sexta-feira, 7 de junho de 2019

O PACTO INSTITUCIONAL PARA INGLÊS VER



A postura de enfrentamento é da natureza de Jair Bolsonaro. Recuos e tentativas conciliatórias há, mas parecem carecer de sinceridade, pois o presidente é useiro e vezeiro e desdizer o que disse — e até o que desdisse. Às vezes, ele age como um estrategista de alto coturno; noutras, como um parlapatão irresponsável. Mas mais irresponsáveis ainda foram os eleitores — refiro-me ao primeiro turno, pois na fase final já não havia para onde correr.

Voltando ao capitão, há quem veja sua beligerância atávica, no velho estilo estudantil “não levo desaforo pra casa”, como um papel que ele interpreta, mas eu acho que isso faz parte de sua personalidade. É como o escorpião da fábula, que convence o sapo a levá-lo nas costas até o outro lado do rio, argumentando que ambos morrerão se ele aguilhoá-lo, mas tasca-lhe a ferroada mesmo assim, porque é da sua natureza e não há nada que ele possa fazer para mudar.

Se o presidente é como é, os deputados e senadores também são como são: demagogos, fisiologistas, venais, interesseiros. Com raríssimas exceções, eles só se preocupam com o próprio umbigo, às favas com os interesses da nação. O presidente da Câmara, por exemplo, brinca de cabo-de-guerra com o chefe do Executivo enquanto uma caudalosa enxurrada de desditos, desmentidos, acordos, pactos e que tais tentam demonstrar o indemonstrável. A exemplo daquelas famílias numerosas do início do século passado, que posavam para a posteridade diante da câmera de um lambe-lambe, Bolsonaro e Maia — e por vezes Alcolumbre — são todos sorrisos, tapinhas nas costas e apertos de mão, mas só nas fotos.

Em entrevista à Globo no último domingo, Maia, que foi lembrado de forma nada elogiosa nas manifestações do último dia 26, disse que falta ao Planalto um plano de governo, que a reforma previdenciária não é a panaceia para todos os males, que o país ruma para um “colapso social” e que nada está sendo feito para impedir que isso aconteça. Na sequência, detonou o tal pacto institucional, afirmando que Toffoli apresentou uma proposta “mais de princípios” e o governo, uma contraproposta “mais política, mais ideológica”, que “Lorenzoni entregou um documento que ninguém leu”, que ficou parecendo que o pacto fora fechado “em cima daquele texto”, e que ele (Maia) só poderia firmar qualquer pacto se “tivesse apoio majoritário” dos partidos, o que dificilmente conseguirá. Aproveitando o embalo, criticou o folclórico ministro da Educação, que não poderia se comportar como "um ator da Disney". Com aliados assim, quem precisa de inimigos?

De acordo com a revista VEJA, o pacto proporcionou uma bela imagem, mas enfrenta resistência de parlamentares e magistrados. No Supremo, o ministro Marco Aurélio (que, graças ao bom Deus, deixa a Corte no ano que vem) botou mais lenha na fogueira ao declarar que Toffoli não tem procuração do tribunal para negociar pactos com outros poderes (e a verdade é que ele não tem mesmo).

No Congresso, o governo continua a colher derrotas. Alcolumbre disse que não vai pôr em votação a medida provisória assinada pelo então presidente Michel Temer (com a anuência de Bolsonaro), que flexibiliza o Código Florestal. Ele alega que a casa não terá tempo suficiente para debatê-la, mas, nas entrelinhas, reforça o coro puxado por Maia sobre a necessidade de pôr um freio na edição de medidas provisórias pelo presidente da República. Na Câmara, os reveses também são sucessivos. Sob a batuta de Maia — cuja caneta, segundo Bolsonaro, tem menos tinta e poder —, os deputados engessara ainda mais o Orçamento da União, anularam um decreto presidencial sobre sigilo de informações, deram início à tramitação de uma proposta de reforma tributária diferente da defendida por Paulo Guedes e, caso da Previdência, declararam que não têm compromisso com a aprovação integral do projeto elaborado pelo superministro. Ambos prometem patrocinar mudanças no texto, para que ele fique mais ao feitio dos congressistas que do Executivo, demonstrando que há uma disputa clara pela paternidade do avanço da agenda econômica.

Nos bastidores, a atuação do presidente da Câmara é vista como uma tentativa de implantar um “parlamentarismo branco”. Há políticos, no entanto, que defendem passos mais ousados. Um grupo suprapartidário de senadores, que reúne quadros do PSDB ao PT, tem debatido a possibilidade de pôr em votação uma emenda constitucional para implantar o parlamentarismo no Brasil a partir de 2022, o que reduziria os poderes de Bolsonaro caso seja reeleito. Outra ideia em estudo é votar o chamado recall do mandato presidencial, que também só valeria a partir de 2022. Ele funcionaria como uma espécie de plebiscito para que os eleitores decidam sobre a continuidade ou não do governo. Apesar das conversas, prevalece por enquanto o entendimento (correto, por sinal) de que ainda não é hora de tirar tais projetos da gaveta, para não conturbar um ambiente político já devidamente conturbado.

A PEC previdenciária será aprovada (só não se sabe com que alcance), mas apenas porque a sociedade civil tem exercido pressão sobre o Congresso, e há nada que os políticos temam mais do que o rugido das ruas. Suas insolências não querem ficar com a pecha de culpados por obstruir a colagem dos cacos da Economia, mas é nítida sua intenção de pôr cabresto em Bolsonaro através da limitação dos poderes do Executivo. Segundo a Folhaesse antigo desejo de deputados e senadores está no topo da lista de ações do “parlamentarismo branco” promovido em meio à desarticulação política do governo.

Observação: Criadas pela Constituição de 1988 em substituição aos decretos-lei da ditadura, as medidas provisórias são o principal instrumento do presidente para legislar, pois têm força de lei, embora precisem ser aprovadas em até 120 dias pelo Congresso para virarem, de fato, uma lei. Por enquanto, não há limite para o uso desse instrumento — em cinco meses de mandato, Bolsonaro editou nada menos que 14 medidas provisórias.

A política é como as nuvens no céu. A gente olha e elas estão de um jeito; olha de novo e elas já mudaram. Um dia depois de ler entrevistas nas quais Rodrigo Maia declarou que a falta de agenda do governo conduz o país ao colapso social, Bolsonaro, em visita à Câmara, tratou o presidente da Casa com respeito e fidalguia, e foi tratado por ele com ensaiada amabilidade — Maia chegou a chamar de projeto de lei importante a peça que o visitante lhe entregou, uma proposta considerada secundária e extemporânea, concebida para afagar motoristas infratores, sobretudo entre os caminhoneiros. Foi o segundo encontro dos dois desde a manifestação pró-governo. No primeiro, discutiu-se o tal pacto entre os Poderes.

Que conclusão se pode extrair de tanta desavença que evolui do cheiro de queimado para a conciliação — e vice-versa — como se tudo se resolvesse num passe de mágica?  Segundo o evangelho de Josias de Sousa, a explicação é a seguinte:

Por um lado, é bom que Bolsonaro e Maia continuem a se falar; por outro, o tipo de relacionamento que a dupla mantém apenas reforça a convicção de que a política é o território da falsidade, da hipocrisia. É como se eles informassem à plateia que não convém levá-los a sério. Coube ao presidente da Comissão Especial sobre a reforma da Previdência, deputado Marcelo Ramos, gritar no Twitter o que Maia e os parlamentares do centrão cochicham em privado: "…O presidente Bolsonaro não tem noção de prioridade e do que é importante pro país. Enquanto estamos num seminário sobre reforma da Previdência ele está vindo pra Câmara apresentar PL (projeto de lei) que trata de aumentar pontos na carteira de maus motoristas."

E cosi la nave va.