A audiência pública na CCJ da Câmara, convocada para Paulo Guedes esclarecer dúvidas dos deputados sobre a PEC da Previdência, virou um campo de
batalha onde esquerdopatas inadjetiváveis massacrarem implacavelmente o ministro.
Saltava aos olhos que o propósito de um grupelho, munido de cartazes com dizeres PEC da Morte, Pé na Cova e outras bobagens, era tumultuar a sessão e desestabilizar o convidado, mas ficou ainda mais claro (e foi ainda mais revoltante) o total absenteísmo
dos deputados do PSL, do Centrão e outros que supostamente apoiam o governo. Guedes foi literalmente atirado às feras
(não vou dizer leões para não ofender o rei dos animais) e ninguém acorreu para
defendê-lo.
No início da noite, o deputado Zeca Dirceu — que acontece de ser filho do dublê de
guerrilheiro de araque e rapinador do Erário José Dirceu, ex-ministro de Lula e condenado a quase 30 anos de cadeia — acusou o
ministro de ser “tigrão” para cortar aposentadorias de trabalhadores e
“tchutchuca” para cortar privilégios de ricos e banqueiros do país, e ouviu
dele que tchutchuca eram “sua mãe e sua avó”. Em meio ao tumulto que se formou, o presidente da comissão,
deputado Felipe Franceschini,
encerrou a sessão.
Em algum momento de sua trajetória política, o hoje presidente da República afirmou que “o único erro [do governo militar] foi torturar e não matar” — referindo-se aos comunistas em geral e a FHC em particular. Em situações como a de ontem, eu fico pensando se sua excelência não tem uma certa razão. No último dia primeiro (que acontece de ser 1ª de abril, o dia dos trouxas), o presidente Jair Messias Bolsonaro completou três meses no cargo. De janeiro até agora, ele esteve na Suíça, nos Estados Unidos, no Chile e em Israel, deu uma passadinha rápida em casa (no Rio), e outra no Hospital Sírio Libanês (em São Paulo). Em Brasília, foi cinema com a primeira dama e a ministra Damares na manhã da terça-feira, 26 de março (que, até onde se sabe, não era feriado no DF), em plena articulação da reforma da Previdência e em meio à estúpida guerra de egos que levaria o presidente da Câmara desengavetar e a pôr em votação a PEC do Orçamento Impositivo (detalhes no post anterior), criada originalmente para conter os arroubos dilmistas. A proposta foi aprovada em dois turnos em menos de 3 horas, com 3 votos contrários e 6 no segundo. O próprio partido do presidente contribuiu para a acachapante derrota do governo votando em peso a favor do projeto, talvez porque a maioria dos 54 deputados pesselistas esteja em seu primeiro mandato e não tinha a menor ideia do que estava fazendo.
Rodrigo Maia ergueu
a bandeira branca — “Peço ao presidente que pare” — e depois disso os ânimos
serenaram. O dólar parou de subir e o Ibovespa, mesmo longe da marca história dos
100 mil pontos que atingiu semanas atrás, quando tudo indicava que a PEC da Previdência
caminhava a passos de gigante, ao menos parou de cair. Paulo Guedes explicou a reforma previdenciária aos senadores —
depois de faltar ao compromisso marcado com os deputados, segundo ele porque
ainda não havia um relator —, e as relações entre Maia e Moro mudaram de
guerra quase declarada para paz armada. Mas já dizia o velho Magalhães Pinto que “política é como
nuvem; você olha e ela está de um jeito, olha de novo e ela já mudou”.
O fato é que, se crises fosse tijolos, o presidente, seus filhos
e alguns ministros que o chefe do Executivo foi buscar só Deus sabe onde seriam
uma olaria. Com a oposição combalida no Congresso e nas ruas, o maior adversário do governo
é a desarticulação de sua própria base. A eleição formou uma vasta maioria de centro-direita nas duas Casas do Legislativo. Na Câmara, os partidos de esquerda somados contabilizam pouco mais de 130 deputados, número que seria inofensivo para um governo bem articulado com suas bases. O problema é que, diante da implosão das pautas federais provocadas pelo próprio Bolsonaro, a minoria consegue fazer barulho e protelar discussões.
Diante da possibilidade de novas rusgas, aliados de Bolsonaro e de Rodrigo Maia devem agendar uma conversa entre os dois após a volta do presidente volte de Israel — onde, para alívio do agronegócio, ele anunciou apenas a abertura de um escritório em Jerusalém. Enfim, se não houver nenhuma intercorrência mais séria, a reforma previdenciária (ou o que restar dela depois de ser submetida ao crivo dos deputados e senadores) pode ser aprovada ainda no primeiro semestre. A expectativa é que o texto seja votado na CCJ no próximo dia 17, a fim de pressionar o início dos trabalhos na Comissão Especial (que ainda não foi instaurada), onde certamente haverá novos embates e negociações. Dois pontos do texto já estão na lista de mudanças dos parlamentares: a aposentadoria rural e o Benefício de Prestação Continuada. Esses itens são considerados muito caros, sobretudo, para a bancada do Nordeste, que vem ganhando força pela alteração das regras desses temas. É fundamental, portanto, que o relator da comissão especial seja alguém sensível à causa, ou haverá ainda mais divergência e demora na apreciação do texto.
Diante da possibilidade de novas rusgas, aliados de Bolsonaro e de Rodrigo Maia devem agendar uma conversa entre os dois após a volta do presidente volte de Israel — onde, para alívio do agronegócio, ele anunciou apenas a abertura de um escritório em Jerusalém. Enfim, se não houver nenhuma intercorrência mais séria, a reforma previdenciária (ou o que restar dela depois de ser submetida ao crivo dos deputados e senadores) pode ser aprovada ainda no primeiro semestre. A expectativa é que o texto seja votado na CCJ no próximo dia 17, a fim de pressionar o início dos trabalhos na Comissão Especial (que ainda não foi instaurada), onde certamente haverá novos embates e negociações. Dois pontos do texto já estão na lista de mudanças dos parlamentares: a aposentadoria rural e o Benefício de Prestação Continuada. Esses itens são considerados muito caros, sobretudo, para a bancada do Nordeste, que vem ganhando força pela alteração das regras desses temas. É fundamental, portanto, que o relator da comissão especial seja alguém sensível à causa, ou haverá ainda mais divergência e demora na apreciação do texto.
Se quiser aprovar a “nova Previdência”, Bolsonaro terá de mostrar aos deputados como é a articulação na
“nova política”. Mas a falta de diálogo com as lideranças é notória. Prova
disso é que, durante a escolha da relatoria na CCJ, os parlamentares de
partidos de centro e de direita se esquivaram da missão, que acabou caindo no
colo do Delegado Marcelo Freitas, do
PSL mineiro, que é um deputado de
primeiro mandato, sem experiência legislativa anterior. Para que os
parlamentares recuperem a confiança no Executivo, Bolsonaro e seu entorno precisam baixar o tom e tentar manter uma
relação harmoniosa com o Congresso. Nunca é demais lembrar que bater de frente
com o Legislativo custou o cargo a Collor
e Dilma. Se não descer do palanque, não botar trela na filharada e
nem passar a agir como o presidente de todos os brasileiros, e não dos 57,8 milhões
que votaram contra o PT — dos quais uns 10% são bolsomínions legítimos — o presidente corre o risco de perder o bonde (e o cargo). Em conversas no Congresso,
representantes de dois dos maiores Bancos do país chegaram a perguntar ao líder
do Cidadania na Câmara, Daniel Coelho,
se “a solução não seria Mourão”.
Observação: Dos 147,3 milhões de eleitores aptos a votar
nas eleições passadas, apenas 39,2% votaram em Jair Bolsonaro. Ao
todo, 31,3 milhões não compareceram às urnas, o equivalente a 21,3% do total de
eleitores. Se a legitimidade de sua eleição é inquestionável, a da eleição e
da reeleição de Dilma em
2010 e 2014 também foi, e ainda assim ela não conseguiu concluir
seu segundo mandato. As pedaladas fiscais serviram de desculpa para derrubá-la.
Ela caiu, de fato, porque perdeu as mínimas condições de governar.
Para encerrar, transcrevo o texto magistral que Dora Kramer publicou na revista Veja desta semana:
Não obstante o alarido
do bolsonarês castiço que assola a República, a reforma da Previdência vai passar.
Não porque o presidente Jair Bolsonaro
esteja particularmente empenhado nisso. Não será uma obra dele nem de seus três
auxiliares falastrões que por uma dessas conjunturas inusitadas são filhos com
questões familiares um tanto mal resolvidas e detentores de mandato
parlamentar. Se dependesse desses quatro, caminharíamos de modo irremediável
para o “buraco” em que o general Rêgo
Barros disse recentemente que cairemos caso a reforma não seja feita.
Ela será feita, cedo
ou tarde, de um jeito ou de outro, porque o mundo do dinheiro, dos negócios e
da alta esfera política concorda com a fala do porta-voz. Funciona mais ou
menos como a derrubada da inflação no governo FHC e a manutenção da política econômica do antecessor na gestão Lula: ou é isso ou não tem governo.
Quiçá país, na interpretação dos entendidos no assunto.
Prefeito do Rio por
três vezes, Cesar Maia, pai do presidente da Câmara, aponta três eixos de
sustentação efetiva do governo: Economia (Paulo
Guedes), Justiça e Segurança (Sergio
Moro) e administração substantiva (os militares do Planalto). Note agora o
leitor que todos eles atuaram na última semana para desconstruir a barafunda
que parecia levar a reforma a pique.
Moro e Guedes entenderam-se com Rodrigo Maia sobre a necessidade de a
proposta da Previdência tramitar soberana, o vice-presidente Hamilton Mourão tranquilizou o PIB com
encontro em São Paulo e o general Augusto
Heleno certamente foi o autor oculto do apelo à “pacificação” feito por Bolsonaro em seguida a intenso tiroteio
com o presidente da Câmara.
Os movimentos desse
pessoal são o que realmente conta para medir a ampliação ou a redução de danos
à reforma. O jogo aqui é de sobrevivência, uma vez que a aprovação do projeto é
o primeiro passo, sem o qual não se vai a lugar algum. Sem ele, por exemplo, Moro não consegue nada com seu pacote
de legislação anticrimes. Rodrigo Maia
tampouco conseguirá imprimir relevância à sua terceira passagem pela
presidência da Câmara (fundamental para o impulso do futuro) se a Previdência
ficar empacada. Guedes também não levará adiante sua proposta de desvinculação
constitucional das receitas da União.
Donde é de concluir
que as coisas fluirão. A menos que o presidente da República resolva livrar-se
de seus pilares, ou vice-versa, numa exacerbação de seu jeito rudimentar de
ser, e, não sabendo exatamente do que se compõe a nova política, siga na
trajetória malsã de negar-se ao exercício da boa política. Nesta, já apontaram
diversos autores credenciados, existe um caminho do meio a ser trilhado entre a
hostilidade e a ilegalidade. Para tanto, porém, há que ter visão estratégica,
inteligência, paciência, ponderação, noção dos limites do poder e, sobretudo,
plano de voo claro e detalhado. E é aí que a fêmea da espécie dos suínos corre
o risco de retorcer a própria cauda e pôr tudo irremediavelmente a perder.