sábado, 18 de julho de 2020

QUEM CONTROLA O PASSADO CONTROLA O FUTURO; QUEM CONTROLA O PRESENTE CONTROLA O PASSADO


Deve ir ao ar no próximo dia 22 o final da série “DA PRAGA DA CASERNA AO CAPITÃO CAVERNA”, que eu comecei a publicar no último dia 6. Na sequência, pretendo concluir a novela “A RENÚNCIA DE JÂNIO, SUAS CONSEQUÊNCIAS E OUTRAS CURIOSIDADES”, cujos primeiros capítulos foram publicados nos dias 151617 e 24 de abril e em 3 e 7 de maio, mas uma avalanche de estultices bolsonarianas me levou a suspender. Não obstante, o que foi publicado em ambas até agora dá uma boa ideia de como e por que o Brasil é o que é. 

Da filosófica anedota sobre a criação do mundo (relembrada nesta postagem) à eleição de 2018, passando por diversas farsas históricas — em que mulas são representadas como fogosos corcéis e golpes militares, como atos de bravura e patriotismo —, nosso “esclarecidíssimo” eleitorado é o principal responsável pelo governo que aí está.

Diz-se que cada povo tem o governo que merece e que quem vota em político incompetente e/ou corrupto não pode jamais reclamar de estar mal representado. E o que seria de esperar de um povo composto majoritariamente por analfabetos funcionais e apedeutas de quatro costados? Basta somar dois mais dois para chegar achar quatro — onde quatro é a inarredável conclusão de que, para se reelegerem, maus políticos dependem de um eleitorado desinformado, pouco esclarecido e nada politizado. 

Cidadão politizado reivindica seus direitos. Daí o governo fingir que se preocupa com (e investe em) Educação. Enquanto a plebe ignara continuar acreditando, continuará votando. Deu pra entender ou eu preciso desenhar?

Observação: Só a gestão atual o MEC amargou três iluminados: um boliviano meio avariado, que foi penabundado depois de 97 dias; um paulistano púgil e incompetente, que durou 14 meses — talvez por ter o perfil que agrada tanto ao capitão da caverna sem luz quanto ao triunvirato de “empefilhos” —; e um professor pós-doutor de currículo inconsistente, que, após cinco dias no cargo, escreveu (ou pediu a alguém que escrevesse) sua carta de demissão, antes que descobrissem que ele fora reprovado até no teste do pezinho. O quarto e penúltimo — pois certamente haverá outro depois que este pedir o boné ou for empurrado para fora da Esplanada   é um pastor que ainda não teve tempo de mostrar a que veio. Tomara que não seja como certa pastora que abrilhanta a esplanada dos ministérios e esbanja bom senso e comedimento nas reuniões ministeriais — como aquela de altíssimo nível que aconteceu no dia 22 de abril, durante a qual essa senhora esbravejou que “pegaria pesado” e pediria a prisão de governadores e prefeitos.

Se o caro leitor acha que estou exagerando, permita-me lembrá-lo de que somente um dos sete luminares que pilotaram a Nau dos Insensatos desde a redemocratização não tem contas a acertar com a (nem sempre justa mas invariavelmente lerda) Justiça brasileira — a propósito, não deixe de ler essa filosófica anedota sobre o “inferno brasileiro.

E mesmo o pomposo grão duque tucano tem esqueletos no armário, ainda que dificilmente venha a ser assombrado publicamente por eles: se uma hipotética investigação envolvendo alguém que já colheu 89 margaridas no jardim da existência resultasse em condenação, a sentença só transitaria em julgado quando esse alguém já estivesse na terceira reencarnação — a não ser que o acusado fosse Noé ou Matusalém. Quando por mais não seja, o risco de FHC vir a ser incomodado pelo “Fantasma do Natal Passado” é nulo — a menos que o tucano faça um exame de consciência, mas isso já é outra conversa.

Observação: Durante o primeiro mandato de FHC, uma PEC aprovada na Câmara por 369 votos a 11 estendeu a reeleição — apenas uma vez para um mandato subsequente e sem restrição para um pleito não consecutivo — a chefes dos Executivos Federal, Estaduais e Municipais (e respectivos vices). Após uma série de articulações iniciadas em 1995, o rolo compressor governista comprovou sua força. Dias após a aprovação na Câmara, a Folha revelou que pelo menos quatro deputados haviam recebido R$ 200 mil (cada) em troca do voto favorável à emenda. A oposição pediu a abertura de uma CPI, mas Michel Temer (PMDB), na época presidente da Câmara, e outros nomes influentes se mobilizaram para barrar a investigação, e o então “engavetador-geral” Geraldo Brindeiro não deu andamento às denúncias. Assim, em 13 de maio de 1997  a PEC foi aprovada pelo Senado, a tempo de FHC poder se beneficiar dela no pleito presidencial de 1998, quando o tucano se reelegeu no primeiro turno.

Enfim, deixemos no passado o que ao passado pertence, mas não nos esqueçamos dos ensinamentos de George Orwell em 1984 — consubstanciados na frase "quem controla o passado, controla o futuro; quem controla o presente controla o passado" — e mudemos o foco desta conversa.

Enumerar as estultices de Bolsonaro seria chover no molhado e discorrer sobre suas virtudes e habilidades como chefe do Executivo e líder dos brasileiros no combate à pandemia da Covid-19... bem, basta relembrar que o próprio morubixaba de aldeia reconheceu que não nasceu para ser presidente, mas para ser militar — numa evidente paráfrase ao general João Batista Figueiredo, o último presidente-ditador dos anos de chumbo, que disse (litteris): "estou fazendo uma força desgraçada para ser político, mas não sei se vou me sair bem: no fundo o que gosto mesmo é de clarim e de quartel".

Observação: Volto a frisar que não há que falar em arrependimento — pelo menos não no segundo turno (2018), uma vez que a récua asinina, empoderada pela autorização oficial para fazer merda que lhe concede um tal do título eleitoral, não nos deixou outra opção — votar na patética marionete que um abjeto presidiário comandava desde sua cela em Curitiba jamais foi uma opção, mas sim uma tragédia anunciada a ser evitada, ainda que para isso fosse preciso apoiar um ex-capitão (ou um “anormal e mau militar“ segundo o General Ernesto Geisel) que deixou a caserna pela porta dos fundos se tornou o inexpressivo deputado do baixo clero que, ao longo de sete mandatos, aprovou míseros dois projetos. Nunca é demais lembrar que nas mãos erradas uma prosaica faca de cozinha pode se transformar numa arma letal. 

Ressuscitar a velha proposta de tornar o voto facultativo talvez fosse uma boa ideia. Ou não. Vivemos num país onde o futuro é duvidoso e o passado, incerto. Onde o voto é, a um só tempo, é direito e dever do cidadão — talvez porque alguns enxerguem uma relação entre a quantidade de votantes e a legitimidade do resultado das urnas, ou tenham chegado à conclusão (óbvia) de que a maioria dos eleitores só vota por obrigação.

Na avaliação de João Marco Braga da Cunha — bacharel e mestre em Economia, pela PUC-Rio e pela EPGE-FGV, e mestre e doutor em Engenharia Elétrica, também pela PUC-Rio — a associação entre número de votantes e legitimidade dos eleitos ignora os princípios da probabilidade. A título de exemplo, diz ele, imagine uma disputa de 2.º turno equilibrada em que um candidato tem a preferência de 51% dos eleitores e o oponente tem o resto do eleitorado ao seu lado. Escolhendo-se ao acaso apenas 15.000 eleitores para votarem em nome do todo, a chance do mais popular ganhar é próxima de 99,5%. Ou seja, um número relativamente pequeno de eleitores escolhidos aleatoriamente é capaz de gerar um altíssimo grau de certeza sobre a preferência do todo. Portanto, um baixo número de eleitores não é, por si só, um detrator da legitimidade dos vencedores.

Os resultados probabilísticos são baseados na premissa de que a seleção do grupo de votantes é aleatória. No caso do voto facultativo, o que existe é uma autosseleção seriamente enviesada — porque, do ponto de vista individual, a probabilidade de um voto ser decisivo no resultado tem ordem de grandeza menor que a de um acerto na Mega-Sena. Sob esse prisma, votar simplesmente não faz sentido. 

A autosseleção indica um viés cognitivo, pela crença que o voto seja numericamente relevante, ou moral, pela atribuição de um status de dever cívico, ideológico, partidário ou espiritual à participação nos pleitos. Portanto, o não votante é o racional e o votante, sim, é o ruído. Delegar a escolha dos representantes a um grupo com tais peculiaridades seria um desastre em termos de representatividade. Trata-se de um problema real enfrentado por países que optaram por esse sistema.

O que seria uma alternativa razoável? Um voto obrigatório, com uma pequena punição que torne mais fácil votar do que não votar é uma boa alternativa. Isso cria um pequeno incentivo, mas suficiente para que a maioria das pessoas votem, evitando a prevalência de vieses minoritários. Por outro lado, aqueles que não votam por quaisquer razões, incluindo as ideológicas, não são demasiadamente onerados. Ou seja, o modelo em vigor por aqui, a obrigatoriedade com um toque do jeitinho brasileiro, é uma ótima solução.

A lista de questões que precisam ser repensadas e reformuladas no Brasil é infindável. Nossa vocação para gambiarras e soluções pela metade quase sempre tem efeitos deletérios. Como bem disse a escritora Pat Murphy, “as soluções imaginárias funcionam muito bem, desde que você se dê conta de que os problemas também são imaginários”.

Haveria muito mais a ponderar, mas é melhor encerrar esta conversa por aqui e, se for o caso, retomá-la numa próxima oportunidade. Agradeço a todos pela paciência de sempre e desejo-lhes um excelente final de semana.