O futuro a Deus pertence, dizem. Não faço ideia de quem foram esses misteriosos sábios a quem atribuímos as famosas "pérolas da sabedoria popular", mas tenho comigo que eles estavam certos na maioria dos casos.
Escrever sobre política, de
véspera, numa conjuntura que muda como as nuvens no céu, exige bola de cristal,
baralho de tarô, búzios e tabuleiro Ouija. Mas não é preciso ser um Nostradamus
para prever que as manifestações programadas para hoje podem acabar mal. Enfim, o resultado será conhecido no final da tarde; até lá, resta-nos apenas torcer pelo
melhor.
Vale lembrar que hoje não é o dia da independência, mas a data em que se comemora o 199º aniversário do "Grito da Independência" (mais detalhes nesta postagem). O fato de as margens do córrego do Ipiranga terem servido de pano de fundo para o "heroico brado" deveu-se a mero acaso:
Passava por lá a comitiva imperial quando D. Pedro, acometido de poderosa caganeira, apeou e saiu em busca de uma touceira atrás da qual pudesse esvaziar os intestinos com alguma privacidade. Foi então que se juntou ao grupo um mensageiro vindo de São Paulo, com três missivas endereçadas a sua alteza. A primeira epístola, assinada por D. João VI, ordenava ao nobre rebento que regressasse imediatamente a Portugal e se submetesse ao Rei e às Cortes. A segunda, de José Bonifácio, aconselhava-o a romper com Portugal. A terceira, da Imperatriz Leopoldina, dileta esposa do príncipe (noves fora Domitila de Castro Canto e Mello, mais conhecida como Marquesa de Santos), transmitia ao marido o seguinte recado: “O pomo está maduro; colhe-o já, antes que apodreça”. Impelido pelas circunstâncias, Pedrão, que já estava mesmo fazendo merda, aproveitou o ensejo para romper os laços de união política com Portugal e declarar a independência do Brasil.
Feita essa breve digressão, passemos ao assunto do dia.
Jair Messias e Luiz Inácio tomam
sol no jardim do hospício. O primeiro mantém a mão esquerda sob o roupão, na
altura do estômago; o segundo mastiga preguiçosamente um raminho de capim. Luiz
pergunta a Jair: "Quem é você?". Jair responde: "Napoleão
Bonaparte". Luiz: "De onde você tirou essa ideia?" Jair:
"Deus me disse." Luiz: "Mentiroso!
Eu jamais falei isso!"
À luz da Teoria das
Probabilidades, um anormal ser eleito presidente da República seria
improvável; dois, inacreditável; três, e em seguida, virtualmente impossível. Mas
não no Brasil. Lula ocupou o Planalto de 2003 a 2010; Dilma, de 2011
a 12
de maio de 2016; Bolsonaro, de 2019 até sabe Deus quando.
O mascador de capim megalomaníaco da anedota — um
desculturado exótico que se orgulha de jamais ter lido um livro — deveria estar
na cadeia, mas posa de pré-candidato a candidato à Presidência; o napoleão de
hospício — um
caso completamente fora do normal, inclusive um mau militar, como bem o
definiu o general ditador Ernesto Geisel em 1993 —, obcecado pela
reeleição. Nenhum deles é burro ou doido de pedra — mesmo porque doido
de pedra que se preza rasga dinheiro e come merda —, mas uma eventual
vitória de qualquer um dos dois em 2022 será mais um retrocesso na trajetória
do país do futuro que tem um longo passado pela frente.
Sempre existe a alternativa do impeachment, dirão os
mais otimistas. Afinal, esse remédio constitucional produziu bons efeitos nos
casos do caçador
de marajás de festim e da gerentona
de araque. Há também quem diga que esse é um remédio amargo, que pode matar
em vez de curar, mas os tais sábios nos ensinaram que a diferença entre o remédio e o veneno estaria na dosagem.
Na visão do cientista político Carlos Pereira, a recente
conversão de Bolsonaro à política tradicional ao dizer que "sempre
foi Centrão" é uma clara evidência de que o presidente não representa
ameaça crível à democracia, já que "é
preferível ver o governo Bolsonaro domesticado e refém de políticos
profissionais de um Centrão ‘guloso’ do que cercado de militares que não
entendem como o presidencialismo multipartidário funciona.”
Na verdade, é preferível ver Bolsonaro defenestrado e
julgado pelos crimes que cometeu durante sua desditosa e lúgubre gestão. A
única saída realmente democrática para o Brasil é o impeachment, que, lamentavelmente,
vem sendo obstruído pelas marafonas do Centrão.
Não passa um santo dia sem que Bolsonaro vitupere o
Estado Democrático de Direito e vomite impropérios contra a democracia, embora essa
mesma democracia — numa conjuntura de enfraquecimento das instituições, de
angústia e desespero frente aos sucessivos casos de corrupção, da falta de
candidaturas que conseguissem entender o sentimento dos brasileiros cansados e
frustrados com os presidentes recentemente eleitos — lhe deu a chance de chegar
à Presidência após três décadas de inexpressiva
trajetória política.
Bolsonaro vem solapando diuturnamente as bases
democráticas construídas com tanto esforço desde os anos 1980. Incapaz de
elevar a sua estatura, o presidente que reconheceu não
ter sido talhado para o cargo rebaixa o teto da Presidência. Parece não
saber que, por trás da faixa de presidente deve existir uma noção qualquer de
honra. O Brasil não merece ser presidido pela desonra e pela estupidez (embora
o mesmo raciocínio não se aplique necessariamente ao eleitorado tupiniquim, mas
isso é outra conversa).
Sob o título "Um
Projeto para o Brasil", Diogo Mainardi publicou em Crusoé:
"A parcela do eleitorado que opta pela fórmula “nem Lula, nem Bolsonaro” corresponde a 25% do total, segundo a pesquisa encomendada pela Genial Investimentos. Lula tem quase duas vezes mais do que isso, 45%, e o sociopata já foi passado para trás, com seus 23%. Minha turma é nem Lula, nem Bolsonaro, nem Arthur Lira, nem Gilmar Mendes, nem Augusto Aras, nem Dias Toffoli, nem Braga Netto, nem VTC Log, nem Dilma Rousseff, nem Michel Temer, nem João Doria, nem Renan Calheiros, nem Carlos Bolsonaro, nem os funcionários fantasmas de Carlos Bolsonaro, nem o lobista da Covaxin, nem o motoboy, nem Ciro Nogueira, nem Gleisi Hoffmann, nem o PIB do segundo trimestre, nem Joe Biden, nem o FIB Bank, nem a Covid, nem Sete de Setembro, nem Osmar Terra, nem Luciano Hang, nem Onyx Lorenzoni, nem o jabuti da reforma administrativa, nem o golpe do Código Eleitoral, nem o PSDB, nem Paulo Guedes (como foi que ele só entrou agora?), nem a variante Delta, nem Silas Malafaia, nem o PCC, nem Aécio Neves, nem os caminhoneiros, nem os cantores sertanejos, nem Roberto Campos Neto, nem as 28 mil queimadas na selva, nem Ernesto Araújo, nem Rodrigo Pacheco, nem Kassio Nunes, nem cloroquina, nem Fiesp, nem Febraban, nem Paulo Skaf, nem os procuradores de Mossoró. Os nomes foram pescados apenas entre aqueles citados em O Antagonista nas primeiras seis horas da quarta-feira (1º). Se o site cobrisse outros assuntos além da imundice brasiliense, a lista de expurgo seria bem maior. Estupidamente, aliás, acabei ignorando os escroques da imprensa e das redes sociais. Eu deveria ter acrescentado o jornalismo lulista, que nos últimos dias recebeu do próprio Lula promessas públicas de suborno com verbas estatais, num ambiente de censura e de omertà mafiosa, e os blogueiros bolsonaristas, que reproduziram o esquema do PT com a mesma canalhice e com uma pitada a mais de analfabetismo. Por enquanto, ninguém foi capaz de encarnar a candidatura “nem Lula, nem Bolsonaro”, causando uma certa ansiedade naqueles que acompanham as pesquisas de semana em semana. Mas se a fórmula valesse apenas para a escolha de um nome capaz de enfrentar os dois bandoleiros nas urnas, em 2022, ela seria reduzida a um mero lema de campanha presidencial. Para ter algum sentido, ela precisa valer de agora até 2023, 2024, 2025. Trata-se de um programa permanente, que jamais será plenamente realizado, porque é minoritário. O Brasil nunca teve um projeto. Na falta de algo melhor, “nem Lula, nem Bolsonaro” pode cumprir esse papel." Eu assino embaixo.
Se Bolsonaro ainda não partiu para o autogolpe, isso se deve ao STF — embora um acerto em meio a tantos erros não exima as togas da
teratologia explícita de decisões como a que (com o voto de minerva do eminente
ministro Dias Toffoli) derrubou
a prisão após condenação em segunda instância, ou a que (capitaneada
pelo nobilíssimo ministro Gilmar Mendes) converteu
em "ex-corrupto" um ex-presidiário condenado a mais de 25
respaldando-se numa na falaciosa "incompetência
territorial da 13ª Vara Federal de Curitiba (leia-se do ex-juiz Sergio
Moro).
O historiador e professor Marco Antonio Villa alerta que estamos
nos aproximando da hora decisiva. "O Brasil não aguenta mais tanta
turbulência política, tanta insegurança jurídica, tanta polarização, tanta
incompetência administrativa, tanta falta de projeto de governo e tantas mortes.
Estamos alcançando a macabra marca de 600 mil óbitos. Em um ano e meio de
pandemia e sem nenhum tiro — graças ao planejamento do genocida de um
governante incompetente — tivemos quatro vezes mais mortos do que em vinte anos
de guerra no Afeganistão."
A popularidade do capitão entrou em parafuso, mas a caterva
que apoia ainda é suficiente numerosa para levá-lo ao segundo turno. A menos
que surja uma "terceira via" — ou que uma batalha campal entre as torcidas
adversárias evolua para guerra civil e culmine no golpe de estado com que
sonham Bolsonaro e seus asseclas —, teremos no ano que vem um repeteco
do pleito plebiscitário de 2018. A diferença, ao que tudo indica, é que o
lulopetismo corrupto derrotará o bolsonarismo boçal. E é aí que mora o
perigo.
Sem a mão firme de um timoneiro experiente, a Nau de
Insensatos seguirá em rota de colisão com o iceberg e irá a pique. O
senador Rodrigo Pacheco, com sua indefectível
mineirice moderadora, fala em "respeito à democracia",
em "obediência à vontade soberana do provo expressa pelo resultado das
urnas" e blá, blá, blá. Luiz Fux até
sobe o tom, mas não junta ação ao palavrório. Barroso aposta
na sutileza, mas Bolsonaro é tão refratário a ironias quando
cabeça de militante a noções de razoabilidade.
Bolsonaro está fazendo para os presidentes do Congresso,
do Supremo e do TSE o
mesmo que disse ter feito para a CPI do Genocídio.
Observação: Com Alexandre de Moraes é
diferente: em vez de cagar para ele, Bolsonaro borra de medo dele.
Comenta-se, inclusive, que o capitão só armou circo marambaia que Pacheco
desarmou
em tempo recorde por temer que o filho Zero
Dois fosse escalado para fazer
companhia a Roberto Jefferson no xilindró.
Faltam treze meses para as eleições. Muita coisa pode
acontecer em treze meses, mas precisamos salvar o Brasil o quanto antes dessa
sanha nazifascista chamada bolsonarismo. O país dificilmente resistirá a um
processo eleitoral sob o descomando de um incompetente que almeja completar a
sua obra feral ensanguentando a nação.
É de James Carville a frase “It’s
the economy, stupid!” (é a economia, estúpido!), dita há quase três
décadas (quando Bill Clinton e George W. Bush disputavam a
presidência dos EUA). É provável que Bolsonaro não
conheça a máxima de Carville — ou simplesmente acredite estar imune ao
fenômeno que ela representa. Ele parece não ter percebido que perigosas nuvens
se alinham no horizonte a cada ataque que faz à estabilidade democrática do
país, aos demais poderes constituídos e à ordem institucional. Sob o júbilo da
horda de ultrarradicais que o seguem e idolatram — a turba que vai sair às ruas
daqui a algumas horas —, a crescente turbulência ele provoca tem solapado a
economia do país, em um surpreendente processo de autossabotagem jamais visto em
um ocupante do Palácio do Planalto. É como se tivéssemos um presidente de
oposição — uma inovação esdrúxula, ridícula e altamente prejudicial ao Brasil.
Pouco afeito às questões técnicas de gestão pública ou aos
fundamentos econômicos, Bolsonaro, ao subir continuamente o tom de seus
arroubos autoritários, está pulverizando a confiança dos investidores
potenciais no país — e, consequentemente, piorando a vida da população
brasileira. Reportagem na edição de Veja desta semana mostra como e por que,
impulsionados pelo destempero da autoridade máxima da nação, o dólar se mantém
em patamares muito mais elevados que o esperado, e o investimento estrangeiro
despencou a um volume que equivale a menos de um quarto do registrado em
janeiro.
Em suma: o Brasil, que poderia estar se aproveitando da
alta liquidez internacional e do novo ciclo de commodities, na verdade se vê
acuado diante do fantasma da inflação, dos preços astronômicos dos combustíveis
e da ameaça de uma grave crise energética.
Ao promover o caos, Bolsonaro trai a maioria daqueles
que o elegeram para governar o país e implantar um sistema econômico liberal.
Empossado, porém, o candidato descumpridor de promessas (maior estelionato
eleitoral da história do Brasil, deixando no chinelo a própria Dilma)
prefere promover uma confusão, sem pesar as consequências de seus atos. Na
realidade paralela em que habita, as adversidades são sempre parte de um complô
armado por adversários e inimigos imaginários. Em seus devaneios, acredita que
passeios de moto e manifestações, associados a um pacote de obras eleitoreiras,
impulsionarão sua popularidade (obviamente, em queda vertiginosa no momento).
Iludido, não percebe que tais medidas podem até lhe trazer fotos e votos, mas
dificilmente conseguirão impulsionar a recuperação econômica de que o país
tanto precisa e que poderia representar a sua própria reeleição.
Amante de armas, Bolsonaro está dando um verdadeiro tiro no pé. Em agosto de , Getúlio atirou contra o próprio peito. Mas isso é outra conversa.
Bom 7 de setembro a todos.