Promulgada em 1988, a Constituição Cidadã — feita sob medida para o parlamentarismo — estabeleceu que a forma e o sistema de governo seriam definidos em plebiscito. Em 21 de abril de 1993, o povo foi às urnas decidir se o Brasil voltaria a ser monarquia ou continuaria sendo república, e também se seria instaurado o parlamentarismo ou mantido o presidencialismo.
Useiro e vezeiro em escolher sempre a pior opção, nosso esclarecidíssimo eleitorado decidiu manter o status quo, ensejando o advento do "semipresidencialismo" (ou "semiparlamentarismo") que hoje tem Arthur Lira como "primeiro-ministro de fato" e o Supremo como "poder moderador".
Observação: No presidencialismo de coalização, o chefe do Executivo governa com o apoio de uma bancada pluripartidária no Legislativo, mas o presidencialismo de cooptação é baseado no célebre toma lá (verbas e cargos) dá cá (apoio parlamentar).
Observação: No presidencialismo de coalização, o chefe do Executivo governa com o apoio de uma bancada pluripartidária no Legislativo, mas o presidencialismo de cooptação é baseado no célebre toma lá (verbas e cargos) dá cá (apoio parlamentar).
Enquanto candidato, Bolsonaro condenava as indicações políticas, a interferência do governo no Legislativo e os "crimes hediondos" contra a Petrobras, e defendia a Lava-Jato e a prisão de parlamentares do Centrão — chegando até mesmo a comemorar a delação de Alberto Youssef, que dedurou o próprio Arthur Lira. Mas não há nada como o tempo para passar.
No Planalto, o combo de mau militar e parlamentar medíocre torrou bilhões de reais do Orçamento Secreto para garantir a vitória de Lira na disputa pela presidência da Câmara e, mais adiante, nomeou Ciro Nogueira para a Casa Civil. A pareceria com o deputado alagoano foi um jogo de ganha-ganha: Bolsonaro garantiu sua blindagem contra CPIs e pedidos de impeachment e Lira, às voltas com os tribunais, se beneficiou da crescente influência do chefe do clã das rachadinhas e mansões milionárias nas cortes superiores.
Observação: Collor e Dilma foram depostos (em 1992 e 2016, respectivamente) porque "peitaram" o Congresso. Temer só escapou das "flechadas de Janot" porque distribuiu cargos a rodo e bilhões de reais em verbas parlamentares em troca de blindagem.
Durante seu primeiro reinado, D. Lula se valeu do "Mensalão" para comprar apoio parlamentar. Quando a maracutaia veio a público, pediu desculpas ao povo brasileiro e disse que havia sido traído. Mais adiante, percebendo que escaparia incólume, passou a negar o esquema espúrio — e continuou a fazê-lo mesmo depois que o STF condenou 24 réus da ação penal 470 (entre os quais José Dirceu, José Genoíno, Antonio Vaccari, Delúbio Soares e outros petralhas de alto coturno). Até pouco tempo atrás, quase ninguém acreditava que Dilma seria impichada nem que seu mentor acabaria preso. Mas não há nada como o tempo para passar.
Observação: Não foi fácil prender o pai dos pobres, mãe dos ricos e camelô de empreiteiro, e mantê-lo atrás das grades foi ainda mais difícil, como se viu no caso Favreto e na liminar circense do então ministro Marco Aurélio. Mas a postura golpista e o negacionismo de Bolsonaro (exacerbado durante a pandemia) levaram à soltura e subsequente "descondenação" do presidiário mais famoso do Brasil. E como desgraça pouca é bobagem (mais quatro anos sob o "mito" dos descerebrados seriam uma desgraça ainda maior, mas isso não vem ao caso neste momento), o deus pai da Petelândia foi guindado ao Planalto pela terceira vez.
D. Lula III vem trombeteando asnices, descumprindo promessas e repetindo erros cometidos nos reinados pregressos. Em campanha, criticou enfaticamente o relacionamento espúrio do antecessor com o Centrão; uma vez no trono, abriu os braços (e as pernas) para Arthur Lira. A PEC que ampliou o teto de gastos em R$ 170 bilhões — que só foi aprovada após farta distribuição de verbas e cargos em troca de votos, numa espécie de "mensalão oficial" — selou a aliança do palanque ambulante com o "Imperador da Câmara".
Aos 78 anos, Lula ainda se deixa seduzir por luxos e mordomias, rasga compromissos que não lhe interessam, defende ditadores como Putin, Maduro, Ortega e Díaz-Canel e simpatiza com grupos terroristas como o Hamas. A recente recauchutagem facial reforça a suspeita de que sua promessa de pendurar as chuteiras acabará como a de "não nomear amigo ou aliado para o STF". Claro que as chances de ele ser apeado do trono em algum momento — e de não caminhar mais entre os vivos por ocasião da próxima eleição presidencial — não podem ser desprezadas, mas isso é outra conversa.
A defesa ferrenha do rombo fiscal evidencia que sua alteza não aprendeu nada nos reinados anteriores. Fiel a velhos hábitos, continua a abandonar aliados no campo de batalha quando seus corpos lhe servem de alguma maneira. Veja-se a propósito a exoneração das ministras do Esporte e do Turismo e da presidente da CEF — para afinar as relações como partidos do Centrão — e, mais recentemente, a promoção de poste a bobo da corte de Fernando Haddad — o vassalo submisso que aceitou representar se suserano em 2018, mesmo sabendo que, em caso de vitória, não passaria de um fantoche.
Apesar do que se comenta nos subterrâneos do governo, Haddad e Rui Costa não discutem, até porque eles simplesmente não se falam. Desde o discurso de Lula no último dia 27, durante um café de aniversário com jornalistas amestrados, os dois ministros mais importantes deste governo passaram a falar línguas diferentes expressando-se no mesmo idioma. Enquanto um simula que a meta fiscal continua estuante de vida e articula no Congresso receitas tributárias novas, o outro trama um ajuste para evitar que 2024 comece com cortes orçamentários no PAC.
Depois de visitar a Casa Civil do Planalto, o relator da LDO ironizou a divergência: "Falta o maestro pegar na batuta e dizer qual é o tom". Mas o regente já deu o tom em duas oportunidades: numa, declarou que o país não precisa de déficit zero; noutra, afirmou que dinheiro bom é dinheiro aplicado em obras. Dias atrás, discursando para empresários, prometeu garantir a estabilidade fiscal a quem quiser investir. Mas absteve-se de definir "estabilidade".
Gastar é bom, mas, quando o dinheiro é do contribuinte, gastar com parcimônia e responsabilidade é muito melhor. Quando Lula prestigiava Haddad, sua gestão tinha nexo econômico. Mas não há nada como o tempo para passar. Agora, brilham no letreiro nacional duas perguntas: 1) Qual é o rumo do governo na economia? 2) A que temperatura ferve Fernando Haddad?