A enxurrada de críticas ao juiz Sérgio Moro — que teria “descumprido a promessa” de não ingressar
na política ao aceitar o cargo de ministro oferecido pelo presidente eleito —
me faz lembrar a fábula do velho, do menino e do burro, que publiquei na
postagem do último dia 2. Em rápidas pinceladas, um sitiante queria vender seu burro e resolveu levá-lo à feira da cidade. Seguiu com o neto, ambos no lombo do burro, mas foram alvo de críticas pelo caminho, o que levou o menino a desmontar e seguir a pé; depois, o velho a trocar de lugar com o neto e, mais adiante, a seguirem ambos a pé, puxando o burro. Ao final, chegara à cidade carregando o muar nas costas, tornando-se motivo de chacota para os
feirantes. Como bem disse JFK, “é
impossível contentar todo mundo ao mesmo tempo”.
Prova disso é que o novo governo nem começou e já vem sendo alvo de críticas
contundentes. No caso de Moro, parece
óbvio que o regente dessa sinfonia é o PT, inconformado com a derrota de Haddad.
O próprio Bolsonaro já disse, em tom de galhofa, que “se o PT não gostou [do convite feito a Moro], é porque a decisão foi acertada”. Fato é que o partido rachou com o resultado das urnas e não sabe se faz um “mea culpa”,
como propõe Jaques Wagner, ou se
segue caninamente seu eterno presidente de honra, como querem Gleisi Hoffmann, Lindbergh Farias, Paulo
Pimenta, Wadih Damous e a ala do
“quanto pior, melhor”. Para eles, somente o fracasso do próximo governo lhes permitiria recuperar o papel de liderança da esquerda — e mesmo
assim seria preciso combinar com o clã
dos Gomes (Ciro e Cid), que rompeu publicamente com o
bando de Lula e ora se apresenta
como sério candidato ao posto.
O pedido de anulação do processo sobre o tríplex no Guarujá, a pretexto de Moro ter condenado Lula porque ambicionava um cargo no futuro governo, é no mínimo absurdo
(leia mais sobre essa falácia na postagem anterior). Mesmo assim, para evitar
“controvérsias desnecessárias”, o juiz se afastou dos processos da Lava-Jato, mas vem sendo criticado por
deixar para pedir sua exoneração em janeiro e usar suas férias (remuneradas) para
preparar a transição
de governo. A maioria dos brasileiros, no entanto, parece não
pensar assim. Um levantamento feito pelo Instituto
Paraná Pesquisas dá conta de que 82%
dos entrevistados aplaudiram o convite feito a Moro por Bolsonaro e sua aceitação pelo juiz (somente 14%
rejeitaram a mudança e 2,8% não souberam ou não quiseram opinar).
Quanto ao pedido de exoneração, há quem diga que Moro não quer queimar as caravelas
antes da hora, já que, uma semana depois de lhe assegurar total liberdade para
comandar o superministério da Justiça e da Segurança Pública, Bolsonaro declarou em entrevista à Band “que não tratou de todos os temas
na conversa que tiveram na semana passada, e que em matéria de combate à
corrupção e ao crime organizado a carta branca vale, mas em questões que
suscitarem divergências os dois terão de encontrar um meio-termo.
É incontestável que o movimento antipetista contribuiu para
o impeachment de Dilma, para a
prisão de Lula e para a vitória de Bolsonaro. Na segunda-feira, o Jornal Nacional perguntou ao presidente
eleito o que ele tem a dizer à quem o acusa de ser um risco à democracia. A
resposta: “Primeiro, dizer que as eleições acabaram. Chega de mentira. Chega de
fake news.” Sem dúvida, uma coisa é discurso de palanque, outra coisa é
governar para quase 210 milhões de brasileiros. Aliás, a democracia é o governo da maioria que respeita as minorias. O
problema é que há uma inversão de valores em curso no Brasil, a começar pelos
“direitos humanos”, que privilegiam os bandidos em detrimento dos cidadãos de
bem. Sem falar nesse “politicamente correto desbragado”, que chega às raias do
absurdo. Mas isso é conversa para outra hora.
Salta aos olhos que existe um movimento de esquerda por trás
das críticas, mas o próprio Bolsonaro
contribui ao dizer tudo que lhe vem à cabeça (como fez várias vezes no Congresso,
com declarações polêmicas sobre tortura e ditadura militar). Na atual
conjuntura, tudo que ele faz ou diz repercute imediatamente, tanto aqui quanto
no exterior. Seria bom que ele se empenhasse em demonstrar com ações que tudo
isso é passado, bem como se conscientizar de que nem tudo que ele gostaria de
fazer pode ser feito, seja porque carece de amparo legal, seja porque pode
prejudicar o País.
Na visão de seus apoiadores, o presidente eleito não se
pavoneia para macacas de auditório. Ele conhece seus limites e, modestamente,
delega poderes. Seria uma espécie de Itamar
Franco sem Lilian Ramos. Ele já
provou esse desprendimento entregando a economia a Paulo Guedes e repetiu a dose com Sergio Moro. O primeiro promete salvar o Brasil da bancarrota, e o
segundo salvou o Brasil da ORCRIM. O próximo passo é Bolsonaro fazer seu Plano
Real, como fez Itamar Franco,
mas contra a corrupção.