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domingo, 24 de março de 2019

NÃO SE CURA A DOENÇA MATANDO O PACIENTE


A POLÍTICA É A ARTE DE CONCILIAR INTERESSES PRÓPRIOS ENQUANTO SE FINGE CONCILIAR OS DOS OUTROS.

A corrupção é um câncer que a Lava-Jato se esforça por debelar há mais de cinco anos. Muito foi feito desde então, a despeito dos incessantes bombardeios desfechados contra a força-tarefa, que, qual Fênix mitológica, renasce das cinzas toda vez que sua morte é declarada. Mas há nas redes sociais uma corrente que defende a máxima fiat justitia, pereat mundus, ou seja, que se faça justiça mesmo que o mundo pereça. Essa indignação com o estado de coisas no país é perfeitamente legítima, pondera Rodrigo Constantino. Essa gente não quer saber quais serão os efeitos da caça às bruxas na Economia; se o país tiver de afundar para que mais meia dúzia de corruptos sejam punidos, que assim seja!, conclui o jornalista. E ele está coberto de razão.

Michel Temer e alguns de seus asseclas foram presos preventivamente na última quinta-feira. Debalde a pronta ação de seus caríssimos advogados, suas excelências devem permanecer sob custódia até a próxima quarta, quando o TRF-2 julgará seus pedidos de liberdade. O ex-presidente se diz inocente e profundamente indignado com a prisão arbitrária, mas invocou o direito constitucional de permanecer calado durante o depoimento aos procuradores e agentes da PF. Carlos Marun, seu eterno pitbull, afirma que o emedebista foi pego numa queda de braço entre a Lava-Jato e o STF. Talvez tenha razão, mas a maior surpresa foi o fato de a prisão não ter ocorrido assim que o vampiro do Jaburu deixou o cargo e perdeu o direito a foro privilegiado.

O xis da questão é o momento que o país atravessa. Às vésperas de completar 3 meses na Presidência, Bolsonaro continua agindo mais como candidato do que como mandatário eleito e empossado. Isso pode agradar seus apoiadores incondicionais, mas não os milhões de brasileiros o escolheram por falta de opção — Luladdad não era uma opção, embora muitos eleitores, cegos pelo fanatismo ou desassossegados diante da possibilidade de eleger o capitão ser o passaporte para a volta da ditadura militar, votaram na marionete do presidiário de Curitiba.

Da reforma da Previdência depende o futuro do Brasil e do atual governo. Só que o presidente parece não se ter dado conta disso: em vez de focar a articulação política necessária à aprovação da PEC, ele continua vituperando contra inimigos reais e imaginários, não raro através de tuítes postados pelo rebento zero dois, que dias atrás resolveu atacar Rodrigo Maia.

Desde o último final de semana que Moro vinha pressionando Maia para que seu pacote anticrime fosse pautado rapidamente. Irritado, o deputado disse que o ministro estava "confundindo as bolas" e que ele era um "funcionário do Bolsonaro".  A situação se agravou após a prisão de Moreira Franco, casado com a sogra de Maia. No Congresso, dizia-se que o juiz Bretas decretara a prisão preventiva em resposta à postura do deputado diante da inércia da tramitação do pacote anticrime.

Maia diz que o governo tem de eleger uma prioridade — que, para ele, o projeto número um deve ser o da reforma da Previdência — e pediu a Moro respeito, afirmando que compete ao presidente da Câmara definir a pauta de votações da Casa. Em resposta, Moro disse esperar que o seu projeto tramite regularmente e seja debatido e aprimorado pelo Congresso com a urgência que o caso requer. "Talvez alguns entendam que o combate ao crime pode ser adiado indefinidamente, mas o povo brasileiro não aguenta mais. Essas questões sempre foram tratadas com respeito e cordialidade com o presidente da Câmara, e espero que o mesmo possa ocorrer com o projeto e com quem o propôs. Não por questões pessoais, mas por respeito ao cargo e ao amplo desejo do povo brasileiro de viver em um país menos corrupto e mais seguro", declarou o ex-juiz em nota enviada pelo Ministério da Justiça. 

Rodrigo Maia pode ser o que for, mas vem trabalhando como ninguém pela obtenção dos votos necessários à aprovação da PEC da Previdência. É certo que ele é investigado no STF (em pelo menos 3 inquéritos), que posa de representante da nova política, mas está no quinto mandato de deputado federal (só isso já diz tudo), que é filho do ex-prefeito do Rio César Maia (isso diz mais alguma coisa), que engavetou dezenas de pedidos de impeachment contra Temer, que apoiou o sepultamento das denúncias do ex-PGR Rodrigo Janot contra o ex-presidente, que figura nas planilhas do departamento de propina da Odebrecht com o codinome “Botafogo”, que tem uma estranha predileção por bermudas roxas (pior que isso, só mesmo a camiseta pirata do Palmeiras e os chinelos de dedo de Bolsonaro) e por aí segue o andor. Mas também é fato que Maia vem oscilando como um pêndulo, ora apoiando Bolsonaro, ora ameaçando largar mão da articulação política da reforma previdenciária.

Ao ser informado da prisão de Temer e de Moreira Franco (que é padrasto de sua mulher), o presidente da Câmara suspendeu sua agenda — mas mudou de ideia e retomou-a horas mais tarde. Afirmou que o episódio não comprometerá a tramitação da reforma, mas disse ao jornal O Globo que só irá pautá-la quando o Planalto tiver os votos necessários para sua aprovação. "Vou pautar (a reforma) quando o presidente disser que tem votos para votar. A responsabilidade do diálogo com os deputados daqui para frente passa a ser do governo. É ele que vai negociar com os deputados. A reforma da Previdência continua sendo a minha prioridade, mas essa responsabilidade de articular com os deputados para construir uma base sólida é do presidente da República, não do presidente da Câmara. Ele tem que articular diretamente, chamar os presidentes dos partidos, as bancadas, ou chamar e ver no que dá".

Alguns acham que Rodrigo Maia não importa, mas não é bem assim. É o que constata o deputado conservador Paulo Eduardo Martins, da base governista: “Noto muita gente dizendo que ele está atrapalhando a reforma. É uma visão equivocada. Maia tem trabalhado muito para viabilizar a aprovação. Você pode não gostar dele, mas é fato que ele tem feito esse trabalho”.

O clima no país, especialmente na ala mais bolsonarista, não está propício para reflexões sérias e ponderadas. Os bolsomínions querem sangue, senão vão embora, mas não sem antes acusar todo e todos de defensores de bandidos, de vendidos. A esses jacobinos repaginados não importam os possíveis desdobramentos de ordem prática, e ainda acusam quem se preocupa com isso de “vendido” ou esquerdista. Nem todos que festejaram a prisão de Temer são jacobinos, naturalmente, assim como nem todos que estão apreensivos defendem corruptos. O ambiente é tóxico para o debate, para construção de instituições mais sólidas, para o avanço de reformas. É um clima pré-revolucionário. Estão todos preocupados em exterminar os ratos, enquanto o navio afunda em alto mar. O problema é que nós, que não somos ratos, estamos no mesmo barco e podemos ir a pique junto com eles…

Em vez de todos se unirem para tapar os buracos por onde entra a água, muitos estão mais interessados em degolar corruptos, “doa a quem doer”. O problema é que pode doer demais, e em todos, se a nau dos insensatos realmente soçobrar.

sábado, 23 de março de 2019

SOBRE A PRISÃO DE TEMER, AS ESTULTICES BOLSONARIANAS... E LA NAVE VA



Temer invocou o direito constitucional de ficar calado durante o depoimento desta sexta-feira e, como eu havia previsto (vide postagem anterior), o desembargador Ivan Athié, conhecido por sua postura garantista, preferiu submeter seu pedido de habeas corpus à 1ª Turma do TRF-2 — que costuma apoiar as decisões do juiz Marcelo Bretas. O recurso deve ser apreciado somente na próxima quarta-feira; até lá, se o imprevisto não tiver voto decisivo na assembléia dos acontecimentos, o emedebista continuará hospedado na sala de 20 metros quadrados, com banheiro privativo, janela, ar-condicionado, sofá, mesa de reunião e frigobar, que era usada até então pelo corregedor da PF do Rio e recebeu uma cama e uma TV para acomodar o visitante ilustre.

Atualização: No STF, Marco Aurélio Mello rejeitou liminarmente (sem analisar o mérito) o pedido de habeas corpus de Moreira Franco, já que fazê-lo, segundo o ministro, implicaria em "queima de etapas", pois há no momento um HC pendente no TRF-2. Restou igualmente prejudicada moção da defesa para o caso ser remetido à Justiça Eleitoral, eis que feito num inquérito do qual Moreira Franco não é parte. Caso o ministro aceitasse a alegação de que a competência é da Justiça Eleitoral e suspendesse as decisões de Bretas, a medida beneficiaria igualmente o ex-presidente Michel Temer.

Segundo Carlos Marun, que visitou o ex-chefe na noite de quinta-feira (o cara é corajoso, pois poderia ter ido buscar lã e sair tosquiado — ou então não sair, mas isso é outra conversa), o "presidente" vem recebendo tratamento digno e respeitoso, mas está acabrunhado e indignado. Para o ex-pitbull palaciano, Temer é uma vítima inocente de uma “queda de braço entre o STF e a Lava-Jato”. Pois é. Lula também é inocente. E eu sou o Coelho da Páscoa.

Fato é que prisão de mais um ex-presidente caiu como uma bomba entre os políticos e foi um prato cheio para a mídia, que mal noticiou a viagem de Bolsonaro ao Chile. Durante a viagem anterior (aos EUA), os jornalistas permaneceram atentos a cada flatulência presidencial, sempre a postos para pintar com cores fortes aquelas cujo aroma mais lhes agradasse. Mas convenhamos que nosso presidente parece ter uma compulsão incontrolável para dar a cara a tapa.

Defender o folclórico muro que Trump insiste em erguer na fronteira com o México, por exemplo, foi lamentável. Tudo bem que em casa alheia não se critica o anfitrião, mas em se tratando de Bolsonaro, que é fã declarado de Trump, os salamaleques excederam em muito a simples diplomacia. E dizer em alto e bom som que "a maior parte dos imigrantes que se mudam para os Estados Unidos tem más intenções" foi (mais) uma péssima escolha de palavras — tanto é que o capitão se retratou na entrevista que concedeu logo depois de deixar a Casa Branca.

Falando em diplomacia, a promoção informal de Eduardo Bolsonaro (que, a exemplo do pai, é admirador incondicional do homem da peruca laranja) a “chanceler de fato” no encontro privado entre os presidentes de cá e de lá levou o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, a dar um piti em público. A cena de chilique, segundo a Folha, ocorreu diante de vários ministros e refletiu a humilhação sofrida pelo “chanceler de direito”. Vai ver que, para Jair Bolsonaro, “relações exteriores” têm a ver com “ficar de fora”. Na avaliação de Josias de Souza, a reclassificação funcional de Araújo — que já se sabia um chanceler atípico, dada a influência do guru Olavo de Carvalho, seu padrinho e ideólogo — fez do ministro não apenas um subministro, mas o sub do sub do sub.

Segundo O Antagonista, militares da ativa resolveram mandar recados a Bolsonaro. Diz Igor Gielow em sua coluna: “Não falo aqui do acordo de salvaguardas para o uso de Alcântara, uma boa medida há muito esperada. É particularmente ridículo ver a esquerda chiar como o Brasil fosse sediar uma base americana de mísseis intercontinentais e esquecer o danoso acordo promovido no governo Lula com a Ucrânia, que só torrou dinheiro. Mas as conversinhas de coxia, com tons de segredo, sobre o que fazer com a ditadura de Nicolás Maduro são de especial preocupação (para ler a íntegra da publicação, clique aqui).

Falando na ala verde-oliva, Dora Kramer faz algumas considerações interessantes. Confira a seguir:

Hoje o conselheiro mais influente do presidente é o general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, o porta-­voz informal da ala já tida como a mais ponderada do governo e que, embora repudie a caracterização de “grupo dos militares”, é toda composta de altas patentes oriundas das Forças Armadas com atuação bem-vista em setores sociais e oficiais, mas muito criticada nos chamados bolsões radicais do governismo. Na linha de frente, destaca-se o vice-­presidente Hamilton Mourão, com suas declarações públicas de caráter apaziguador em relação a crises e atritos provocados ora por posições do presidente da República, ora por integrante daquela outra ala que numa definição amena poderíamos chamar de polêmica, para não dizer folclórica. Numa tradução simples, o general Heleno atuaria “para dentro” e o general Mourão, “para fora”. Se um aconselha, o outro funciona como uma espécie de corretor de texto do presidente e companhia.

Isso num cenário em que a racionalidade, o bom-senso, a lógica e o rumo a partir do interesse coletivo parecem ter saído de férias. Donde a necessidade de transitar entre essas autoridades para detectar de que maneira o panorama está sendo visto por elas e tentar formular algo próximo das perguntas recorrentes em toda parte: para onde vamos? No que vai dar tudo isso? Ainda é possível reencontrar o eixo a fim de evitar um descarrilamento de consequências fatais? Nessa tarefa é que estão empenhados os setores que chamaremos aqui de oficina de consertos. Eles atuam em duas variantes principais: a adaptação do presidente às suas funções e a recolocação de estruturas e políticas de governo na direção da eficácia objetiva. Nesse tópico, chamado de “ajuste da agenda social ao ponto certo”, cita-se o exemplo do Ministério da Educação, enredado numa barafunda de egos inflados e ideologias equivocadas e afastado de sua função primordial, a de difundir e incrementar o aprendizado, como diz uma das vozes da racionalidade.

Uma correção de rumos é considerada urgente, ainda que seja necessário adotar “diretrizes mais enérgicas”, o que soa como eufemismo para a troca de titulares de algumas pastas nas áreas produtoras de atritos. Isso no limite, porque algumas providências já se notam. Onde? Na questão da Venezuela, em que, sem conflitos, o ministro das Relações Exteriores foi posto de lado. Essa banda de exacerbados é aconselhada a perceber que “comunismo não se combate com comunismo de sinal trocado”. A ideologia, confia a ala ponderada, acabará encontrando o tom certo de expressão.
Sim, mas e o presidente e sua vocação incontrolável para a crise? Aqui, discorda-se do termo “incontrolável”. A ideia é que ele se convença da conveniência do controle. “Com o tempo, haverá a recuperação da saúde física, a contenção do temperamento explosivo e a transposição de uma vida de parlamentar, cuja ferramenta é a fala para uma função regida pelos ditames da boa administração e da sobriedade.” Nesse manual de ajustes se incluiriam os filhos, que, nessa perspectiva, teriam de se voltar para os respectivos afazeres políticos.

É isso que tem sido dito ao presidente. A conferir em que medida ele dará ouvidos.

sábado, 5 de janeiro de 2019

MICHEL TEMER — TCHAU, QUERIDO!



Muita gente achava que Michel Miguel Elias Temer Luria, o impoluto, passaria a faixa presidencial para o sucessor, desceria a rampa do Planalto e encontraria a sua espera uma viatura da PF. Outros achavam que ele correria para o aeroporto e embarcaria no primeiro voo para Portugal. Especulações à parte, o fato é que, sem foro privilegiado, o agora ex-presidente estará sujeito a uma penca de investigações na 1ª instância — isso sem mencionar que indícios de 5 outros crimes envolvendo sua excelência foram descortinados pelo inquérito sobre o Decreto dos Portos. 

Por se referirem a fatos anteriores ao mandato presidencial, as novas suspeitas não integraram a denúncia da PGR, de modo que caberá aos procuradores que atuam na instância ordinária analisá-las e oferecer novas denúncias — o que pode demorar semanas, já que é preciso um despacho dos relatores dos inquéritos no STF enviando-os para a vara federal competente, onde eles passarão a ser de responsabilidade dos respectivos procuradores.

Temer farejou “o começo do fim” quando vieram a público detalhes de sua conversa nada republicana com Joesley Batista, o moedor de carne bilionário dono da JBS, durante uma reuniãozinha pra lá de suspeita, tarde de noite, nos porões do Jaburu. O Presidente cogitou renunciar, mas sua tropa de choque o convenceu de que o tempo cura qualquer ferida e o episódio não daria em nada. Só que o tempo também abre novas feridas, e os episódios subsequentes, sobretudo as denúncias oferecidas por Rodrigo Janot e as artimanhas imorais usadas para barrar as investigações, pegaram mal para o chefe do Executivo, mesmo numa republiqueta de bananas onde o fedor da corrupção emana da Praça dos 3 Poderes como o de peixe morto da Lagoa Rodrigo de Freitas.

Temer amargou índices de rejeição sem paradigma na história recente deste país, mas o quadro se reverteu no finalizando do ano e ele deixou a Presidência com avaliação de ruim ou péssimo na casa dos 62%. Levando-se em conta seus respectivos últimos dias no poder, só tiveram rejeição numericamente maior os dois impichados — Collor (68%) e Dilma Rousseff (63%). A nota média, de 0 a 10, atribuída ao desempenho de Temer foi 3,4, seu melhor resultado desde dezembro de 2016. Na comparação com Dilma, 44% dos entrevistados pelo Datafolha disseram que a administração do emedebista foi pior e apenas 20%, que foi melhor (vai ver a pesquisa foi feita no Sindicato do Metalúrgicos de SBC, na sede do Instituto Lula e nos acampamentos do MST).

Só os petistas não veem (ou se recusam a reconhecer) que o Vampiro do Jaburu entregou a Bolsonaro um país em condições bem melhores do que recebeu da sua predecessora — seguramente a pior presidente da República que o Brasil teve nas últimas 3 décadas. Mesmo assim, o governo que ora se inicia tem uma árdua missão pela frente, começando por sancionar ou vetar (até o próximo dia 15) nada menos que 23 projetos deixados pelo pela gestão anterior, entre os quais um que institui a “Semana Nacional de Prevenção à Gravidez Adolescente não planejada” e outro que estima a receita e fixa a despesa da União para o exercício financeiro de 2019.

Bolsonaro determinou um “pente fino” nas nomeações, transferências e movimentações financeiras dos últimos 30 dias da administração de seu antecessor, visto que foram detectados gastos e nomeações incomuns nos últimos dias do governo. Além disso, deu aval para a exoneração em massa de funcionários comissionados (ação que o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, chamou de “despetização”). Aliás, a faxina teve início na própria Casa Civil, com a exoneração de todos os cargos de confiança da pasta — e Onyx prometeu escolhas técnicas para cargos do segundo e terceiro escalões do governo.

Pato manco — ou lame duck, em inglês — é como os norte-americanos se referem a políticos em final de mandato, que passam os últimos dias no cargo cumprindo compromissos protocolares, e a quem os garçons palacianos servem a água sem gelo e café frio. Mesmo nessa condição, o Michel Miguel Elias Temer Luria não se furtou a rechear seus últimos dias com decisões que despertaram preocupação na equipe do atual governo. Um bom exemplo foi uma medida provisória, assinada a 11 dias do final do mandato, que determina a cisão parcial da Infraero e a criação da estatal NAV Brasil, que será responsável pelo controle aéreo. Isso uma semana depois de o (então futuro) ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, anunciar que o governo Bolsonaro pretende conceder toda a rede de aeroportos do país para a iniciativa privada e, dentro de aproximadamente três anos, acabar com a Infraero, responsável pela administração desses terminais.

Observação: Um levantamento do Observatório das Estatais, vinculado a FGV, informou recentemente que o Brasil tem 418 empresas controladas direta ou indiretamente por União, estados e municípios, que empregam mais de 800 mil pessoas — dessas, 138 são federais.

Tudo somado e subtraído, o período de transição — assim considerados os 64 dias contados da eleição de Bolsonaro, em 28 de outubro, e sua posse, três dias atrás — transcorreu em relativa paz, tendo o próprio Bolsonaro reconhecido que “muita coisa feita pelo governo anterior será mantida”. Também conta pontos a favor de Temer a decisão (tomada depois de muitas idas e vindas) de não conceder indulto natalino em 2018 — até porque o insulto anterior foi contestado pela PGR e ainda está “pendurado no Supremo” (o julgamento foi suspenso por um pedido de vista do ministro Luiz Fux no final de novembro passado).

domingo, 2 de dezembro de 2018

AINDA SOBRE O “INSULTO PRESIDENCIAL”



Durante o julgamento do indulto assinado por Temer em 2017 — providencialmente interrompido pelo pedido de vista do ministro Luiz Fux —, o relator, ministro Luís Roberto Barroso, expôs face diabólica do autor do decreto que perdoou 80% das penas dos larápios, livrando-os até do pagamento de multas:

O presidente da República foi denunciado duas vezes, por corrupção passiva e obstrução de justiça, e é investigado em dois outros inquéritos por corrupção e lavagem de dinheiro”, recordou o magistrado, ele próprio responsável por um dos inquéritos correm contra Michel Temer no Supremo. E prosseguiu: “Um ex-presidente da República foi condenado por corrupção passiva; dois ex-chefes da Casa Civil foram condenados criminalmente, um por corrupção ativa e outro por corrupção passiva; o ex-ministro da Secretaria de Governo da Presidência da República está preso, tendo sido encontrados em apartamento supostamente seu R$ 51 milhões.”

Do Executivo federal, Barroso saltou para o Legislativo e para os governos estaduais:

Dois ex-presidentes da Câmara dos Deputados foram presos, um deles já condenado por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas; um presidente anterior da Câmara dos Deputados foi condenado por peculato e cumpriu pena; mais de um ex-governador de Estado se encontra preso sob acusações de corrupção passiva e outros crimes; um senador, ex-candidato a presidente da República, foi denunciado por corrupção passiva (...) Depois de tudo isso, para provar que o crime compensa, o Executivo concede indulto a essa gente e o Supremo chancela? Que mensagem vamos passar? Que país estamos criando? De que lado da história queremos estar?

O cheiro de enxofre foi sentido em Curitiba:

A Lava-Jato está em vias de sofrer a maior derrota de sua história”, postou o procurador Deltan Dallagnol no Twitter.

E com efeito: confirmando-se o placar pró-corruptos, Temer estará liberado para editar no Natal de 2018 um novo decreto de indulto tão ou mais benevolente que o do ano passado. A força-tarefa de Curitiba estima que a decisão premiaria com o perdão das penas e das multas pelo menos 21 condenados da Lava-Jato.

O mandato-tampão de Michel Temer é a vivência do abismo, e o que distingue o momento atual é a união ativa de forças que não estão dispostas a viver no abismo:

Nos últimos tempos, houve uma expressiva reação da sociedade brasileira, que deixou de aceitar o inaceitável”, constatou o ministro Barroso em seu voto. ”Onde se vai no Brasil hoje se vê uma imensa demanda por integridade, por idealismo e por patriotismo. E essa é a energia que muda paradigmas e empurra a história. A reação da sociedade impulsionou mudanças importantes de atitude que alcançaram as instituições, a legislação e a jurisprudência.”

A tentativa de Michel Temer de premiar corruptos é parte de uma ofensiva daquilo que Barroso chama de “pacto oligárquico”. Nas palavras do ministro, o Brasil não é atrasado por acaso. “Somos atrasados porque o atraso é bem defendido”, declarou.

Aqui não se discute o combate ou não à corrupção. Eu entendo que independentemente do voto de casa um dos ministros, todos queiram combater a corrupção”, retrucou Alexandre de Moraes, tentando afastar de sua calva a carapuça que o colega lançara pouco antes sobre o plenário:

O indulto dá incentivos errados para as pessoas erradas e cria o cenário para sermos o paraíso de corruptores, corruptos, peculatários, prevaricadores, fraudadores de licitações’, dissera Barroso. (…) Claro que ninguém diz que é a favor da corrupção. Todo mundo é contra. Mas, em seguida, encontra um fundamento formal para liberar a farra.”

Noutro trecho do seu voto, Barroso soara ainda mais cáustico:

Também aqui há risco do mesmo discurso. Claro, eu sou contra a corrupção. Mas não posso impedir o presidente da República de exercer suas competências. O mal geralmente vem travestido de bem. Mas quem tem olhos de ver e coração de sentir, sabe quem é quem. E cada um escolhe o lado da história em que deseja estar. Só não dá para querer estar dos dois lados ao mesmo tempo: dizer que é contra a corrupção e ficar do lado dos corruptos.”

A esse ponto chegou o Supremo Tribunal Federal. Num momento em que o brasileiro se esforça para sair do abismo, a banda podre da corte máxima do Judiciário brasileiro revela-se disposta a jogar terra em cima. Alguns magistrados ainda não se deram conta, mas estão enterrando a própria noção de supremacia. Muito mais do que a constitucionalidade do decreto de Temer, o julgamento do indulto decide que tipo de tribunal o Supremo deseja ser.

Com Josias de Souza.

sábado, 1 de dezembro de 2018

O ESTREBUCHAR DE UM GOVERNO FISIOLOGISTA E CORRUPTO E A NOVELA DO “INSULTO DE NATAL”


Falta um mês para Michel Temer dizer adeus ao Planalto e do Jaburu (ele jamais quis morar no Alvorada porque, dizem as más-línguas, tem medo de assombração), depois de 2 anos e 7 meses no timão da Nau dos Insensatos. No livro de memórias que porventura venha a escrever (sobretudo se a Justiça lhe conceder bastante tempo ocioso), é provável que não mencione as três oportunidades de prestar um serviço inestimável à nação que ele teve nas mãos, mas deixou escapar. Então, façamo-lo nós.

Mesmo sendo o grande articulador e o maior beneficiário da impeachment da anta vermelha, Temer poderia ter declinado da Presidência. Não o fez, e, verdade seja dita, poucos em seu lugar tê-lo-iam feito. Mas o castigo veio a cavalo — ou em lombo do jegue, pois nossa Justiça tem 4 instâncias, nosso Congresso é dominado por corruptos e nossa Suprema Corte, por aberrações (mais detalhes nesta postagem). 

Embora a substituição da Rainha Bruxa do Castelo do Inferno pelo Vampiro do Jaburu  tenha sido uma lufada de ar puro após 13 anos, 4 meses e 12 dias de clausura lulopetista, os sinais de tempestade surgiram logo depois, quando o prometido ministério de notáveis se revelou uma notável confraria de corruptos. Mas o castelo de cartas ruiu de vez quando Lauro Jardim revelou detalhes de uma conversa pra lá de suspeita entre o presidente e certo moedor de carne com vocação para delator — e burro a ponto de delatar a si mesmo —, o que nos leva à segunda oportunidade de fazer um bem ao país, que sua excelência não aproveitou.

Diante da repercussão das revelações bombásticas, o presidente cogitou de renunciar, mas foi demovido da ideia por sua entourage. Assim, despido de vez do manto da moralidade, afirmou em pronunciamento à nação que não renunciaria, e que a investigação no Supremo seria “o terreno onde surgiriam as provas de sua inocência”. Ato contínuo, lançou mão de toda sorte de artimanhas para escapar da cassação. Mas o diabo sempre cobra sua parte no pacto: Temer tornou-se refém do Congresso, e isso foi o começo do fim.

O presidente pato-manco decidiu sair cena exatamente como entrou. Em 2016, ele autorizou seus apoiadores no Congresso a aprovar um pacote de reajustes que engordou os contracheques de 38 carreiras do funcionalismo; agora, desprezando sua derradeira chance de se redimir aos olhos da população, sanciona o vergonhoso reajuste salarial autoconcedido pelos ministros do STF e avalizado pelo Congresso de Eunício Oliveira, a despeito de as contas públicas estarem em petição de miséria. 

Se o presidente Temer fez o que fez porque a Lava-Jato inseriu em sua biografia duas denúncias criminais e dois inquéritos por corrupção, isso é ele quem deve dizer. O fato é que, tão logo desça a rampa do Planalto, em 1º de janeiro, o cidadão Temer poderá receber a qualquer instante uma visita matutina dos agentes da Polícia Federal.

Voltando à novela do “insulto de Natal”: No final de 2016, Temer estabeleceu que só poderiam ser beneficiados condenados a no máximo 12 anos que não fossem reincidentes e que tivessem cumprido um quarto da pena até 25 de dezembro daquele ano. Em 2017, já desacreditado e desmoralizado, sua excelência, sem motivo de jogar para a torcida, assinou um decreto ainda mais benevolente. Raquel Dodge (que foi escolhida pelo próprio Temer para comandar a PGR) entrou com uma ação no Supremo para suspender os efeitos daquele descalabro — que, segundo ela, resultaria em impunidade para crimes graves, sobretudo os apurados no âmbito da Lava-Jato e de outras operações de combate à “corrupção sistêmica”. 

A então presidente do STF decidiu suspendeu os pontos questionados no processo, o ministro Luís Roberto Barroso foi sorteado relator de processo, e assim, com a celeridade típica da nossa suprema corte, só agora, às vésperas da troca do comandante-em-chefe desta Banânia, os ministros resolveram se debruçar sobre o assunto. A propósito, Bolsonaro postou no Twitter que foi eleito presidente para atender aos anseios do povo brasileiro, que pegar pesado na questão da violência e criminalidade foi um dos seus principais compromissos de campanha, e que, se houver indulto para criminosos neste ano, certamente será o último.

O julgamento começou na quarta-feira 28, mas foi adiado (devido “ao avançado da hora”) quando o placar estava empatado em 1 a 1, e novamente suspenso na sessão subsequente, desta vez por um pedido de vista do ministro Luiz Fux, quando o placar estava em 6 a 2 a favor da permissão para que o presidente da República possa indultar quem ele quiser, sob qualquer critério.

Em tese, o pedido de vista se destina a dar mais tempo para o magistrado estudar o processo e formar seu entendimento, mas é largamente utilizado para obstruir a votação. Essa prática foi introduzida como estratégia pelo então ministro Nelson Jobim, que a trouxe de sua experiência no Congresso, onde a obstrução é uma arma da maioria para se fazer ouvir ou impedir algum ato do governo, e acabou sendo useira e vezeira no STF

Pelo regimento interno da Corte, a devolução dos autos deve ser feita até a segunda sessão subsequente à do pedido de vista, mas ninguém se atém a isso, de modo que, na prática, não existe prazo. Assim, o autor do pedido de vista pode devolver o processo somente quando vislumbrar a possibilidade de um ou mais magistrados mudarem o voto, ou quando a maioria formada já não fizer mais diferença. E é isso que deve acontecer agora.

O impasse na sessão de quinta-feira ocorreu duas vezes, pois também seu presidente, ministro Dias Toffoli, achou por bem pedir vista quando se formou maioria pela manutenção da liminar que impediu Temer de indultar os acusados de crimes do colarinho branco. A manobra de votar separadamente — primeiro a liminar, depois votar o mérito — foi proposta por Gilmar Mendes (sempre ele!); se a liminar fosse derrubada, Temer ficaria livre para dar o indulto à sua maneira, e a discussão do mérito não teria mais nenhum valor.

Mendes, Toffoli e o próprio Temer foram vítimas do próprio veneno: em novembro do ano passado, seguindo um roteiro previamente combinado com o presidente numa reunião fora da agenda, Toffoli impediu que a decisão majoritária do plenário da Corte reduzisse o foro privilegiado dos parlamentares, e Mendes fez o mesmo durante o julgamento do financiamento de campanha dos políticos. 

Fato é que o pedido de “vista obstrutivo” quase sempre tem um “motivo oculto” — como no caso de Toffoli, na questão do foro privilegiado, e de Mendes, no financiamento das campanhas. Na sessão de quinta-feira, Fux fez uma “defesa constitucional” do Supremo ao evitar que o indulto de Natal representasse um presente de Papai Noel para políticos e empresários condenados por crimes de corrupção, impedindo que políticos como Eduardo Cunha e Geddel Vieira Lima fossem soltos pelo “insulto presidencial”. 

Como faltam menos de 3 semanas para o início do recesso do Judiciário, o tema só deve ser retomado no próximo governo, e Jair Bolsonaro já disse que, com ele na Presidência, não haverá indulto de Natal.

sexta-feira, 30 de novembro de 2018

SOBRE A PRISÃO DOMICILIAR DE PALOCCI, A MANUTENÇÃO DA PENA DE JOSÉ DIRCEU, O JULGAMENTO DO INDULTO DE NATAL DE 2017 PELO STF E A PRISÃO DO GOVERNADOR DO RIO DE JANEIRO



Na última quarta-feira, Antonio Palocci, um dos muitos braços-direitos do molusco eneadáctilo, teve sua pena reduzida pelo TRF-4 e passará a cumpri-la em regime semiaberto diferenciado. O ex-ministro petista, que ficou preso por 2 anos e 2 meses, insinuou em depoimento ao então juiz Sérgio Moro que suas informações poderiam alimentar a Lava-Jato por pelo menos mais um ano, mas por algum motivo o MPF considerou as denúncias inconsistentes e rejeitou seu acordo de colaboração. Agora, depois de muitas idas e vindas, não há mais dúvidas da robustez das informações de Palocci sobre seus chefes Lula e Dilma — como eu adiantei no post de ontem, o TRF-4 considerou, por maioria, que sua delação foi efetiva para as investigações, além de reduzir a pena de 12 anos, 2 meses e 20 dias para 9 anos e 10 dias, que a partir de agora serão cumpridos em prisão domiciliar com monitoramento por tornozeleira.

Também na quarta-feira, o TRF-4 rejeitou os embargos de declaração de José Dirceu —, outro braço-direito de Lula condenado na Lava-Jato, mas que por decisão do laxante togado Gilmar Mendes (ou da 2ª Turma do STF, já nem sei direito) aguarda em liberdade o julgamento de seus recursos — e manteve a pena de  oito anos, dez meses e 28 dias de reclusão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro (vale lembrar que, em outra ação oriunda da Lava-Jato, o guerrilheiro festim foi condenado a 30 anos, 9 meses e 10 dias de reclusão).

Ainda na quarta-feira, o STF encerrou a sessão plenária sem concluir a votação da Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela PGR contra o “insulto” de Natal assinado pelo presidente Michel Temer no apagar das luzes do ano passado. Em vista do tempo que os ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de Morais gastaram com suas arengas para julgar a ADI (procedente em parte e improcedente, respectivamente), somado ao dos constantes apartes e interrupções de outros magistrados, a conclusão do julgamento ficou para a tarde de ontem, quando então um providencial pedido de vista do ministro Luiz Fux interrompeu os trabalhos.

Mesmo assim, os ministros Mendes e Marco Aurélio fizeram questão de antecipar seus votos, deixando o placar em 5 a 2. Em seguida, Celso de Mello resolveu fazer o mesmo, mas aí a síndrome do macaco (veja do que se trata na imagem ao final desta postagem) falou mais alto, quando mais não seja porque o decano da corte, um incorrigível apaixonado pelo do som da própria voz, foi logo dizendo que dividiria a questão em oito itens, e coisa e tal... Ressalto apenas que um resultado favorável à liberdade completa dos presidentes na concessão de indultos não só daria a Temer condições de ampliar as benesses no apagar das luzes do seu melancólico governo, mas também produziria reflexos nefastos no combate à corrupção e na Operação Lava-Jato (volto a essa questão na próxima postagem).

ObservaçãoOs ministros se escandalizaram quando o filho de Jair Bolsonaro disse que bastavam um cabo e um soldado para fechar o STF. Bem, bastam um ministro e outro ministro para aprovar o indulto de Michel Temer e fechar a Lava-Jato, soltando um monte de corruptos presos.

Pela generosidade de seu “insulto de Natal”, o presidente pato-manco deixa claro que está C&A para o momento atual, em que a sociedade pugna por um combate incisivo à corrupção e aos crimes de colarinho branco. Com a permissão do Supremo, o vampiro do Jaburu poderá favorecer — mesmo que o indulto seja genérico e não pessoal — políticos como Eduardo Cunha, Geddel Vieira Lima e distintíssima companhia. Mas como esperar sensibilidade de magistrados que, demonstrando total descaso com a crise econômico-fiscal que o país atravessa, concedem a si mesmos um despropositado reajuste salarial de mais de 16%?

Também na manhã de ontem, 29, o governador do Rio Luiz Fernando Pezão (que na verdade se chama Luiz Fernando de Souza) foi preso pela PF no Palácio Laranjeiras, residência oficial do chefe do estado, em mais uma fase da Lava-Jato. A prisão, avalizada pelo Ministério Público e autorizada pelo ministro Felix Fisher, do STJ, foi feita com base na delação premiada de Carlos Miranda, operador financeiro do ex-governador Sérgio Cabral, que detalhou o pagamento de mesada de R$ 150 mil para Pezão na época em que ele era vice do então de Cabral (também houve pagamento de 13º de propina e ainda dois pagamentos de R$ 1 milhão como prêmio). Além da prisão de Pezão, a ação mira no atual secretário estadual de Obras do Rio, José Iran Peixoto, e há buscas e apreensão na casa de Hudson Braga, que foi secretário de Obras durante o governo de Cabral.

Vivemos ou não no país das maravilhas?

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

O PRESIDENTE PATO-MANCO SE DESPEDE EM GRANDE ESTILO



Michel Miguel Elias Temer Lulia, o presidente mais impopular desde a redemocratização desta Banânia e transformado em pato-manco — tradução de “lame duck”, que é como os americanos se referem a políticos que chegam desgastados ao fim de mandato, desgastados, a quem os garçons, de má vontade, servem o café frio — pela delação de Joesley Batista, despede-se daqui a 33 dias do Palácio do Planalto. E o fará, ao que tudo indica, sem se redimir perante a opinião pública: além de sancionar o vergonhoso reajuste salarial do STF (mais detalhes nesta postagem), o vampiro do Jaburu insiste em conceder um indulto de Natal muito mais abrangente do que lhe permite a Constituição, visando livrar da cadeia seus aliados condenados pela Lava-Jato — aí incluído o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha — e neutralizar uma das mais importantes armas do combate à corrupção, que é a delação premiada. Vale lembrar que insolência é alvo de uma penca de denúncias, e que perderá o foro privilegiado quando deixar a Presidência (isso se nenhum correligionário com mandato lhe arranjar uma boquinha que preserve o benefício).

No ano passado, diante das indesejáveis consequências que o "insulto" presidencial poderia produzir, a ministra Cármen Lúcia, então presidente do STF, suspendeu os efeitos da medida até que o plenário lhe julgasse o mérito, o que deve acontecer na tarde de hoje — a menos que algum dos ministros peça vista, o que me parece bastante improvável.

Se for avalizada pelo Supremo, essa "bondade presidencial" beneficiará quase 30 criminosos do colarinho branco presos pela Lava-Jato. Some-se a isso outras medidas para enfraquecer a Lava-Jato e criar empecilhos ao combate à corrupção estão sendo debatidas no Congresso — um covil onde 38 dos 81 senadores e 160 dos 513 deputados são réus ou investigados — e veja como será difícil o trabalho de Sergio Moro à frente do novo ministério da Justiça e Segurança Pública. Aliás, o futuro ministro já pediu ao presidente da Câmara que não coloque em votação nada que possa alterar a legislação contra a corrupção, mas há uma forte pressão em contrário dos parlamentares, sobretudo daqueles que não se reelegeram e, portanto, perderão o direito ao foro privilegiado a partir de fevereiro do ano que vem.

Caberá ao Supremo deliberar sobre o assunto num momento delicado, com o Judiciário em xeque devido ao vergonhoso reajuste salarial sancionado ontem por Michel Temer. O fim do auxílio moradia, que se destinava a compensar a defasagem dos salários dos magistrados, foi extinto pelo ministro Luiz Fux, mas nem de longe compensa o impacto que o efeito-cascata do aumento de mais de 16% no teto salarial do funcionalismo terá nas contas públicas já a partir do ano que vem.

Resta saber como decidirão suas excelências.

sábado, 28 de julho de 2018

TOFFOLI REJEITA HC EM FAVOR DE LULA



Muito se especulou sobre a possibilidade de a petralhada se valer do cumpanhêro Dias Toffoli para soltar seu amado líder. O zum-zum-zum começou depois do quase-domingo-negro (refiro-me ao final de semana em que um trio de deputados petistas mancomunados com um desembargador plantonista militante do TRF-4 tentou libertar o criminoso de Garanhuns da cadeia), já que três viagens oficiais de Temer ao exterior estavam previstas para este mês, e certamente provocariam mais uma estúpida “dança das cadeiras” entre os presidentes dos Poderes (volto a essa questão mais adiante).

Com Cármen Lúcia na presidência da Banânia e Toffoli de plantão no Supremo, os defensores do criminoso de Garanhuns teriam uma oportunidade de ouro para tirá-lo da cadeia, diziam os arautos da desgraça. Mas o que aconteceu até agora foi somente um pedido de habeas corpus, protocolado por um advogado em busca dos 15 minutos de fama, que acabou rejeitado pelo vice-presidente da Corte. “O caso não se enquadra na previsão do artigo 13, inciso VIII, do Regimento Interno deste Supremo Tribunal, em especial ante a possibilidade de incidência do entendimento da Corte segundo o qual é inadmissível o habeas corpus que se volta contra decisão monocrática do relator da causa no STJ não submetida ao crivo do colegiado por intermédio do agravo interno, por falta de exaurimento da instância antecedente”, justificou o ministro. A propósito: Temer deve retornar da África ainda neste final de semana.

Voltando à dança das cadeiras, pela terceira vez neste ano, devido a uma interpretação vaga da Constituição, uma viagem do presidente da República ao exterior produz um rodízio entre os presidentes dos Poderes e acarreta custos adicionais e dispensáveis para os escorchados contribuintes. O presidente da Câmara, que atualmente figura em primeiro lugar na linha sucessória, poderia muito bem ter assumido o Planalto, já que sua candidatura à Presidência era apenas uma estratégia para valorizar o “passe” do DEM numa eventual coligação (e com efeito, nesta quinta-feira o partido declarou oficialmente seu apoio à candidatura do tucano Geraldo Alckmin). Já o atual presidente do Senado, que é o próximo na linha sucessória, deverá mesmo disputar a reeleição, o que torna compreensível, mas não justificável, sua preocupação em arrumar uma viagenzinha ao exterior.

Observação: Pela lei, presidente, governador ou prefeito com intenção de concorrer a outro cargo eletivo precisa se desincompatibilizar — ou seja, renunciar ao mandato — até seis meses antes do pleito. Como o Brasil está sem vice-presidente, quem deveria substituir Temer é Rodrigo Maia ou, na falta dele, Eunício Oliveira, mas suas excelências estão mais preocupadas em não ficar sem mandato depois de outubro do que com seus deveres constitucionais. Mas o simples deslocamento da ministra Cármen Lúcia também acaba alterando a rotina do STF. Em sua ausência, o vice-presidente (que atualmente é Dias Toffoli) assume, e na ausência deste, como aconteceu no começo do mês, quando Toffoli estava passando férias na Europa, a Corte fica sob o comando do decano (ministro mais antigo), que atualmente é Celso de Mello. É uma movimentação que não se justifica e deveria ter sido evitada na origem, quando a Constituição foi votada, ou ser revista logo em seguida. Um país com finanças públicas tão críticas não tem por que continuar insistindo em alternativas que implicam mais gastos. 

O problema é que mudar essa bizarrice exige a aprovação de uma emenda constitucional — coisa que está fora de cogitação enquanto durar a intervenção federal na Segurança do Rio de Janeiro. Alguma coisa precisa ser feita, é claro, mas falta vontade política. Como na velha anedota, não se pode consertar a goteira enquanto a chuva não parar, mas não é preciso mais consertá-la quando o tempo abrir, pois aí a pingadeira terá parado.

Com os avanços da tecnologia e das telecomunicações, essa dança das cadeiras deixou de fazer sentido. No EUA, o presidente viaja para qualquer parte sem deixar o cargo. É inadmissível que, por uma preocupação particular de não ficar sem mandato, os presidentes da Câmara e do Senado precisem improvisar viagens ao exterior sempre que o presidente da República se ausenta do país. Os contribuintes não têm por que continuar arcando com mais essa despesa.

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sábado, 23 de junho de 2018

TEMER E A COPA DO MUNDO


Antes do assunto do dia, uma boa notícia: 

O ministro Luiz Edson Fachin julgou prejudicado o pedido de liberdade feito pela defesa do ex-presidente Lula e determinou a retirada do processo da pauta da 2ª turma (ele seria julgado terça-feira, 26). 

Em sua decisão (acesse a íntegra clicando aqui), Fachin explicou que o recurso extraordinário estava pendente de juízo de admissibilidade quando a petição foi apresentada, mas agora ele foi inadmitido pela vice-presidência do TRF da 4.ª região, o que altera o quadro processual. 

Caberá à defesa apresentar agravo contra a decisão que inadmitiu a subida do RE ao Supremo.

Futebol só rende votos para candidaturas individuais, como no caso do senador Romário, do deputado Bebeto e outros mais. Nenhum governo foi reconhecido como responsável por derrotas ou vitórias da seleção brasileira de futebol.

Para corroborar essa assertiva, o jornalista Merval Pereira lembra que em 2002 o Brasil foi campeão mundial, e o então candidato governista, José Serra, perdeu a eleição; que em 2014 fomos desclassificados pela Alemanha, e Dilma foi reeleita. Assim, a Copa na Rússia não deverá mudar os índices de aprovação do governo Temer, pois ninguém irá associar o presidente nem com a derrota nem com a vitória do time brasileiro, a despeito de sua excelência tentar se capitalizar gravando um pronunciamento totalmente inócuo, na televisão, sobre o campeonato mundial.

No caso de Putin, todavia a história é um pouco diferente. Os russos sonham em voltar a ser protagonistas no cenário mundial, e nem é preciso que a seleção vá muito longe — se passar da fase de grupos, já estará de bom tamanho. Para uma autocracia que não passa de um simulacro de democracia representativa, Putin ter  sido aplaudido em grande estilo no jogo de abertura da Copa foi uma vitória relevante, pois demonstra que sua política de dar dimensão global a eventos que a Rússia protagoniza, pelo menos como organização, reflete positivamente na sua popularidade.

Para quem não se lembra, Dilma foi sonoramente vaiada na abertura da Copa passada, sediada pelo Brasil por obra e graça do molusco abjeto e sua quadrilha. Pesa a favor do Brasil, porém, o fato de sermos uma nação democrática, onde ninguém pensou em punir quem vaiou a presidente — como na Rússia de hoje, onde vaiar Putin — e até falar mal da seleção — pode resultar em multa pecuniária e outras sanções. Mas ninguém foi obrigado a aplaudir o presidente russo ou agitar orgulhosamente a bandeira do país, até porque a autocracia de Putin não chega ao extremo da ditadura da Coréia do Norte, que obriga os cidadãos a chorar em público a morte do ditador da vez — como aconteceu quando morreu o pai do “homem do foguete”.

Até Gianni Infantino teve seus quinze minutos de glória. Ao contrário de seu antecessor, Joseph Blatter, que foi vaiado ao reprovar a atitude da torcida verde-amarela em relação a Dilma, o atual presidente da FIFA foi aplaudido ao proferir meia dúzia de palavras em russo — uma coincidência: tanto Dilma quanto Blatter perderam seus cargos após a Copa de 2014.

Causa espécie o fato de os resultados do futebol no Brasil servirem para eleger jogadores como (os já citados) Romário e Bebeto, mas não ajudarem o presidente da vez. Durante a ditadura militar, alguns dos presidentes da vez tentaram tirar proveito da seleção — Médici, que gostava de futebol, intercedeu para que Dario fosse convocado e Saldanha deixasse de ser o técnico do escrete vitorioso em 1970, e Geisel, que não gostava, tentou convencer Pelé a voltar à seleção em 1974. 

Na redemocratização, as vitórias e derrotas da seleção jamais influíram nos resultados eleitorais. Em 1994, o Plano Real teve mais a ver com a eleição de Fernando Henrique do que a conquista da Copa nos Estados Unidos. Em 1998, mesmo com a derrota da seleção canarinho, o Real voltou a impulsionar a reeleição de FHC. Em 2002, o time de Felipão trouxe o pentacampeonato, com direito a cambalhota de Vampeta na rampa do Palácio do Planalto e o beijo do presidente tucano na taça. Mesmo assim, o então candidato governista a presidente, José Serra, perdeu a eleição para Lula.

Nem mesmo a derrota em casa em 2014 — pelo humilhante placar de 7 a 1 nas oitavas de final — impediu que Dilma fosse reeleita. Aliás, Lula se reelegeu em 2006 e fez Dilma sua sucessora, em 2010, a despeito das derrotas da seleção brasileira.

O banco de investimentos Goldman Sachs — que, em todas as copas, realiza uma pesquisa global sobre as chances de cada seleção — aponta o Brasil como franco favorito por ter jogadores talentosos, um bom balanço entre perdas e ganhos e o melhor índice Elo (medição utilizada em vários esportes para calcular a força relativa entre os jogadores). A GS prevê que a final será disputada entre o Brasil e a Alemanha, mas admite que a graça do futebol está justamente na imprevisibilidade, nos elementos aleatórios que não podem ser colocados dentro de um programa de computação.

Como se vê, até mesmo os algoritmos sabem que o Brasil é franco favorito, mas também que não há elementos randômicos capazes de fazer com que Temer recupere sua popularidade.

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sexta-feira, 22 de junho de 2018

UM PAÍS DESGOVERNADO


Não é de hoje que o Estado brasileiro atua exclusivamente para satisfazer ânsias de riqueza de seus mandatários e funcionários, a ponto de o verbo servir perder o sentido ativo e preservar apenas o significado passivo para a casta privilegiada e a burocracia que se presta a trabalhar só para ela.

Notícias recentes trazem a público indícios claros de que os Poderes da República, na ânsia de proteger seus privilégios corporativos, tomam o mando — que em teoria é do povo — para exercê-lo em função de uma classe social que se reproduz por via hereditária, como no ancien régime, por nomeação do chefe do Estado, por concurso público ou até pelo voto.

Essa ruptura do mais pétreo dos preceitos constitucionais — aquele segundo o qual todo o poder emana do povo e em seu nome ser exercido — teve seu apanágio retórico no julgamento do habeas corpus impetrado por um condenado por crime comum. Nele, o advogado de defesa e político profissional Roberto Battochio elegeu como símbolo da justiça que pedia para seu representado, o ex-operário Lula, o discurso do nobre advogado do monarca Luís XVI, Guillaume-Chrétien de Lamoignon de Malesherbes (atenção para a duplicação da nobiliárquica preposição de) contra o “punitivismo” jacobino na Revolução Francesa.

Agora é muito provável que estejamos em pleno paroxismo dessa lenta e inexorável tomada de poder numa democracia que se perde pela aristocracia de estamento nesta República (de res publica, no latim, coisa pública) assaltada pelos interesses privados de uma classe cínica e insaciável, que não tem espírito cívico nem dá a mínima para a moral e os bons costumes.

O presidente mais impopular da História, Michel Temer, protagonizou recentemente um dos episódios mais representativos, mas não o único, nesse sentido. Para resolver o impasse criado pela falta de rumo, autoridade e competência na gestão — o movimento organizado para defender os interesses exclusivos de caminhoneiros e empresas transportadoras —, o chefe do governo atropelou o bom senso e a lei, cedendo a tudo o que exigiam os amotinados. Com isso interrompeu a política de preços adotada para recuperar as finanças da Petrobras, quase falida pelo furto de seus ativos nos desgovernos de Lula e Dilma, restabelecendo o tabelamento de seu correligionário José Sarney para o diesel e para o frete.

Com a “bolsa caminhoneiro”, como definiu o Estado em primeira página na edição de domingo 17 de junho, o chefe do Executivo adotou uma medida ilegal, pois, conforme advertiu o CADE, violou o princípio da livre concorrência, marco basilar da economia de mercado vigente no País. Ou não é mais?

O economista Edmar Bacha, em entrevista a este blog na semana passada, lembrou que Temer teve o juízo de montar “uma equipe econômica da melhor qualidade (que) opera com relativa autonomia, dentro dos estreitos limites da atual conjuntura”. Isso só “não funcionou porque o presidente perdeu todo o seu capital político com a revelação de suas tratativas pouco republicanas na calada na noite com o empresário Joesley Batista. A partir daí o governo teve de se dedicar a barrar o impeachment, incapaz de desenvolver uma agenda econômica positiva”, disse Bacha.

O episódio lembrado pelo criador do termo “Belíndia” (para definir o Brasil como parte Bélgica e parte Índia) é um dos marcos de fundação dessa aristocracia de cartéis. Estes vão do pacto entre políticos governistas e da oposição, grandes empresários, principalmente empreiteiros, e burocratas de estatais, em particular a Petrobras, e autarquias, até o compromisso ilegal do presidente para interromper a recente pane seca e o consequente desabastecimento de derivados de petróleo e gêneros alimentícios.

Um dos lemas dessa situação surreal em que o quinteto Temer, Padilha, Moreira, Marun e Etchegoyen meteu o País é a frase com que o primeiro recebeu o meliante do abate Joesley Batista na garagem do Jaburu (mais adequado seria chamar o palácio de Guabiru) na calada da noite: “Tem que manter isso, viu?”

Apesar da desesperada tentativa dos asseclas palacianos de desqualificarem a gravação do palpite pra lá de infeliz, ela se perdeu por lembrar outro lema, que pode valer para essa classe de roedores do erário, da lavra do presidente do MDB temerário, Romero Jucá, ao correligionário que presidiu a BR Distribuidora (de derivados e propinas), Sérgio Machado: “Tem que mudar o governo pra poder estancar essa sangria”.

A sangria ainda não foi estancada, apesar do esforço que tem sido feito pelos chefões políticos. Mas as eleições gerais de outubro não são nada promissoras em relação à atuação do combate à corrupção na polícia e na Justiça. Nenhum presidenciável deu até agora sinal de que esteja fora desse pacto. Um deles, Geraldo Alckmin, cujo PSDB foi derrotado por Dilma e Temer em 2014 e hoje é parceiro do governo, teve o descaramento de dizer que este “padece de uma questão de legitimidade”, como se o chanceler Aloysio Nunes Ferreira não fosse tucano.

As duas frases sobre as quais se sustenta a oligarquia dos cartéis nos levam, destarte, a introduzir nessa constatação da total deturpação do Estado de Direito em estágio de defeito o Poder Legislativo. Jucá, pernambucano de Roraima, onde faz praça e troça, é um bom exemplo da transformação do governo do povo em desgoverno dos polvos. Desde que o “caranguejo” Eduardo Cunha se assenhoreou do comando da produção de leis, o Congresso passou a servir apenas a “manter o que está aí” e, para isso, a procurar fórmulas legais para “estancar essa sangria”, aplicando um garrote vil contra a ação moralizadora de agentes, procuradores e juízes federais de primeira instância.
  
Essa tarefa mesquinha e traiçoeira contra o povo que deputados e senadores fingem representar começou a ser cumprida com a “lei da bengala” que mantém os compadritos (apud Jorge Luís Borges) nos tribunais superiores de Contas, Justiça e Supremo. Com a vigilância sobre propinas e caixa 2 na contabilidade das campanhas eleitorais, para garantir suas vagas e as de parentes e cupinchas, os legisladores criaram o Fundo Eleitoral, que, segundo a Folha de S. Paulo, usando dados do TSE, representa 86,5% das receitas de seus partidos.

Duas notícias, publicadas lado a lado na primeira página do Estado de segunda-feira 18, complementam a anterior. Uma dá conta de que a eleição para o Senado este ano terá número recorde de candidatos – 70% – em busca de reeleição. Em entrevista a Fausto Macedo e Ricardo Galhardo, o ex-diretor da Polícia Federal Leandro Daiello informou que “há material para mais cinco anos de operações”.

A reeleição de qualquer político que possa estar nesse “material” é uma ameaça à continuidade do combate à corrupção, sem o qual não há como o Brasil deixar de ser este trem descarrilado, cujo farol é a luz que se poderá ver saindo do túnel das urnas. O pior de tudo é que a esperança que a sociedade passou a ter na ação das operações a que Daiello se referiu está nas mãos de quem mais as põe em risco. Os seguidores de Malesherbes, representados pelo quinteto Gilmar, Lewandowski, Toffoli e a dupla Mello, continuam a atuar como garantes não da igualdade dos cidadãos perante a lei, assegurada pela Constituição vigente, mas dos caprichos e “dodóis” dos clientes abonados das bancas que abrigam mulher, genro, amigos e antigos parceiros de convescotes e salamaleques.

Vitimados pelo desemprego, pela violência e por saúde e educação de péssima qualidade, os pobres, que nem sonham poder um dia exigir seus direitos no fechadíssimo clube da impunidade dos que são mais iguais perante a lei, pagam a conta do desgoverno do Executivo, da safadeza do Legislativo e do cômodo uso da definição de Corte para seu colegiado com os mesmos frufrus e minuetos das monarquias absolutistas. A proibição da condução coercitiva de delinquentes de colarinho-branco e a tentativa de garantir a honra de políticos desonrados proibindo fake news são exemplos recentes, mas não os únicos, de como os ministros de tribunais superiores participam, sem pudor, do golpe dos “aristo-ratos” que se locupletam como dantes nos cartéis de Abrantes.

Publicado no Blog do Nêumanne

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quinta-feira, 31 de maio de 2018

CAMINHONEIROS ― NO FIM TUDO DÁ CERTO, MAS AINDA NÃO CHEGOU NO FIM



 A paralisação dos caminhoneiros completou dez dias nesta quarta-feira, véspera do feriadão de Corpus Christi. Na tarde anterior, a Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos afirmou em nota que a greve foi “extraordinária”, mas que começava a sofrer um desgaste desnecessário, dado que a pauta de reivindicações fora plenamente atendida. Assim, a retomada do abastecimento e a redução dos pontos de bloqueio vêm ocorrendo de maneira gradual, embora já se vislumbre no horizonte uma paralisação dos petroleiros, que o Tribunal Superior do Trabalho já classificou como ilegal ― e estipulou multa diária de 500.000 reais em caso de descumprimento da decisão.

É preocupante o fato de a greve ter paralisado o país. Claro que contribuíram para isso a insatisfação popular com um governo flibusteiro e desmoralizado, que houve infiltrados tirando a castanha com a mão do gato, que a “comissão de gerenciamento de crise” tenha sido inepta nas negociações, enfim... Mas isso nos leva a imaginar o que devemos esperar das próximas eleições: como se já não bastasse um criminoso condenado liderar as pesquisas de intenção de voto para a presidência da Banânia, Dilma e Aécio são os candidatos mais cotados para o Senado no segundo maior colégio eleitoral do país ― e como são duas as cadeiras a preencher, há espaço para os dois.

A greve dos caminhoneiros foi uma bomba de efeito retardado. Sua construção teve início ainda em 2008, quando o criminoso de Garanhuns resolveu estimular a economia oferecendo juros baixíssimos aos compradores de caminhões. Só que a frota cresceu 40% nos últimos 10 anos, e a economia, 11% no mesmo período. Resultado: o excesso de caminhões derrubou o valor dos fretes.

Mais adiante, a anta vermelha represou artificialmente o preço dos combustíveis ― medida que, combinada com os efeitos nefastos do Petrolão, levou a Petrobras à bancarrota. Aliás, justamente quando a estatal se recuperava desse malogro monumental, as negociações do governo para pôr fim à paralisação fez com que a estatal perdesse mais de 100 bilhões de reais em valor de mercado.

A bomba explodiu no colo de Michel Temer, que encarregou Pedro Parente de reverter os monstruosos prejuízos advindos das más gestões anteriores. E como uma das medidas saneadoras do novo presidente da Petrobras foi precificar os combustíveis fósseis de acordo com a variação do preço do petróleo no mercado internacional, o diesel aumentou de três em três dias durante o último ano, perfazendo uma elevação de 30% ― contra uma inflação oficial de míseros 2%. 

Diesel caro e frete barato sufocaram os caminhoneiros, mas o governo só se sensibilizou com o problema depois que a categoria paralisou o país. Culpar a Petrobras pelo valor alto cobrado nas bombas é ignorar a existência dos outros fatores, como os impostos, que representam dois terços do preço da gasolina e metade do preço do diesel. E baixar impostos, só sob pressão.

Resumo da ópera: Um presidente assessorado por Moreira Franco, Eunício Oliveira e Carlos Marun não pode saber o que fazer. O problema é que os caminhoneiros também não têm líderes. E se os dois lados não têm líderes, como chegar a um acordo? 

Josias de Souza, repórter respeitado, diz que um auxiliar de Temer, em conversa telefônica com um congressista, disse na última segunda-feira que o presidente tem dado sinais de desânimo. O principal troféu de Temer é a recuperação da economia ― que, convenhamos, já não era grande coisa, mas, com os atuais problemas, a previsão de crescimento deve ser revista para baixo. E Temer tem outro problema com que se preocupar: quando deixar o Planalto, será alvo de diversos inquéritos e estará sujeito aos juízes de primeira instância. 

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