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segunda-feira, 23 de setembro de 2019

ATÉ QUANDO VAMOS COMPRAR INGRESSOS PARA O CIRCO EM QUE SOMOS OS PALHAÇOS?



Enquanto caraminhola quem irá insultar (e em que termos o fará) no discurso de abertura assembleia geral da ONU, o Capitão Caverna precisa decidir se sanciona ou veta — integral ou parcialmente — a escabrosa proposta aprovada na Câmara, desidratada no Senado e novamente robustecida pelos deputados, que, entre outros absurdos, querem dobrar o valor destinado a financiar campanhas eleitorais e usar o dinheiro público para pagar advogados se e quando forem pegos com a boca na botija, a mão na cumbuca e o pé na jaca.

Informações de bastidores sugerem que Bolsonaro deve vetar alguns trechos, definindo a extensão do expurgo à luz da lei das compensações. O uso do veto como remédio para restaurar a imagem presidencial está virando moda. Dias atrás, o capitão compensou os ataques por ter retirado do bolso do colete o nome de Augusto Aras, e agora manuseia novos vetos como se desejasse atenuar o prejuízo resultante de sua proximidade com Fernando Bezerra, um líder radioativo. Mal comparando, é como se um sujeito se vangloriasse de ter uma perna mais comprida do que a outra. Os observadores sempre poderão realçar que a mais curta, e o esperto continuará inevitavelmente sendo um personagem manco.

O Brasil é o quarto país mais corrupto do mundo devido à leniência, à complacência e — por que não dizer — à cumplicidade entre as instituições, sobretudo o Judiciário. No Congresso, a caterva que deveria representar os cidadãos volta-se contra a vontade popular e instala uma cleptocracia controlada por chefões de organizações criminosas partidárias — tudo com a complacência e a conivência do presidente da Câmara, que orquestra votações simbólicas, que prescindem de discussões em comissões e audiências públicas. Mas não é só.

Pelo andar da carruagem, Davi Alcolumbre não tarda a atingir o grau de cinismo que Renan Calheiros levou anos para alcançar. A exemplo do cangaceiro das Alagoas, o atual presidente do Senado e do Congresso Nacional irreleva solenemente seus inquéritos no STF. Mas por que diabos se preocuparia com eles? Engavetando sistematicamente os pedidos de abertura de processos de impeachment contra Gilmar Mendes, Dias Toffoli e outros colossos supremos, o político amapaense garante uma relação satisfatória com o Judiciário, às favas com os interesses dos contribuintes, que compram ingressos para esse circo de horrores sem a menor vontade de assistir ao espetáculo para o qual são invariavelmente escalados para o papel do palhaço.

Alcolumbre não resolveu até hoje o mistério dos 82 votos na sessão que o elegeu presidente do Senado. Pior: a pretexto do tal "Pacto entre os Poderes" acertado com Bolsonaro, Maia e Toffoli para autopreservação, troca figurinhas com o oponente derrotado e posa de quintessência da moralidade, embora todos saibamos que político honesto está para nascer, que políticos não têm escrúpulos e que a corrupção se tornou o liame que une os caciques dos Três Poderes na cruzada pela preservação de cada um e do enriquecimento ilícito de seus representantes.

Observação: O TCU divulgou que, apenas em alguns empréstimos do BNDES a republiquetas amigas do lulopetismo, as grandes empreiteiras desviaram mais de R$ 20 bilhões. A Lava-Jato estima que, só no Petrolão, a corrupção rapinou dos cofres públicos quase R$ 50 bilhões.

Por envolver prefeitos e vereadores em 5570 municípios, as eleições do ano que vem demandam mais dinheiro que as de 2018. Mas num num país falido, que impõe sacrifícios à população sem lhe oferecer contrapartida, dobrar o montante que banca essa farra é flertar com a imoralidade, e se valer dessa dinheirama para pagar honorários advocatícios se e quando os pseudo representantes do povo forme pegos com as calças na mão é o cúmulo da desfaçatez! Em outras palavras, o cidadão é roubado e ainda tem de custear a defesa do ladrão.

Observação: Por 249 votos a 164, a Câmara aprovou o uso de dinheiro do fundão eleitoral para pagamento de advogados e contadores nas campanhas políticas. É mais um escárnio da proposta que flexibiliza o uso do fundo e da prestação de contas, que está sendo votado de forma fatiada pelos deputados. Ou não é o cúmulo um servidor público roubar, ser pego com a mão na massa e contratar para defendê-lo um criminalista estrelado a expensas do Erário (leia-se do dinheiro que roubou do povo)?  

Colocado em perspectiva, esse desvirtuamento das regras eleitorais e partidárias, que observado isoladamente é inaceitável, se torna inacreditável. Ao fazê-lo, o observador vê que há no picadeiro algo muito parecido com uma máquina de moer moralidade.

Além do projeto que aleija a lei da ficha-limpa, abre brecha para o caixa dois e otras cositas más, há também uma CPI da Lava-Jato, uma emenda que proíbe juízes de primeira instância de decretar medidas cautelares contra políticos graúdos, um projeto que impede auditores de comunicar indícios de crimes ao MP e uma clara tentativa de neutralizar a Lei da Ficha Limpa. Tudo isso acontece sob o olhar atento do presidente da Câmara, dublê de líder das reformas econômicas e líder do Centrão, que oferece à banda podre do Congresso auxílio para dar andamento a esse circo de horrores em troca de ajuda para aprovar as reformas.

A pergunta é: O Capitão Caverna ouvirá o clamor dos brasileiros e de bem e vetará, mesmo que parcialmente, essa pouca-vergonha? A resposta é: só Deus sabe. Há dois Bolsonaros no centro do picadeiro: o candidato, que vetaria sem pestanejar, e o chefe do Executivo, que tem rabo preso com os demais poderes desta república de bananas, quando mais não seja porque depende da boa-vontade dos senadores para emplacar Augusto Aras na PGR e o filho Eduardo na embaixada do Brasil nos EUA e da boa-vontade de Dias Toffoli et caterva para aliviar a barra do primogênito suspeito de bandalhas durante o exercício do mandato de deputado na Alerj.

Observação: Certos togados supremos cultivam o nefasto hábito de impor na marra suas vontades, interesses e conveniências proferindo decisões monocráticas em cima das quais se sentam para evitar que sejam submetidas ao escrutínio do plenário. O atual presidente da Corte parece decidido a radicalizar essa insensatez inoculando entre seus pares o vírus transmissor da autofagia, que leva os ministros a se morderem uns aos outros e mastigar a própria carne. É nesse contexto que está inserida a decisão de Edson Fachin de pautar para a próxima terça-feira, na 2ª Turma, o julgamento de uma ação penal abastecida com dados do Coaf, cuja utilização Toffoli proibiu. Aproveitando uma ação movida contra o deputado federal cearense Aníbal Gomes para antecipar um debate que o presidente do Tribunal retarda desde as férias de julho, quando deferiu sozinho um recurso de Flávio Bolsonaro e travou todos os inquéritos que correm no país com dados fornecidos pelo Coaf sem autorização judicial, o relator da Lava-Jato força a antecipação da discussão do assunto. Em instituições sérias, as regras costumam ser menos perigosas do que a improvisação. O Supremo deveria falar com o timbre forte do seu plenário, mas como a única regra em vigor na corte é o desprezo às regras, a autofagia se impõe como algo inevitável. Não resolve o problema e pode levar à automutilação, mas ajuda a plateia a não confundir certos ministros com os ministros certos.

Segundo Josias de Souza, está em curso uma reação da velha oligarquia política contra o esforço anticorrupção deflagrado há cinco anos, e Bolsonaro precisa definir de que lado irá ficar. A batida policial na residência e no gabinete do senador Fernando Bezerra, líder do governo no Senado, é mais uma evidência de que, no momento, o capitão está do lado errado.

A propósito, vale a pena reproduzir dois comentários sintomáticos. O advogado do investigado declarou que "causa estranheza à defesa do senador Fernando Bezerra Coelho que medidas cautelares sejam decretadas em razão de fatos pretéritos […]. A única justificativa do pedido [de busca e apreensão] seria em razão da atuação política e combativa do senador contra determinados interesses dos órgãos de persecução penal." Ou seja, Bezerra acha que a PF se vinga dele porque ele age para domar os órgãos de persecução penal. Onyx Lorenzoni, ministro-chefe da Casa Civil, declarou que essa "é uma situação relativa a fatos passados, quando Bezerra era ministro de um governo anterior. Neste momento, o que o governo tem a fazer é aguardar. É uma questão individual dele, da vida pregressa dele. Ele vai ter que esclarecer junto às autoridades". Quer dizer: o Planalto avalia que o melhor a fazer é lavar as mãos. Mesmo que o resto permaneça sujo.

Onde o governo vê atenuantes não há senão agravantes. Não importa saber que as embrulhadas do senador vêm de outro governo. O mau cheiro era conhecido. E ninguém foge do fedor abraçando um gambá. O pior é que Bezerra não é o único. Há no entorno presidencial ministros investigados, um deles condenado por improbidade e, nunca é demais lembrar, um filho do presidente sob suspeita de peculato e lavagem de dinheiro.

sexta-feira, 20 de setembro de 2019

E VIVA O POVO BRASILEIRO! — PARTE II



Durante os dois curtos períodos que Michel Temer passou atrás das grades, os brasileiros puderam se orgulhar de ter 2 ex-presidentes presos: Lula — que é réu em uma dezena de ações penais, já foi julgado e condenado em duas e goza da hospitalidade da Superintendência da PF em Curitiba desde abril do ano passado — e o Vampiro do Jaburu — que é alvo de cinco investigações por corrupção, organização criminosa, obstrução de justiça e lavagem de dinheiro (que baixaram do STF para a primeira instância depois que o trevoso perdeu a prerrogativa de foro especial).

Somente FHC, Itamar (morto em 2011) e Sarney não foram envolvidos em processos de impeachment nem presos após deixarem o cargo. Fernando Collor de Mello — que renunciou em 1992 para não ser cassado e hoje é senador pelo estado das Alagoas — é réu por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e comando de organização criminosa também no âmbito das investigações da Lava-Jato (ainda não foi preso), e Dilma — que foi penabundada em 2016 —, ré por participação em organização criminosa (aliás, basta ser do PT para participar de organização criminosa, mas isso é outra conversa).

Sarney foi investigado por interferir nas investigações da Lava-Jato e chegou a ser denunciado em 2017. Devido à idade avançada do eterno donatário da capitania do Maranhão, que completará 90 anos se viver até abril do ano que vem, o então relator da Lava-Jato no Supremo, ministro Teori Zavascki, não só negou um pedido domiciliar conta ele como determinou o arquivamento da denúncia — não custa lembrar que, como nossa legislação incentiva o crime e dificulta sua punição, o prazo prescricional cai pela metade quando os gatunos (*) completam 70 anos de idade.

(*) Gatuno (do castelhano gatuno, "relacionado com gato"): aquele que furta e se apodera do que não lhe pertence; ladrão; [p. ext.] pessoa que ganha dinheiro de maneira ilegal, geralmente causando prejuízos a alguém; trambiqueiro, vigarista.

Felinos são independentes, voluntariosos, não vêm quando os chamamos e não fazem o que queremos — a não ser que os motivemos, mas o que os motiva não é exatamente fazer-nos felizes. Da mesma forma que se frustra o incauto que adota um bichano achando que ele se comportará como um cão, dá com os burros n'água o eleitor que vota num candidato a vereador ou deputado (tanto estadual quanto federal) achando que está escolhendo seu representante.

O presidente da República, os governadores dos Estados e os prefeitos dos cerca de 5.600 municípios tupiniquins são eleitos pelo voto majoritário (ganha aquele que obtiver mais votos), mas nas eleições proporcionais a votação de cada candidato é influenciada pela soma dos votos dos candidatos do partido/coligação e pelos os votos de legenda — em outras palavras, o eleitor dá ao Rei Herodes o acesso ao berçário, pois vota no gato de sua preferência e os sufrágios que “sobram” dos mais votados elegem outros gatunos do mesmo partido ou coligação.

Não surpreende, portanto, que depois depois do ímpeto reformista que colocou em pé a reforma da Previdência a ala bandalha do Congresso volte a elaborar projetos e emendas como quem joga bosta na parede. Se colar, colou. Para os adeptos dessa tática não existe noção de certo ou errado. Há coisas que são absorvidas e outras que pegam mal. Quando pega muito mal, como no caso do projeto que aplicou a lógica do "liberou geral" nas regras eleitorais e partidárias, promove-se um recuo tático. Os senadores deram meia-volta, mas os deputados voltaram ao esterqueiro que é seu habitat natural para selecionar os pedaços de desfaçatez que achavam possível colar novamente na parede.

Atualização: A reação que a primeira versão do projeto provocou na opinião pública deveria ter mostrado aos deputados, como mostrou aos senadores, que jogadas em benefício próprio não são mais aceitas. Muita coisa foi removida da versão original, mas restaram brechas preocupantes, que certamente serão contestadas no STF. Todavia, sendo os togados quem são e considerando a "independência" dos Poderes, dificilmente o tribunal mudará alguma coisa. Resta ver se Bolsonaro vai ter peito de vetar a mixórdia — façam suas apostas — e, caso negativo, rezar para que o TSE atue com firmeza nesta área.

Como bem analisou Josias de Souza em sua participação no Jornal da Gazeta da última quarta-feira, essa movimentação é a prova provada de que a história que começou a ser escrita no em junho de 2013 virou um pesadelo do qual o Brasil não consegue acordar. Há seis anos, as ruas roncaram para reivindicar menos roubalheira, mais prosperidade e serviços públicos decentes. O sistema político ofereceu na época uma espécie de Bolsa Teatro. Entrou em cartaz um espetáculo de cinismo. Vieram a Lava-Jato, o impeachment de Dilma, o entreato apodrecido de Temer e a eleição de Bolsonaro, um personagem antissistema cuja Presidência se ajusta gradativamente ao seu passado sistêmico.

O esforço para a restauração da imoralidade não se limita ao Legislativo. Há adeptos da volta ao passado no Executivo e também no Judiciário. Se essa movimentação revela alguma coisa, é que 2013 tornou-se o ano mais longo da história do Brasil. E ainda vai longe. A diferença em relação ao passado é que o cinismo agora encontra resistência. Afinal, o brasileiro continua de saco cheio de sua própria realidade.

A ala bandalha do Congresso não perde a oportunidade de perder oportunidades. Ao ressuscitar parte das regras que o Senado havia sepultado na véspera — entre as quais excrescências como uma brecha para o caixa dois e uma fenda para candidaturas de políticos com ficha suja — os deputados abriram uma janela de oportunidade que Jair Bolsonaro pode, se quiser, aproveitar. O capitão terá 15 dias para decidir se sanciona ou veta (total ou parcialmente) as novas velhas regras eleitorais e partidárias. Resta saber de que lado sua excelência se sentirá mais confortável. Se vetar as espertezas da Câmara, será ovacionado nas redes sociais, seu habitat natural. Sancionando as indecências, fará média com o centrão.

Como se um já não bastasse, há dois Bolsonaros na praça, e o que se elegeu como presidenciável antissistema vetaria essa vergonha. Mas o que exerce a Presidência aproximando-se do seu próprio passado sistêmico talvez prefira não enfiar o dedo em favo de mel para não ter que fugir das abelhas do centrão. A conferir.

quinta-feira, 5 de setembro de 2019

TRISTE BRASIL



Desacorçoada diante de tanta roubalheira e da nada alvissareira perspectiva de ver Lula se aboletar novamente no Planalto — ainda que incorporado no bonifrate CalamiHaddad —, os cidadãos de bem deste país se viram entre a cruz e a caldeirinha. Assim, um inexpressivo membro do baixo-clero da Câmara, filiado a um partido nanico, sem dinheiro nem tempo na TV, tornou-se presidente desta Banânia. E para não se tornar um presidente-banana, o presidente da Banânia interfere em tudo e com todos e fala mais que deve sobre o que não deveria falar.

Por muitas razões, não temos um céu de brigadeiro se descortinando à nossa frente. Uma delas é a herança maldita das gestões lulopetistas. Quem não se lembra da abilolada pupila do bucaneiro imprestável, que, em 2014, resolveu quebrar o país para ficar mais quatro anos no trono — e conseguiu se reeleger, mas não foi capaz de permanecer em campo até o apito final do jogo? O problema é que, quando a estocadora de vento foi devidamente penabundada, a merdeira já era tanta que nem Santa Zita, padroeira das faxineiras, seria capaz limpar. E aqui estamos nós, fo****s, mal pagos e com o ingresso em mãos para assistir à ressurreição da CPMF.

Bolsonaro refuta a recriação da "contribuição compulsória" — só mesmo no jargão do economês é que algo assim poderia existir —, e a equipe econômica faz cara de paisagem. Mas qual será a alternativa do presidente se o Congresso negar o pedido de dinheiro extra para pagar aposentadorias, salários de servidores ativos e inativos e o Bolsa Família? O Orçamento de 2020 só tem recursos para arcar com cerca de dois terços dessas despesas, e a previsão é de que elas cheguem a 96% do Orçamento já no ano que vem.

Observação: Depois de liberar R$ 1,8 bilhão em julho, na reforma da Previdência, o governo travou as emendas parlamentares — só R$ 99 milhões foram liberados em agosto. E mais: quando anunciou que os radares móveis de velocidade seriam cortados, Bolsonaro não comentou que a Polícia Rodoviária Federal já esgotou todo o orçamento do ano e não tem mais caixa para alugar os equipamentos. A verdade é uma só: o dinheiro acabou, e não há uma maneira simples de reequilibrar as contas. Mesmo assim, por picuinhas pessoais, o presidente diz que a Europa "não tem nada a ensinar" a seu país sobre a preservação do meio ambiente e enjeita a oferta de R$ 20 milhões do G7, para ajudar no combate dos incêndios na Amazônia.

Sem o aval para aumentar (ainda mais) a dívida pública, ou o capitão suspende o pagamento das despesas obrigatórias, ou descumpre a chamada regra de ouro — e se arrisca a ser impichado. Uma possibilidade remota, mas real, a despeito de embolorarem nos escaninhos da presidência do Senado nada menos que 34 pedidos de impeachment contra ministros do STF, dos quais Gilmar Mendes coleciona 10 e Dias Toffoli, 9.

Agora a cereja do bolo: sem dinheiro sequer para o papel higiênico — o próprio presidente sugeriu a um repórter que passasse a ir ao banheiro dia sim, dia não —, com contingenciamentos a mancheias, alcançando, inclusive, programas sociais e educacionais, com reformas duras de engolir, como a da Previdência, levadas adiante como medida desesperada para diminuir o abismo fiscal, Executivo e Legislativo discutem o aumento do Fundo Eleitoral (não confundir com Fundo Partidário; embora tenham propósitos parecidos, eles foram instituídos em momentos diferentes, mas isso é conversa para uma outra oportunidade).

As eleições gerais de 2018 custaram R$ 1,7 bilhão; para as municipais, no ano que vem, os parlamentares querem elevar o Bolsa Voto para R$ 3,7 bilhões. O governo propôs R$ 2,5 bilhões. Pegou mal. A pasta da Economia insinua, inclusive, que houve erro — o valor correto seria de R$ 1,8 bilhão. A hipótese de os partidos concordarem com essa cifra é nula. A alegação é de que a eleição municipal em mais de 5.570 municípios custará mais caro do que a do ano passado, envolvendo presidente, governadores, deputados estaduais e federais e parte dos senadores. Mas há como baratear as campanhas, e fazê-lo não é uma questão de opção, e sim um imperativo fiscal.

Durante o serão que fizeram na noite da última terça-feira, suas excelências aprovaram (por 263 votos contra 144) um projeto que permite, entre outras barbaridades, o uso de verbas do fundo partidário — dinheiro seu, meu, nosso — no pagamento de advogados para políticos encrencados com a lei. Ou seja, o partido vai filiar o picareta, ele mesmo patrocinará a corrupção, ele mesmo fornecerá o advogado. É o chamado "Projeto Caracu", onde os políticos entram com a cara de pau, e o povo, com... o bolso. Para saber como votou o deputado que você elegeu, clique aqui.  

Enfim, se insistir em encaminhar ao Congresso algo parecido com a CPMF, Bolsonaro pode sofrer mais uma derrota acachapante. Mesmo que estejam propensos a debater e votar uma reforma tributária, os deputados e senadores não estão dispostos a arcar com o ônus de trazer de volta um imposto impopular, extinto pelo próprio parlamento.

sábado, 17 de agosto de 2019

QUANDO QUERO VER O PATETA, VOU À DISNEY, NÃO A BRASÍLIA



Em 16 de março de 1990 — uma sexta-feira —, um dia depois de ter tomado posse, o primeiro presidente eleito pelo voto direto após quase 30 anos — 21 dos quais sob a ditadura militar que o atual presidente diz jamais ter existido — decretou feriado bancário e anunciou um pacote de medidas econômicas que incluía o confisco dos depósitos bancários e das até então intocáveis cadernetas de poupança dos brasileiros. Os saques na conta corrente e na poupança foram limitados a NCz$ 50 mil, e o restante do dinheiro ficaria retido por 18 meses, rendendo juros de 6% ao ano mais correção monetária. No caso dos fundos de curto prazo e do overnight (refúgio de parte da classe média diante da “inflação galopante”), poderiam ser sacados somente 20% ou NCz$ 25 mil, o que fosse maior, pagando ainda tributação de 8% sobre o valor retirado.

Ao fim do feriado bancário de três dias, longas filas se formaram nas agências, e os bancos não tinham dinheiro suficiente para cobrir saques dos clientes. Como nosso povo é useiro e vezeiro em fazer piadas com a própria desgraça, uma anedota que logo correu o país (de boca em boca, pois ainda não havia redes sociais) era mais ou menos assim: "Após horas na fila para sacar seus NCz$ 50 mil, um sujeito resolveu matar o presidente, mas volta à fila poucos minutos mais tarde. Perguntado por que havia desistido, ele respondeu: A fila para matar Collor está muito maior."

Fiz essa breve introdução porque agora, quase 30 depois do funesto Plano Collor, figuras de destaque nos poderes Judiciário e Legislativo fazem fila para mandar calar-se o chefe do Executivo. Em abril, quando Bolsonaro interferiu na política de preços da Petrobras, FHC mandou-lhe o seguinte recado: "Tomara que os que pouco sabem aprendam ou calem. No mês passado, diante de mais uma declaração pra lá de infeliz do capitão, o ministro supremo Marco Aurélio Mello disse que “apenas criando um aparelho de mordaça” Bolsonaro poderia parar de proferir o que chamou de incivilidade e grosseria. Dias atrás, o tucano Tasso Jereissati, relator da PEC previdenciária no Senado, disse: "quanto mais ele [Bolsonaro] ficar calado, melhor, que aí as coisas fluem com mais tranquilidade, sem criar nenhum ponto de atrito", e a emedebista Simoni Tebet, presidente da CCJ do Senado, lhe fez eco: "toda vez que Bolsonaro ofende a classe política, joga as redes sociais contra o Congresso, ele acaba atrapalhando”.

Calado, o mais turbulento na galeria de presidentes brasileiros é um poeta; quando abre a boca, é um pateta. Mas como esperar que Bolsonaro se cale se antes de entrar na política ele já exibia sinais de impetuosidade, desrespeito pelos limites e ânsia de protagonismo? Se foram atos de indisciplina que o levaram a deixar o Exército? Para quem não se lembra, em 1986, quando tinha 31 anos, Bolsonaro publicou na revista Veja um artigo em que reclamava do soldo, e foi punido com 15 dias de prisão e um processo disciplinar. No ano seguinte, também em protesto contra os baixos salários, planejou explodir bombas de baixa potência em quartéis e academias. O assunto foi resolvido discretamente e o insurreto, absolvido de todas as acusações. Mas sua carreira militar terminou ali.

Há uma identidade de valores, de estilo e de estratégia entre Donald Trump e Jair Bolsonaro, mas este não é cria daquele: muito antes de saber quem era Trump, o capitão já dizia que FHC devia ser fuzilado e que Maria do Rosário não merecia ser estuprada porque era feia. Ambos são fenômenos, mas fenômenos independentes, surgidos e aprimorados cada um por si, como signos do tempo. Um dia vão acabar, como tudo acaba, mas estão vivos e desconfia-se que em ascensão. Tanto um como o outro têm chances reais de se reeleger.

A uma semana do segundo turno das eleições, o capitão deu a seguinte declaração: “O que eu pretendo é fazer uma excelente reforma política, acabando com o instituto da reeleição, que começa comigo caso seja eleito, e reduzindo um pouco, em 15% ou 20%, a quantidade de parlamentares”. Passados quase nove meses, não fez nem uma coisa nem outra. Picado pela mosca azul, passou a entremear suas estultices primeiro com insinuações, depois com declarações de que é, sim, candidatíssimo à reeleição. Mas nada garante que não seja abatido em seu voo de galinha antes mesmo de terminar este mandato. Ao que tudo indica, já houve articulações nesse sentido, mas que o "pacto institucional" costurado por Dias Toffoli, o sonhador, impediu de avançar.

Quase 30 anos no baixo clero da Câmara consagraram Bolsonaro na política do ultraje. A postura de enfrentamento é da sua natureza. Recuos e tentativas conciliatórias há — ninguém vem sendo mais useiro e vezeiro em desdizer o que disse (e até o que não disso) do que nosso capitão —, mas parecem carecer de sinceridade. Bolsonaro age às vezes age como um estrategista de alto coturno e noutras, como um parlapatão irresponsável. Há quem veja sua beligerância atávica, no velho estilo estudantil “não levo desaforo para casa”, como um papel que ele interpreta, mas o mais provável é que isso faça parte da sua personalidade, e nada poderá muda-lo. É como na fábula do Sapo e o Escorpião, onde este convence aquele a levá-lo nas costas até o outro lado do rio, argumentando que ambos morrerão se ele o aguilhoar, mas tasca-lhe o ferrão assim mesmo, porque é incapaz de agir contra sua natureza.

A PEC da Previdência, vista como a maior vitória política de Bolsonaro até o momento, não foi aprovada na Câmara devido aos esforços  do chefe do Executivo, mas apesar de seu empenho em melar a tramitação da proposta. Em outras circunstâncias, seria a hora de comemorar e vislumbrar um céu de brigadeiro nas relações com o Congresso rumo à aprovação de outras pautas importantes, mas o que se vê no horizonte são nuvens carregadas. A já folclórica incontinência verbal do presidente, sua capacidade de produzir crises quase diárias e a ausência de uma estratégia para formar uma base de apoio não permitem tanto otimismo. Enfim, a ver.

segunda-feira, 17 de junho de 2019

BOLSONARO PATO MANCO?



Jair Bolsonaro foi eleito com os votos dos brasileiros que não queriam a volta do PT e que viam em Paulo Guedes uma garantia para o programa econômico liberal. Em seus arroubos mais megalômanos, o capitão acha que chegou aonde chegou por méritos próprios. Só que não. Mas isso não muda o fato de que ele foi eleito com o desafio de incorporar ao seu governo o que chama de "nova política", nem o ambiente hostil que lhe impede de consolidar uma base aliada.

Se continuar travando batalhas ideológicas sem sentido, Bolsonaro pode perder o poder para o Congresso e ver seu respaldo popular se reduzir aos bolsomínions — militância cega que vê no “mito” o que a patuleia desvairada vê no presidiário de Curitiba. O capitão já reconheceu que não foi talhado para o cargo, pois nasceu para ser militar, mas, depois que foi afastado do Exército por indisciplina, entrincheirou-se no baixo-clero da Câmara Federal, onde, ao longo de 27 anos, apresentou 172 projetos e relatou 73 e conseguiu aprovar apenas 2.  

Em 1986, quando tinha 31 anos, o capitão publicou na revista VEJA um artigo em reclamava do soldo (salário pago aos militares). A matéria lhe rendeu 15 dias de prisão e um processo por indisciplina. No ano seguinte, também em protesto contra os baixos salários, ele planejou explodir bombas de baixa potência em quartéis e academias. O assunto foi resolvido discretamente, e o insurreto foi absolvido de todas as acusações. Mas sua carreira militar terminou ali.

Devido a sua autodeclarada inaptidão para a Presidência, Bolsonaro dá ao Legislativo a oportunidade de usurpar o poder de fato do Executivo. Esse processo já está em curso, embora de modo dissimulado. Ao manejar mal a “caneta”, o presidente perde confiabilidade e cria um vácuo que, na política, nunca fica vago durante muito tempo. E ao acusar o Congresso de estar todo ele comprometido com o toma-lá-dá-cá da velha política, estimula os parlamentares a assumirem as rédeas da coisa pública — aqui entendida como aquilo que afeta a vida do povo brasileiro. Prova disso é que os presidentes da Câmara e do Senado se mostram mais engajados na reforma da Previdência do que o próprio Bolsonaro, tomando para si a responsabilidade da aprovação e avisando que ela se dará nos termos dos parlamentares.

Observação: Em entrevista à Globo, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que foi lembrado de forma nada elogiosa nas manifestações do último dia 26, disse que falta ao Planalto um plano de governo, que a reforma previdenciária não é uma panaceia (*), que o país ruma para um “colapso social” e que nada está sendo feito para impedir que isso aconteça.

A reforma tributária também será tocada a partir de proposição apresentada no Legislativo, que vem se interessando por uma reformulação administrativa mais profunda que a parca extinção e/ou fusão de ministérios — objeto da MP 870, recentemente aprovada na Câmara e no Senado, e que, numa clara retaliação ao ministro Sérgio Moro, mandou para a pasta da Economia o Coaf. Cogita-se no Parlamento uma discussão sobre a inevitável reforma política, mas o Executivo não deu um pio a respeito. O assunto surgirá, ainda que no debate torto sobre o fim ou não da reeleição.

As pessoas que foram às ruas no domingo 26, atendendo ao chamado do presidente, deram uma demonstração de política real. Uma e outra sugerem a Bolsonaro que ele teria prevalecido num teste de forças que, na verdade, está apenas no começo, e no qual a caneta Bic presidencial é insuficiente para vencer. O tal “pacto” entre os Poderes não tem como existir, já o STF não pode se comprometer em aprovar algo que, mais adiante, será obrigado a julgar. E vale lembrar que a corte não é o ministro Dias Toffoli, que atualmente a preside, mas um conjunto de 11 ministros com têm ideias próprias (e nem sempre isentas ou sensatas) a respeito de quase tudo.

Na visão de Willian Waak, a ênfase retórica no “pacto” é, em parte, o resultado da percepção de Bolsonaro de que os termos da vitória eleitoral e “as ruas” lhe teriam permitido enfrentar os outros dois Poderes, e que levou o ministro Paulo Guedes a dizer que “não há antagonismo” entre eles (os Poderes) — frase que só provocou risadas entre seus pares no mundo real da economia e finanças. Tudo bem, reconheça-se que um dos pilares do governo não poderia mesmo declarar outra coisa em público, ainda que fosse para segurar o dólar.

“As ruas” — ou o que Bolsonaro entende por isso — teriam também dito ao presidente que ele não precisa se esforçar muito em conseguir uma base estável no Congresso, pois o ronco das multidões que o apoiam superaria, em caso de necessidade, os cochichos dos participantes do nefasto conchavo que o impede de realizar os anseios do povo. O problema aqui é o de desafiar um dado estrutural do sistema de governo brasileiro (admita-se, o pior do mundo), que obriga Executivo e Legislativo a se entenderem de alguma maneira. 

Bolsonaro está conseguindo o inverso do que pretende. O Congresso caminha com alarmante rapidez para fortalecer suas prerrogativas e com pautas próprias (na área tributária, por exemplo, como foi citado linhas atrás). Mais complicado ainda para o presidente, o mundo parlamentar se impressionou menos do que ele acredita com as manifestações de rua. Ao contrário, está tomando a guerra deflagrada pelo bolsonarismo nas redes sociais como incentivo para reduzir as prerrogativas do Executivo em dois setores-chave: alocação de recursos pelo orçamento e uso de medidas provisórias.

Ao aderir a simplificações brutais da (admita-se) complexa e dificílima relação com o Legislativo, Bolsonaro ignora um outro dado relevante da realidade dos fatos. Parlamentares reagem, sim, não só “às ruas”, mas, também, a uma série de pressões políticas, sociais, econômicas e regionais que os empurram, por exemplo, para a aprovação de alguma reforma da Previdência — é o que explica, em parte, o entendimento relativamente muito mais fácil entre o próprio Guedes e os presidentes das casas legislativas, que estabeleceram há tempos linha direta com importantes segmentos da atividade econômica. 

As elites da economia estão há tempos totalmente convencidas de que não há um plano B para a não aprovação de alguma reforma da Previdência. Mais ainda: clamam por algo que mexa com a sufocante questão dos impostos (nem estamos falando da carga). Alguma surpresa com o fato, mencionado acima, de o Legislativo querer seguir adiante com uma pauta “própria” de reforma tributária? Ou das expectativas dos agentes de mercado voltadas agora menos para Bolsonaro e mais para o Congresso?

Aos cinco meses de governo, amplia-se a noção de que a formação de uma base coesa e estável de Bolsonaro no Legislativo é uma quimera com chances pífias de se concretizar. O presidente atua como um competente gerador de crises, não se mostra disposto a liderar coisa alguma, e mais de uma vez deixou a própria bancada na mão. Ele confia estar na rota política correta, mas que é justamente a que vai diminuir drasticamente o poder da sua prosaica Bic. Talvez esteja na hora de usar uma Montblanc.

(*Na mitologia grega, Panaceia era a deusa da cura, mas o termo é usado popularmente para designar algo que remedeia qualquer doença, que é capaz de solucionar todos os males. Bom seria se a reforma de Previdência fosse realmente uma panaceia para as mazelas do Brasil, e melhor ainda sem também despachasse todos os petistas e congêneres para a Venezuela (com passagem só de ida) e fizesse com que locutores de comerciais de supermercados e lojas de departamento parassem de gritar.

sexta-feira, 10 de maio de 2019

NÃO HÁ ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL. O BRASIL É UMA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA.



Enquanto juiz, Sérgio Moro “atuou contra os políticos”. Como sempre há um dia da caça e outro do caçador, nada interessa menos à classe política do que o sucesso do ora ministro da Justiça e Segurança Pública. Por determinação do presidente da Câmara — ele próprio enrolado na Lava-Jato —, o pacote de medidas anticrime e anticorrupção apresentado pelo ex-magistrado está sendo discutido por um grupo de trabalho formado por parlamentares de pouca expressão, e temas importantes, como a criminalização do caixa 2, foram apartados. 

Também por decisão de Rodrigo Maia, foi anexada aos projetos uma proposta de mudanças na legislação criminal apresentada ao Congresso em 2018 pelo togado supremo Alexandre de Moraes. Pelo andar da carruagem, a análise só deve terminar em setembro, quando então uma comissão especial terá dois meses para deixar o projeto em condições de ser votado. Vencidas essas etapas, se o Senado não fizer alterações que obriguem a Câmara a reexaminar o assinto, Moro poderá ver seu projeto se transformar em lei no ano que vem, se até lá ele ainda estiver no governo.

Bolsonaro não tem sido de grande ajuda — aliás, a julgar pelo que vem fazendo desde que assumiu o posto, o presidente não é de grande ajuda nem para si mesmo. Além de não mover uma palha para apressar a tramitação do projeto do ministro da Justiça, o presidente negou que lhe tivesse prometido a indicação do próximo procurador-geral (o mandato de Raquel Dodge termina em setembro), fê-lo recuar da nomeação da cientista política Ilona Szabó como suplente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, flexibilizou a posse de armas sem levar em conta suas sugestões e não se empenhou pela manutenção do Coaf  em sua pasta. Prova disso é que na manhã da última quinta-feira uma comissão mista da Câmara e do Senado, ao analisar a Medida Provisória que montou o governo, aprovou por 14 votos a 11 a volta do Coaf para o Ministério da Economia. É certo que a medida ainda precisa ser votada no plenário da Câmara dos Deputados e no Senado, mas até aí morreu o Neves.

Observação: O personalismo de Moro ajuda a aprofundar o abismo existente entre ele e a classe política. Um dos poucos parlamentares a apoiar abertamente sua agenda no Congresso, o senador tucano Márcio Bittar resume a má vontade de Brasília: “Ele não tem bancada, não é do meio político e sendo quem é não facilita. Representa alguém que prendeu políticos. Não é um personagem agradável para a maioria no Congresso. Contrariou muitos interesses”.

A exemplo da maioria dos políticos tupiniquins, Rodrigo Maia e seu papai — o ex-prefeito do Rio e hoje vereador Cesar Maia — são investigados na Lava-Jato, e o ex-ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência e ex-ministro de Minas e Energia no governo TemerWellington Moreira Franco, e casado com sua sogra. 

Identificado como Gato Angorá nas planilhas do departamento de propina da Odebrecht, Moreira Franco era o único ex-governador eleito e ainda vivo do Rio sem passagem pela prisão até março deste ano, quando foi preso preventivamente com o ex-presidente e o coronel Lima. Os três foram soltos depois dias depois por um desembargador que ficou afastado do cargo durante sete anos por suspeita de estelionato e formação de quadrilha, mas, na última terça-feira, 7, a 1ª Turma do TRF-2 cassou os habeas corpus que beneficiaram Temer e Lima, conquanto tenha mantido o gato gatuno em liberdade.  

No final do mês passado, o ministro Edson Fachin atendeu a um pedido da PGR que pleiteava o arquivamento de um inquérito envolvendo Rodrigo Maia e o senador Renan Calheiros — o presidente da Câmara ainda responde a outros 2 inquéritos, ao passo que o cangaceiro das Alagoas é alvo de 13 apurações. Dias atrás, Marcos Tadeu, ex-executivo da OAS, afirmou em depoimento que a empreiteira pagou propina a Cesar Maia por meio de contrato fictício com o escritório de Sérgio Bermudes — renomada banca de advogados que tem entre seus clientes Eike Batista e a mineradora Vale, e cuja sucursal em Brasília acontece de ser chefiada por Guiomar Mendes, esposa do semideus togado que o ministro Luís Roberto Barroso definiu como “uma pessoa horrível, uma mistura do mal com o atraso e pitadas de psicopatia“ e o jornalista J.R Guzzo como “uma fotografia ambulante do subdesenvolvimento brasileiro, mais um na multidão de altas autoridades que constroem todos os dias o fracasso do país”).

Para encurtar a conversa, o pacote de medidas anticrime e anticorrupção de Sérgio Moro perdeu protagonismo devido à relevância da reforma previdenciária, que vem sendo tratada como prioridade única pelo Planalto. Apesar de as mudanças no sistema de aposentadorias serem muito mais impopulares, interlocutores do presidente dizem que a proposta do ministro, mesmo sendo positiva para o governo, não recebe igual tratamento devido à sua rejeição no Congresso, sem mencionar que o presidente Bolsonaro não gosta de dividir a ribalta com seus “superministros”. Mesmo ciente das consequências políticas de um eventual pedido de demissão de Moro — que, fora do governo, não teria dificuldades em arrumar um novo emprego com remuneração infinitamente superior à de ministro de estado —, o capitão faz questão de reafirmar que ele é quem manda, deixando claro que sombras não são bem-vindas. 

Moro se mostra resignado com as “boladas nas costas”, mas acredita que conseguirá aprovar ao menos uma parte de seu pacote, o que lhe daria reconhecimento. Depois, em não havendo outros sobressaltos, poderia assumir uma das vagas a serem abertas no Supremo durante a gestão de Bolsonaro. Reservadamente, ele diz acreditar que está no “caminho certo”, mas que os desafios são imensos. Tomara que não mude de ideia agora que perdeu o Coaf.

Para fechar em grande estilo: numa sessão marcada por momentos de tensão, o plenário supremo decidiu na tarde de ontem, por 7 a 4, declarar constitucional o decreto assinado pelo então presidente Michel Temer em 2017, beneficiando, inclusive, condenados por crimes do colarinho branco ao entender que o indulto é um ato privado do presidente da República, não cabendo ao Judiciário definir ou rever as regras estabelecidas pelo chefe do Executivo. Lula não será beneficiado, porque só começou a cumprir pena em 2018, ao ser condenado pelo TRF-4.

Eis aí mais uma decisão tomada por togados supremos que acham perfeitamente normal, num país com 13 milhões de desempregados e um salário mínimo "de fome", fazer uma licitação de R$ 1,3 milhão para comprar medalhões de lagosta e vinhos importados — e somente os premiados — para as refeições servidas pela Corte. O ministério público do TCU pediu a suspensão, o pedido foi acatado pela juíza Solange Salgado, da 1ª Vara Federal em Brasília (para quem a licitação afronta o princípio da moralidade administrativa) mas a AGU recorreu e o vice-presidente do TRF-1 cassou a decisão e liberou a boca-livre. País de merda, este nosso, e povo de merda esse que aceita bovinamente essa bandalheira toda com o suado dinheiro dos impostos. Depois vem deputado de esquerda dizer que a reforma da Previdência vai matar de fome os mais pobres. Demorô! Quem vota nessa corja merece bem mais que isso.

Como disse o zero três, "bastam um soldado e um cabo...". Às vezes, fico pensando se isso não vai acabar acontecendo, pois é público e notório que uma banda podre... enfim, a tendência é a coisa mudar naturalmente, conforme os atuais integrantes forem se aposentando (Celso de Mello e Marco Aurélio completam 75 anos em 2021, ainda no governo Bolsonaro, portanto), mas se a mudança será para melhor vai depender de quem os substituirá. Mas isso é conversa para outra hora.



domingo, 5 de maio de 2019

DEU NÓ NO BRASIL (ou: O RAIO DO PAPEL)



Deu um nó. Está sempre dando, na política brasileira, porque é mesmo da natureza da política produzir complicação, aqui e no resto do mundo. Mas desta vez parece que se formou entre governo, Congresso, partidos e o resto da nebulosa que compõe a vida pública brasileira um nó de escota duplo, ou um lais de guia holandês, ou algum outro dos muitos enigmas criados pela ciência dos marinheiros — desses que você olha, mexe, olha de novo, e não tem a menor ideia de como desfazer. É fácil para os marinheiros — mas só para eles. Como, no presente momento, não há ninguém com experiência prévia a respeito da desmontagem dos nós que apareceram desde que Jair Bolsonaro formou o seu governo, o mundo político está com um problema sério. 

Como se sabe, é a primeira vez na história recente do Brasil que o time inteiro de cima foi montado sem ninguém pedir licença aos políticos, ou sequer perguntar a sua opinião — e menos ainda comprar seu apoio com a entrega de cargos na administração. Há muito técnico, muito general etc. Mas não há, como a ciência política considera indispensável, nada de “engenharia política”. Isso quer dizer, na prática, que ficou difícil fazer a turma da situação votar a favor do governo — pois a maior parte dela passa mal se tiver de votar alguma coisa por princípio, ou seja, de graça. É esse o nó que não desata. Por causa dele, dizem que o governo está “paralisado há 100 dias”.

Vejam, para citar o exemplo mais indecente do momento, a reforma da Previdência. Nada mais natural que o PT, seus auxiliares e o resto da esquerda fiquem contra. Têm mesmo de ficar: a única escolha que faz sentido para a oposição, hoje, é ser 100% contra qualquer ideia que tenha a mínima chance de melhorar o Brasil em alguma coisa. Isso seria, em seu raciocínio, ajudar o governo Bolsonaro a ser bem-sucedido — e um governo Bolsonaro medianamente bem-­sucedido é um desastre mortal para o consórcio Lula-PT. Que futuro vai ter essa gente na vida, a não ser que o governo acabe em naufrágio? Nenhum. É compreensível, assim, que a oposição não aprove nada que possa dar certo. Mas PT, PSOL e PCdoB, somados, não chegam a 15% da Câmara dos Deputados. E o resto: por que eles demoram tanto para votar a reforma? Mesmo descontando outras facções antigoverno, daria para aprovar. Resposta: demoram porque querem cargos na máquina e não estão levando.

É isso: o sujeito quer uma diretoria, uma superintendência, uma vice-­presidência — uma boquinha gorda qualquer, Santo Deus — e não tem a quem pedir. Falam em “agilização” das nomeações. Mas nomeação, que é bom, não sai. Chegou-se a falar num “Banco de Talentos”, para onde a politicalha mandaria os nomes que quer empregar — e onde as escolhas seriam feitas segundo “critérios técnicos”. Também não rolou. Um deputado especialmente desesperado com a demora, Felipe Francischini, chutou o balde e pediu um emprego na estatal Itaipu para a própria madrasta. Outro, um Elmar Nascimento, do liberalíssimo DEM, disse que não quer saber de “talentos”; quer emprego mesmo, e dos bons. “Não vamos nos contentar só com marmita”, ameaçou ele. Histórias como essa encheriam a revista inteira; não vale a pena ficar repetindo a mesma ladainha. O certo é que a manada quer os empregos, não está conseguindo e, pior que tudo, não sabe com quem falar para descolar a nomeação. Não adianta falar “no governo”, ou “no palácio”. Tem de ser com o sujeito de carne e osso que manda assinar o raio do papel que vai para o Diário Oficial. E quem é que chega até ele?

A Caixa Econômica Federal, para dar um exemplo só, trocou todos os vice-presidentes, 38 dos quarenta diretores e 75% dos 84 diretores regionais — tudo propriedade privada dos políticos. Mais: quer cortar em dois anos 3,5 bilhões de reais em despesas como aluguéis ou “prestação de serviços”. Só na Avenida Paulista, a CEF ocupa hoje sete prédios — nenhum outro banco do mundo chegou perto disso, mesmo na época em que bancos tinham milhares de agências. Em Brasília é pior: são quinze prédios, um deles só para tratar da admissão de funcionários, como se a Caixa tivesse de admitir funcionários todos os dias. Até uma criança de 10 anos sabe que mexer nisso é mexer diretamente no interesse material dos políticos. Eles perderam esses cargos; querem todos de volta, desesperadamente. Na CEF, no serviço contra as secas, nos portos, nos aeroportos, nos armazéns de atacado, no Oiapoque e no Chuí.

Uma coisa é pedir um negócio desses ao ministro Onyx Lorenzoni, outra é pedir ao general Santos Cruz. Dá para entender o nó, não é mesmo?

Texto de J.R. Guzzo.

quarta-feira, 3 de abril de 2019

E LA NAVE VA - PARTE IV


Articulação política”, no Brasil, vai desde o diálogo entre o Executivo e o Legislativo sobre propostas em tramitação no Parlamento até o pagamento de vantagens ilícitas aos congressistas em troca de votos — como no caso do Mensalão —, passando pela oferta de cargos e uma série de outras benesses. Os parlamentares cobram “articulação política” do governo para a aprovação da PEC da Previdência porque são devotos de São Francisco de Assis (aquele do “é dando que se recebe”), e só sabem fazer política na base do toma-lá-dá-cá. Basta lembrar que Michel Temer conseguiu neutralizar as denúncias do então procurador-geral Rodrigo Janot (postergá-las, na verdade,  pois os esqueletos já começam a sair do armário para assombrá-lo) mediante a compra do apoio das marafonas do Congresso.   

Bolsonaro prometeu combater o toma-lá-dá-cá, mas está vendo agora que é mais fácil falar do que fazer, sobretudo num país onde: 1) uma aberração que atende por Justiça Eleitoral (e que, por decisão de outras aberrações, passará a julgar processos da Lava-Jato conectados a crimes de caixa 2) não vê problema em registrar mais de 30 partidos políticos; 2) o Planalto não tem uma base aliada que lhe assegure maioria nas votações, nem um projeto de governo em torno do qual os parlamentares orbitem sem que seja preciso atraí-los a poder de conchavos espúrios.

Depois de dias a fio trocando farpas com Bolsonaro, Rodrigo Maia requentou uma PEC de 2015 e a aprovou em dois turnos, numa votação relâmpago. O projeto precisa ser aprovado no Senado — e se o for, só surtirá efeito no próximo ano (e não no próximo governo, como Rodrigo Maia afirmou erroneamente). Mas não se trata de o Congresso impor um Orçamento ao governo, como alguns têm dito, e sim de tornar impositivas as emendas das bancadas, a exemplo de como acontece com as individuais. Mas foi uma derrota retumbante para o Planalto. Seja como for, Bolsonaro demorou para entender o recado: “Tem político que não quer largar a velha política”, disparou, além de endossar zero dois ao afirmar que Maia “está um pouco abalado com questões pessoais”. O deputado rebateu dizendo que o Presidente está “brincando de governar”; Bolsonaro retrucou que “não existe brincadeira da minha parte”, e assim foi até que o presidente da Câmara declarou: “Pare, chega, peça ao entorno para parar de criticar”.

Observação: Em qualquer democracia que se preze, o Executivo e o Legislativo trabalham juntos pela aprovação do Orçamento. Aqui, o que se tem é uma peça de ficção na qual o Planalto escolhe o que quer ou não pagar. Tecnicamente, quem define o Orçamento é o Executivo; se os parlamentares quiserem implementar mudanças, devem negociar com ele ou formar maioria para derrotá-lo no plenário. Na prática, porém, antes de cada votação importante uma chusma de políticos faz fila no Planalto para oferecer apoio em troca da liberação de verbas e outras benesses. Com isso, partidos de todas as ideologias (ou sem qualquer ideologia) recebem ministérios e cargos sem sequer saberem qual programa irão conduzir.

Trocas de farpas como as que presenciamos nos últimos dias seria admissíveis em bordéis de quinta classe — ou no STF, onde ministros se acusam mutuamente de vender habeas corpus, de envergonhar o Tribunal, etc. Não que o Legislativo e o Executivo sejam farinha de outro saco, mas daí a fomentar picuinhas enquanto a economia patina e a nau dos insensatos depende das bendita reforma previdenciária para evitar de ir a pique... tenha santa paciência! O propósito de Maia ao articular a aprovação do engessamento do Orçamento era demarcar território — como um cachorro mijando pelos cantos ou um galo que estufa o peito, bate as asas e canta para mostrar quem manda naquele terreiro. Como 9 entre 10 políticos brasileiros, o deputado tem receio de ser denunciado por corrupção, e é por isso que ele e tantos outros são contra a Lava-Jato e o projeto anticrime de Moro. E é também por isso que falam em “articulação política” quando na verdade estão fazendo chantagem para obter a impunidade.

Rodrigo Maia, filho de César Maia, é investigado em dois inquéritos oriundos da Lava-Jato, identificado como “Botafogo” nas planilhas do departamento de propina da Odebrecht e marido da enteada do ex-ministro Moreira Franco — preso juntamente com o ex-presidente Temer na semana passada, mas solto dias depois por um desembargador especialista em libertar ladrões do erário (que ficou sete anos afastado da magistratura por acusações de praticar estelionato). Talvez ele tenha ficado ainda mais puto ao saber que Bolsonaro foi ao cinema (!?) e estava mais preocupado com a comemoração, ou rememoração, do golpe militar de 1964 (aquele que jamais aconteceu) do que com sua demonstração de poder. Seria cômico se não fosse trágico, mas é trágico porque Bolsonaro não tem um projeto de governo, nem base aliada, nem muito menos maioria no Congresso. O que ele tem é a PEC da Previdência do ministro da Fazenda e o Pacote Anticrime e Anticorrupção do ministro da Justiça, além, é claro, de uma vocação inata para fazer merda: toda vez que abre a boca, uma crise se avizinha.

A PEC da Previdência e o pacote anticrime e anticorrupção são projetos do Executivo, mas só terão força de lei quando e se forem aprovados pelo Congresso. Bater de frente com o Legislativo, portanto, é uma péssima ideia, sobretudo neste “presidencialismo de cooptação”. Foram o temperamento beligerante e a falta de jogo de cintura no trato com o parlamento que garantiu a Collor e Dilma, cada qual a seu tempo, um providencial pé na bunda. Aliás, a eleição de políticos como esses é a prova provada de que Pelé estava certíssimo quando afirmou que “o brasileiro não sabe votar” — embora tenha dito a coisa certa pelos motivos errados, já que, na ocasião, ele opinava sobre a decisão da ditadura militar (aquela que nunca existiu) de suspender eleições diretas para cargos do Executivo, mas isso é outra conversa.

"O Brasil não é para amadores", dizia o saudoso Tom Jobim. E governar o país também não é. Bolsonaro teve uma longa carreira parlamentar em Brasília, mas ela se resumiu basicamente e a representar o corporativismo militar. Na Presidência, ele parece mais interessado em insuflar suas hordas extremistas, colhendo o aplauso fácil da ala fanática de seus apoiadores, do que governar com sobriedade, com seriedade e com eficácia. Parafraseando o Papa Francisco, "o papa, os bispos e os padres não são príncipes, mas servidores do povo de Deus". Mutatis mutandis, o mesmo se aplica aos políticos e aos membros dos Três Poderes, que parece ainda não terem se dado conta disso.
Na Carta ao Leitor da edição desta semana, Veja resume a coisa da seguinte maneira:

Com apenas três meses de governo, há ainda um longo caminho pela frente. Bolsonaro tem, portanto, condições de corrigir seus erros, acertar o rumo e amadurecer seu entendimento da política. Uma segunda hipótese, muito mais preocupante, é que aquilo que aqui se aponta como erro do bolsonarismo não seja exatamente um erro, mas a sua essência. Algo que, se eliminado, elimina também o próprio bolsonarismo. Para o bem do Brasil, ­fiquemos todos com a primeira hipótese.

Não vejo como discordar.

Atualização — A informação a seguir foge ao assunto em pauta, mas nem por isso deixa de ser importante: O juiz federal Marcelo Bretas, responsável pelos processos da Lava-Jato no Rio de Janeiro, aceitou nesta terça-feira, 2, as duas denúncias apresentadas pelo MPF contra Michel Temer, pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e peculato. As investigações que levaram o ex-presidente a ser preso, denunciado e, agora, tornar-se réu, apuraram supostos esquemas de corrupção nas obras da usina de Angra-3 e contratos da Eletronuclear, estatal que recebia influência política de Temer e seu grupo.

quarta-feira, 13 de março de 2019

PIPOCAM PEDIDOS DE IMPEACHMENT CONTRA MINISTROS SUPREMOS



A quem interessar possa: eu já publiquei um par de postagens sob o título “O QUE ESPERAR DO SUPREMINHO”; para conferir, basta seguir este link e, depois de ler a matéria, clicar em Postagem mais recente, logo abaixa do espaço reservado aos comentário, para acessar a parte final. Dito isso, podemos seguir adiante.

ATUALIZAÇÃO: 

Começou ainda há pouco a sessão em que o STF deve deliberar sobre a competência da Justiça Eleitoral para julgar crimes comuns conexos a crimes eleitorais, de cujo resultado, dizem, depende o futuro da Lava-Jato. Até o presente momento (são 17h35min), somente os ministros Marco Aurélio, que é o relator, e Alexandre de Moraes proferiram seus votos, ambos favoráveis à competência da JE. 

A questão veio à tona no ano passado, quando o STF restringiu o foro especial dos parlamentares e alguns processos da Lava-Jato que estavam na Corte baixaram para instâncias inferiores. Além disso, muitos políticos envolvidos na operação ficaram sem mandato após perderem a eleição de 2018, e as ações terão o mesmo destino. Atualmente, graças ao entendimento firmado na 2ª Turma, considera-se que quando há suspeita de caixa 2, mesmo havendo indícios de outros crimes — como corrupção e lavagem de dinheiro —, é a Justiça Eleitoral a instância responsável pelo julgamento das ações. Destarte, pelo menos 21 figuras políticas — como Dilma, Temer, Padilha, Aécio, Palocci, Mantega e outros rapinadores do Erário — já tiveram inquéritos ou citações em delações envolvendo corrupção remetidos para a Justiça Eleitoral. 

O procurador Deltan Dallagnol, coordenador da Lava-Jato no Paraná, afirmou que um possível resultado negativo pode acabar com a operação. O ex-juiz e hoje ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, entende que a JE não tem condições de julgar os processos envolvendo suspeita de corrupção e de lavagem de dinheiro, mesmo quando associados a crimes eleitorais. “A posição do ministério, já externada publicamente, é de que a Justiça Eleitoral, embora faça um trabalho excelente na organização das eleições e na resolução de questões pontuais eleitorais, não está bem estruturada para julgar crimes mais complexos, como lavagem de dinheiro e corrupção”, disse o ministro. “O ideal é que haja uma separação. Esperamos respeitosamente que o STF profira a melhor decisão”, completou.

Volto amanhã com mais detalhes, já que o atentado estúpido que matou 8 inocentes em Suzano esgotou o pouco de paciência que me restava. Se eu ouvir a lenga-lenga de mais um ministro supremo, meu fígado vai pro vinagre. 

Depois que o Congresso se transformou num covil de corruptos e o Executivo, no lodaçal pútrido que veio a lume durante as gestões Lula, o lalau, Dilma, a incompetenta, e Temer, o sacripanta (na versão “pós-Joesley”, que até então ele enganava bem), o STF nos pareceu a derradeira esperança de o combate à corrupção e a punição dos corruptos prosperarem. Mas só pareceu. 

Até poucos anos atrás, quase não se ouvia falar em suas excelências supremas. Quando se ouvia, quase ninguém prestava atenção. Os nomes Carlos Madeira, Paulo Brossard, Maurício Corrêa, Ellen Gracie e Nelson Jobim lhe dizem alguma coisa? Nem a mim. Mas todos foram ministros supremos. Os dois primeiros foram indicados por José Sarney, o homem do jaquetão que deixou o Planalto em 1990 e o Brasil com uma inflação de quase 85% ao mês (talvez não seja do seu tempo), o terceiro, de Itamar Franco (você ainda se lembra do vice de Collor, pois não?) e os dois últimos, de Fernando Henrique (de quem você certamente se lembra). Aliás, FHC, o presidente mais "britânico" que tivemos desde a redemocratização desta Banânia, também nos brindou com o laxante-de-toga Gilmar Mendes, cujo nome dispensa apresentações.

Se hoje sabemos de cor e salteado os nomes do 11 ministros supremos — e temos opinião formada sobre a maioria deles —, isso se deve e grande medida à Operação a Lava-Jato, que transformou a Corte numa espécie de tribunal de alçada criminal de elite — para não dizer curva de rio, que é onde engastalha tudo que é tranqueira. Mas... “Quão maravilhosas são as pessoas que não conhecemos bem”, dizia Millôr Fernandes. E com efeito. Bastou suas excelências descerem do pedestal e serem filmadas discutindo ad nauseam o sexo dos anjos ou quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha, para termos uma boa ideia (boa é força de expressão) de onde fomos amarrar nosso jegue.

Segundo um levantamento feito pela Folha em dezembro passado, o número de pedidos de impeachment dos semideuses togados vem crescendo em proporção geométrica nos últimos anos. Pena que nenhum deles foi adiante até agora — o que não é de estranhar: quem tem telhado de vidro não joga pedra no telhado do vizinho, e os presidentes do Senado, cientes dessa máxima, preferem engavetar os pedidos ou arquivá-los sob a letra “L” (de lixo). Na gestão de Renan Calheiros, os pedidos eram arquivados em dois dias, em média. Já Eunício Oliveira os deixava em aberto, assegurando alguma potencialidade a um instrumento de prosperidade praticamente nula. Atualmente, apenas sete pedidos protocolados estão em tramitação — o que, apesar de parecer pouco, é um número historicamente alto.

Vale frisar que crescimento se deu nos últimos 4 anos, ou seja, depois que a Lava-Jato começou a revolver as entranhas pútridas da política, dos políticos e de suas relações espúrias com grandes empresários. Devido principalmente ao nefasto foro privilegiado, que assegura quase total impunidade a congressistas, ministros de Estado e outras altas autoridades do cenário político tupiniquim, suas excelências supremas ganharam espaço na mídia e nas redes sociais, e, de quebra, tornaram-se arroz de festa nas conversas de mesa de bar, de fila de supermercado e por aí afora.

Enfim, para encurtar o que está se tornando uma longa conversa, o STF, no trajeto de guardião máximo da Justiça a atual vidraça, já acumula 28 pedidos de impeachment de seus ministros, 23 deles protocolados de 2015 para cá. Gilmar Mendes, a autodeclarada encarnação de Deus na Terra, é criticado por decisões que levaram à libertação de dezenas de alvos na Lava-Jato e, portanto, encabeça orgulhosamente a lista, com 9 pedidos de impeachment — 7 deles protocolados desde 2016. Atrás dele, empatados, aparecem Dias Toffoli e Luís Roberto Barroso, com 4 petições de afastamento cada, seguidos por Ricardo Lewandowski e Luiz Fux, também empatados com 3 representações cada um.

Ainda segundo a Folha, uma parte não desprezível dos pedidos vem de políticos e de grupos como o Movimento Brasil Livre ou o Movimento República de Curitiba. Há ainda três casos de grupos de advogados que pediram coletivamente ao Senado o impeachment de ministros. Entre os requerentes está o deputado federal pesselista Alexandre Frota, um dos que pediram o afastamento de Gilmar. “A impressão que dá é que o Gilmar Mendes vende habeas corpus a R$ 1,99”, diz o parlamentar. “Isso precisa acabar”.

Na visão de Conrado Hübner Mendes, professor de direito constitucional da USP, a antipatia generalizada pelo STF tem relação com o que classifica como um contexto político explosivo: “O aumento dos pedidos de impeachment se deve em parte a esse contexto, que o Supremo não consegue moderar de modo racional e com imagem de imparcialidade, mas sobretudo à irresponsabilidade de ministros que cruzam a linha da ética judicial.”

Joaquim Falcão, professor da FGV Direito e ex-membro do CNJ, declara que as petições são um sinal de alerta: "A relação do Supremo com a opinião pública tem que ser de mão dupla. O Supremo fala e os cidadãos obedecem. Os cidadãos falam e o Supremo ouve. Mas o Supremo não está ouvindo".

Gilmar Mendes, o divino, considera que há certo punitivismo em curso no país: “Estamos na turma que trata da Lava-Jato, então temos todas essas discussões sobre matéria penal centradas nessa temática. Falam de mim, do Lewandowski, do Toffoli. Daqui a pouco haverá outro tipo de discussão.” Vai nessa, excelência! Lula se achava acima do bem e do mal e está na cadeia há quase um ano.

Observação: A partir de interceptações telefônicas, mensagens digitais e elementos documentais de investigações em curso, a Lava-Jato encaminhou ofício à Procuradoria Geral da República suscitando o impedimento ou a suspeição do eminente ministro em ações relacionadas a Aloysio Nunes Ferreira Filho e Paulo Ferreira de Souza

Para Modesto Carvalhosa, “os ministros do Supremo não podem ser confundidos com pontas de lança de organizações criminosas comandadas por políticos profissionais”. Gilmar tem exercido esse papel, afirma o jurista, e, portanto, não poderia mais ser ministro do STF. “São deveres dos ministros do Supremo Tribunal Federal ‘cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais’ e ‘manter conduta irrepreensível na vida pública e particular’”, pondera Carvalhosa. Mas não é o que se vê em muitos casos. Por essas e outras, quase dois milhões de pessoas já assinaram um abaixo-assinado online que pede o fim do mandato do semideus de toga.

Aditamento: Apoiada por Gilmar Mendes quando foi indicada procuradora-geral da República, Raquel Dodge arquivou o pedido de suspeição do ministro supremo feito pela Lava-Jato. Segundo Dodge, o fato de Aloysio Nunes Ferreira ter ligado para Gilmar quando era investigado não é suficiente. Tirem os leitores suas próprias conclusões.


sábado, 2 de março de 2019

DEBATE RASTEIRO — Artigo de J.R. Guzzo


Antes do texto de Guzzo, uma notícia importante: 

Morreu na tarde de ontem Arthur Araújo Lula da Silva, filho de Sandro Luiz Lula da Silva e neto do criminoso de Garanhuns. Um helicóptero da Polícia Civil transportou Lula da sede da PF em Curitiba para o aeroporto de Bacacheri, também na capital paranaense. Em seguida, o ex-presidente se deslocou para São Paulo em uma avião do governo do Paraná. O avião pousou na capital paulista às 8h30. Arthur morreu aos 7 anos de idade, vítima de meningite bacteriana. Lula, que foi condenado a 12 anos e 1 mês de prisão pelo TRF-4 no caso do tríplex, a 12 anos e 11 meses pela 13ª Vara Federal do Paraná no caso do sítio, e ainda responde a outras seis ou sete ações penais distribuídas pela JF do Paraná, de São Paulo e do DF, continua vivo, custando aos cofres públicos cerca de R$ 10 mil por dia para ser mantido numa sala VIP da Superintendência da PF em Curitiba. Pois é, meus caros, a vida nem sempre é justa.

Com a palavra, J.R. Guzzo:  

O Brasil dos nossos dias realmente elevou ao estado de arte, como se diz, a capacidade que as classes superiores desenvolveram nesses últimos tempos para transformar questões de desimportância ilimitada em motivo para discussões de altíssima tensão, nas quais se debate, desesperadamente, o destino final de tudo o que pode existir de essencial na existência humana. A mulher do empresário Nizan Guanaes, por exemplo, cometeu ou não crime de racismo ao utilizar os serviços profissionais de negras vestidas com o traje clássico de baianas, em sua recente festa de aniversário em Salvador? Quais os segredos de vida e morte que o ex-ministro Gustavo Bebianno, do qual nenhum cidadão comum jamais tinha ouvido falar até hoje, vai enfim “contar para todo mundo” — e provocar com isso a autodestruição imediata do governo? O vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, já está marcando reuniões secretas com a CUT, a Conferência Nacional dos Bispos e o ex-presidente Fernando Henrique para acertar os detalhes finais do golpe de Estado que vai derrubar, a qualquer horinha dessas, o presidente Jair Bolsonaro? Viram o que saiu publicado na coluna do colunista A? E o que saiu publicado na coluna do colunista Z? Com a crise cada vez mais grave, quantos meses ainda pode durar este governo? E por aí se vai.

Nenhum desses portentos tem a mais remota possibilidade de resultar em qualquer tipo de coisa relevante, é claro, mas cada um deles faz um barulho danado até evaporar do noticiário, para dar lugar a outros vendavais da mesma qualidade. Aguarde a qualquer momento, portanto, mais uma crise fatal em Brasília — ou melhor, mais um “desdobramento” da crise que se instalou no governo desde o dia 1º de janeiro deste ano e até agora não foi embora. Já ouvimos, entre outras desgraças garantidas, que o presidente jamais conseguiria montar o seu ministério sem entregar a alma e o erário aos “políticos”. Anular o convite para o ditador da Venezuela vir à cerimônia de posse de Bolsonaro foi uma atitude “de altíssimo risco” do novo governo — o Brasil, com essa decisão tresloucada, estava se isolando do resto do mundo. Renan Calheiros iria ser eleito para a presidência do Senado e, a partir dali, formaria um vigoroso polo de “poder alternativo” ao governo; a “Resistência” encontraria nele o seu novo comandante. Outros terremotos, além desses? É só escolher no Google.

Fica a impressão, no meio de toda essa calamidade permanente, que a vida política brasileira está tentando, em pleno século XXI, operar num sistema de moto-contínuo — os fatos, aí, se criariam através da reutilização infinita da energia gerada pelo movimento desses próprios fatos. É a fantasia da máquina que funciona sozinha. O moto-contínuo, como se ensinava na escola, é um fenômeno cientificamente impossível, por violar as leis da termodinâmica. Mas isso aqui é o Brasil, e no Brasil todo mundo sabe que há uma porção de leis que não pegam — talvez seja o caso, justamente, da crise política que é apresentada todos os dias ao público. Um acontecimento ganha vida, prospera, desaparece e se reproduz num outro, o tempo todo; o mesmo processo se repete com esse outro acontecimento, e assim a coisa não para nunca. Não tem a menor importância a força real dos fatos apresentados à população, nem a constatação de que nunca resultam em nada de prático; eles existem porque são anunciados, e pronto.

A próxima catástrofe é a reforma da previdência que o governo acaba de apresentar à Câmara dos Deputados. Tanto faz o que vai realmente acontecer. Mesmo que as mudanças sejam aprovadas, você ouvirá que o governo sofreu mais uma derrota ou porque tal ou qual item não passou, ou porque o custo foi alto demais”, ou porque o ministro Zé falou uma coisa e o ministro Mané falou outra, e assim por diante. As verdadeiras questões que têm de ser resolvidas, enquanto isso, ficam voando no espaço sideral, inalcançáveis por um debate neurastênico, rasteiro e sem lógica.