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quarta-feira, 28 de março de 2018

A SUPREMA SAFADEZA E O MECANISMO


Devido a outros compromissos, não pude terminar o texto que pretendia publicar nesta quarta-feira (fica para amanhã). Em vez dele, segue o excerto de um artigo de Fernando Gabeira.

(...) O sistema de corrupção no Brasil tem sido apresentado como um mecanismo: envolve políticos que fraudam licitações, empresas que superfaturam, e devolve uma parte aos partidos políticos.

A decisão que o Supremo vai tomar [no próximo dia 4] pode agregar um novo elemento a esse mecanismo. É possível desviar dinheiro público, por exemplo, e seguir em liberdade com a esperança mais do que justificada da prescrição da pena. Isso mantém de pé um edifício moralmente arruinado, mas difícil de ser batido.

Uma outra engrenagem do mecanismo foi acionada com a reforma política, em que os partidos garantem sua continuidade através de farto dinheiro público. É um muro contra as mudanças.

Li que a impossibilidade de prender após segunda instância existe apenas no Brasil. É uma jabuticaba revestida de um discurso de proteção da liberdade do indivíduo.

O mecanismo, cujas rodas deslizam sobre a imensa jabuticaba, tornou-se um aparato de poder singular que sobrevive apesar das evidências de que a sociedade o rejeita. 

Com o muro construído em torno de mudanças, é impossível que saia alguma coisa do Congresso, pois grande parte dele depende de longos recursos judiciais para seguir em liberdade.

Aparentemente, a roda rodou. Mas ainda há algumas instituições funcionando, e o poder que a sociedade pode exercer por meio da transparência.

Do ponto de vista de um mecanismo que se desloca solidariamente, o sistema segue o mesmo. No entanto, a sociedade não é a mesma depois da Lava-Jato: cresceu a consciência de que a lei deve valer para todos.

Ainda preciso de um pouco de tempo para refletir sobre as consequências do que me parece um novo momento. Uma delas é uma possível radicalização, com frutos para os extremos.

Isso prenuncia eleições tensas, soluções simples. O Brasil teve 60 mil assassinatos em um ano. É um tema que deveria nos unir ou, pelo menos, nos aproximar. Infelizmente, não temos sabido achar um caminho de acordo sobre como reduzir essas mortes ou mesmo como puni-las adequadamente.

Sobreviver para combater a engrenagem é uma forma de viver, embora não a única. O abismo que separa o sistema da sociedade, e de algumas instituições que a respeitam, será rompido um dia, mesmo que não se saiba precisamente como nem quando vai se romper.

É uma necessidade histórica que acaba abrindo seu caminho. De qualquer forma, os anos difíceis que pareciam longos parecem ganhar agora um novo fôlego.

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