Ivan Lessa (1935-2012) dizia que "a cada 15 anos o brasileiro esquece o que aconteceu nos 15 anos anteriores". Se ainda caminhasse entre os vivos, o jornalista certamente reajustaria esse intervalo. Como faz BandNews FM — criada em 2005 com a proposta de oferecer um noticiário sempre atualizado —, que mudou seu bordão "em 20 minutos, tudo pode mudar" para "em um segundo tudo pode mudar".
Mudanças nem sempre são para melhor. Depois que Jânio renunciou e Jango foi deposto pelo golpe de 64, o Brasil amargou 21 anos de ditadura militar. A movimentação épica pelas "Diretas Já" não bastou para impedir o sepultamento da "emenda Dante de Oliveira, mas ensejou a convocação do Colegiado que elegeu Tancredo primeiro presidente civil da "Nova República". Lamentavelmente, um percalço do destino fez com que o político mineiro levasse para a tumba a esperança de milhões de brasileiros e deixasse de herança o oligarca maranhense José Sarney, sob cuja batuta a restauração democrática assumiu ares de anarquia econômica e administrativa.
Ainda assim, a Constituição Cidadã foi promulgada em 1988, ensejando a eleição solteira de 1989. Embora houvesse 22 postulantes ao Planalto no primeiro turno — entre os quais Mario Covas e Ulysses Guimarães — o segundo foi disputado pelo pseudo caçador de marajás o desempregado que deu certo, comprovando mais uma vez o que disseram Pelé e Figueiredo sobre o despreparo do eleitorado tupiniquim.
Em 1992, o primeiro impeachment da "Nova República" apeou Fernando Collor, promoveu Itamar Franco presidente e transformou Fernando Henrique num duble de ministro da Fazenda de direito e Primeiro-Ministro de fato. Graças ao sucesso do Plano Real, que finalmente debelou a hiperinflação, o tucano de plumas vistosas foi eleito no primeiro turno do pleito presidencial de 1994 — o não teria sido ruim se a mosca azul não o levasse a comprar a PEC da Reeleição e — como quem parte e reparte e não fica com a melhor parte é burro ou não tem arte — se reeleger (novamente no primeiro turno) em 1998.
Em 2002, após três tentativas frustradas, Lula finalmente foi guindado ao Planalto, e, a despeito de seu estilo de governar — baseado em alianças tóxicas financiadas à base de mensalões e petrolões —, foi reeleito em 2006. Após usufruir de seus dois mandatos, o petista deixou o governo enfiando os dedos no favo de mel de uma taxa de popularidade de 84% e, lambendo as mãos, fez eleger (e reeleger) uma aberração chamada Dilma. E fugiu das abelhas até abril de 2018, quando então acabou preso.
Dilma foi vendida como "mãezona" e "gerentona", mas se revelou um conto do vigário no qual o próprio Lula caiu. Entre 2013 e 2016, a economia encolheu 6,8% e o desemprego saltou de 6,4% para 11,2% (mandando para o olho da rua cerca de 12 milhões de trabalhadores). Lula fez sua sucessora, mas a criatura desfez a obra do criador.
Com o impeachment de madame, Michel Temer prometeu um ministério de notáveis, mas escalou uma notável confraria de corruptos. O presidente que almejava ser lembrado como "um reformista" viu sua "ponte para o futuro" virar pinguela e ele próprio se transformar num pato manco — tradução de "lame duck", que é como os americanos se referem a políticos que chegam tão desgastados ao final do mandato que os garçons, de má vontade, lhes servem o café frio.
O antipetismo e a facada desfechada por um aloprado catapultaram Bolsonaro do baixo clero da Câmara para a Presidência desta banânia. Durante a campanha, para provar que era amigo do mercado e obter o apoio dos empresários, o estatista que acreditava em Estado grande e intervencionista, que sempre lutou por privilégios para corporações que se locupletam do Estado há décadas, foi buscar Paulo Guedes, que embarcou em uma canoa que deveria saber furada.
Para provar que era inimigo da corrupção e obter o apoio da classe média, o deputado que, em sete mandatos, pertenceu a oito partidos diferentes, todos de aluguel, foi adepto das práticas da baixa política e amigo de milicianos, foi buscar Sergio Moro, que embarcou em uma canoa que deveria saber furada.
E para obter o apoio das Forças Armadas, o oficial de baixa patente, despreparado, agressivo e falastrão, que foi enxotado da corporação por indisciplina e insubordinação, foi buscar legitimidade em uma fieira de generais, que embarcaram em uma canoa que deveriam saber furada.
Bolsonaro não só se tornou o pior mandatário desde Tomé de Souza como também chefiou o governo civil mais militar da história, consolidando a fama do Brasil de "gigante adormecido que se recusa a despertar" e de "país do futuro que nunca chega". E como uma borboleta que volta à condição de larva, esta republiqueta chegou a 2023 arrastando seu passado como um casulo pesado e pegajoso. Evitar a reeleição do capetão era imprescindível, disso não restam dúvidas. Mas a volta de Lula era opcional.
Pesquisas apontam que 75% dos brasileiros acham a democracia a melhor forma de governo, mas 41% dos que votaram para presidente no primeiro turno, em 2022, escolheram Bolsonaro. Uma explicação possível, segundo Hélio Schwartsman, é que 16% ignoram o princípio da não contradição (quem é a favor da democracia não deve votar em quem a ameaça).
Tão difícil quanto entender como alguém pode apoiar a reeleição do capitão depois de quase quatro anos sob sua abominável gestão é compreender por que diabos tanta gente achou que Lula era a única alternativa. Mas a pergunta que se coloca é: foi para isso que lutamos tanto pelas "Diretas Já"?
Triste Brasil.