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terça-feira, 3 de junho de 2025

O PAÍS DA CORRUPÇÃO — O EPÍLOGO DA FARSA

VIRAR CERTAS PÁGINAS DA HISTÓRIA NÃO BASTA. É PRECISO ARRANCÁ-LAS.

 

Apesar dos bons serviços prestados no combate à corrupção (ou justamente por causa deles), a Lava-Jato foi desmantelada por um consórcio heterogêneo que reuniu de hackers capiaus e togas supremas a um presidente com quatro dos cinco filhos investigados pela PF.

 

Durante algum tempo, os resultados obtidos pela maior operação anticorrupção da história deste país nos deram a ilusão de que lei valia por igual para todos, sobretudo quando Lula e seus comparsas da Odebrecht e da OAS foram parar na cadeia. Mas os ventos mudaram, e com eles o entendimento do STF sobre a prisão em segunda instância. Ato contínuo, o então presidiário mais famoso do Brasil foi solto e o juiz que o condenou, laureado com a pecha da parcialidade. 

 

A despeito de o "material tóxico" vazado pela Vaza-Jato ter sido obtido criminosamente e, portanto, ser imprestável como prova em juízo, togados sabidamente adeptos dos "embargos auriculares" se valeram do suposto conluio entre Sergio Moro e Deltan Dallagnol para anular as condenações de petistas do alto escalão (a começar por Lula) e de megaempreiteiros (como Léo Pinheiro e Marcelo Odebrecht).

 

Os primeiros alvos da primeira fase ostensiva da Lava-Jato foram o doleiro Alberto Youssef e o então diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa — a quem Youssef presenteou com um Range Rover Evoque. O doleiro foi condenado a mais de 100 anos de prisão, mas, em agosto do ano passado, quando já vinha cumprindo a pena em regime domiciliar, foi autorizado pelo STJ a tirar a tornozeleira eletrônica.


Lula colecionou duas dúzias de processos criminais, foi condenado a mais de 20 anos de reclusão (somadas as penas dos processos do tríplex e do sítio), preso em abril de 2018, solto em novembro do ano seguinte. Em maço de 2021, uma "epifania" revelou ao ministro Fachin que a 13ª Vara Federal de Curitiba carecia de competência para processar e julgar o petista — tese que o próprio Fachin já havia refutado pelo menos uma dúzia de vezes. Assim Lula foi "descondenado", reabilitado politicamente e, graças à vocação de Bolsonaro para o golpismo, despachado para o Planalto pela terceira vez. Sua missão parece ser mostrar o mundo a Janja e, nas horas vagas, dar sequência à demolição da economia nacional — tarefa que o impeachment impediu Dilma de concluir.

 

Dilma foi penabundada da Presidência, mas não perdeu seus direitos políticos. Em 2018, disputou uma cadeira no Senado e terminou em quarto lugar. Com a volta de Lula, foi recompensada com a presidência do. Banco do BRICS (salário anual de meio milhão de dólares). Eduardo Cunha — o imperador da Câmara que autorizou a abertura do processo de impeachment contra ela — foi cassado, condenado a 15 anos de prisão. Beneficiado pela 2ª Turma do STF com a anulação da sentença, tentou voltar à Câmara em 2022, mas teve apenas 5 mil votos.

 

Promovido de vice a titular com a deposição da "chefa", Michel Temer escapou das "flechadas de Janot" e terminou seu mandato-tampão como "pato manco". Em 2019, já sem o escudo da Presidência, foi preso preventivamente — e solto cinco dias depois por um desembargador que ficou afastado da magistratura por 7 anos, acusado de venda de sentenças e formação de quadrilha, mas foi reintegrado depois que o STF trancou a ação criminal. 

 

Gabriela Hardt — que substituiu Sergio Moro na 13ª Vara Federal de Curitiba e conquistou seus 15 minutos de fama ao condenar Lula no caso do sítio de Atibaia — foi transferida para a 3ª Turma Recursal da Justiça Federal do Paraná e responde a processo no Conselho Nacional de Justiça por suposta omissão diante de irregularidades cometidas por integrantes da Lava-Jato.

 

Depois de ter sua conduta profissional questionada em diversas ações disciplinares e ser condenado a indenizar Lula por danos morais relacionados ao célebre PowerPoint de 2016, Deltan Dallagnol deixou o MPF, ingressou na política e se elegeu deputado federal. Quando teve o mandato mandato cassado, qualificou a decisão do TSE como "vingança contra aqueles que combateram a corrupção". Apesar da cassação, o ex-coordenador da Lava-Jato paranaense entende que não está inelegível, e tenciona concorrer ao Senado em 2026.

 

Cristiano Zanin foi a estrela mais brilhante da constelação de criminalistas que defenderam Lula, mas colecionou mais derrotas do que vitórias na Lava-Jato (só no caso do tríplex do Guarujá, foram mais de 400 recursos rejeitados). Mas os ventos mudaram e levaram o nobre causídico para o Supremo — na poltrona que vagou quando o ministro Ricardo Lewandowski trocou a suprema toga pelo supremo pijama. 

 

Walter Delgatti Netto — o líder dos tais hackers capiaus — confessou ter sido contratado pela deputada Carla Zambelli para forjar um falso mandado de prisão contra Alexandre de Moraes. Ambos foram condenados à prisão (ele a 8 anos e ela, a 10 anos e perda do mandato) e a pagar solidariamente R$ 2 milhões de indenização por danos materiais e morais coletivos. Enquanto espera pegar carona numa improvável anistia, Zambelli, claramente inspirada no exemplo do "mito", pede doações por PIX os bolsonaristas e baixa ao hospital alegando um suposto "mal súbito".

 

Depois de 15 anos no Exército, Bolsonaro foi convidado a se retirar devido ao plano de explodir bombas em quartéis caso o reajuste do soldo ficasse abaixo de 60%. Em 27 anos como deputado do baixo clero, percorreu 8 partidos, defendeu a volta da ditadura e o fechamento do Congresso, relatou 73 projetos, aprovou dois e colecionou uma dúzia de processos por injúria, apologia ao estupro e racismo. Sem a menor vocação para presidir o que quer que fosse — nem carrinho de pipoca, como bem observou José Nêumanne Pinto —, surfou no antipetismo e derrotou o bonifrate de Lula em 2018.

 

Na Presidência, o ex-capitão fez do Planalto sua Disneylândia particular, acabou com a Lava-Jato, colecionou 145 pedidos de impeachment (que Rodrigo Maia e Arthur Lira se encarregaram de engavetar) e dezenas de investigações por crimes comuns (que o antiprocurador-geral Augusto Aras matou no peito). Apesar da pose de patriota, sua simpatia pela ditadura militar só não era maior do que sua aversão ao Estado Democrático de Direito.

 

Bolsonaro chamou Alexandre de Moraes de canalha e Luiz Roberto Barroso de filho da puta. Avisou que não cumpriria decisões judiciais nem reconheceria o resultado das urnas se fosse derrotado. Tentou virar a mesa antes da derrota, mas não conseguiu. No atentado planejado para a véspera do Natal de 2022, a explosão do caminhão-tanque no Aeroporto de Brasília só não aconteceu porque o artefato não funcionou. Na sequência, vieram o 8 de janeiro, novos capítulos da novela das joias sauditas, a inelegibilidade, a delação de Mauro Cid, a operação Tempus Veritatis e a descoberta da Abin paralela. 

 

Réu por tentativa de golpe de Estado, Bolsonaro ora ruge, ora mia. Seus advogados tentam atrasar o processo e vasculham o lixão do inquérito em busca de material capaz de reciclar o enredo que o conduz à cadeia. Mas as sobras de Mauro Cid não atenuam o drama do ex-chefe — ao contrário, reforçam o enredo exposto na denúncia da PGR —, e  Moraes, insensível ao mimimi, quer ouvir 82 testemunhas até junho.

 

A tese de perseguição política é tão fantástica quanto a autoproclamada absolvição de Lula. O capitão que falava em "minhas Forças Armadas" vê generais e brigadeiros fornecendo chaves de cadeia. Em entrevista ao UOL, repetiu a cantilena de que "estava na Disney" no dia do quebra-quebra e chamou de "democráticos" os acampamentos golpistas. Mas suas conversas vadias com chefes militares sobre estado de sítio e de defesa e as invasões do Congresso, do Supremo e do Planalto são parte de um mesmo e indissociável plano golpista, e o fato de estar homiziado na cueca do Pateta quando o quebra-quebra aconteceu não lhe serve de álibi.

 

Se nada mudar, a sentença condenatória sairá entre setembro e outubro, quando então o país poderá assistir à última cena dessa ópera bufa — não o encerramento da corrupção, mas o epílogo da hipocrisia travestida de justiça.

quinta-feira, 12 de setembro de 2024

BASTA DE FAKE NEWS

FOI-SE O TEMPO EM QUE AS PESSOAS ME DECEPCIONAVAM; HOJE ELAS APENAS CONFIRMAM MINHAS TEORIAS.


Comemora-se no dia 2 de abril o Dia Internacional da Checagem de Fatos, mas as eleições municipais estão aí, e com as fake news potencializadas pela Inteligência Artificial, fica ainda mais difícil separar o joio do trigo. 

Adubada pela popularização das redes sociais a polarização semeada por Lula com seu "nós contra eles" transformou as campanhas políticas num campo mais fértil para o joio das fake news do que para o trigo dos debates — debates esses que eram mais ou menos civilizados quando os tucanos, e não os trogloditas, eram os adversários de turno do PT e seus satélites. 
 
O uso de fake news, perfis-robôjunk news e outros mecanismos não é uma exclusividade da política tupiniquim entre outras coisas, essa prática ensejou o desembarque do Reino Unido da União Européia e levou Trump à presidência dos EUA em 2106 (o Facebook admitiu que a Internet Research Agency comprou mais de US$ 100 mil em anúncios políticos na plataforma durante a campanha eleitoral).  

No Brasil, a moda surgiu no pleito de 2014 e se consolidou nos subsequentes, tanto gerais como presidenciais. Este ano, a julgar pelo festival de acusações e xingamentos trocados entre os 5 primeiros colocados na disputa pela prefeitura de São Paulo, os eleitores minimamente pensantes que não baixarem o sarrafo terão de escolher entre anular o voto, votar em branco ou dar uma banana pra essa gentalha e se abster de votar. 

Observação: A capital paulista lidera o ranking mundial de poluição do ar pelo quarto dia consecutivo por causa das queimadas, mas, segundo algumas fontes, o problema se agrava significativamente sempre que os aspirantes a alcaide abrem a boca

O voto em branco indica que o eleitor não se identifica com nenhum dos candidatos ou propostas, mas não é considerado na contagem e, portanto, não afeta o resultado diretamente. O voto nulo é uma forma de protesto mais explícito, mas também não interfere no resultado (é mito que 50% + 1 votos nulos anulam a eleição). Já a abstenção (não votar), sobretudo em países em que "o exercício do direito de voto é obrigatório", como é o caso desta banânia, é uma forma de protesto contra o sistema como um todo (embora possa resultar de desinteresse ou alienação política). 

PAUSA PARA MAIS DESGRAÇA

A estiagem vem causando uma queda acentuada no nível dos mananciais que abastecem a capital paulista e outras cidades do estado. A situação não é tão crítica como a de 2020/21, mas pode se agravar se as previsões de estiagem para 2025 e 2026 se confirmarem.
Bauru, Piracicaba e outros municípios do interior enfrentam racionamentos há mais de três meses, e os focos de incêndio registrados em todo o estado continuam aumentado. Para piorar o que já é ruim, a seca na represa Guarapiranga (que abastece boa parte da zona sul da capital) tem contribuído para aumentar a poluição da água e do ambiente ao redor do reservatório.
Capitaneado pelo bolsonarista Tarcísio de Freitas, o governo do estado iniciou a perfuração de poços artesianos e retomou as obras de reservatórios próximos a Campinas como forma de minimizar os efeitos da falta de chuva. Se ainda se ouve falar em "rodízio" e "racionamento", é porque isso não orna com eleições, mas a conscientização da população e uma "mãozinha" de São Pedro são cruciais para o restabelecimento dos níveis dos reservatórios.
Quem for pedir ajuda ao santo deve frisar que a precipitação deve ser significativa, ocorrer por um período prolongado e se concentrar nas bacias hidrográficas que alimentam os reservatórios. As célebres "tempestades de verão" servem apenas para aumentar o caos na sempre caótica Sampa, mas mais caótica ainda em meio a uma eleitoral travada por aspirantes a alcaide que não reúnem condições sequer para dirigir um carrinho de pipoca.
 
Disse alguém mais sábio que "só existem 'influencers' porque existem 'idioters'", mas mesmo que não fazem integra a confraria de anencéfalos que endeusam políticos corruptos e têm bandidos de estimação corre o risco de "levar gato por lebre" se não puser as barbichas de molho.

Para checar a veracidade dos posts, você pode usar a ferramenta disponível na SERP do Google — basta clicar (ou tocar) nos três pontinhos verticais que ficam ao lado dos títulos nos resultados das pesquisas para ter acesso a informações como origem do domínio, idade do registro do site e certificado de segurança — recorrer à coluna Me engana que eu posto, hospedada no site da revista Veja
 
O E-Farsas é o site de checagem de fatos mais antigo do Brasil (para checar um tema específico, encaminhe  o pedido através da aba "Contato"), mas a Agência Lupa, ligada à Folha de S.Paulo, também é pioneira nesse ramo. Para entrar em contato, basta mandar uma mensagem no Facebook que o bot irá avaliar se as informações são verdadeiras ou falsas.
 
O Boatos.org vem desmentindo boatos sobre doenças raras, notícias de morte de pessoas públicas, tentativas de golpes ou outros tipos de fake news desde 2013. Para sugerir a checagem de uma notícia, envie uma mensagem pelo site ou pelo Facebook; se preferir usar o WhatsApp, o telefone é 61 99275-5610

O Fato ou Fake, do g1, está ativo desde julho de 2018. A apuração de notícias falsas é feita por uma equipe de jornalistas de diversos veículos — como Época, Extra, G1, CBN, Extra, TV Globo, GloboNews, Jornal O Globo e Valor Econômico. Para enviar sugestões pelo WhatsApp, o número é 21 97305-9827. 
 
detector de fake news do FakeCheck consegue analisar um texto de pelo menos 100 palavras usando usando Processamento de Linguagem Natural e Aprendizado de Máquina. Para enviar o material pelo WhatsApp, o número é 16 98112-8986

Criado por uma ex-engenheira da Nasa e um desenvolvedor de apps premiado, o site Ground News ajuda a entender o viés da mídia, verificar a credibilidade da fonte e visualizar dados de propriedade de agências de notícias em todo o mundo, e está disponível no formato aplicativo para Android e para iOS.

O buscador de imagens reversas Duplichecker permite fazer pesquisas a partir de uma imagem, colando um URL ou digitando as palavras-chave correspondentes. Outra opção a considerar é a coluna Me engana que eu posto, que fica hospedada no site da revista Veja

O Aos Fatos é uma agência especializada na checagem de fatos que classifica as notícias em sete categorias — verdadeiro, impreciso, exagerado, distorcido, contraditório, insustentável e falso — e aceita denúncias no Facebook mediante posts marcados com a hashtag #vamosaosfatos e no WhatsApp pelo número 21 99956-5882.

O Comprova dispõe de uma equipe de jornalistas de 24 veículos  entre os quais Exame, Folha/UOL, Nexo, Estadão e Veja — e recebe denúncias via Facebook pelo ou WhatsApp através do número 11 97795-0022

sábado, 7 de setembro de 2024

ELEIÇÕES 2024 — POLARIZAÇÃO, BAIXARIA E CEGUEIRA MENTAL DÃO O TOM


 
Faltando menos de um mês para as eleições municipais, Ricardo Nunes, Guilherme Boulos e Pablo Marçal estão tecnicamente empatados, Tábata Amaral aparece em 4º lugar e José Luiz Datena carrega a lanterninha. 
Pelo que se pôde inferir dos debates e do anacrônico "horário eleitoral gratuito" — gratuito para os partidos e candidatos, já que quem paga a conta somos nós — nenhum deles tem condições de administrar nem carrinho de pipoca, quanto mais a maior metrópole da América Latina. A proposta de Tábata é a "menos pior", mas, a julgar pelas pesquisas, a moça precisa de um milagre para chegar ao segundo turno. 
 
No Brasil, presidente, governadores, prefeitos e senadores são eleitos com base no sistema majoritário, e deputados (federais e estaduais) e vereadores, pelas regras do sistema proporcional. Como eu comentei esses dois sistemas em outra postagem, vou resumir a ópera relembrando somente que, em municípios com mais de 200 mil eleitores inscritos, se nenhum candidato a prefeito obtiver 50% + 1 dos votos válidos no primeiro turno, os dois mais votados disputarão uma segunda eleição 
— conhecida como "segundo turno" — que é decidida por maioria simples, ou seja, vence o candidato mais votado.

ObservaçãoNos últimos 24 anos, o segundo turno das eleições paulistanas foi disputado por um candidato da esquerda contra um da direita. Mesmo em 2016, quando Dória venceu no primeiro turno, Haddad ficou em segundo lugar. Seguido esse padrão, um embate final entre dois candidatos da direita — no caso, Marçal e Nunes — é no mínimo improvável. Nesse cenário, Boulos deve representar a esquerda. Resta saber quem será seu oponente. Datena parece não ter a menor chance, e Tábata tem menos de um mês para se consolidar na disputa.
 
Situações desesperadoras exigem medidas desesperadas, mas abster-se de votar, votar em branco, anular o voto ou recorrer ao "voto útil" no primeiro turno é estupidez, mas a nefasta polarização vem produzindo pleitos plebiscitários, e um eleitorado despreparado, mal-informado e eivado de apedeutas e idiotas de carteirinha tende a votar não no candidato com quem mais se identifica, mas naquele que supostamente tem mais chances de derrotar o candidato "deles", o que acaba falseando o resultado final do pleito.
 
Magalhães Pinto ensinou que "política é como as nuvens; a gente olha e elas estão de um jeito, olha de novo e elas já mudaram" e Ciro Gomes, que "eleição é filme, pesquisa é frame". Se admitirmos
 que a opinião de alguns milhares de entrevistados representa fielmente o que pensam 9,32 milhões paulistanos aptos a votar, o resultado das pesquisas constitui um "instantâneo" do humor do eleitorado no momento da abordagem. O bom senso recomenda analisar os números com a devida cautela, mas explicar isso a quem sofre de cegueira mental é como dar remédio a um defunto.
 
Uma das características da democracia brasileira é produzir "salvadores da Pátria". Vimos isso em 1989 com Collor, em 2002 e 2006 com Lula e em 2018 com Bolsonaro. Talvez a história se repita em 2026, tendo como protagonista o "coach motivacional" que teve a candidatura ao Planalto barrada pelo TSE, conseguiu se eleger deputado federal, foi impedido de assumir e agora mira a prefeitura paulistana com um olho e a Presidência com o outro. 

A exemplo de Bolsonaro em 2018, Marçal se vende como candidato "antissistema", mas já acena uma aproximação com o sistêmico União Brasil, que um dos principais partidos do Centrão. Se for eleito, cairá no colo do UB, exatamente como o "mito" caiu no colo do Centrão — e lhe deu o orçamento secreto em troca do engavetamento de 150 pedidos de impeachment. 
 
Campanha eleitoral movida a ódio não é novidade por estas bandas, mas terminou mal todas as vezes que a raiva foi industrializada com propósitos políticos: Jânio renunciou, Collor foi impichado, Bolsonaro perdeu a reeleição, está inelegível, vive sob a sombra de uma sentença criminal esperando para acontecer enquanto posa de cabo-eleitoral de luxo. 
A diferença entre ele e Marçal é que as redes sociais dão a este um alcance maior que o daquele

Com a repetição do fenômeno de forma mais turbinada na seara municipal paulistana, resta torcer para que o eleitor despache a aberração antes que ela se consolide como um fenômeno eleitoral. A despeito de estar claro que se trata de um produto estragado, quem tem que comprá-lo ou não é o eleitor.

domingo, 13 de março de 2022

NÃO CONFUNDA PALHAÇO PRESIDENTE COM PRESIDENTE PALHAÇO (CONTINUAÇÃO)

 

Dizem que o diabo sabe das coisas não por ser o diabo, mas por ser velho. Dizem também que o vinho melhora com o tempo, mas, nas pessoas, a experiência que resulta do passar do tempo pode vir ou não acompanhada da boa e velha sabedoria. 

No que concerne ao eleitorado tupiniquim, a falta de bom senso (decorrente, em grande medida, de falta de instrução) implica a possibilidade (nada remota) de a próxima eleição presidencial ser uma edição reeditada e piorada do pleito plebiscitário de 2018. A diferença é que, em 2018, não faltaram ao então candidato pelo PSL "cabos eleitorais" de peso, como Lula na cadeia, a sensaboria do bonifrate Haddad, a facada de Adélio Bispo (que livrou o ex-capitão de participar dos debates), o impulsionamento espúrio da campanha nas redes sociais, a confiança conquistada com Paulo Guedes na Economia e Sergio Moro na Justiça, e assim por aí vai.

Sabíamos (ou deveríamos saber) que faltavam ao dublê de mau militar e parlamentar medíocre competência, preparo e envergadura para presidir um mísero carrinho de pipoca, mas a perspectiva de ver o país comandado (novamente) por um criminoso, então condenado e preso... Enfim, apostamos nossas fichas em Bolsonaro e torcemos para a emenda não sair pior que o soneto. Mas diz outro velho ditado que basta fazer planos para ouvir a gargalhada do diabo. 

Passando ao que interessa, Volodymyr Zelensky, que até poucas semanas atrás era para nós um ilustre desconhecido, nasceu no sul da Ucrânia e passou quatro anos na Mongólia até retornar à cidade natal. Já na faculdade, percebeu que tinha talento como humorista e apareceu com frequência em programas televisivos. Mesmo tendo concluído o curso de Direito, decidiu seguir carreira como comediante e produtor de TV. Em 2006, venceu a primeira temporada da versão ucraniana do programa “Dança dos Famosos”. Seis anos depois, sua produtora fechou contrato com a rede de TV ucraniana 1+1, de Igor Kolomoysky — dos homens mais ricos do país — e a parceria fez com que Zelensky chegasse ao cinema atuando em comédias românticas como “8 First Dates”

Nesse entretempo, o então presidente ucraniano Viktor Yanukoyvich — um lambe-botas de Putin e corrupto de marca maior — se recusou a assinar um termo de aproximação com a União Europeia. Os ucranianos protestaram, derrubaram dito-cuja e elegeram o bilionário Petro Poroshenko, na tentativa de acabar com a corrupção. Uma insurgência apoiada por Putin resultou na anexação da península da Crimeia e deu azo a movimentos separatistas pró-russos. Em meio a tudo isso, Zelensky filmava a série de TV Servant of the People, que estreou em 2015. Tratava-se da história de um professor (interpretado pelo próprio Zelensky) cujo discurso contra a corrupção feito em sala de aula foi gravado por um de seus alunos, viralizou na Web e culminou com a eleição do mestre-escola presidente da Ucrânia com 60% dos votos. 

Enquanto os ucranianos assistiam aos episódios, Putin se reunia com líderes mundiais em Minsk para assinar um acordo de paz que poria fim aos combates, mas os conflitos na Ucrânia foram retomados. Em dezembro de 2018, a vida imitou a arte: Zelensky criou o partido “Servo do Povo”, anunciou sua candidatura à presidência e, mesmo enfrentando quase três dúzias de concorrentes, obteve 30% dos votos no primeiro turno (contra 16% de seu principal oponente) e venceu o favorito de Putin com 73% dos votos

Observação: Durante seu primeiro ano do mandato, Zelensky recebeu de Donald Trump, então presidente dos EUA, um pedido para investigar o filho de Joe Biden em troca de apoio econômico. O telefonema rendeu a Trump um pedido de impeachment (que não foi aprovado no senado).

Ao apresentar um plano de governo considerado vago, o mandatário ucraniano levou para a vida real as críticas feitas na TV aos "oligarcas" da política e defendeu a entrada de seu país na União Europeia e na Otan — questão central do atual conflito com a Rússia. Diante da pandemia de Covid, ele articulou uma estratégia nacional para limitar a propagação do vírus, mas houve enfáticas restrições às medidas de bloqueio por parte dos que lhe faziam oposição. Paralelamente, a insurgência apoiada pela Rússia na região de Donbass se transformou na maior ameaça à estabilidade europeia desde a Segunda Guerra Mundial. E o resto é história recente: menos de um mês atrás, Putin reconheceu a independência das regiões ucranianas de Donetsk e Lugansk, anulando o acordo de paz de Minsk e despachando “mantenedores da paz” as regiões em questão.

Zelensky fez um apelo pela TV pedindo paz. Horas depois, Putin iniciou uma “operação militar especial” na Ucrânia, com direito a bombardeios em várias cidades, inclusive na capital, Kiev. O líder ucraniano se recusou a abandonar o posto, pediu ajuda para defender seu país — chegando mesmo a dizer que “precisava “de munição, não de uma carona” — e se vem valendo de sua habilidade de comunicação para liderar seu povo.  Putin achou que dominaria o país numa questão de dias, mas os ucranianos resistiram e os líderes ocidentais vem impondo um sem-número de sanções econômicas contra a Rússia. Desde então, Zelensky sobreviveu a três tentativas de assassinato, passou a ser admirado por sua coragem, inclusive por membros da oposição e segue pedindo à União Europeia que considere urgentemente admitir a Ucrânia como membro do bloco.

Como se vê, num intervalo de poucos anos Zelensky foi de humorista de TV e novato político a presidente de um país em guerra contra uma das maiores potências militares do planeta, e agora vem unindo a nação com seus discursos e selfies em vídeo, dando voz à raiva ucraniana na resistência à agressão russa. Enquanto Putin parece cada vez mais errático — acusando a Ucrânia de "genocídio" nas repúblicas separatistas de Donetsk e Luhansk e falando da necessidade de "desnazificar" o país, o ex-comediante, cujos pronunciamentos revelaram um lado que muitos críticos seus não esperavam, se destaca pela postura digna.

Estrategicamente posicionado em frente a um mapa da Ucrânia, Zelensky falou (na maior parte do tempo em russo) que tentou ligar para Putin, mas foi recebido com silêncio. Disse que os dois países não precisam de uma guerra, "nem uma Guerra Fria, nem uma guerra quente, nem uma guerra híbrida". Mas acrescentou que, se fossem atacados, os ucranianos se defenderiam. Na transmissão seguinte, já após a invasão russa, ele usava uniforme militar, refletindo o clima de "Davi contra Golias" do conflito. Naquela noite, em outro discurso, alertou os líderes de países como EUA e Reino Unido de que, se eles não ajudassem no esforço contra os russos, "amanhã a guerra baterá em suas portas". E concluiu: “Este é o som de uma nova cortina de ferro, que desceu e está separando a Rússia do mundo civilizado."

Nas últimas semanas, clipes antigos da série protagonizada por Zelensky exibem cenas incrivelmente semelhantes às que o agora mandatário ucraniano enfrenta na vida real. Numa delas, o fictício presidente Holoborodko caminha por uma praça quando um telefonema da então chanceler alemã Angela Merkel lhe dá conta de que o país fora aceito como membro da União Europeia (justamente um dos pedidos feitos por Zelensky na vida real, e que tem servido de pano de fundo nas tensões com Putin). "Eu estou tão feliz! Obrigado! Todos os ucranianos... nosso país... estamos esperando isso há tanto tempo", diz Holoborodko, mas então a Merkel fictícia responde: "Ah, me desculpe, foi engano meu. Eu estava telefonando para Montenegro".

Outra cena que viralizou na Web mostra Holoborodko tentando apartar uma briga entre os congressistas. Como não consegue, ele grita: "Putin foi deposto". O furdunço cessa imediatamente e todos olham para o presidente, que confessa que era mentira. Em mais um episódio, o personagem de Zelensky fantasia metralhar políticos do Parlamento ucraniano — imagem que reflete, na opinião de alguns analistas, a plataforma antissistema político que o próprio Zelensky usou para impulsionar sua campanha na vida real.

Em entrevista ao UOL, o presidente da Representação Central Ucraniano-Brasileira, Vitorio Sorotiuk, disse que Zelensky convidou Bolsonaro para visitar a Ucrânia quando de sua viagem à Rússia, mas o mandatário brasileiro não respondeu ao convite — o que, segundo Sorotiuk, foi um insulto ao presidente e ao povo ucraniano. No último dia 7, Roberto Livianu publicou em O Globo uma carta enviada por Zelensky a Bolsonaro. Segue a transcrição:

“Presidente Jair Bolsonaro;

As coisas estão difíceis por aqui, mas fui eleito pelo povo para governar para todos os ucranianos por quatro anos e cumprirei meu compromisso na íntegra. Aprendi desde cedo que, nas democracias, os governantes são escolhidos pela maioria, mas, passada a eleição, devem olhar realmente por todos — os “do cercadinho” e aqueles que “atiram tomates no cercadinho”. O senhor me entende, certo? Acredito nisso e pratico isso. É o que tem me fortalecido como líder.

Soube que o senhor tem desaconselhado a população a se vacinar contra a Covid-19 e que o Brasil é o segundo país do mundo com mais mortes pelo vírus — mais de 650 mil. Aqui na Ucrânia, aconselhei pessoalmente a vacinação de todos e todas, pois penso que o exemplo vem do topo. Mas respeito seu ponto de vista. Peço que transmita meus sentimentos às famílias brasileiras enlutadas — nós, ucranianos, sentimos muito as perdas humanas e nos solidarizamos. É o mínimo que se pode fazer diante da tragédia.

Por mais duro que seja, meu lema tem sido a transparência. Límpida, translúcida como uma boa vodca. Cometo erros, como todo ser humano, mas presto contas permanentemente a meu povo do que se passa nas entranhas do poder, assegurando sempre pleno acesso à informação para a sociedade e absoluta liberdade de imprensa.

Nunca havia exercido cargo político. Estou presidente da República, e é minha primeira experiência na vida pública. Assumi compromisso inarredável de lutar contra a corrupção e seu enraizamento no poder. Sou contra a reeleição — tanto no Executivo quanto no Legislativo, pois acho importante o arejamento permanente. Até porque eu jamais aguentaria cinco, seis ou sete mandatos consecutivos no mesmo nível parlamentar. Perdão, o senhor foi deputado sete vezes seguidas: nada contra sua trajetória pessoal, sou apenas contra situações assim.

Soube pela imprensa que o senhor esteve visitando o presidente da Rússia na antevéspera do ataque à Ucrânia. Fiquei sinceramente curioso, imaginando o motivo que poderia tê-lo levado àquele país em momento tão agudo. Fui comediante sim, mas não é piada. Pergunto como estadista. O mundo quer saber.

Soube que apoiadores seus publicaram postagens em redes sociais afirmando que o senhor convenceu o presidente russo a não atacar nosso país e que seria até indicado a receber o Nobel da Paz por isso. Pensei seriamente em pedir os contatos dessas pessoas para recomendá-las ao showbiz da comédia ucraniana.

A Assembleia Geral da ONU aprovou resolução condenando a guerra russa por votação avassaladora. Notei que, apesar de a diplomacia brasileira ter votado contra a agressão, pessoalmente sua posição não tem sido categórica. Continuo em meu país, contrariando o prognóstico de muitos. Sempre na luta. Fica aqui meu convite cordial para uma visita regada a vodca ou tubaína (soube que aprecia). Se quiser vir nesta semana, ficarei feliz. O que Putin e o mundo pensarão a respeito? E daí?”

Volodymyr Zelensky”

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

RESTAURE-SE O IMPÉRIO DA MORALIDADE OU LOCUPLETEMO-NOS TODOS! (PARTE XIX)

 

Em maio de 2019, num ato falho que beirou o sincericídio, Bolsonaro disse a seus baba-ovos: “não nasci para ser presidente, mas sim para ser militar.” E completou: “Não tenho qualquer ambição. Não me sobe à cabeça o fato de ser presidente. Eu me pergunto, eu olho pra Deus e falo: o que eu fiz para merecer isso? É só problema, mas temos como ir em frente, temos como mudar o Brasil.”

Nem a finada Velhinha de Taubaté acreditaria que um presidente que sempre foi amigo de milicianos, partidário da baixa política, adepto das rachadinhas e que jamais havia administrado coisa alguma — nem mesmo carrinho de pipoca em porta de cinema, como registrou José Nêumanne em sua coluna no Estadão — faria um bom governo, mas poucos imaginavam que sua passagem pela Presidência seria tão nefasta.

Covid não estava no programa, mas não é justo atribuir exclusivamente ao vírus maldito todas as agruras infligidas ao povo brasileiro nos últimos três anos, sobretudo porque o despreparo e o negacionismo do pajé da cloroquina foram determinantes para esse resultado.

Em 27 anos de vida pública, o ex-capitão que deixou a caserna pela porta de serviço (ou do desserviço) foi filiado a oito partidos, todos de aluguel. Mas na política o desafeto de hoje pode ser o aliado de amanhã. E vice-versa.

Dois anos depois de se desfiliar do PSL — e de o projeto de criar um partido para chamar de seu dar com os burros n’água — Bolsonaro se amancebou com o PL do mensaleiro e ex-presidiário Valdemar Costa Neto. Detalhe: quando sua alteza ainda se esforçava para aparentar lisura e probidade, um de seus escudeiros cantarolava “se gritar pega Centrão, não fica um, meu irmão” (parodiando o pagode Reunião de Bacana).

Durante a campanha, o próprio Bolsonaro chamou o cacique do PL de “corrupto e condenado”. Em novembro passado, depois de ter flertado com um dúzia de legendas, chegou a mandar o dito-cujo à puta que o pariu — e ouviu em resposta um enfático “vá tomar no cu” (você e seus filhos).

Nos últimos três anos, Bolsonaro não desceu do palanque um dia sequer. Estimulou (e participou pessoalmente) de diversas manifestações antidemocráticas. Flertou incontáveis vezes com o autogolpe. Fomentou um sem-número de crises institucionais. Entre inúmeras motociatas (inclusive em dias úteis e horário do expediente) e uma blindadociata, chamou o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do TSE, de “filho da puta”, e o ministro Alexandre de Moraes, do STF, de  “canalha”. Quando a situação ameaçou sair do controle, foi chorar as pitangas na barra da saia do Vampiro do Jaburu, que redigiu, a seu pedido, uma patética carta de retratação.

Continua...

sábado, 1 de janeiro de 2022

O PRESIDENTE DO DOLCE FAR NIENTE


HAY GOBIERNO? SOI CONTRA!

Na manhã de quinta-feira, 30, enquanto a Bahia contabilizava 24 mortes e 132 cidades em situação de emergência, Bolsonaro, que gozava férias em Santa Catarina desde o dia 27, disse que esperava “não ter de retornar antes”. 

Até aí, nenhuma surpresa: em abril do ano passado, enquanto milhares de brasileiros morriam de Covid todos os dias, o presidente da negação, da discórdia nacional, dos tratamentos falsos, das aglomerações, da inoperância, das mentiras e das omissões disse a apoiadores: "E daí? Não sou coveiro!”.

Nas redes sociais, o mandatário de fancaria foi brindado com o epíteto de "presidente vagabundo":

"O presidente em férias em Santa Catarina. O vice-presidente em férias na parte não alagada da Bahia. E o país à deriva em toda a velocidade, na direção dos rochedos. Só faltam os violinistas do Titanic. #BolsonaroVagabundo", publicou uma internauta no Twitter. Outros logo lhe fizeram eco: “Bahia pedindo ajuda e esse merda de férias. Tem que ser muito fdp para ainda apoiar esse bosta e não adianta usar a desculpa do PT porque não cola mais (nunca colou)”. “Não temos presidente, temos um parasita vagabundo mamando dinheiro público e destruindo nosso país”. 

Bolsonaro deu início ao recesso de fim de ano em 17 de dezembro, quando viajou para a região do Guarujá, e embarcou no último dia 27 para São Francisco do Sul, no litoral catarinense, para passar o feriado de Ano-Novo acompanhado da primeira-dama e da filha do casal. No litoral paulista, andou de lancha, foi a um culto evangélico e pescou perto d Ilha das Cobras (onde deve ter se sentido em casa, como disse se sentir quando finalmente se filiou ao PL do mensaleiro e ex-presidiário Valdemar Costa Neto).

A pergunta que não quer calar é: por que Jair Mefistófeles Bolsonaro mantém a obsessão em combater o combate à pandemia, voltando suas baterias no finalzinho do ano contra o passaporte de vacina e a imunização das crianças? Todo mundo sabe o quanto o Brasil perde com isso, mas ninguém — ou ninguém em sã consciência — consegue entender o que ele ganha com isso.

Enquanto a ciência, a medicina e a opinião pública andam para um lado, o pajé da cloroquina anda para o outro com sua legião de negacionistas e o cardiologista Marcelo Antonio Cartaxo Queiroga Lopes, que não passa de uma versão de jaleco do general Eduardo Pesadelo. Em todo o mundo civilizado foram retomadas medidas da fase aguda e implementadas novas, como a terceira dose, o passaporte de vacinas e a imunização de crianças, para protegê-las e conter o ciclo de contaminação. Aqui, a guerra é para driblar Bolsonaro, que nem tomou a primeira dose e está obcecado em impedir o comprovante de vacinas e que as crianças se protejam.

Como achar normal que o presidente exija a lista dos técnicos da Anvisa que autorizaram a vacinação para os pequenos e seu ministro inventar consulta pública e exigência de receita médica?  É inconcebível exigir dos pais, a quem já não faltam problemas de toda natureza, uma receita pediátrica que lhes permita levar os filhos à fila da vacina. 

Enquanto a Bahia vive uma tragédia e 45 mil passageiros ficam a ver navios e voos ao longe, vítimas de uma companhia aérea mequetrefe (autorizada pela Anac e recebida em festa pelo governo), o presidente da República está na praia dançando funk, parecendo fazer questão de acrescentar novas bizarrices a sua lista interminável de horrores. 

Presidentes devem liderar, mostrar empatia. As declarações de um mandatário reverberam, ainda que esse o dito-cujo seja Bolsonaro, que jamais teve envergadura para ocupar o cargo ou capacidade de presidir o que quer que fosse — nem carrinho de pipoca em porta de cinema, como salientou o escritor, poeta e jornalista José Nêumanne.

Segundo Nêumanne, na véspera do Natal, Bolsonaro exibiu à nação toda a desfaçatez que aprendeu em sua formação na caserna, da qual saiu pela portinhola dos fundos, bem como a arte de mentir, descarada e desmedida, aperfeiçoada em 33 anos no baixíssimo clero da política e da preguiça em público. Aterrorizado com a possibilidade de acrescentar mais sustos à sua vertiginosa queda de popularidade e, com ela, perder mais competitividade na disputa eleitoral em 2022, o capetão encarregou a própria mulher de substituí-lo na função de pregador das redes sociais, com a pusilânime caradura de hábito. 

No cenário emprestado do espaço público, que ocupa como se fosse a própria casa, abriu a baboseira para logo ceder lugar à farsa de Michelle. Para felicidade geral da Nação, o óbvio relambório foi curto. Além da reprodução literal do lema integralista (“Deus, pátria, família”), nenhuma palavra de verdadeira solidariedade do casal aos entes queridos das quase 700 mil pessoas assassinadas pela cruel indiferença de uma gestão federal negacionista e negociante em proveito próprio, durante o enfrentamento da pandemia. Nenhum anúncio de socorro aos 470 mil baianos, dos quais 16 mil ficaram sem casa, simplesmente porque o Estado é governado por um político do PT

Não faltou outro dado mortal da falsidade natalina do casal de presepeiros, que se situa no lado errado do próprio presépio armado. Na cega, estúpida e boçal negação da imunização para ajudar a reduzir o número de vítimas mortais da Covid, a convocação de uma consulta pública para autorizar a aplicação de vacinas da Pfizer, usada com sucesso no mundo inteiro, em crianças de 5 a 11 anos, veio de um sabujo impiedoso travestido de ministro da Saúde, que chegou a exigir prescrição médica para o uso da vacina

Em plena celebração do aniversário do Deus que o capitão mandrião diz venerar, não faltou quem recorresse à Bíblia para achar novo apelido para o médico-monstro. Antes, era Marcelo Queiroga. Com a nova presepada, passou a ser chamado de Queirodes Antipático, referência ao maior vilão da História da civilização: Herodes Antipas, o rei da Judeia que mandou assassinar todos os bebês nascidos na data hoje santificada, quando soube que ele poderia vir a ser o novo rei dos judeus.

Herodes Antipas não passava de um reizinho fantoche do poderio romano, que, 33 anos depois, transformaria o hábito higiênico de lavar as mãos na suprema renúncia covarde, que o chefe do desgoverno atual não tem coragem de anunciar para livrar os adultos de sua preguiça contagiosa, e as crianças de seu ódio brutal à vida, à inocência e à felicidade. Um ser humano digno dessa qualificação, que há decênios o falso Messias desonra e enxovalha, mostra que, felizmente, ainda há servidores decentes que sobrevivem aos beócios que dão ordens assassinas em pleno templo da saúde pública.

Comandada por intendentes incompetentes e charlatães com dragonas desonradas por um dublê de capitão-terrorista e diplomas mal-empregados, a secretária extraordinária de enfrentamento à Covid ao STF afirmou, através de nota técnica simples, direta e corajosa, que a vacina para crianças é segura. Subordinada ao ministro da Saúde, a servidora ousou ir na contramão dos questionamentos do sultão do bananistão, que diz haver "desconfiança" e uma "interrogação enorme" em relação aos supostos efeitos colaterais da vacinação de crianças.

Nenhum dos importantes legados do ogro negacionista o favorece no pleito de outubro próximo, e alguns serão dor de cabeça para quem lhe suceder. Bolsonaro conseguiu o prodígio de estilhaçar internamente diversos segmentos que o apoiaram em 2018, e agora não sabe como colar os cacos. Talvez o legado mais significativo de Bolsonaro para 2022 seja ter ajudado a recuperar as chances eleitorais do lulopetismo. Como Lula trabalhará esse ganho é outra história, mas é ele o favorito que todos terão de derrotar, ao passo que Bolsonaro é cada vez menos visto como alternativa ao ex-presidiário promovido a ex-corrupto.

De acordo com Willian Waack, ganha corpo uma noção ainda vaga, em boa parte criada pelo fracasso bolsonarista, de que mesmo forças políticas antagônicas têm condições de pensar um país para além do destino de excrescências como Bolsonaro e Lula. Há um eixo de debate democrático capaz de unir e pacificar contrários, centrado em como nos fazer sair da pobreza, da desigualdade, da injustiça e da ignorância. Mas o jornalista reconhece tratar-se apenas da esperança de um 2022 melhor para todos nós.

Há muito tempo que eu desisti de compreender o despirocado do Planalto. Às vezes, vejo-o como uma criança mimada, que ganhou um passaporte válido por um dia (um dia que dura longos quatro anos) para explorar, sem limitação nem supervisão, todas as atrações de um parque de diversões. E é justamente isso que ele vem fazendo desde janeiro de 2019. Para encerrar, reproduzo um trecho do editorial do Estadão da última quinta-feira:

O governo Bolsonaro se ausentou do enfrentamento de quase todos os problemas que afligiram os brasileiros ao longo deste ano particularmente difícil. Não raras vezes, o próprio presidente foi a fonte das atribulações. Há duas razões para esse comportamento: a baixa estatura moral e intelectual de Bolsonaro para exercer a Presidência e sua notória inapetência para o trabalho. O resultado de três décadas de irrelevante vida pública revela que Bolsonaro nunca gostou do batente. E a ascensão à Presidência não parece tê-lo feito mudar de ideia.

Mas, por paradoxal que possa parecer, a ausência de um governo digno do nome em momentos tão críticos teve o efeito positivo de lançar luz sobre a solidariedade entre os cidadãos. Em 2021, os brasileiros deram mostras inequívocas de que os laços de fraternidade que os unem estão mais fortes do que nunca. É como se os cidadãos percebessem que, diante de um governo tão ruim, tivessem de contar apenas uns com os outros. Evidentemente, por mais valorosa que seja, a solidariedade não dá conta de tudo. O apagão governamental produziu desastres. Mas foi graças ao altruísmo de muitos cidadãos que alguns problemas puderam ser ao menos mitigados.

Tome-se como exemplo mais recente a tragédia das chuvas que mataram dezenas e desabrigaram milhares de baianos neste fim de ano. Como se fosse um burocrata qualquer, que assina meia dúzia de papéis e dá seu trabalho como concluído, Bolsonaro se limitou a despachar para a Bahia o ministro da Cidadania, e a editar uma medida provisória que cria um crédito extraordinário de R$ 200 milhões para reconstrução da infraestrutura rodoviária destruída pelas chuvas no Estado. Depois, partiu para uma semana de ócio nas praias de Santa Catarina — a imagem do dolce far niente do presidente em contraste com o terrível padecimento dos baianos é de causar engulhos. 

A ajuda concreta aos baianos que perderam tudo o que tinham tem vindo, principalmente, da solidariedade de seus concidadãos em todo o País e de ações pontuais de empresas privadas, principalmente supermercados, que têm enviado alimentos aos desabrigados.

Não houve em 2021 exemplo maior de união entre os brasileiros em prol do bem comum do que a que se viu no curso da pandemia. Os brasileiros, em sua grande maioria, ignoraram olimpicamente a sabotagem do governo federal às medidas sanitárias para evitar a disseminação do vírus. 

Fazendo ouvidos moucos para a campanha de Bolsonaro contra a vacinação, os cidadãos acorreram em massa aos postos de saúde para receber o imunizante tão logo foi possível. Não foi trivial o sacrifício individual que muitos fizeram em nome do bem-estar coletivo.

Na raiz desse contraste entre governo e sociedade está a incompreensão de Bolsonaro sobre o valor simbólico da Presidência da República. Sabe-se que ele não é talhado para exercer a liderança do País, mas nem sequer se esforça para interpretar o papel. Resgatar o simbolismo de dignidade e espírito público que a Presidência encerra, pois, será uma das muitas missões de quem vier a suceder-lhe.

Feliz ano-novo.