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sábado, 6 de abril de 2019

AS QUASE DECISÕES DE BOLSONARO, A LENTIDÃO NO STF E O REsp DE LULA NO STJ



Numa sexta-feira de quase decisões, Bolsonaro quase exonerou o ministro da Educação — segundo o presidente, “a aliança pode ir para a gaveta” na próxima segunda-feira” — e quase acabou com o horário de verão. Se nada mudar, ambas as decisões serão tomadas em caráter definitivo na semana que vem (e já não era sem tempo). O capitão também quase desidratou (ainda mais) a reforma da previdência mostrando as cartas antes que os adversários pagassem pra ver. Sobre o projeto de capitalização, que Paulo Guedes vem defendendo com unhas e dentes, Bolsonaro disse candidamente que "não é essencial no momento". Vélez, por seu turno, disse que não deixa o cargo, e o ministério de Minas e Energia, que foi pego de surpresa pela decisão sobre o horário de verão. E essa parece que já passou do quase, ou pelo menos foi isso que eu ouvi nos telejornais da noite de ontem.

O ex-ministro José Dirceu — considerado pela tigrada vermelha como “o guerreiro do povo brasileiro” — foi condenado duas vezes no âmbito da Lava-Jato, mas permanece solto graças à leniência do Judiciário, ao bom coração de certos ministros supremos e a dois diferentes recursos pendentes de julgamento. No caso mais antigo, a pena de 30 anos, 9 meses e 10 dias de prisão por corrupção, organização criminosa e lavagem de dinheiro foi ratificada pelo TRF-4 em meados de 2017, mas Dirceu foi solto por decisão da 2ª Turma do STF, que viu “plausibilidade jurídica” no recurso apresentado ao STJ. Assim, o petista só voltará para a cadeia quando e se esse apelo for negado. 

Em outra ação, o guerrilheiro de festim foi condenado a 8 anos de 10 meses por corrupção e lavagem de dinheiro, e a decisão foi ratificada pelo TRF-4 em novembro do ano passado. A corte já rejeitou os embargos infringentes da defesa, mas ainda cabem embargos de declaração, e somente depois que eles forem julgados é que serão considerados esgotados os recursos no âmbito da segunda instância (isso é Brasil, minha gente!).

Dirceu e seu rebento, que na última quarta-feira tirou do sério o ministro Paulo Guedes ao chamá-lo de tchutchuca, eram alvo de uma investigação no Supremo por corrupção e lavagem de dinheiro, mas o MPF apontou indícios de falsidade ideológica eleitoral (caixa 2) e o ministro Edson Fachin, respaldado na lamentável decisão suprema tomada por 6 votos a 5 no dia 14 do mês passado, determinou a remessa do caso à Justiça Eleitoral. Como se vê, a Operação Lava-Toga pode estar difícil de emplacar, a “Operação Esvazia-Gaveta” segue a todo vapor.

A uma corte constitucional, como é o caso do STF, cabe julgar a constitucionalidade de leis, mas ele também funciona também como suprema corte — ou seja, como a última instância de apelação —, além de investigar, processar e julgar deputados federais, senadores, ministros e outros políticos com direito a foro especial por prerrogativa de função. Mesmo contando com 222 servidores (em média) para cada um de seus 11 ministros, o Supremo não prima pela celeridade. E justiça tardia não é justiça. Em cinco anos de atividade, a despeito de ser constantemente bombardeada, a Lava-Jato produziu resultados impressionantes. Em contra partida, dos quase 200 casos que chegaram até o STF, 30% foram arquivados, tiveram denúncia rejeitada ou envolvidos absolvidos. Apenas 6 réus foram julgados e somente 2 restaram condenados sem prescrição.

Um bom exemplo de como as coisas caminham em nossa suprema corte é o ex-deputado Paulo Maluf, que em quase meio século de vida pública já figurou no topo da lista de políticos com mais processos judiciais. Em dezembro de 2017, quase duas décadas depois do início de um dos processos, o turco lalau foi condenado no STF a 7 anos, 9 meses e 10 dias de prisão, mas ficou preso por pouco mais de 3 meses, pois o ministro Dias Toffoli, atual presidente da corte, concedeu-lhe um habeas corpus de ofício, por razões humanitárias (o detento estaria à beira do desencarne), e o ex-deputado foi transferido para o Hospital Sírio Libanês e de lá para sua mansão nos Jardins (bairro nobre da capital paulista). Se ele realmente está morrendo, só se for de rir dos trouxas que acreditam na Justiça Brasileira.   

Outro exemplo emblemático de morosidade nas cortes superiores é o recurso especial do criminoso Lula no caso do tríplex do Guarujá. O petralha foi condenado a 9 anos e 6 meses de prisão, pena que o TRF-4 aumentou a pena de 12 anos e 1 mês, e que o réu vem cumprindo há um ano na Superintendência da PF em Curitiba (ao custo de R$ 10 mil reais por mês). Só nesse caso (Lula é réu em outras 9 ações criminais), seus advogados ingressaram com mais de 80 recursos, apelos e chicanas protelatórias. 

Espera-se que o STJ julgue na próxima terça-feira o recurso especial do prisioneiro de Curitiba. O apelo já foi rejeitado monocraticamente pelo desembargador Felix Fisher — até porque o STJ não pode reexaminar provas em recurso especial. A defesa alega que as decisões do TRF-4 contrariaram diversos dispositivos de leis federais, como a impossibilidade de o processo ser julgado por um juiz que perdeu a isenção, que a corte se recusou a analisar novos documentos que comprovam a inocência do petista, que "foi vítima de excesso de acusação" e julgado por um juiz de exceção.

Segundo Fischer, o STJ não tem como analisar se o acórdão do TRF-4 deixou de apontar ato de ofício de Lula que caracterizasse a corrupção passiva. Com a mesma justificativa, o magistrado apontou que não pode examinar se a pena aplicada foi exagerada, se o direito ao contraditório e à ampla defesa foi cerceado e se o ex-juiz federal Sergio Moro, responsável pela instrução do processo do tríplex e sua sentença, agiu de forma parcial (clique aqui para ler a íntegra da decisão).

Na semana passada, Fisher pediu ao MPF que se manifestasse sobre o pedido da defesa para encaminhar essa ação à Justiça Eleitoral, mas o parecer assinado pela subprocuradora-geral da República Áurea Lustosa Pierre recomendou apenas que o julgamento do recurso no STJ fosse suspenso até que o Supremo termine de analisar uma ação que questiona a condução do processo de Lula naquela corte. O magistrado pediu um complemento ao MPF, abordando o pedido relacionado à Justiça Eleitoral. De acordo como o vento soprar, o recurso será julgado na próxima terça-feira 9. E ainda que não seja essa a data, o julgamento certamente ocorrerá antes de o Supremo se debruçar sobre as ações que questionam a constitucionalidade de prisão após condenação em segunda instância, já que na última quinta-feira, atendendo a um pedido da OAB, o presidente supremo Dias Toffoli retirou as ADCs da pauta e adiou o julgamento sine die.

Observação: Em dezembro do ano passado, ao pautar as ADCs, Toffoli acreditava que o STJ já teria decidido sobre o recurso especial de Lula no próximo dia 10, data em que as tais ações seriam julgadas no Supremo. Mas isso não aconteceu, talvez porque o STJ preferiu empurrar a coisa com a barriga até o supremo decidir se mantém ou não a possibilidade da prisão em segunda instância. Nas últimas semanas, Gilmar Mendes e seus pupilos procuraram colegas da 5ª Turma do STJ para lhes pedir que julgassem as decisões da Lava-Jato e não apenas as homologassem. Ao longo dos anos, o colegiado manteve a maioria das decisões do então juiz Sergio Moro e do TRF-4, responsáveis pelos casos da força-tarefa nas instâncias inferiores. Torçamos para que pelo menos isso continue assim.

terça-feira, 2 de abril de 2019

TEMER, LULA E A DESALENTADORA JUSTIÇA BRASILEIRA — CONCLUSÃO


Vimos que a prisão após condenação na primeira ou na segunda instâncias vigeu no Brasil durante as últimas 8 décadas, exceto num curto período (entre 2009 e 2016), quando só se ia preso depois de a sentença condenatória transitar em julgado — e para que o leitor tire suas conclusões sobre os motivos que levaram a essa mudança na jurisprudência, em relembrei que o processo do Mensalão foi instaurado em 2007, começou a ser julgado em 2012 e terminou em 2014.

Em abril do ano passado, o eminente ministro Marco Aurélio Mello liberou para julgamento as ações diretas de constitucionalidade que questionam a prisão em segunda instância, mas a então presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, entendeu que rediscutir o tema pela terceira vez em menos de dois anos seria apequenar o tribunal. Diante do inconformismo de Mello, o atual presidente, Dias Toffoli (mais detalhes sobre esse nobre ministro nesta postagem), pautou o julgamento das ominosas ADCs para o próximo dia 10 (que acontece de ser quarta-feira que vem, daí eu estar revisitando este assunto). Mas isso não impediu que Marco Aurélio protagonizasse uma versão revista e atualizada do lamentável “caso Favreto”. Em 19 de dezembro do ano passado, minutos depois de o Judiciário entrar em recesso, o magistrado concedeu monocraticamente uma estapafúrdia liminar que só não libertou Lula e outros 170 mil condenados em segunda instância que aguardam presos o julgamento de seus recursos às instâncias superiores porque foi prontamente cassada por Toffoli.

Observação: Também para ajudar o leitor com suas conclusões, relembro que esse Marco Aurélio ascendeu ao Supremo por indicação do primo Fernando Collor (que dispensa apresentações) e foi brilhantemente definido por José Nêumanne como "um misto de Hidra de Lerna com o deus romano Jano”.

Para não espichar muito a conversa, relembro apenas que a polêmica gira em torno da seguinte questão: autorizar a prisão de alguém antes que todos os recursos sejam exauridos significa negar-lhe o direito constitucional da presunção de inocência? A pergunta é simples, mas a resposta nem tanto. O Supremo já mudou esse entendimento várias vezes, como vimos na postagem anterior. Em 2009, por 7 votos a 4, a Corte decidiu que o cumprimento provisório da pena (ou seja, a prisão antes do trânsito em julgado da condenação) era inconstitucional — note que isso nada tem a ver com a prisão preventiva, mas eu não vou entrar nesse mérito, ao menos nesta oportunidade. Votaram favoravelmente ao direito de recorrer em liberdade os ministros Eros Grau, Celso de Mello, Cezar Peluso, Ayres Britto, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio (Menezes Direito, Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa e Ellen Gracie foram votos vencidos).

Em fevereiro de 2016, a Corte decidiu permitir o início do cumprimento da pena a partir da segunda instância, sob o argumento de que a regra anterior levava à impunidade (pausa para os aplausos, e digo isso sem qualquer ironia). O placar foi novamente de sete votos a quatro. Marco Aurélio, Celso de Mello, Lewandowski, que já haviam sido contrários à prisão em segunda instância em 2009, e a ministra Rosa Weber foram votos vencidos; Gilmar Mendes, contrário na primeira votação, Carmen Lúcia, favorável em 2009, Dias Toffoli, Edson Fachin, Teori Zavascki, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux — que não faziam parte no tribunal na primeira decisão — votaram a favor.

Em outubro daquele mesmo ano, durante o julgamento de outro habeas corpus, a nova jurisprudência foi confirmada por seis votos a cinco — a mudança do placar decorreu do voto de Dias Toffoli, que dessa vez se alinhou à ala “garantista”. O tema voltou à pauta em abril do ano passado, no julgamento do habeas corpus de Lula. Novamente, por seis a cinco, a tese favorável à prisão antecipada prevaleceu. Note que Mendes voltou a ser contra a antecipação da pena, mas a ministra Rosa Weber seguiu a maioria, argumentando que, embora fosse contra, não poderia contrariar a jurisprudência da corte. Alexandre de Moraes, que substituiu Zavascki, manteve o entendimento do antecessor.

Resta saber como a coisa vai ficar no próximo dia 10, quando será iniciado o julgamento das malditas ADC 43 e ADC 44, que o nobilíssimo ministro Marco Aurélio tanto insistiu para que fossem pautadas. Nesse tipo de ação, não é julgado um caso concreto, mas sim o entendimento que se tem sobre a regra, de modo que a decisão é vinculante. A mãe das crianças, em entrevista à jornalista Andréia Sadi, disse que “existe clima” no Supremo para a reversão da jurisprudência. O fiel da balança, por assim dizer, será Rosa Weber (pelos motivos mencionados linhas atrás). Se a ministra mudar de lado e os demais mantiverem suas posições, condenados em segunda instância com recursos pendentes na Justiça não poderão mais ser presos, o que seria trágico para a Lava-Jato e, por que não dizer, para o país como um todo (ou pelo menos para a parcela que engloba os brasileiros que estão até os tampos com tanta corrupção e impunidade na classe política).

STJ já poderia ter julgado a recurso de Lula contra a condenação no processo do tríplex, mas vem empurrando com a barriga. Ao contrário dos ministros supremos, os 33 membros dessa Corte são avessos às luzes da ribalta, daí ser mais difícil antecipar como votará a 5ª Turma, caso algum dia se digne de julgar o apelo do petralha. Para ser justo, é preciso mencionar que, no final do ano passado, o ministro Félix Fisher, relator da ação, negou monocraticamente o pedido da defesa e decidiu encerrar a questão no STF. Os advogados de Lula agravaram, mas ainda não foi definida uma data definida para o julgamento. Em mais e uma oportunidade o ministro Félix Fisher aventou que levaria o caso “em mesa” na sessão seguinte, mas mudou de ideia, talvez para não chamar a atenção da imprensa — se o STJ já é avesso à exposição na mídia, a 5ª Turma o é ainda mais, sobretudo depois que passou a receber os processos da Lava-Jato. Existe a possibilidade de Fisher levar o caso em mesa na sessão de hoje, mas, à luz de como ele vem procedendo desde o início do ano e pelo fato de o STF ter pautado julgamento das malditas ADCs para daqui a uma semana, é possível que o ministro prefira aguardar a decisão superior. Mas note que possível não é o mesmo que provável, e cabeça de juiz...

Atualizações: 1) Segundo informações do site Gaúcha ZH, os cinco ministros da 5ª Turma já estão com os votos prontos, mas aguardam parecer do MPF sobre o pedido da defesa do petralha para que a ação seja remetida à Justiça Eleitoral. É possível que o julgamento ocorra já nesta quinta-feira, em não havendo nenhum acidente de percurso. Torçamos, pois. 2) O STF pode adiar o julgamento da prisão em segundo grau, marcado para o próximo dia 10. Segundo o Antagonista, isso se deve a um pedido apresentado pela OAB, e significa que petistas devem ter sido informados de que a maioria dos ministros votaria contra a soltura de Lula (e de milhares de criminosos iguais a ele). Aparentemente, os seis magistrados que defenderam a legalidade em 2018 continuam a defendê-la em 2019.

Esse julgamento poderia encerrar o processo do tríplex no âmbito do STJ. Em sendo negado o recurso, Lula passaria à condição de "condenado em terceira instância" e não seria mais afetado no caso de o STF mudar a jurisprudência sobre prisão em segunda instância e decidir que as prisões só podem ser executadas a partir de decisão do STJ — que é a alternativa “quebra-galho” sugerida por Dias Toffoli e, ao que parece, vista como satisfatória pelos ministros garantistas.

Sobre Michel Temer e companhia

O MPF recorreu ao TRF-2 pedindo a restauração da prisão preventiva do ex-presidente, de Moreira Franco e dos outros seis denunciados por crimes ligados a contratos de Angra 3, usina da Eletronuclear em construção. Segundo a Procuradoria Regional da República da 2ª Região, as solturas afetam a investigação de crimes, a instrução do processo, a aplicação da lei e a recuperação de valores desviados. O Núcleo Criminal de Combate à Corrupção do MPF na 2ª Região concordou com a Lava-Jato/RJ que a prisão preventiva dos investigados segue amparada na legislação e na jurisprudência de tribunais, inclusive do próprio TRF-2

Os recursos foram protocolados na última segunda-feira e serão julgados pela 1ª Turma caso não sejam aceitos em decisão individual do desembargador-relator dos habeas corpus. “O julgamento monocrático de mérito em favor da parte é circunstância excepcional e rara, pois resulta na indesejável supressão das fases do contraditório prévio e do julgamento colegiado, os quais integram o devido processo legal regular", frisaram os procuradores regionais Mônica de Ré, Neide Cardoso de Oliveira, Rogério Nascimento e Silvana Batini, que ressaltaram a fartura do conjunto de provas da prática de corrupção, peculato e lavagem de dinheiro.

segunda-feira, 1 de abril de 2019

TEMER, LULA E A DESALENTADORA JUSTIÇA BRASILEIRA


O físico italiano Carlo Rovelli resumiu a Teoria de Relatividade com a seguinte frase: ”o tempo passa mais rápido na montanha e mais devagar no vale”. Mas não foram as peculiaridades do tempo-espaço que ajudaram Michel Temer a atrasar o relógio da Justiça e evitar ser preso em 2016, antes de ascender à Presidência.

Segundo esta reportagem, o MPF tinha conhecimento de uma série de malfeitos do estrige emedebista quando o impeachment da gerentona de araque estava em curso. Mas naquela época o hoje presidiário Eduardo Cunha presidia a Câmara, o mega investigado Renan Calheiros comandava o Senado e Ricardo Lewandowski era o presidente do Supremo. Deu para entender ou quer que eu desenhe?
O mundo dá voltas, ainda que não na velocidade da luz. Temer, alvo de pelo menos 10 inquéritos (e contando...) e denunciado três vezes no exercício da Presidência (duas por Rodrigo Janot e uma por Raquel Dodge), deixou o cargo e a proteção legal que este lhe garantia às vésperas de o Legislativo, o Judiciário e o MPF deram início a uma monumental queda de braço, e acabou sendo preso por determinação do juiz federal Marcelo Bretas — e solto cinco dias depois por decisão liminar de um veterano especialista em libertar ladrões do erário (que ficou sete anos afastado da magistratura por acusações de praticar estelionato, mas está lá de volta, em cumprimento ao que diz nossa “Constituição Cidadã”).

Numa única semana, o ex-presidente se tornou réu no caso da mala de Rocha Loures  e foi denunciado mais duas vezes por corrupção, lavagem de dinheiro e peculato. Se nossa Justiça honrasse a espada que empunha e nossos julgadores, a toga que vestem (alguns sobre a fada de militante), ele estaria jogando palitinho com Eduardo Cunha há muito tempo. Mas vivemos num país onde quatro deputados que estão presos na Penitenciária de Bangu e mais um que está em prisão domiciliar tomam posse normalmente; um país onde se passam meses, anos, décadas sem que se descubra quem encomendou o atentado contra Jair Bolsonaro, quem mandou executar Marielle Franco ou como morreram Teori Zavascki, Eduardo Campos, Celso Daniel, Toninho do PT, PC Farias, Juscelino Kubitschek, Getúlio Vargas; um país onde se vai dormir com Lula na cadeia e corre-se o risco de acordar na manhã seguinte com o pulha em prisão domiciliar.
Às vésperas de o STF discutir (mais uma vez) o cumprimento da pena após a condenação em segunda instância — tema especialmente caro ao ministro Marco Aurélio, que a ex-presidente Carmen Lúcia evitou revisitar, mas que Dias Toffoli pautou para o próximo 10 —, o comandante da ORCRIM pode ser favorecido pelo STJ, sobretudo no que se refere à pena aplicado por lavagem de dinheiro. Num país sério, a “plausibilidade” de reforma da sentença seria uma falácia, mas nesta banânia ela vem servindo de argumento para a ala dita garantista do STF reverter os ganhos produzidos pela Lava-Jato nos últimos 5 anos. 

Dentre outros itens, pacote anticrime e anticorrupção do ministro Sérgio Moro incluiu a criação de uma lei que vincule o início do cumprimento da pena à sentença condenatória prolatada por um juízo colegiado. O problema é que, para além da habitual morosidade do Congresso (a quem compete aprovar o projeto), Moro bate de frente com os interesses dos parlamentares corruptos. E como se isso já não bastasse, daqui a 10 dias o Supremo volta a discutir a prisão em segunda instância, de modo que só nos resta rezar para que a ministra Rosa Weber não mude de lado e o placar se mantenha em 6 a 5.

De 1941 até 1973, condenados cumpriam a pena tão logo a sentença fosse proferida pela primeira instância (o réu podia recorrer, naturalmente, mas deveria aguardar preso o resultado do apelo). Isso mudou quando o Congresso, pressionado pela ditadura militar (aquela que muita gente diz não ter existido), aprovou a Lei Fleury, que concedia a réus primários e com bons antecedentes o direito de, mediante fiança, responder ao processo em liberdade até a decisão da segunda instância. Em 1988, por obra e graça da nossa “Constituição Cidadã”, ficou decidido que só se veria o sol nascer quadrado depois do julgamento do último recurso cabível. Em tese, isso é muito bonito; na prática, a morosidade do Judiciário, combinada com o instituto da prescrição (perda do direito de ação por não ter sido exercido dentro do prazo previsto em lei), favorece os criminosos ricos, poderosos, bem posicionados no mundo político e assistidos por advogados estrelados, que só começam a cumprir a pena “no dia de São Nunca”.

Mais adiante, cristalizou-se no STJ o entendimento de que a prisão após condenação em segunda instância não ofende a presunção de inocência, e que, para apelar, o apenado deve iniciar o cumprimento provisório da pena (súmula 09). O que faz sentido, sobretudo porque o reexame de matéria fática (provas) só é possível até a segunda instância; o que se discute no STJ é uma possível interpretação da legislação de maneira divergente dos demais tribunais ou ofensa à legislação federal e a tratados internacionais, e no STF, eventuais ofensas ao texto constitucional.

Isso valeu até 2009, quando o STF mudou (novamente) as regras do jogo, determinando que condenados na segunda instância permanecessem em liberdade até o trânsito em julgado da sentença. Vale lembrar que o processo do mensalão foi instaurado no final de 2007 e começou a ser julgado em 2012 (a fase de julgamento dos recursos só terminou em 2014), e quem liderou a mudança foi o então ministro Eros Grau, nomeado pelo ex-presidente Lula (deu pra entender ou eu preciso desenhar?). Questionado sobre o assunto no ano passado, Grau disse o seguinte: “Agora, neste exato momento, eu até fico pensando se não seria bom prender já na primeira instância esses bandidos que andam por aí”).

Mais adiante, o STF retomou o entendimento de que o artigo 283 do Código de Processo Penal não impede o início da execução da pena após condenação em segunda instância. Todavia, depois que a Lava-Jato passou a expor as entranhas pútridas da política e dos políticos tupiniquins — e sobretudo quando a possibilidade de Lula ser preso se tornou real —, a ala “garantista” da Corte passou a defender a prisão somente após o trânsito em julgado da condenação.

Continua na próxima postagem.

quinta-feira, 14 de março de 2019

O BRASIL, O GOVERNO E O FIM DA PICADA.


Uma das peculiaridades do atual governo é fazer ele próprio o trabalho da oposição. O presidente deixou isso bem claro antes, durante e depois do Carnaval. Sua "incontinência tuitária", sem os filtros institucionais que protegem o governante de cometer erros, pode prejudicar seu capital político e as reformas.

Autoridades de alto nível não devem fazer declarações públicas ou participar de entrevistas à imprensa sem submeter-se a filtros dos órgãos de assessoramento direto e dos ministérios. Trata-se de ação prudente, pois tais autoridades não dominam todos os assuntos sobre os quais se pronunciam. Mais do que qualquer outro membro do governo, o presidente precisa passar por briefings antes de emitir opiniões, já que suas falas costumam ter repercussões.

Segundo Diego Mainardi, a queda de Jair Bolsonaro é tema recorrente no Congresso, no mercado financeiro e na imprensa. Olavo de Carvalho, o folclórico guru presidencial, vaticinou que, se continuar assim, “esse governo não dura seis meses”, e passou a disparar mensagens alucinadas contra o general Hamilton Mourão, acusando-o de tramar um golpe para assumir o poder.

É uma estupidez colossal especular que, dois meses depois da posse, o mandato de Bolsonaro esteja em perigo, mesmo que o comportamento tresloucado do capitão alimente essa hipótese: ao se entrincheirar no Palácio do Planalto, cercado apenas por seus seguidores mais ardorosos, preparando-se para o assédio de inimigos imaginários, o presidente queimou as pontes com o resto da sociedade. Se o Congresso quiser derrubá-lo, basta barrar a reforma previdenciária. Ou então aprová-la depois de dizimar suas tropas. O resultado é igual, e o vice não precisa fazer nada para herdar o poder, pois o titular já está fazendo tudo por ele.

Mudando de pato pra ganso: neste país de merda, cenas de puro terror se sucedem sem cessar, e a cada minuto a mídia divulga algo ainda mais tenebroso — na manhã de ontem, por exemplo, dois indivíduos (não tenho adjetivos para qualificá-los) cometeram uma igualmente inominável barbárie numa escola municipal de Suzano, na região metropolitana de São Paulo — quatro horas depois da chacina, o presidente, sempre ativo nas redes sociais, ainda não havia dado um pio sobre o assunto.

Falando em chacina, a tese improvável de a execução de Marielle Franco e seu motorista não ter tido motivação política nem mandante faz a apresentação de novos dois suspeitos parecer uma peça de ficção. Uma versão difícil de engolir, nas palavras de Merval Pereira (clique aqui para mais detalhes). Mas não é só.

STJ pode aproveitar uma janela de oportunidade aberta pelo ministro supremo-divino Gilmar Mendes para tirar o criminoso de Garanhuns da cadeia — a expectativa é a de que a Corte reveja parte da pena imposta no processo do tríplex do Guarujá, o que abriria brecha para a mudança do regime imposto ao petista, afirma a Folha. Paralelamente, o STF ameaça matar, sepultar e jogar uma pá de cal sobre a Lava-Jato, transformando em simples crime eleitoral  (caixa dois) as rapinagens cometidas políticos larápios. Ainda que o caso sub examine envolva os ex-prefeito do Rio de Janeiro Eduardo Paes e o deputado federal Pedro Paulo, a decisão pode favorecer Mantega, Dilma, Temer e um sem-número de outros picaretas. É o fim da picada.

Falando em fim da picada, fala-se que Lula anda deprimido, tadinho. Familiares, amigos e advogados receiam que essa melancolia evolua para algo mais grave e crônico. Segundo O Antagonista ouviu de alguém que visita o molusco abjeto regularmente, ele montou um altar com imagens de santos (um buda, um orixá, um crucifixo, etc.) e, de normalmente brincalhão, passou a meditabundo e retraído. Talvez porque a prisão, que o privou da cachaça e da roubalheira, agora o leva a deixar também as piadinhas de lado.

Que Deus nos ajude.

Falando em Deus nos ajude, O Supremo adiou para esta quinta-feira a conclusão do julgamento sobre a competência da Justiça Eleitoral para conduzir inquéritos de políticos investigados na Lava-Jato. Até o momento, o placar está em 2 votos a 1 a favor do envio das acusações para a Justiça Eleitoral quando envolverem simultaneamente caixa 2 de campanha e outros crimes comuns, como corrupção e lavagem de dinheiro. Faltam os votos de oito ministros.

ATUALIZAÇÃO (17h30): A ministra Rosa Weber, atual presidente do TSE, votou contra a competência da Justiça Eleitoral para investigar casos de corrupção quando envolverem simultaneamente caixa 2 de campanha e outros crimes comuns, como corrupção e lavagem de dinheiro. Com o voto da ministra, o placar do julgamento está em 3 votos a 2 a favor da competência da Justiça Federal. Até o momento, os ministros Marco Aurélio e Alexandre de Moraes votaram pela competência da Justiça Eleitoral. Luís Roberto Barroso e Edson Fachin entenderam que os casos de crimes conexos devem ser julgados pela Justiça Federal.

domingo, 10 de fevereiro de 2019

AINDA SOBRE LULA LÁ — E QUE FIQUE POR LÁ



Para concluir esta abordagem sobre nosso “caro” presidiário-estrela — cuja hospedagem na PF nos custa R$ 10 mil por dia —, preparei um breve apanhado sobre seus demais processos, cujas penas máximas, se aplicadas, acresceriam 110 anos aos 25 a que ele já foi condenado (pelas penas mínimas, o acréscimo seria de 31 anos, o que já teria potencial para tirar o sono de qualquer um).

Claro que ninguém fica preso por um século no Brasil, e tampouco se espera que um septuagenário tenha um século de vida pela frente. Mas o fato é que neste arremedo de Banânia — que ora atende por “Pátria amada, Brasil”, após ter ostentado orgulhosamente os epítetos “Um país de todos” no governo de Lula, “Pátria educadora” no de Dilma e “Ordem e progresso” no de Temer — é público e notório que o crime compensa, que a polícia prende e a Justiça solta, e que não raro o criminoso deixa a delegacia pela porta da frente antes mesmo de a vítima conseguir registrar a ocorrência. E a coisa é ainda pior nos andares de cima do Judiciário.

Há no Supremo gabinete distribuindo senha para soltar corrupto, sem qualquer forma de direito e numa espécie de ação entre amigos, afirmou o ministro Luís Roberto Barroso, sem dar nomes aos bois, mas numa referência clara a Gilmar Mendes, a quem ele já havia classificado publicamente comouma pessoa horrível, uma mistura do mal com o atraso e pitadas de psicopatia“ e acusara de “desmoralizar o Tribunal”.

Falando nisso, o ministro-deus subiu nas tamancas quando Veja revelou que a Receita Federal abriu um procedimento para identificar supostos "focos de corrupção, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio ou tráfico de influência", tanto dele quanto de sua mulher, Guiomar Mendes. Além de entrar com uma petição na PGR e na própria Receita, o laxante de toga exigiu do presidente do STF “providências urgentes” para apurar a iniciativa dos auditores fiscais (volto a esse assunto oportunamente).

Deixemos de lado a encarnação de Deus na Terra e voltemos à autodeclarada “alma viva mais honesta da galáxia”, que coleciona processos com potencial para prolongar sua estada na cadeia por um bom tempo. A não ser, naturalmente, que alguma maracutaia o tire de lá pela porta dos fundos, o que não é nada difícil, como comprova a estapafúrdia liminar que o ministro Marco Aurélio publicou minutos depois do início do recesso do Judiciário, em dezembro, com o nítido propósito de favorecer Lula, mas que, por tabela, abria as portas da cadeia para quase 170 mil presos que estão cumprindo penas sem que a condenação tenha transitado em julgado.

Como vimos no post anterior, Lula foi condenado em duas ações criminais. Na do tríplex do Guarujá, que resultou em sua prisão depois que a decisão da primeira instância foi confirmada pelo TRF-4 e a pena aumentada de 9 anos e meio para 12 anos e um mês, a defesa apelou ao STJ, alegando que as decisões do Regional contrariaram diversos dispositivos de leis federais, como a impossibilidade de o processo ser julgado por um juiz que perdeu a isenção. O relator do REsp, ministro Felix Fischer, rejeitou monocraticamente o apelo, alegando que acolhê-lo exigiria o reexame das provas, e que é vetado pela Súmula 7 do STF. Aguarda-se agora a decisão da 5ª Turma do STJ, mas tudo indica que as chances de êxito do petralha são remotas.

No processo sobre o sítio em Atibaia, a juíza substituta Gabriela Hardt condenou Lula a 12 anos e 1 mês de prisão. Horas antes, a defesa havia pedido ao STF que ação deixasse a 13ª Vara Federal do Paraná e fosse enviada a Brasília. Cristiano Zanin e companhia argumentam que, ao determinar que os termos de delação premiada de executivos da Odebrecht fossem enviados a Brasília, a 2ª Turma do Supremo "reafirmou a incompetência" do Juízo de Curitiba para julgar ações relacionadas àquelas informações, e pedem que todas as decisões tomadas pela substituta de Moro sejam anuladas. O pedido foi apresentado dentro de uma reclamação discutida desde maio de 2018 no STF, que está sob a relatoria da ministra Cármen Lúcia. Em outubro, a PGR se manifestou contrariamente à pretensão da defesa, afirmando que os advogados de Lula tentam burlar o processo de Justiça.

Lula se tornou réu pela terceira nas asas da Operação Janus. Segundo a denúncia — aceita pelo juiz Vallisney Souza Oliveira, da 10ª Vara Federal de Brasília —, ele teria usado sua influência no BNDES e em outros órgãos para favorecer a Odebrecht em contratos e obras de engenharia em Angola. Em troca, a empreiteira teria pago propina de cerca de R$ 30 milhões.

A quarta vez foi em dezembro de 2016, no âmbito da Zelotes, por suspeitas de tráfico de influência, lavagem de dinheiro e organização criminosa. A denúncia — segundo a qual o molusco teria interferido na compra de 36 caças suecos pelo governo brasileiro, além de ter atuado para prorrogar medida provisória que concedia incentivos fiscais a montadoras de veículos — também foi aceita pelo juiz federal Vallisney.

Em setembro de 2017, o juiz Vallisney aceitou mais denúncia do MPF contra Lula, esta por crime de corrupção resultante da participação do ex-presidente na "venda" da medida provisória 471, de 2009, que prorrogou os incentivos fiscais a montadoras instaladas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Nove meses antes, Lula havia se tornado réu pela quinta vez (a terceira na âmbito da Lava-Jato), depois que Moro aceitou a denúncia do MPF por corrupção passiva e lavagem de dinheiro em contratos firmados entre a Petrobras e a Odebrecht. Segundo os procuradores, sua insolência teria recebido propina da empreiteira por intermédio do ex-ministro Antonio Palocci — que também réu na ação. Parte do dinheiro (R$ 12,4 milhões) teria sido usada na compra de um terreno no qual seria erguida a nova sede do Instituto Lula, e o restante, na compra da cobertura vizinha à de Lula em São Bernardo do Campo (SP). Os autos estão conclusos para sentença, mas o julgamento não deve ficar a cargo da juíza substituta Gabriela Hardt, e sim de Luiz Antônio Bonat — o juiz federal com maior tempo de carreira em toda a jurisdição do TRF-4 —, que assumirá a 13ª Vara Federal em Curitiba e ficará responsável por todos os inquéritos da Lava-Jato no Paraná.

Em 2017, o ministro Fachin enviou à Justiça Federal de Brasília — e o juiz Vallisney aceitou — a denúncia em que Rodrigo Janot acusa Lula e Dilma por formação de quadrilha no esquema que teria coletado propinas de R$ 1,48 bilhão entre 2002 e 2016 (e que ficou conhecido como "quadrilhão do PT"). No mês seguinte, Lula virou réu mais uma vez, desta feita acusado de receber R$ 1 milhão, disfarçado como doação para o Instituto Lula, em troca de favorecer o grupo ARG em negociações com o presidente da Guiné Equatorial. O processo tramita na 2ª Vara Federal de São Paulo, especializada em crimes financeiros e lavagem de dinheiro.

Lula também é investigado por ter sido nomeado por Dilma ministro-chefe da Casa Civil, em março 2016, com o propósito de obter prerrogativa de foro e evitar sua prisão (um mês antes ele fora conduzido coercitivamente para depor à PF na Sala da Presidência do Pavilhão das Autoridades do Aeroporto de Congonhas, na capital paulista). Para fechar a lista, em abril do ano passado Lula foi denunciado pela PGR (juntamente com Antônio PalocciGleisi Hoffmann e o maridão Paulo Bernardo) por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Com uma capivara dessas, só acredita que esse pulha é a alma viva mais honesta do Brasil quem, a exemplo dos camarões e dos sectários da seita do inferno, têm os intestinos na cabeça. E viva o PT.  

terça-feira, 8 de janeiro de 2019

PETISTAS, INTESTINOS, MINISTRA DAMARES E OUTROS ASSUNTOS



A ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, reagindo à divulgação de um vídeo no qual ela afirma que "menino veste azul e menina veste rosa", refutou as críticas alegando ter feito metáfora contra ideologia de gênero, reafirmou que pretende acabar com o "abuso da doutrinação ideológica de crianças e adolescentes no Brasil" e que sua gestão à frente do ministério vai focar as políticas públicas "que priorizem a vida desde a concepção".

É certo que os novos ministros — e o próprio Presidente — não têm primado pela ponderação ao tecer comentários sobre temas controversos e sensíveis. No caso específico da tal “metáfora”, no entanto... Enfim, será que os críticos de plantão não têm coisa mais importante com que se preocupar? Que tal focar no déficit público, na reforma da Previdência, nos supersalários do Judiciário, na rediscussão da prisão após condenação em segunda instância (que o ministro supremo Dias Toffoli pautou para o início de abril, e que pode resultar num retrocesso dramático no combate à corrupção)? Temas importantes não faltam, falta é bom senso na hora de questionar determinadas ações dos que estão em evidência, sobretudo à luz dessa bobagem do “politicamente correto” (não me espantaria se uma hora dessas o sindicato dos papagaios resolvesse pleitear a prisão, sem direito a fiança, de quem contar piadas sobre a ave que Zé Carioca — personagem criada por Walt Disney nos anos 1940 — elevou à condição de símbolo da malandragem no Rio de Janeiro).

A turminha do “quanto pior melhor” está em plantão permanente, 24/7, sempre pronta a contestar e se opor a tudo que for dito, insinuado ou mesmo imaginado pelo atual governo, e o Brasil que se lasque (pra não dizer “que se foda”, porque não seria politicamente correto). Pena que o PT e seus acólitos só sejam diligentes em coisas que não interessam ao Brasil. Haja vista a situação em que o país ficou, depois de 14 anos e lá vai fumaça sob o jugo da petralhada.

O modo como essa caterva se comporta — a pretexto de fazer oposição  beira o fanatismo religioso em sua forma mais aguda. Li certa vez que existe uma conexão entre o cérebro e os intestinos, e que estes têm neurônios iguais aos que formam nosso sistema nervoso. Talvez seja por isso os petistas e seus satélites evacuam massa encefálica quando tomam purgante. Vamos a um exemplo: na semana passada, o boneco de ventríloquo derrotado por Jair Bolsonaro postou no Twitter uma crítica bizarra e sem sentido sobre o reajuste do salário mínimo decretado pelo novo governo: “Povo começou a se libertar do socialismo: salário mínimo previsto de R$ 1006,00 foi fixado em R$ 998,00. Sem coitadismo. Selva!” 

Haddad parece vir absorvendo a capacidade inata da ex-presidanta Dilma de dizer asneiras e despautérios — aliás, a burrice de Dilmanta é tamanha que tem até campo gravitacional próprio! Fato é que, seja por ignorância, seja por má fé, o ex-alcaide de um só mandato não percebeu que o reajuste em questão seguiu o que determina lei n° 13152/2015, sancionada pela então presidanta. Moral da história: no afã de criticar quem o derrotou nas urnas, o petralha aprendiz se insurge contra uma lei criada por seu próprio partido. Deu para entender ou quer que eu desenhe?

Voltando à ministra Damares, por que cargas d’água precisamos de um ministério dos Direitos Humanos? Será que num governo que gasta mais de R$ 1 trilhão por ano não há ninguém para cuidar disso? Precisa de ainda mais gente?

Mutatis mutandis, o mesmo se aplica à Justiça do Trabalho —, que, segundo dados de 2015, deu aos trabalhadores que recorreram a ela no ano anterior um total de R$ 8 bilhões em benefícios, e gastou, no decorrer desse mesmo ano, inacreditáveis R$ 17 bilhões com salários, custeio e outras despesas de funcionamento. Se o poder público tirasse a cada ano R$ 8 bilhões do Orçamento e entregasse essa soma diretamente aos reclamantes trabalhistas, todos eles ficariam tão satisfeitos quanto estão hoje, as empresas reduziriam a zero os seus custos nesse item e o Erário gastaria metade do que está gastando no momento.

O sistema ao qual se dá o nome de Justiça do Trabalho continua sendo uma das mais espetaculares extravagâncias do Brasil — e mais uma demonstração concreta, entre talvez uma centena de outras, da facilidade extrema de conviver com o absurdo que existe na sociedade brasileira. É o que nos faz aceitar resultados exatamente opostos ao que se deseja — estamos nos tornando especialistas, ao que parece, em agir de forma a obter o contrário daquilo que pretendemos. Todos querem, naturalmente, que a JT produza justiça para os trabalhadores. Mas fazem tudo, ou aceitam tudo, para gerar o máximo de injustiça, na vida real, para esses mesmíssimos trabalhadores.

Que justiça existe em gastar R$ 17 bilhões de dinheiro público — que não é “do governo”, mas de todos os brasileiros que pagam imposto — para gerar R$ 8 bilhões? É obvio que alguma coisa deu monstruosamente errado aí. Demais disso, a Justiça trabalhista é acessível a apenas 40% da população, posto que os outros 60% não têm contrato de trabalho. E não cria um único emprego — ao contrário, encarece de tal forma o emprego que se tornou hoje a principal causa de desestímulo para contratar alguém. Tampouco cria salários, nem aumentos, nem promoções, apenas tira do público o dobro do que dá. Mas vá alguém querer mexer nisso, ou propor que se pense em alguma reforma modestíssima — será imediatamente acusado de querer suprimir “direitos dos trabalhadores”.

Com a mesma indiferença, aceita-se que o STF, com onze ministros, tenha 3000 funcionários cerca de 300, isso mesmo, para cada ministro. E mais: o brasileiro tem de pagar também 1 bilhão de reais por ano para ser assistido por um “Tribunal da Cidadania”, de utilidade desconhecida — o Superior Tribunal de Justiça, esse já com 33 ministros, quase 5000 funcionários, incluindo os terceirizados e estagiários, e capaz de consumir dois terços inteiros do seu orçamento com a folha de pessoal. Tempos atrás, o professor Marco Antonio Villa trouxe a público o deslize para a demência de um órgão público que foi capaz de consumir 25 milhões de reais, num ano, em alimentação para funcionários, pagar de 400000 a 600000 reais de remuneração mensal a seus ministros aposentados e ter na folha de pagamento repórteres fotográficos, auxiliares de educação infantil e até jauzeiros. Vale realmente tudo no STJ (a propósito, o que seria um jauzeiro?).

Pode-se querer que nenhuma mudança seja feita nisso aí. Também pode-se achar que esse sistema, tal como está, é uma conquista social. Só não se pode esperar que um negócio desses funcione.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

SOBRE INIMIGOS DO POVO E PRISÃO APÓS CONDENAÇÃO EM 2ª INSTÂNCIA


A prisão após condenação em segunda instância reúne defensores e detratores, e cada lado tem seus argumentos, uns bons, outros nem tanto. Mas o fato é que essa discussão só ganhou vulto porque afeta diretamente o ex-presidente Lula — que, nunca é demais lembrar, responde a oito processos, já foi condenado a 12 anos e 1 mês de prisão num deles e vem cumprindo a pena desde abril. Duas outras ações em trâmite perante a 13ª Vara Federal do Paraná, em Curitiba, estão aguardando sentença. Na que trata da cobertura de SBC e do terreno onde seria construída a futura sede do Instituto Lula, os autos estão conclusos desde antes das eleições; na que versa sobre o folclórico sítio em Atibaia, o prazo para alegações finais termina no próximo dia 7, após o que a juíza substituta Gabriela Hardt, que assumiu provisoriamente os casos da Lava-Jato com a exoneração de Sérgio Moro, pode sentenciar o molusco a qualquer momento.

Capitaneada pelo advogado estrelado Cristiano Zanin — genro do também advogado Roberto Teixeira, compadre de Lula e igualmente enrolado na Justiça penal —, a defesa do ex-presidente bombardeou implacavelmente todas as instâncias do Judiciário com mais de uma centena de apelos, que vão dos recursos ordinário, especial e extraordinário a pedidos de habeas corpus e chicanas de todo tipo (isso sem mencionar a batalha travada na esfera da Justiça Eleitoral, primeiro para postergar e depois para reverter a decisão do TSE de cassar a candidatura do petista, à luz do disposto pela Lei da Ficha-Limpa). Diante disso, a conclusão a que se chega é que, na visão dos nobres causídicos, o STF existe apenas para apreciar seus recursos. A propósito, diz um velho ditado que quem dá asas a cobra assume o risco de ela acreditar que pode voar... e sair voando. Para bom entendedor...

Um dos pilares da segurança jurídica é a jurisprudência assentada pelas cortes superiores, que não pode ser questionada a todo instante, muito menos atropelada pela vontade individual de algum magistrado, sob pena de transformar o sistema judiciário do País numa loteria. No limite, quando envereda pelo caminho da imprevisibilidade, esse sistema falha em sua tarefa de alcançar a pacificação social e ameaça até mesmo a manutenção do Estado Democrático de Direito.

Na semana passada, como todos bem se lembram, o ministro Marco Aurélio decidiu suspender monocraticamente a possibilidade do início da execução penal após condenação em segunda instância. Com sua estapafúrdia liminar, o magistrado afrontou o princípio da segurança jurídica e deixou o país intranquilo diante da perspectiva de um ministro supremo, com uma única canetada, soltar quase 170 mil presos, dentre os quais o detento mais famoso do Brasil, o que certamente causaria tumulto e muita confusão, sobretudo às vésperas da posse do presidente eleito Jair Bolsonaro.

A prisão após a condenação em primeira instância vigeu no Brasil de 1941 até 1973, quando então a ditadura militar pressionou o Congresso a aprovar a Lei nº 5.941, (que ficou conhecida como Lei Fleury), garantindo a réus primários e com bons antecedentes o direito de, mediante fiança, responder ao processo em liberdade até a decisão da segunda instância. O objetivo dessa maracutaia era favorecer Sérgio Paranhos Fleury, delegado do DOPS, notório torturador e exterminador de militantes comunistas, mas o resultado foi o cumprimento da pena após a confirmação da sentença condenatória em segunda instância tornar-se regra geral.

Em 1988, a “Constituição Cidadã” ampliou esse benefício, estabelecendo a presunção de inocência até o julgamento do último recurso cabível, ou seja, após o trânsito em julgado da sentença da sentença condenatória. A partir daí, a tradicional morosidade do Judiciário, combinada com o instituto da prescrição — perda do direito de ação por não ter sido exercido dentro do prazo previsto em lei —, favoreceu criminosos ricos, poderosos, bem posicionados no mundo político e assistidos por advogados estrelados a iniciar o cumprimento da pena “no dia de São Nunca”, dada a quantidade quase ilimitada de recursos, apelos e chicanas que podem ser impetradas nas quatro instâncias do Judiciário tupiniquim.

No STJ, porém, cristalizou-se o entendimento de que a prisão após condenação em segunda instância não ofende a presunção de inocência, e que, para apelar, o apenado deve iniciar o cumprimento provisório da pena (súmula 09). Isso faz muito sentido, sobretudo porque o reexame de matéria fática (provas) só é possível até a segunda instância; o que se discute no STJ é uma possível interpretação da legislação de maneira divergente dos demais tribunais ou ofensa à legislação federal e a tratados internacionais, e no STF, eventuais ofensas ao texto constitucional.

E assim foi até 2009, quando o STF mudou novamente as regras ao estabelecer que condenados em segunda instância permanecessem em liberdade até o trânsito em julgado da sentença condenatória. Coincidentemente ou não, isso aconteceu durante o processo do mensalão, que foi instaurado no final de 2007 e começou a ser julgado em 2012 — a fase de julgamento dos recursos só terminou em 2014 —, e quem liderou essa mudança no entendimento do Supremo foi o então ministro Eros Grau, nomeado pelo ex-presidente Lula. Provocado pela imprensa a comentar o assunto no início deste ano, Grau disse o seguinte: “Agora, neste exato momento, eu até fico pensando se não seria bom prender já na primeira instância esses bandidos que andam por aí”.

Mais adiante, o STF retomou o entendimento anterior — de que o artigo 283 do Código de Processo Penal não impede o início da execução da pena após condenação em segunda instância — e o vem mantendo a dura penas (se me desculpam o trocadilho). No entanto, depois que a Lava-Jato passou a expor as entranhas pútridas da política e dos políticos tupiniquins — e sobretudo quando a possibilidade de Lula ser preso tornou-se real —, a corrente garantista da Corte (Lewandowski, Toffoli, Marco Aurélio, Celso de Mello e o vira-casaca Gilmar) vem defendendo o status quo ante, o que representa séria ameaça à Lava-Jato e ao combate à corrupção em geral.

Quando a ADC do PCdoB— cujo julgamento parece ser um caso de vida ou morte para seu relator, o ministro Marco Aurélio — for levada a plenário, em abril do ano que vem, a ministra Rosa Weber tende a ser o fiel da balança. Pessoalmente, ela se diz contrária ao cumprimento antecipado da pena, mas, em suas decisões individuais, tem seguido o entendimento firmado pela maioria (por 6 votos a 5), em respeito ao princípio da colegialidade. Vale lembrar que o ministro Gilmar Mendes, a pretexto de uma delirante cruzada contra as prisões preventivas alongadas (sobretudo no âmbito da Lava-Jato), passou de antipetista ferrenho e defensor incondicional do cumprimento da pena após a condenação em segunda instância a laxante togado de quatro costados, como se pode inferir dos habeas corpus que vem agasalhando às baciadas, e de sua tonitruante cantilena louvando a proposta de Toffoli, que, em linhas gerais, defende a prisão dos condenados somente após a decisão de terceira instância.

O resto fica para a próxima postagem. 

terça-feira, 25 de dezembro de 2018

OS INIMIGOS DO POVO



OS INIMIGOS DO POVO (1)

É um direito de Jair Bolsonaro espernear contra a imprensa. Mais do que isso: a ruptura é salutar. O PT sempre foi o partido dos jornalistas. Durante o petismo, a imprensa chapa-branca foi financiada com publicidade estatal e, como demonstrou a Lava-Jato, também com dinheiro de propina. Além de cortar o gasto com publicidade estatal, Bolsonaro pode enxotar todos os jornalistas do governo. Nem os assessores de imprensa devem ser da imprensa. Como disse Olavo de Carvalho no Twitter, “os jornalistas são os maiores inimigos do povo”. O ano está terminando com Lula na cadeia e a Editora Abril sucateada. Os velhos protagonistas da política e da imprensa foram abatidos. É preciso renovar tudo em 2019. Que Jair Bolsonaro continue a torpedear os jornalistas. E que os jornalistas saibam naufragar, mantendo um mínimo de hombridade.

OS INIMIGOS DO POVO (2)

Políticos de peso do Legislativo e do Executivo — do ex-presidente da Câmara ao ex-presidente da República — já foram investigados, indiciados, denunciados, tornados réus, condenados, presos. Mas nenhum membro do Judiciário foi implicado. Serão eles todos impolutos? Longe disso: em maio, a revista digital Crusoé revelou que Dias Toffoli, atual presidente do STF, recebia uma mesada de R$ 100 mil da mulher — dona de um escritório de advocacia que disputa causas milionárias nas altas cortes de Brasília. E o que aconteceu? Nada. Nem o ministro teve de se explicar, nem qualquer procedimento administrativo foi aberto para investigar o caso. Esse é apenas um dos muitos exemplos que dão conta de que investigar o Judiciário é tabu. Mas isso pode mudar.

Orlando Diniz, presidente da Federação do Comércio do estado do Rio de Janeiro, réu em cinco casos de corrupção e dois de lavagem de dinheiro e organização criminosa, foi preso preventivamente em fevereiro, mas acabou solto em junho, graças ao coração de ouro do ministro Gilmar Mendes. Todavia, as prosseguiram, e uma tabela produzida pela Receita Federal e anexada ao inquérito levantou suspeitas de que 44 bancas de advocacia, algumas delas detentoras de ligações estreitas com gabinetes de cortes superiores de Brasília, receberam R$ 118 milhões da Fecomércio entre 2012 e 2017. No acordo de colaboração que está em negociação na primeira instância, Diniz dará aos investigadores a oportunidade de finalmente deflagrar a Operação Lava-Toga e avançar sobre um bastião que a Lava-Jato até hoje não conseguiu explorar. O potencial é tamanho que se instalou um clima de pânico em Brasília.

A parte que preocupa ministros envolve pagamentos polpudos sob a rubrica de contratos de advocacia. Escritórios ligados a pelo menos dois membros do STJ receberam mais de R$ 13 milhões da Fecomércio no período em que a entidade protagonizou uma guerra de liminares no tribunal. Se seguir seu curso natural, o caso deve aterrissar em breve na PGR, a quem cabe investigar ministros de tribunais superiores, detentores do famigerado foro privilegiado.

Esmiuçando os pagamentos à Fecomércio, os investigadores chegaram também a parentes de ministros. Humberto Martins é pai do advogado Eduardo Martins, que, aos 31 anos, recebeu quase R$ 13 milhões da federação. Eduardo era o responsável por defender os interesses jurídicos da federação de Orlando Diniz em Brasília, mas, além de não frequentar as reuniões da entidade, emitiu duas notas fiscais (no valor de R$ 10 milhões) para tratar de processos no STJ nos quais sequer tinha procuração para atuar. O escritório do advogado Paulo Salomão, que é sobrinho do ministro Luís Felipe Salomão, também recebeu uma bolada. Nas notas fiscais descobertas pelos investigadores, o valor é de quase R$ 5 milhões; na declaração da Fecomércio ao Fisco, aparece o valor de R$ 500 mil. Mas o contrato que mais chamou atenção dos investigadores e que envolve as cifras mais impressionantes — nada menos que R$ 38 milhões — foi firmado entre a Fecomércio e o escritório de Cristiano Zanin Martins, que é genro de Roberto Teixeira, que é compadre do ex-presidente corrupto e tão enrolado na Justiça quanto ele, embora continue em liberdade.

A definição sobre a delação de Diniz deve ficar para depois do recesso. Quando da sua prisão, em fevereiro, o MPF já farejava algo de podre em suas relações com escritórios de advocacia; agora, com a delação, a investigação pode transformar o Judiciário no novo alvo da Lava-Jato — no interesse do próprio Judiciário e, consequentemente, do país.

Com Diogo Mainardi e Felipe Coutinho


domingo, 25 de novembro de 2018

LULA, DE PAI DOS POBRES A MÁRTIR, MITO, LENDA... E A ESTREIA DE DILMA NO TIME DOS RÉUS



Final da tarde de 7 de abril de 2018: Em cima do caminhão que lhe servia de palco, Lula emulou o célebre “I have a dream”, de Martin Luther King, e brindou a patuleia com seguinte pérola: “O sonho de consumo deles é a fotografia do Lula preso. (...) Vão ter orgasmos múltiplos. (…) Mas vou atender o mandado deles.” E antes deixou claro: “A morte de um combatente não para a revolução.” Pausa para os aplausos dos militontos.

Corta para 14 de novembro de 2018: Ciente de que seu depoimento seria divulgado para todo o país, a versão tupiniquim de Loki deus da mentira e da trapaça na mitologia Nórdica — tentou usar sua conhecida retórica para politizar a audiência e intimidar a juíza Gabriela Hardt, o que lhe rendeu uma dura reprimenda. Mas sua ideia não era se informar do que estava sendo acusado, e sim reforçar sua imagem de Salvador da Pátria impedido de disputar a Presidência por gente que não gosta de se misturar à plebe nos aeroportos.

Para o PT, o prêmio por fingir que Lula seria candidato foi a derrota de Haddad por uma diferença superior a 10 milhões de votos. Se o molusco tivesse mesmo a força que alega ter, bastaria dizer que, como a Justiça o perseguia e o impedia de disputar, seu poste concorreria em seu lugar. Mas, de novo, ele sempre esteve mais preocupado em crescer como lenda do que com a vitória do partido que ajudou a fundar.

Observação: Como bem salientou Carlos Brickmann, a História está repleta de salvadores que só não nos levaram ao Paraíso porque algum inimigo do povo os bloqueou. Em Pernambuco, o cidadão pegava uma foto de Miguel Arraes, fervia e guardava a água — o chá era milagroso, curava qualquer doença. Lula tem tudo, até a imagem de amigo dos pobres, para virar lenda. E é nisso que aposta. Eu não me surpreenderia se ele resolvesse vender, digamos, a própria urina a pretexto de arrecadar fundos para custear sua defesa estrelada. Surpresa seria a patuleia ignara não fazer fila para comprar.

Preso há quase 8 meses, o ex-presidente petralha não divide com seus comparsas de crime uma cela no complexo médico-penal de Pinhais. Em homenagem à “dignidade do cargo”, foi-lhe destinada uma espécie de “sala de estado-maior” da Superintendência da PF em Curitiba. Resta saber de que dignidade estamos falando: o retirante o pernambucano que se tornou o líder político mais popular da história desta Banânia foi também o primeiro ex-presidente (não o único, pois Temer e Dilma devem seguir pelo mesmo caminho) condenado e preso por crimes comuns.

Lula anda abatido, tadinho. Mesmo tendo acesso a chuveiro quente, vaso sanitário convencional, TV de plasma, aparelho de som e esteira ergométrica. Mesmo não sendo obrigado usar uniforme e podendo escolher o horário do banho de sol; mesmo recebendo visitas a torto e a direito (foram 3 por dia, em média). Mas motivos para abatimento não lhe faltam: com a derrota de seu alter ego nas urnas, suas chances de ser indultado ficam próximas de zero. Para piorar, os dois processos oriundos da Lava-Jato em que ele figura como réu devem ser julgados entre o final deste ano e o início do próximo pela juíza substituta Gabriela Hardt, que assumiu a 13ª Vara Federal do Paraná com a exoneração de Moro (ela deve permanecer no cargo até abril de 2019).

Observação: No caso da cobertura em SBC e do terreno onde seria construída a nova sede do Instituto Lula, os autos estão conclusos para sentença desde antes das eleições; no do sítio de Atibaia, o prazo para alegações finais termina em 7 de janeiro, a partir de quando a sentença poderá ser proferida a qualquer momento.

Muita gente acha que as provas no processo sobre o sítio são mais robustas do que no do tríplex, onde Lula diz que jamais passou uma única noite e que a ideia de comprar o imóvel (e de tudo mais que não ficou bem explicado na história) foi da ex-primeira dama. A história não colou e o petralha acabou condenado e preso. Agora, ele comete o mesmo erro esperando obter um resultado diferente. Mas não vai funcionar. Em dezembro de 2010, depois de empalar a nação com sua deplorável pupila, o criador da gerentona de araque dizia a amigos que, quando deixasse a presidência, passaria a descansar “em seu sítio”, que estava sendo remodelado e redecorado pela Odebrecht a pedido da ex-primeira dama (detalhes nesta postagem). E com efeito: até eclodirem as primeiras denúncias, os Lula da Silva estiveram na propriedade 270 vezes, e sua assessoria emitiu pelo menos 12 notas oficiais dando conta de que “o ex-presidente passaria o fim de semana em sua casa de veraneio em Atibaia”. Entre 2012 e 2016, seguranças e outros membros de sua entourage receberam 1.096 diárias para viajar a Atibaia. Funcionários do sítio trocaram e-mails com o Instituto Lula. Investigadores da PF encontraram pela casa roupas e objetos pessoais do ex-presidente e da ex-primeira-dama, que, segundo o MPF, eram verdadeiros donos, a despeito de a escritura ter sido registrada em nome de laranjas — dois sócios do primeiro-filho, o Lulinha.

Depois que o petralha se apropriou do sítio, membros do consórcio Odebrecht-OAS-Bumlai — duas notórias empreiteiras e um dublê de pecuarista e consiglieri da famiglia Lula da Silva — aplicaram mais de R$ 1 milhão em dinheiro desviado da Petrobrás na reforma da propriedade. A defesa nega, naturalmente, como nega até mesmo que Lula tivesse conhecimento da reforma (embora a falecida Marisa Letícia a tivesse solicitado e acompanhasse de perto a execução das obras). Na versão sustentada pelo réu, contratos comprovariam que as despesas correram por conta dos “donos” do imóvel, mas Fernando Bittar, em depoimento à juíza Gabriela Hardt, disse que não gastou um mísero tostão.

Depois de ganhar projeção como líder sindical, Lula sempre morou “de favor”. Na Presidência, desenvolveu uma curiosa “ligação sobrenatural” com imóveis: bastava pensar em comprar um para que a OAS, a Odebrecht ou ambas se encarregassem de instalar elevador, cozinha de luxo, sauna, etc. — caso do tríplex — e reformasse a sede, construísse anexos, realizasse melhorias no lago e na piscina, etc. — caso do sítio. Quando os escândalos vieram à tona, a conversa foi sempre a mesma: ''Não é meu, não tenho nada a ver com isso.''

Quando começou a subir na vida, ainda em São Bernardo do Campo, Lula morou num casarão pertencente a seu amigo, compadre e advogado Roberto Teixeira. Foram oito anos sem jamais desembolsar um centavo com aluguéis, impostos ou taxas. Também é de Teixeira o luxuoso apartamento nos Jardins um dos bairros mais nobres da capital paulista ―, onde mora de graça o pimpolho Luiz Cláudio Lula da Silva  ou morava até ser contratado pelo time uruguaio Juventud de las Piedras para trabalhar em “projetos desportivos e sociais”. Juntamente com seu papai, o filho caçula é réu numa ação penal oriunda da Operação Zelotes, referente ao recebimento de R$ 2,4 milhões do escritório de lobby Marcondes Mautoni por uma consultoria que não passava de material copiado da internet.

O primogênito Fábio Luiz Lula da Silva também mora muito bem, obrigado. Conforme apurou a Polícia Federal, seu apartamento foi comprado em 2009 por R$ 3 milhões, registrado no nome de Jonas Leite Suassuna Filho e redecorado com armários e eletrodomésticos que, somados, custaram R$ 1,6 milhão. Suassuna Fernando Bittar  filho de Jacó Bittar, amigo de Lula desde a fundação do PT  figuram como donos do sítio em Atibaia e são sócios de Lulinha na empresa de tecnologia Gamecorp  depois que seu papai assumiu a presidência da Banânia, o menino de ouro deixou de trabalhar como catador de bosta de elefante no Zoo de São Paulo e, em apenas 15 anos, faturou R$ 300 milhões. Lulinha, note-se, é desde sempre um portento, e em certa medida segue os passos do pai, que já o chamou de o seu “Ronaldinho” — referindo-se a sua prodigiosa habilidade nos negócios; só a Telemar (hoje Oi) injetou R$ 15 milhões na empresa do rapaz. Aliás, foi Lula quem mudou a lei que proibia a Oi de comprar a Brasil Telecom, ou seja, alterou uma regra legal para beneficiar a empresa que havia investido no negócio do filho. Deu para entender ou quer que eu desenhe?

Ironicamente, o que selou a sorte de Lula foi a lei sancionada pela companheira Dilma que se tornou um dos pilares da Lava-Jato. Com a colaboração premiada, asseclas e parceiros de crime se convertem em delatores e deixam os mentores intelectuais e mandantes com as calças na mão, como fizeram com Lula os empreiteiros Emílio Odebrecht e Léo Pinheiro — o patriarca da Odebrecht ainda teve a delicadeza de atribuir a encomenda das obras do sítio à finada dona Marisa, mas Pinheiro disse com todas as letras que ouviu a solicitação dos lábios do próprio Lula.

Dias atrás, o pleno do STF manteve decisão do ministro Fachin de remeter para a primeira instância a denúncia do MPF contra o “Quadrilhão do PT”. A acusação formulada por Janot afirma que, nos catorze anos em que a organização criminosa teria atuado, o prejuízo para os cofres públicos (só no âmbito da Petrobras) foi de bilhões de reais, conforme expressamente reconhecido pelo Tribunal de Contas da União. “Verificou-se o desenho de um grupo criminoso organizado, amplo e complexo, com uma miríade de atores que se interligam em uma estrutura de vínculos horizontais, em modelo cooperativista, nos quais os integrantes agem em comunhão de esforços e objetivos, bem como em uma estrutura mais verticalizada e hierarquizada, com centros estratégicos, de comando, controle e tomadas de decisões mais relevantes”, afirmou o então procurador-geral.

Além das vantagens para o PT, os ex-presidentes Lula e Dilma, ministros e demais agentes ainda teriam ajudado as “quadrilhas” do PP, do MDB do Senado e do MDB da Câmara a sangrar os cofres da estatal petrolífera — os desvios teriam chegado a 391 milhões de reais no caso do PP, 864 milhões no do MDB do Senado e 350 milhões de reais no MDB da Câmara.

Na última sexta-feira (23), o juiz federal Vallisney de Souza Oliveira, da 10º Vara Federal do Distrito Federal, aceitou a denúncia contra Lula, Dilma, Mantega, Palocci e Vaccari. No mesmo dia, o relator da Lava-Jato no STJ, ministro Felix Fischer, negou o recurso especial em que a defesa de Lula pedia que sua condenação em segunda instância no caso do tríplex fosse revista e ele, absolvido. Sua defesa ainda pode recorrer da decisão à 5ª Turma do STJ (que é conhecida por manter as decisões vindas das instâncias inferiores). Além do recurso do ex-presidente, Fischer negou os pedidos de Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, e de Agenor Franklin Magalhães Medeiros, ex-diretor da empreiteira, ambos também condenados pelo TRF-4 no processo envolvendo o imóvel no litoral paulista.

Voltando ao caso do tríplex, o recurso especial interposto pela defesa de Lula foi enviado ao STJ no início de setembro pela vice-presidente do TRF-4, desembargadora Maria de Fátima Labarrère. Diferentemente da primeira e da segunda instâncias, as Cortes superiores não reanalisam matéria fática (as provas carreadas aos autos). Labarrère aceitou a contestação dos advogados apenas quanto à alegação de que o petista foi indevidamente responsabilizado por reparar valores que foram pagos ilegalmente ao PT. A sentença afirma que ele recebeu R$ 3,7 milhões em propina e o condenou a ressarcir R$ 16 milhões aos cofres públicos.

Convém Lula providenciar um “casaquinho”, pois ventos frios sopram de Curitiba.