LASCIATE OGNI SPERANZA VOI CH'ENTRATE!
Para assegurar a independência do Ministério Público Federal em relação ao Executivo, a Constituição de 1988 condicionou a destituição do PGR à aprovação do Senado. Assim, prestar vassalagem a presidente que o indicou não fazia parte das atribuições de Augusto Aras. No entanto, seduzido pela promessa (jamais cumprida) de uma vaga no STF, o antiprocurador lambeu as botas de Bolsonaro até dezembro de 2022 — e estaria lambendo as de Lula se não tivesse sido preterido por Paulo Gonet.
Ao longo de 79 fases, a Lava-Jato contabilizou 1.450 mandados de busca e apreensão, 211 conduções coercitivas, 132 mandados de prisão preventiva e 163 de temporária. Foram colhidos materiais e provas que embasaram 130 denúncias contra 533 acusados e geraram 278 condenações (sendo 174 nomes únicos), num total de 2.611 anos de pena. Foram propostas 38 ações civis públicas e 735 pedidos de cooperação internacional, e mais de R$ 4,3 bilhões foram recuperados por meio de 209 acordos de colaboração e 17 de leniência.
Tudo ia bem até que os procuradores cometeram o "pecado mortal" de mirar dois ministros do STF e um parlamentar rachadista que, coincidentemente, era filho do presidente da República. A partir de então, o ministro Gilmar Mendes passou de defensor a crítico ferrenho da força-tarefa e articulador do fim da prisão em 2ª instância. Paralelamente, o procurador que nada encontrava porque não procurava disparou o tiro de misericórdia na operação que expôs as entranhas pútridas dos governos petistas e trancafiou no xilindró bandidos travestidos de executivos das maiores empreiteiras do país e políticos ímprobos do mais alto escalão do governo federal.
A pá de cal foi gentilmente fornecida pelo site esquerdista Intercept Brasil, com o vazamento seletivo de mensagens roubadas dos celulares de Sergio Moro, Deltan Dallagnol e outros procuradores por uma quadrilha de hackers capiaus. No entanto, ainda que sugerisse uma colaboração explícita entre quem acusava e quem deveria julgar com imparcialidade, o material espúrio não foi periciado pela PF, já que "provas" obtidas criminosamente carecem de valor legal. Mesmo assim, Moro passou de herói nacional a "juiz parcial", e Lula, de presidiário a inquilino do Planalto (pela terceira vez), onde agora busca concluir a demolição da economia — iniciada no 1º mandato de sua pupila e interrompida pelo processo de impeachment.
Ao embarcar numa canoa que deveria saber furada, Moro iniciou um périplo pelos nove círculos do inferno. A exemplo de Aras, deixou-se seduzir pela promessa (jamais cumprida) de uma vaga no STF, e assim trocou 22 anos de magistratura por um efêmero ministério no governo daquele que viria a ser o pior mandatário desde Tomé de Souza. Pode-se acusá-lo de ter sido ingênuo (para dizer o mínimo), mas não de condenar Lula motivado por "ambições políticas". Primeiro, porque a sentença foi proferida em julho de 2017, quando ninguém levava a sério a possibilidade de Bolsonaro ser eleito presidente; segundo, porque o petista foi preso por determinação do TRF-4, que não só ratificou a condenação como aumentou a pena em um terço.
Observação: Durante os 580 dias de férias compulsórias na carceragem da PF em Curitiba, sempre que alguém lhe perguntava se estava bem, o pontifex maximus da seita do inferno respondia: "Só vou ficar bem quando foder o Moro".
As coisas poderiam ter tomado outro rumo se Moro continuasse engolindo sapos depois da folclórica reunião interministerial em que Bolsonaro ameaçou trocar o superintendente da PF antes que "alguma sacanagem fodesse sua família ou um amigo". Na coletiva de imprensa que convocou para anunciar seu desembarque do governo, ele acusou o presidente de interferir politicamente na PF — a revelação desse segredo de Polichinelo resultou na abertura de um inquérito para apurar os fatos, mas tudo acabou em pizza quando o ministro Celso de Mello se aposentou.
Como juiz federal, Moro enquadrou poderosos em processos de grande repercussão, como o escândalo do Banestado, a Operação Farol da Colina e a Operação Fênix, e condenou figuras do alto escalão da política e do empresariado, como Lula, José Dirceu, Sergio Cabral e Emílio e Marcelo Odebrecht. Em 2018, sua imagem de herói nacional ajudou o mau militar e parlamentar medíocre a se passar por inimigo da corrupção e conquistar o apoio da classe média. Como ministro, foi traído por Bolsonaro; ao deixar o governo atirando, passou de ídolo a traidor na visão dos bolsonaristas — para os lulopetistas, ele sempre foi tido como algoz de seu amado líder.
Como aspirante à inquilino do Planalto, Moro se filiou ao Podemos, migrou para o União Brasil e foi sabotado por Luciano Bivar — que fingiu interesse em disputar a Presidência para tirá-lo do jogo, como já o havia tirado do Podemos. Candidato a deputado federal por São Paulo, elegeu-se senador pelo Paraná. A despeito de ter escapado da cassação, sua apagada atuação parlamentar ombreia com a de Bolsonaro (que aprovou míseros dois projetos em quase 3 décadas como deputado do baixo-clero). Refém do personagem que criou na Lava-Jato e do político pouco habilidoso que demonstrou ser, vem colhendo os frutos do que plantou ao trocar o certo pelo duvidoso.
Na Divina Comédia, Dante percorre o inferno e o purgatório guiado pelo poeta Virgílio, e o paraíso, pela mão de sua amada Beatriz. Na política, cada um precisa fazer seu caminho, e o ex-juiz entrou nessa sem guia. Mas a questão que se coloca é: como estaria o Brasil se o establishment não tivesse conspirado para o aborto de seu voo de galinha? The answer, my friend, is blowing in the wind — ou num universo paralelo: segundo a Interpretação de Muitos Mundos, toda decisão ou evento quântico que ocorre no nosso se desdobra em múltiplas realidades, cada uma com um desfecho diferente.
Moro ingressou na política embrulhado na bandeira do combate à corrupção. Mesmo com voz de pato e trocando “cônjuge” por “conje”, “comigo” por “com mim” e “depredaram” por “depredraram”, talvez ele se saísse melhor como presidente do que como ministro — até porque a prometida carta branca era “para inglês ver”; o que Bolsonaro queria era um vassalo que dançasse conforme a música que ele tocasse, e via o ex-juiz como um potencial adversário, alguém que no futuro poderia ameaçar seu projeto de poder.
Quando foi abatido no voo de galinha rumo ao Planalto, Moro mirou a Câmara Federal e acertou o Senado. Sua migração entre partidos escancara a falta de apoio político — um problema grave no presidencialismo de coalizão. A judicialização da política durante a Lava-Jato deixou sequelas: parte da população ainda o vê como herói; outra, como justiceiro seletivo. Seu apoio à reeleição do presidente que o obrigou a engolir sapos e beber a água da lagoa foi um escárnio, e sua atuação como parlamentar revelou-se irrelevante.
É provável que Moro fosse menos desastroso que Bolsonaro ou Lula. Seu governo provavelmente teria uma abordagem mais pragmática, com foco em reformas estruturais em vez de populismo. Mesmo sem o carisma do xamã petista ou a conexão emocional do refugo da escória da humanidade com seu "gado", o ex-juiz poderia conquistar o apoio dos antipetistas não-bolsonaristas — mas correria o risco de se tornar refém do Centrão e repetir os vícios que sempre criticou.
Enquanto Lula acumulou feitos sociais (ainda que nitidamente populistas e eleitoreiros) e Bolsonaro reavivou uma extrema-direita que estava no armário desde o fim da ditadura, a força de Moro estaria na promessa de normalidade institucional — algo frágil em um país com demandas urgentes por emprego e serviços básicos como educação, saúde e segurança.
Moro teria vantagens técnicas sobre Bolsonaro e simbólicas sobre Lula, mas sua inabilidade política e o peso de suas contradições limitariam seu alcance. Seria um presidente imperfeito, mas menos nocivo à democracia que o capetão e menos vulnerável a escândalos que o macróbio petista. Sua gestão dificilmente resolveria os problemas estruturais do país, mas talvez evitasse os extremos dos últimos anos. Numa era de opções ruins, “menos pior” pode ser o máximo que a política oferece — e, nesse critério rasteiro, Moro se beneficiaria do fracasso alheio.
Observação: diante das opções impostas por cegos mentais em 2018 e 2022, até Ciro Gomes teria sido uma escolha mais lúcida para quebrar a polarização. Mas o cearense de Pindamonhangaba concorreu à Presidência quatro vezes (1998, 2002, 2018 e 2024) e não chegou ao segundo turno em nenhuma delas.
Continua...