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segunda-feira, 22 de abril de 2024

LULA E A MELHOR IDADE

 

Todo ser vivo nasce, cresce e morre. O nascimento dá início a uma viagem pelo tempo rumo a um futuro que nunca chega (o hoje é o amanhã de ontem e o ontem de amanhã). Não se saiba ao certo se o tempo existe ou se é apenas uma invenção criada para facilitar nossa compreensão do mundo, mas sabe-se que a morte é inexorável e constitui a única certeza que temos na vida. 
 
Viver para sempre é um sonho antigo. Os antigos gregos acreditavam a água de um rio que nascia no Monte Olimpo tornava os homens imortais. Em 1513, Ponce de León partiu de Porto Rico em busca da lendária Fonte da Juventude e descobriu a Flórida, mas morreu em 1521 sem jamais ter encontrado a tal fonte.
 
Em 1932, quando a expectativa de vida dos norte-americanos era de 59,7 anos, Walter B. Pitkin publicou seu livro de autoajuda "Life begins at forty" ("A vida começa aos 40"). Entre 1960 e 2014, a expectativa de vida no Brasil aumentou de 48 para 74,6 anos. Aubrey de Grey — co-fundador e CSO da SENS — acredita que é possível viver por séculos sem sofrer os transtornos da velhice, mas nossa conterrânea mais longeva completou 119 anos no dia 10 do mês passado (e está num osso danado).
 
A experiência segue as pegadas da maturidade, mas isso não significa que 
a "reta de chegada" seja a melhor parte da "viagem". Chamar a "terceira idade"  fase da vida que começa aos 60 e termina quando as luzes da ribalta se apagam — de "melhor idade" é ignorar pérolas de sabedoria como "la vecchiaia è bruta". Em resposta à nova expressão, que foi cunhada por um "influencer" infectado pelo vírus da positividade tóxica, borrifada nas redes sociais por seus seguidores "idioters" e replicada pelos meios de comunicação, o jornalista e escritor mineiro Rui Castro publicou a crônica "Melhor idade é a puta que te pariu". 

Atribui-se a Pascal a máxima: "quanto mais conheço o homem, mais gosto do meu cachorro". Trata-se de uma crítica mordas à natureza humana combinada  com uma louvação à lealdade e o amor incondicional dos cães. O filósofo francês sabia das coisas: o ser humano sempre foi um merda, e continuará sendo um merda per omnia saecula saeculorum, até porque quem nasceu pra vintém não chega a tostão. Menos mal se o desinfeliz é capaz de reconhecer as próprias limitações; embora essa "virtude" não o exclua da seleta confraria dos merdas, ao menos passa a impressão de que alguns merdas "são menos merda que os outros". 

Falando em merda, em 2018, visando impedir que país do futuro que nunca chega porque tem um imenso passado pela frente fosse governado pelo bonifrate do então presidiário mas famoso da história desta banânia, o mui esclarecido eleitor tupiniquim despachou para o Planalto um subproduto da escória da humanidade que ressuscitou a extrema-direita radical, que julgávamos sepultada com o fim da ditadura e a volta dos milicos aos quartéis. Como há males que vêm para pior, além de não empurrar o bolsonarismo boçal de volta para armário da História, a derrota do "mito" em 2022 ensejou o retorno do egum mal despachado que julgávamos exorcizado pelo impeachment de Dilma.
 
Lula foi catapultado à política liderando greves históricas que desafiaram a ditadura militar nos anos 1970. Em 2022, ele articulou a falaciosa "frente democrática" que o ajudou a se eleger pela terceira vez com a promessa de pendurar as chuteiras ao final desse mandato. Assim que tomou posse, criou dezenas de novos ministérios para acomodar os aliados de ocasião e nomeou para as pastas já existentes antigos aliados sepultados no julgamento do Mensalão ou quando a saudosa Lava-Jato expôs as entranhas pútridas do Petrolão. E como desgraça pouca é bobagem, voltou a acalentar o sonho de concorrer ao quarto mandato.

Observação: Comenta-se que o imperador da Câmara reclamou da desarticulação do governo e sugeriu a Lula que anunciasse sua candidatura à reeleição em 2026 a fim de acabar com a rivalidade entre seus ministros — principalmente Alexandre Padilha, Rui Costa e Fernando Haddad. O presidente não se fez de rogado, mas, ao contrário do que esperava Lira, essa iniciativa não inibiu as brigas e as sabotagens dentro governo, num sinal claro de que, se a orquestra oficial continua desafinando, a culpa é do regente, e de nada adianta trocar as rodas da carroça quando o problema é o burro.
 
Lula recebeu com pompa e circunstância o ditador venezuelano, presenteou Dilma com a presidência do Banco do Brics e indicou para o STF um amigo e advogado particular e um ministro socialista, comunista e marxistas. Em 15 meses de governo, passou quase 70 dias num périplo turístico por 30 países, demorou a afastar auxiliares envolvidos com corrupção, acusou o presidente do BC de travar o crescimento do país, sabotou a meta de déficit zero de seu ministro da Fazenda e tentou interferir na Petrobras e enfiar Guido Mantega na presidência da Vale. 
 
Além de reeditar erros cometidos nas gestões anteriores, o Sun Tzu de Atibaia abrilhantou sua interminável lista de asnices louvando o Nicolás Maduro, comparando Gaza ao Holocausto, defendendo a ideia de que democracia é um conceito relativo e dizendo que se orgulha de ser chamado de comunista. Seus auxiliares estão preocupados com seus "lapsos de memória", como quando ele acusou Israel de matar 12,3 milhões de crianças — um dado flagrantemente irreal.
 
Lula sempre foi entusiasta da ideia — simplista e errada — de que gasto é vida. Rui Costa, seu mais poderoso assessor no Planalto, vive a argumentar que o ajuste fiscal proposto por Haddad pode prejudicar o novo PAC, assim como o pagamento de dividendos extras pela Petrobras — rejeitado por Costa e defendido por Haddad — poderia, segundo o chefe da Casa Civil, inviabilizar o plano de investimentos da companhia, e desde então a rixa vem ganhando ritmo e temperatura. 
 
Em seu primeiro mandato, Lula assistiu a uma disputa de poder entre José Dirceu e Antonio Palocci. Tanto o então chefe da Casa Civil quanto o então ministro da Fazenda almejavam suceder ao chefe na Presidência, mas ambos foram atingidos por escândalos de corrupção e ficaram pelo caminho. A exemplo de seus antecessores, Costa e Haddad nutrem o desejo de disputar o Planalto em 2026. Lula, como de costume, prefere assistir de camarote à cizânia entre aliados e subordinados. Quando intervém, é para colocar mais lenha na fogueira — como fez quando o plenário da Câmara manteve a prisão do deputado Chiquinho Brazão. 
 
Lira chamou Padilha de "incompetente" e "desafeto pessoal", e o ministro reagiu dizendo que não desceria ao nível de Lira. Lula resolveu participar do tiroteio verbal tomando partido de seu auxiliar: "Só de teimosia, Padilha vai ficar muito tempo nesse ministério". A ideia era mostrar quem manda — o que não é necessário nem condiz com a liturgia do cargo —, mas só conseguiu agravar a situação. O ainda imperador da Câmara tem o poder de atrasar ou destravar projetos, instalar CPIs e até fazer avançar pedidos de impeachment, e deixou a impressão de que retaliará o governo, que até hoje não conseguiu formar maioria na Casa porque depende — e muito — da ajuda dele.
 
Lula demora a perceber, mas seu grande desafio não está fora, mas dentro de sua gestão. Mesmo com a melhora do nível de emprego e a inflação "sob controle", a avaliação positiva de seu governo vem caindo, e o pessimismo da população com a economia, aumentando na mesma medida. Sem falar que o petista ora segue a cartilha ideológica de seu assessor especial, Celso Amorim, ora se baliza pelo profissionalismo da chancelaria comandada pelo ministro Mauro Vieira, afinado com a tradição nacional de conciliação e moderação. 

Esse descompasso levou o governo (entre outras coisas) a demorar para chamar de terroristas os terroristas do Hamas e para cobrar de Nicolás Maduro explicações para o veto a oposicionistas nas eleições presidenciais, marcadas para julho deste ano — vale destacar que a guinada no caso venezuelano não foi motivada por convicção, mas por pressão da opinião pública e pelo desejo de estancar a sangria nas pesquisas.
 
Desde os tempos em que liderava a oposição, Lula é tido e havido como um "animal político", um expert na arte de atrair aliados e superar adversidades. Sua desforra contra a Lava-Jato comprova isso, mas sua atuação no terceiro mandato coloca essa fama em xeque. 
Distante dos problemas da população e dos desafios da máquina pública, o ex-tudo (ex-retirante, ex-metalúrgico, ex-sindicalista, ex-presidiário e ex-corrupto) comanda um governo descoordenado, emite sinais contraditórios e permite que seus principais auxiliares sabotem uns aos outros. 

Para fazer jus à imagem do craque que imagina ser, Lula precisa entrar em campo, colocar a bola embaixo do braço e ditar o rumo da partida — que ainda tem resultado indefinido, mas, segundo os próprios petistas, pode ser perdida se juiz não tomar conta do jogo. Mas quanto mais Lula fala, mais claro fica que já passou da hora de ele encerrar seu ciclo na política. Às vésperas de completar 79 anos, o macróbio é uma usina de ideias retrógradas, ou ruins, ou retrógradas e ruins. Diante da impossibilidade de arejar uma mentalidade como essa, urge arejar o ambiente.

Há décadas que o Brasil é governado como uma usina de processamento de esgoto, onde entra merda por um lado e sai merda pelo outro. E o que mais poderia sair? Entre a porta de entrada, aberta pelas eleições, e a de saída, na troca de comando, a merda muda de aparência e de nome, recebe nova embalagem... mas continua sendo merda.

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

ACABOU O CARNAVAL



Costuma-se dizer no Brasil que o ano começa depois do Carnaval, e que o bom humor dos brasileiros termina na Quarta-Feira de Cinzas — isso quando sobrevive até lá. Mas vamos por partes.

Em 2016, o impeachment de Dilma foi como uma lufada de ar fresco numa catacumba: depois de 13 anos ouvindo garranchos verbais de um ex-retirante semianalfabeto e frases desconexas de uma gerentona de araque, ter um presidente que sabia falar e até usava mesóclises foi um refrigério. Temer conseguiu baixar a inflação e aprovar o Teto de Gastos e a Reforma Trabalhista, mas seu "ministério de notáveis" revelou-se uma notável agremiação de corruptos e sua "ponte para o futuro", uma patética pinguela. Como se não bastasse, uma conversa de alcova nos porões do Jaburu só não o derrubou porque as marafonas da Câmara, que o escudaram das "flechadas de Janot". 
 
O fim de "dois mil e dezechega" trouxe um alívio efêmero, pois 2017 começou com rebeliões em presídios, greve na PM e a morte de Teori Zavascki. Na sequência, houve de tudo um pouco: de incêndio criminoso em creche e massacres em escolas a escândalos políticos e uma série extraordinária de desastres naturais. 

O ano seguinte começou com intervenção federal no RJ e greve de caminhoneiros. Em abril, a prisão de Lula foi uma vitória da Lava-Jato no combate à corrupção, mas também acirrou a polarização e fortaleceu o combo de um mau militar e parlamentar medíocre que, surfando no antipetismo e usando o episódio da facada como pretexto para não ir aos debates, derrotou o bonifrate do então presidiário mais famoso do Brasil. 
 
Na condição de refém da Câmara, Temer terminou seu mandato-tampão como "pato manco" (como os americanos se referem a políticos que chegam ao fim do mandato desgastados a ponto de os garçons palacianos demonstrarem seu desprezo servindo-lhes o café frio) e entregou a faixa presidencial àquele que se tornaria o pior mandatário tupiniquim desde Tomé de Souza

Noves fora os bolsomínions — um bando de imbecis travestidos de militantes comandados por um imbecil travestido de presidente —, pouca gente acreditava que Bolsonaro faria um bom governo, mas quase ninguém imaginava que tê-lo no timão da Nau dos Insensatos seria como enfrentar, a um só tempo e de uma só vez, as Sete Pragas do EgitoAo longo de longos quatro anos, o mito dos patriotas de fancaria se esmerou em manifestações golpistas, negacionistas e anticientíficas. Enquanto a "gripezinha" produzia cadáveres em escala industrial, o "presidentezinho" ria e dizia: "E daí?" 

Observação: Não fosse o Brasil uma republiqueta de bananas, Bolsonaro ter-se-ia sagrado cavaleiro da Ordem dos Impichados, presidida pelo caçador de marajás de araque e secretariada pela nefelibata da mandioca. Créditos para tal não lhe faltavam; o que faltou foi Rodrigo Maia, Arthur Lira e Augusto Aras fazerem o que determina a Constituição de 1988.
 
O cenário atual provavelmente seria outro se o capitão-sacripanta não conspirasse diuturnamente contra a democracia, não se associasse ao coronavírus, não investisse contra a imprensa, o Congresso e o STF, não andasse de mãos dadas com Fabrício QueirozCarla Zambelli e milicianos da pior espécie. Enfim, de nada adianta chorar sobre o leite derramado — como ensinou a mulher sapiens, "depois que a pasta de dente sai do dentifrício, ela não volta pra dentro do dentifrício". Mas não há nada como o tempo para passar.
 
À luz do que já se sabe da operação Hora da Verdade, o autoproclamado imbrochável incomível será processado, julgado e mandado para o xilindró. Dificilmente ficará preso pelo tempo que deveria, já que o Brasil é um país de muitas leis e nenhuma vergonha na cara, o que favorece escandalosamente a impunidade dos poderosos. 

ObservaçãoLula escapou do Mensalão, tropeçou no Petrolão, foi réu em duas dezenas de ações criminais e condenado (em duas, sendo que uma delas transitou em julgado no STF) a mais 25 anos de reclusão. Como todo povo de merda tem o governo e a justiça de merda que merece, o dito-cujo gozou míseros 580 dias de férias compulsórias e, no espaço de poucos meses, foi "descondenado", reabilitado politicamente e reinserido no tabuleiro da sucessão presidencial por togas camaradas, pois era preciso (e era mesmo!) penabundar o verdugo do Planalto (como ensinou Maquiavel, "o fim justifica os meios"). 

Encurralado, Bolsonaro toca seu gado rumo à mais paulista das avenidas. O real objetivo do "ato pacífico em defesa do estado democrático de direito" é intimidar o STF. A parte em que o capitão diz "não compareçam com qualquer faixa ou cartaz contra quem quer que seja" se deve ao receio de ser preso se for flagrado liderando pregações golpistas. Ademais, para "se defender das acusações" existe um foro adequado. 
  
Até agora, o chamado não animou a maioria dos líderes políticos que estiveram com ele na eleição de 2022. Sondados pela Folha, apenas 3 confirmaram presença e 4 disseram que não irão. Os demais não se pronunciaram ou disseram que ainda não têm uma definição de agenda para a data. O governador de São Paulo — eleito com o apoio do ex-presidente e, enquanto ministro da Infraestrutura, endossou a postura negacionista do chefe — já confirmou presença. 

Qualquer que seja o número de participantes, os bolsonaristas dirão que o sucesso foi retumbante. Numa das célebres motociatas, eles contabilizaram 1,3 milhão de motos e disseram que o evento entrou para o Guinness. Acabou que o sistema de monitoramento de pedágios da rodovia dos Bandeirantes registrou a passagem de 3.703 motos e veículos engajados na manifestação pelas praças de pedágio de Campo Limpo, Itupeva e Sumaré. 

Observação: O número citado pelo departamento de propaganda bolsonarista era superior à frota de motocicletas, motonetas e ciclomotores da cidade de São Paulo (que era de 1.260.276 veículos, segundo fontes oficiais). Para reunir 1,3 milhão de motos, os organizadores precisariam de 62% de toda a frota dos 39 municípios da região metropolitana de São Paulo — ou 22% da frota de todo o Estado, que correspondia a 6.015.445 de motos e assemelhados. 

Caso seja processado e condenado pelos crimes de tentativa de golpe de Estado, de abolição do EDD e de associação criminosa, Bolsonaro pode pegar uma pena de até 23 anos de prisão e ficar inelegível por mais de 30 anos.
 
Continua...

terça-feira, 2 de janeiro de 2024

FELIZ VELHO ANO NOVO

 

Os 580 dias de férias compulsórias em Curitiba deixaram marcas profundas em Lula. Salta aos olhos que a escolha de Paulo Gonet para a PGR ao arrepio da lista tríplice do MP e da indicação da cúpula petista se deveram à preocupação do mandatário com a possibilidade de ter algoz ao estilo JanotO discurso e a linguagem corporal de Gonet sugerem que a sobriedade será a tônica de sua gestão. Segundo a revista eletrônica Crusoé, o novo procurador-geral assegurou a subprocuradores, procuradores regionais e chefes das procuradorias nos estados que será um defensor intransigente da instituição e suas prerrogativas, e que ninguém será tolhido no trabalho. A conferir.
 
Na sequência A Computação Quântica e a Viagem no Tempo (clique aqui para acessar a postagem de abertura) eu mencionei que Stephen Hawking deu uma festa na Universidade de Cambridge e, ao final, enviou um convite com as coordenadas exatas de tempo e espaço. "Talvez um dia alguém do futuro encontrará a informação e usará uma máquina do tempo para vir à minha festa, provando que as viagens no tempo serão possíveis", disse o astrofísico britânico. 

No ano seguinte, no capítulo "Viagem no tempo" da série Into the Universe with Stephen Hawking, o cientista comentou seu experimento: "Que lástima! Eu gosto de experiências simples e... champanhe. Então, combinei duas das minhas coisas favoritas para ver se a viagem no tempo do futuro para o passado é possível. Mas ninguém apareceu". Mais adiante, durante um simpósio no Festival da Ciência de Seattle (EUA), ele ponderou que a Teoria da Relatividade Geral dá margem a deformações no espaço-tempo que, em tese, permitem viajar para o passado. Mas ressalvou que tal deformação pode causar um raio de radiação capaz de destruir a espaçonave e o próprio espaço-tempo. 

Observação: Paradoxo das Linhas de Tempo Alternativas sugere que uma hipotética tentativa de mudar o passado resultaria na criação de um universo paralelo, coexistente ao presente de onde o viajante do tempo veio, mas paralelo à linha temporal original a partir do ponto da mudança. 
 
No livro A Máquina do Tempo (1895), adaptado para o cinema nos anos 1960, o protagonista se desloca tanto para o passado quanto para o futuro (a exemplo dos personagens de Michael J. Fox e Christopher Lloyd na trilogia De Volta para o Futuro). Na política tupiniquim, seria melhor que o passado permanecesse no passado e que governantes e parlamentares aprendessem com seus erros e evitassem reviver práticas que se mostraram nocivas para a maioria e benéficas somente "para o rei e os amigos do rei".
 
Encorajados pela suprema anulação das sentenças proferidas no âmbito da Lava-Jato (que converteu condenados em ex-corruptos, mas não apagou dos anais os crimes que eles cometeram), Lula e o PT voltam a agir como agiram outrora, aparelhando a Petrobras, usando fundos de pensão das estatais e verbas do BNDES para fazer política externa e propaganda ideológica. Nem mesmo os parceiros mudaram. 

Os irmãos Joesley e Wesley Batista, donos da J&F, foram flagrados pela Lava-Jato num grande esquema de suborno. Para manter sua empresa em pé, eles se comprometeram a pagar R$ 10,5 bilhões em multas e indenizações, mas, mais adiante, contestaram o acordo de leniência e pleitearam a redução do valor para R$ 3,5 bilhões. Semanas atrás, uma ação movida pelo petista Rui Falcão para denunciar um suposto conluio entre a Lava-Jato e a ONG Transparência Internacional Brasil acabou nas mãos do ministro Dias Toffoli (que ganhou a suprema toga de Lula em 2009, embora tenha sido reprovado duas vezes em concursos para juiz de primeiro grau em São Paulo), a despeito de os casos da J&F relacionados à finada força-tarefa estarem sob a relatoria do ministro Edson Fachin. 
 
Ainda segundo Crusoé, outros fios ligam o PT e os irmãos Batista do passado ao PT e aos irmãos Batista do presente. Um exemplo é a autorização concedida à Âmbar — do grupo J&F — para importar eletricidade da Venezuela. A empresa dos Batista receberá entre R$ 900 reais e R$ 1080 reais por megawatt — seis vezes mais que os R$ 137 que eram pagos até 2019 no mesmo tipo de operação com o governo venezuelano. Vale destacar que o governo aceitou o preço "sugerido" pela Âmbar sem qualquer negociação. 
 
Em 2016, o intervencionismo governamental e os escândalos de corrupção guindaram a Petrobras ao topo de ranking das empresas mais endividadas do mundo (US$ 125 bilhões). Para estancar a sangria e blindar as estatais de ingerências políticas, o então presidente Michel Temer sancionou a Lei das Estatais, e a Petrobras acomodou em seus estatutos socais as limitações dessa lei, criando uma segunda barreira de proteção. 

Sob D. Lula III, uma decisão liminar do (ora aposentado) ministro Ricardo Lewandowski — que ganhou a suprema toga porque sua mãe era amiga de dona Marisa Letícia — mandou a Petrobras de volta ao início dos anos 2000. A proibição prevista pelo Estatuto Social caiu em novembro, quando o Conselho de Administração da empresa e a Assembleia de Acionistas (na qual o governo detém a maioria dos votos) ratificou a "adequação" da norma interna à decisão precária do ex-togado.
 
Na campanha de 2022, Lula prometeu que não usaria o BNDES para ajudar grupos amigos a dominar certas áreas da economia. A Braskem, que conseguiu fechar o monopólio do setor petroquímico brasileiro durante o segundo mandato do petista, agora está à venda, pois sua controladora, a Novonor (ex-Odebrecht) ainda não concluiu o processo de reestruturação pós-petrolão. 
Petrobras é a segunda maior acionista da Braskem, mas essa história não deveria ter nada a ver com o governo. Ainda assim, Lula ventilou que o BNDES não está autorizado a financiar empresas tupiniquins interessadas na compra da Braskem — e não o fez em cumprimento da promessa eleitoral, já que as duas propostas nacionais postas na mesa (da Unipar e a da J&F) não contêm garantias de empréstimo do BNDES. 
 
Ainda mais sugestivo é o fato de Lula ter reverberado a informação de que a Petrobras pode aumentar seu volume de ações na Braskem caso isso seja necessário para viabilizar a venda. Ou seja, o governo pretende usar a petroleira para assegurar a realização de um negócio importante para a Novonor e para manter sob sua influência o setor petroquímico. E a nova sócia da Petrobras na Braskem seria a Adnoc 
— estatal dos Emirados Árabes Unidos que, tudo indica, é a preferida do sultão da Petelândia. Sai a política das campeãs nacionais, mas o desejo de determinar os caminhos da economia manipulando a Petrobras continua igual, empurrando o país do futuro que nunca chega de volta a seu inglório passado.
 
Mas não é só: o governo enviou ao Congresso um PL visando autorizar o BNDES a financiar a exportação de serviços de construtoras brasileiras. Essas operações haviam sido suspensas em 2016, após os calotes de Cuba e Venezuela e os escândalos de corrupção envolvendo o pool de empreiteiras capitaneado pela Odebrecht. Mas o projeto não impede a concessão de empréstimos a países governados por "aliados" 
 como a Bolívia ou a Colômbia  e gera suspeitas por se referir especificamente a empreiteiras, e não a empresas brasileiras em geral. 
 
Historicamente, os governos petistas sempre foram avessos à imprensa independente. Para Lula e seus acólitos, é mais conveniente investir em propaganda oficial e em veículos de comunicação e blogs chapa-branca, que repetem o discurso oficial e aplaudem qualquer decisão do chefe do Executivo. Para o Orçamento de 2024, foram reservados R$ 647 milhões para a propaganda do governo — quase o dobro dos R$ 359 milhões separados para 2023 e o maior desde 2004. 

Observação: Com o retorno da petralhada ao poder, a Globo voltou a liderar com folga o ranking dos veículos que mais receberam verba oficial (R$ 66 milhões), seguida por Record (R$ 16 milhões), SBT (R$ 13 milhões), Band (R$ 5 milhões ) e Rede TV! (R$ 1 milhão).
 
Sindicatos, movimentos sociais como o MST e partidos de esquerda com pífia representação política sempre foram braços auxiliares do lulopetismo. No começo de 2023, Psol, PCdoB e Solidariedade prestaram-se a essa função (juntamente com advogados do Grupo Prerrogativas) levando ao STF a tese de que a Lava-Jato provocou um "estado de coisas inconstitucional" tamanho que as grandes empresas flagradas na operação teriam sido coagidas a pagar multas e indenizações muito superiores ao necessário. Seu objetivo é forçar a revisão de todos os acordos de leniência firmados durante a atuação da força-tarefa, que oneram com dívidas bilionárias os balanços de empresas que confessaram corrupção — como Odebrecht, OAS e J&F 
 
"Estado de coisas inconstitucional" é um conceito jurídico importado da Colômbia para descrever situações em que existe violação generalizada de direitos humanos, omissão estrutural dos Poderes e necessidade de uma solução complexa, com a participação vários órgãos da República. Dizer que isso aconteceu na Lava-Jato, submetida desde sempre ao controle das instâncias superiores do Judiciário, é um absurdo, e dizer que isso aconteceu nos acordos de leniência ultrapassa os limites do absurdo, até porque esses acordos foram firmados de livre e espontânea vontade por representantes legais das empresas assessorados pelos melhores advogados do país. Mas nada é tão absurdo quanto ver partidos socialistas preocupadíssimos com o bem estar financeiro dos grupos que melhor representam o capitalismo de cartas marcadas vigente nesta banânia.
 
Feliz velho ano novo. 

terça-feira, 14 de novembro de 2023

QUEM NÃO APRENDE COM OS ERROS DO PASSADO...


Rejeitado nas urnas e inelegível, Bolsonaro continua vazando inverdades como um cano furando esbanja água em esguichos perdulários. Seu penúltimo jorro despejou a versão segundo a qual foi graças à sua interferência que Israel finalmente autorizou os brasileiros a deixarem a Faixa de Gaza. Nem bem a notícia foi divulgada, a milícia digital bolsonarista inundou as redes com mensagens parabenizando o "mito" pelo feito alheio. A autorização tardia também soltou a língua de Lula, que, depois de perder o nexo e o bonde ao igualar o agressor ao agredido, procura frequentar o debate com um discurso mais calibrado e cogita injetar a guerra na agenda de sua próxima incursão internacional. Parlamentares petistas, aliados do governo, ministros e até a primeira-dama (como não poderia deixar de fazer) correram às redes para enaltecer os esforços do estadista de fancaria e do chanceler Mauro Vieira. Instado a comentar a hipotética interferência do capetão junto ao embaixador, Vieira foi seco: "Não falo com o embaixador, falo com o chefe dele, que é o ministro das Relações Exteriores de Israel". A conversão do drama humanitário em matéria-prima para a polarização é o cúmulo da indignidade. A exploração política da lista de Gaza é a falência da decência.

***

Em matéria de democracia, o Brasil ficou só na foto. As eleições são subordinadas a todo tipo de patifaria, começando pelo voto obrigatório, seguindo pelo horário eleitoral "gratuito" e por inúmeras deformações propositais que entopem a Câmara Federal com políticos das regiões com menor número de eleitores. Os resultados são um monumento à demagogia, à corrupção e à estupidez. Até o desmantelamento da Lava-Jato, quase metade dos deputados federais e um terço dos senadores respondiam a algum tipo de procedimento penal. Fora das penitenciárias, era a maior concentração de criminosos em potencial por metro quadrado.
 
Maus políticos não brotam nos gabinetes por geração expontânea, mas pelo voto de eleitores ignorantes, desinformados e desinteressados. Graças a essa récua de muares, o PT desgovernou esta banânia por 13 anos, 4 meses e 12 dias. Em 2018, visando evitar a volta do presidiário mais famoso do Brasil, então encarnado num patético bonifrate, a maioria dos eleitores apoiou um ex-capitão bronco, despreparado e de pendor golpista, que protagonizou o governo civil mais militar desde o fim da ditadura. Em 2022, era fundamental defenestrar o imbrochável incomível e insuportável, mas conceder um terceiro mandato ao ex-presidiário descondenado era opcional. E deu no que está dando.

A Justiça Eleitoral existe (e custa uma fábula) para garantir eleições exemplares, mas permite a produção dos políticos mais ladrões do mundo. Temos três dúzias de partidos políticos, alguns dos quais não têm um único deputado ou senador no Congresso — servem apenas para meter a mão nas verbas dos vergonhosos fundos partidário e eleitoral bancados pelos contribuintes e para rifar sua cota de tempo no horário político obrigatório durante as campanhas eleitorais. Os direitos dos cidadãos representam a área mais notável das semelhanças entre nossa democracia e os reis africanos que aparecem nas fotos-símbolo do colonialismo. Nunca houve tantos direitos escritos nas leis nem o poder público foi tão incompetente para mantê-los. Como se não bastasse, há uma recusa sistemática em combater o crime por parte de nove entre dez políticos com algum peso. 

Como instituições, a Presidência da República, o Congresso e o STF merecem nosso mais profundo respeito. Mas daí a achar que os políticos eleitos desde a redemocratização para chefiar o Executivo, os 513 deputados federais, os 81 senadores e as 11 supremas togas merecem o mesmo tratamento é confundir alhos com bugalhos

Para encerrar, segue um texto do jornalista Paulo Polzonoff Jr.:

Será que consigo "defender" Reinaldo Azevedo em apenas quatro parágrafos? Outra dúvida: por que me dou ao trabalho, se não o conheço? Para a primeira pergunta a resposta está na própria existência deste texto. Se você estiver lendo é porque consegui. Para a segunda, a resposta é um pouco mais complicada, e tem a ver até com o “escândalo das joias".

 

Sou melhor defendendo do que atacando. Passando pano do que acusando. Zombando do que reverenciando. Porque em tudo e todos que vejo me espantam a fragilidade e o desespero. Daí o instinto de compreender (essa é a palavra!) Reinaldo Azevedo


Reveja a entrevista dele com Lula. Não há ali admiração; o que há é a angústia de um homem que caiu na areia movediça e não tem ninguém para salvá-lo. Está sozinho, ainda que pareça cercado pelos aliados de ocasião. Dele gostaria de ouvir uma explicação clara sobre a mudança de postura. Como e por que virou discípulo do babalorixá de banânia? Que caminhos o levaram à conclusão de que estava errado em seus outrora divertidos ataques ao PT


Histórias de conversão me interessam. E a lealdade de Reinaldo a Lula equivale a uma queda do cavalo, ainda que para vislumbrar e adorar as trevas do petismo. Não? A mim me custa acreditar que a motivação tenha sido pecuniária. Vai ver é porque sou um privilegiado. Não vivo ao redor de pessoas venais. Pessoas só mudam assim porque emocionalmente lhes convém. 


De qualquer modo, e para além da decepção dos que celebrávamos o furor antipetista de Reinaldo, não vejo problema no fato de ele petistar despudoradamente. Que se embriague na admiração pouco sincera dos novos amigos. E seja "feliz".

segunda-feira, 16 de outubro de 2023

QUAL SERÁ O LIMITE DA ESTUPIDEZ HUMANA?

  

No cinquentenário da Guerra do Yom Kippur, Israel foi vítima do extremismo islâmico do Hamas — que, mesmo tendo funções administrativas na Faixa de Gaza, jamais abandonou sua essência terrorista e, além de odiar os judeus, despreza o próprio povo pelo qual diz combater, pois é ele, e não Israel, quem coloca os palestinos na linha de fogo ao concentrar suas instalações em áreas densamente povoadas. Diante de uma ameaça de tamanha magnitude, só resta ao judeus buscar a aniquilação completa do agressor — o que não é tarefa fácil, pois os terroristas usam civis palestinos como escudos humanos, e como atuam numa das áreas mais densamente povoadas do mundo, empregam até mesmo hospitais e escolas como base para suas atividades. 
 
As consequências do conflito vão muito além da região conflagrada, pois há um delicadíssimo equilíbrio geopolítico em jogo, e a resposta israelense aos ataques tornará insustentável, dentro dos países árabes, qualquer postura de conciliação com Israel no futuro próximo, afastando ainda mais a chance de uma convivência pacífica. 
Os líderes dos Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, França e da Itália emitiram, no último dia 9, uma declaração conjunta expressando o seu apoio a Israel e classificando o ataque desfechado pelo Hamas de "terrível ato de terrorismo". Mas o Brasil adotou a mesma postura de quando Putin invadiu a Ucrânia.

ObservaçãoLula se disse "chocado com os ataques terroristas", mas evitou citar nominalmente o Hamas, e o Itamaraty só falou explicitamente em "atentado" depois que morte de dois brasileiros foi confirmada. E outras alas da esquerda exaltaram explicitamente o Hamas e criticaram o contra-ataque de Israel. 
 
A busca do judeus pela Terra Prometida remonta aos tempos bíblicos. Segundo o Antigo Testamento, o "Povo de Deus" deixou o Egito e empreendeu uma jornada pelo deserto que durou 40 anos. A certa altura, Moisés estendeu seu poderoso cajado sobre o Mar Vermelho, e um poderoso vendaval (soprado por Deus em pessoa) separou as águas, garantindo aos peregrinos a travessia segura em terra seca. Mas a Terra Santa continua sendo objeto de disputa de judeus e palestinos, e apesar do território corresponder a ¼ do tamanho da cidade de São Paulo, sua população supera a de muitas capitais brasileiras. 
 
Desde o século 5º a. C., quando foi fundada, Gaza foi invadida diversas vezes por israelitas, babilônios, persas, assírios, macedônios e romanos. O Império Otomano controlou a região até o final da 1ª Guerra Mundial, quando ela se tornou parte do mandato da Liga das Nações da Palestina sob domínio britânico. Mas faltou combinar com os palestinos, que a consideravam parte integrante do estado que eles queriam criar — e que englobava Israel como um todo.
 
Em 1947, a ONU decidiu que Gaza e uma área a seu redor ficariam com os árabes e o restante (hoje Israel), com os judeus. Com o fim do mandato britânico, os dois povos voltaram a guerrear pelo território e, apesar do Acordo de Armistício entre Israel e Egito, o conflito nunca acabou. Em 1967, Israel tomou dos egípcios o território da Cisjordânia e Jerusalém Oriental, onde ficam símbolos religiosos importantes para judeus, árabes e cristãos. Os ânimos voltaram a se acirrar em 1987 e em 1993, mas os judeus só deixaram o território em 2005. 

Em 2012, a ONU reconheceu a Palestina (Faixa de Gaza e Cisjordânia) como um Estado-observador permanente, mas o Hamas não reconhece Israel como um Estado e reivindica o território para a Palestina. Essa seleta confraria surgiu em 1987 como um desdobramento da Irmandade Muçulmana (grupo islâmico sunita fundado no final da década de 1920 no Egito), mas, diferentemente de outras facções palestinas, não dialoga com Israel. Depois de reivindicar inúmeros ataques a Israel, essa récua de fanáticos foi designada organização terrorista pelos Estados Unidos, pela União Europeia e por Israel (Lula ainda não se convenceu, mas cedo ou tarde terá de dar o braço a torcer).
 
O Brasil vive uma treva diplomática e moral que começou com golpe militar de 1889 — aquele que os compêndios didáticos chamam de "Proclamação da República". Meses depois, o país conheceu a primeira crítica articulada sobre o processo que substituiu a monarquia constitucionalista pela república presidencialista: o livro Fastos da Ditadura Militar no Brasil, escrito em 1890 pelo advogado paulistano Eduardo Prado, o primeiro autor a considerá-lo um "golpe de Estado ilegítimo" aplicado pelos militares. 

Deodoro da Fonseca ocupou a presidência até 1891, quando foi "convidado a renunciar" e substituído pelo vice Floriano Peixoto, que cumpriu o mandato-tampão e foi sucedido por Prudente de Moraes — nosso primeiro presidente civil escolhido pelo voto popular. Muita água rolou até a renúncia de Jânio pavimentar o caminho para o golpe de 1964 e os subsequentes 21 anos de ditadura militar, que terminaram com a eleição indireta de Tancredo Neves, em janeiro de 1985 (a movimentação épica pelas "Diretas Já" não impediu os militares de pressionar os deputados a sepultar a emenda Dante de Oliveira, em 1984, mas ensejou a convocação do colégio colégio eleitoral).

Tancredo baixou ao hospital horas antes da cerimônia de posse e morreu 37 dias e 7 cirurgias depois, deixando de herança o vice José Sarney,
 sob cuja batuta a restauração democrática assumiu ares de anarquia econômica e administrativa. Ainda assim, foi durante a gestão desse oligarca da política de cabresto nordestina que a Constituição Cidadã foi promulgada e a eleição solteira de1989, realizada. 

Observação: A despeito de políticos do quilate de Mario Covas e Ulysses Guimarães figurarem entre os 22 postulantes ao Planalto em 1989, o pseudo caçador de marajás e o desempregado que deu certo disputaram o segundo turno, comprovando, mais uma vez, o que disseram Pelé e Figueiredo sobre o despreparo do eleitorado tupiniquim.

Em 1992, o primeiro impeachment da "Nova República" apeou Fernando Collor e promoveu o vice Itamar Franco a titular. Nomeado ministro da Fazenda, Fernando Henrique se autoproclamou Primeiro-Ministro informal e, graças ao sucesso do Plano Real, derrotou Lula no primeiro turno da eleição de 1994. Mas foi picado pela mosca azul, comprou a PEC da Reeleição e tornou a derrotar Lula em 1998 (novamente no primeiro turno). 

Em 2002, após três tentativas frustradas, o ex-retirante, ex-metalúrgico, ex-sindicalista e fundador do Partido dos Trabalhadores que não trabalham se elegeu presidente e, a despeito de seu estilo de governar (baseado em alianças tóxicas financiadas por mensalões e petrolões), foi reconduzido ao Planalto em 2006 e elegeu uma aberração chamada Dilma para manter a poltrona quente até 2010, quando ele poderia voltar a ocupá-la. Mas não foi bem assim que as coisas aconteceram.
 
Após usufruir de seus dois mandatos, o sumopontífice da petralhada deixou o governo enfiando os dedos no favo de mel de uma taxa de popularidade de 84% 
— e fugiu das abelhas até abril de 2018, quando acabou preso. O "poste" vendido como "mãezona" e "gerentona" revelou-se um conto do vigário no qual o próprio Lula caiu: entre 2013 e 2016, a economia encolheu 6,8% e o desemprego saltou de 6,4% para 11,2%. Em outras palavras, a criatura desfez a obra do criador

Com o impeachment de madame, Michel Temer prometeu um ministério de notáveis, mas se cercou de uma notável confraria de corruptos. Sua "ponte para o futuro" virou pinguela, e ele próprio se transformou num pato manco (termo que designa políticos que chegam tão desgastados ao final do mandato que os garçons, de má vontade, lhes servem o café frio). Em 2018, surfando na onda do antipetismo e explorando a facada desfechada por um aloprado, Jair Messias Bolsonaro, que não passava de um obscuro dublê de ex-militar e parlamentar medíocre, foi catapultado à Presidência da República

Durante a campanha, para provar que era amigo do mercado e obter o apoio dos empresários, o estatista que acreditava em Estado grande e intervencionista, que sempre lutou por privilégios para corporações que se locupletam do Estado há décadas, foi buscar Paulo Guedes, que embarcou em uma canoa que deveria saber furada. Para provar que era inimigo da corrupção e obter o apoio da classe média, o deputado que, em sete mandatos, pertenceu a oito partidos de aluguel e foi adepto das práticas da baixa política e amigo de milicianos cooptou o (então herói nacional) Sergio Moro, que embarcou em uma canoa que deveria saber furada. E para obter o apoio das Forças Armadas, o oficial de baixa patente despreparado, agressivo e falastrão, que foi enxotado da corporação por indisciplina e insubordinação, foi buscar legitimidade em uma fieira de generais, que embarcaram em uma canoa que deveriam saber furada. 

Observação: Acabou que o chefe do clã das rachadinhas e mansões milionárias não só se tornou o pior mandatário desde Tomé de Souza como chefiou o governo civil mais militar da história, consolidando a fama do Brasil de "gigante adormecido que se recusa a despertar" e de "país do futuro que tem um longo passado pela frente". 
 
Como uma borboleta que volta à condição de larva, esta republiqueta de bananas chegou a 2023 arrastando seu passado como um casulo pesado e pegajoso. Evitar a reeleição do capetão era fundamental, mas trazer Lula de volta era opcional. E tão difícil quanto entender como alguém pôde apoiar a reeleição do devoto da cloroquina depois de quatro anos sob sua abominável gestão é explicar por que tanta gente achou que o ex-presidiário era a única alternativa. 
O que nos leva de volta à pergunta inicial: foi para isso que lutamos tanto pela vota das eleições diretas? Para trocar um genocida golpista por um monumento ao atraso, que se alia ao que existe de mais degenerado no cenário internacional, apoia ditaduras, reluta em reconhecer a natureza terrorista do Hamas, lamenta os assassinatos, mas fica a favor dos assassinos, e sugere "a paz", mas irreleva o sequestro de crianças, mulheres e velhos, e a tortura de reféns e a chacina de civis? 
 
Por não saber governar o Brasil, o autoproclamado "parteiro do Brasil maravilha" e "alma viva mais honesta do Universo" se exibe há nove meses em viagens milionárias a grandes nações democráticas — as mesmas onde nossos supremos togados vivem palestrando sobre como salvaram a democracia brasileira 
—, mas, ao invés de se aliar a elas no combate à selvageria, fica do lado do agressor. Em sua visão de "estadista", a Ucrânia é culpada por ter sido invadida pela Rússia, Israel é responsável pelos ataques que sofre de uma ditadura terrorista, e por aí segue a procissão, deixando claro como funciona sua política externa. Enquanto isso, o imbroxável inelegível e intragável sobrevoa de helicóptero, na boa companhia no governador bolsonarista de Santa Catarina, as cidades alagadas pelas chuvas torrenciais dos últimos dias. 
 
Lula, que parece convencido de ter sido eleito para o cargo de Deus, recebe com honras o ditador da Venezuela, que é procurado pela polícia internacional e está com a cabeça a prêmio, a 15 milhões de dólares, por tráfico de drogas. Diz que a culpa da miséria em Cuba, após 60 anos de regime comunista, é do "bloqueio" dos Estados Unidos (vale lembrar que 200 outros países do mundo, inclusive o Brasil, não fazem bloqueio nenhum contra a "Pérola do Caribe"), e, junto com o PT e o Psol, que assinaram manifestos em favor da "causa palestina" e apoiam a ditadura do Hamas sobre os territórios árabes que controlam através do crime e do terror, coloca o Brasil, cada vez mais, como inimigo da liberdade.
 
Com Gazeta do Povo