusma de políticos faz fila no Planalto para oferecer apoio em troca da liberação de verbas e outras benesses. Com isso, partidos de todas as ideologias (ou sem qualquer ideologia) recebem ministérios e cargos sem sequer saberem qual programa irão conduzir.

Trocas de farpas como as que presenciamos nos últimos dias seria admissíveis em bordéis de quinta classe — ou no STF, onde ministros se acusam mutuamente de vender habeas corpus, de envergonhar o Tribunal, etc. Não que o Legislativo e o Executivo sejam farinha de outro saco, mas daí a fomentar picuinhas enquanto a economia patina e a nau dos insensatos depende das bendita reforma previdenciária para evitar de ir a pique... tenha santa paciência! O propósito de Maia ao articular a aprovação do engessamento do Orçamento era demarcar território — como um cachorro mijando pelos cantos ou um galo que estufa o peito, bate as asas e canta para mostrar quem manda naquele terreiro. Como 9 entre 10 políticos brasileiros, o deputado tem receio de ser denunciado por corrupção, e é por isso que ele e tantos outros são contra a Lava-Jato e o projeto anticrime de Moro. E é também por isso que falam em “articulação política” quando na verdade estão fazendo chantagem para obter a impunidade.

Rodrigo Maia, filho de César Maia, é investigado em dois inquéritos oriundos da Lava-Jato, identificado como “Botafogo” nas planilhas do departamento de propina da Odebrecht e marido da enteada do ex-ministro Moreira Franco — preso juntamente com o ex-presidente Temer na semana passada, mas solto dias depois por um desembargador especialista em libertar ladrões do erário (que ficou sete anos afastado da magistratura por acusações de praticar estelionato). Talvez ele tenha ficado ainda mais puto ao saber que Bolsonaro foi ao cinema (!?) e estava mais preocupado com a comemoração, ou rememoração, do golpe militar de 1964 (aquele que jamais aconteceu) do que com sua demonstração de poder. Seria cômico se não fosse trágico, mas é trágico porque Bolsonaro não tem um projeto de governo, nem base aliada, nem muito menos maioria no Congresso. O que ele tem é a PEC da Previdência do ministro da Fazenda e o Pacote Anticrime e Anticorrupção do ministro da Justiça, além, é claro, de uma vocação inata para fazer merda: toda vez que abre a boca, uma crise se avizinha.

A PEC da Previdência e o pacote anticrime e anticorrupção são projetos do Executivo, mas só terão força de lei quando e se forem aprovados pelo Congresso. Bater de frente com o Legislativo, portanto, é uma péssima ideia, sobretudo neste “presidencialismo de cooptação”. Foram o temperamento beligerante e a falta de jogo de cintura no trato com o parlamento que garantiu a Collor e Dilma, cada qual a seu tempo, um providencial pé na bunda. Aliás, a eleição de políticos como esses é a prova provada de que Pelé estava certíssimo quando afirmou que “o brasileiro não sabe votar” — embora tenha dito a coisa certa pelos motivos errados, já que, na ocasião, ele opinava sobre a decisão da ditadura militar (aquela que nunca existiu) de suspender eleições diretas para cargos do Executivo, mas isso é outra conversa.

"O Brasil não é para amadores", dizia o saudoso Tom Jobim. E governar o país também não é. Bolsonaro teve uma longa carreira parlamentar em Brasília, mas ela se resumiu basicamente e a representar o corporativismo militar. Na Presidência, ele parece mais interessado em insuflar suas hordas extremistas, colhendo o aplauso fácil da ala fanática de seus apoiadores, do que governar com sobriedade, com seriedade e com eficácia. Parafraseando o Papa Francisco, "o papa, os bispos e os padres não são príncipes, mas servidores do povo de Deus". Mutatis mutandis, o mesmo se aplica aos políticos e aos membros dos Três Poderes, que parece ainda não terem se dado conta disso.
Na Carta ao Leitor da edição desta semana, Veja resume a coisa da seguinte maneira:

Com apenas três meses de governo, há ainda um longo caminho pela frente. Bolsonaro tem, portanto, condições de corrigir seus erros, acertar o rumo e amadurecer seu entendimento da política. Uma segunda hipótese, muito mais preocupante, é que aquilo que aqui se aponta como erro do bolsonarismo não seja exatamente um erro, mas a sua essência. Algo que, se eliminado, elimina também o próprio bolsonarismo. Para o bem do Brasil, ­fiquemos todos com a primeira hipótese.

Não vejo como discordar.

Atualização — A informação a seguir foge ao assunto em pauta, mas nem por isso deixa de ser importante: O juiz federal Marcelo Bretas, responsável pelos processos da Lava-Jato no Rio de Janeiro, aceitou nesta terça-feira, 2, as duas denúncias apresentadas pelo MPF contra Michel Temer, pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e peculato. As investigações que levaram o ex-presidente a ser preso, denunciado e, agora, tornar-se réu, apuraram supostos esquemas de corrupção nas obras da usina de Angra-3 e contratos da Eletronuclear, estatal que recebia influência política de Temer e seu grupo.