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sábado, 19 de janeiro de 2019

MÃOS LIMPAS E MÃOS SUJAS



A “Operação Lava-Toga” vem aí, diz a revista digital Crusoé. Acordos de colaboração estão sendo fechados, e outros servirão de base para abertura de novos inquéritos — envolvendo, inclusive, membros das mais altas instâncias do Judiciário tupiniquim. Segundo a Lauro Jardim, as prioridades número um, dois e três da Lava-Jato no Rio, neste ano que se inicia, serão o Judiciário, o Judiciário e o Judiciário. Apurações precisam ser feitas e os culpados, punidos. Mas é lamentável que o Judiciário — derradeiro depositário da confiança dos brasileiros de bem — venha sendo tragado pelo mar de podridão revelado pala Lava-Jato e congêneres, que já engoliu o Legislativo e o Executivo.

O Congresso Nacional é um covil. Nada menos que 38 dos 81 senadores e 160 dos 513 deputados são réus, denunciados ou investigados. No Planalto, dos cinco presidentes da República eleitos pelo voto direto desde a redemocratização — Collor, FHC, Lula, Dilma e Bolsonaro —, dois foram impichados e um está cumprindo pena. Michel Temer não faz parte da lista porque ascendeu ao cargo com o afastamento da titular, mas conseguiu entrar para a história como o primeiro mandatário denunciado 3 vezes, no exercício do cargo, por crimes comuns.

Jair Bolsonaro, atual fiador das esperanças dos brasileiros, foi empossado sob suspeitas de “pedágio” no gabinete do filho número 1. As denúncias não o envolvem diretamente, mas isso não muda o fato de que Fabrício Queiroz, em cuja conta bancária o COAF identificou “movimentações atípicas”, ser amigo da família há décadas e ter feito depósitos para a hoje primeira-dama. 

O imbróglio poderia ser facilmente explicado pelo próprio ex-assessor — supondo que haja realmente uma explicação plausível —, mas ele desapareceu e depois alegou que problemas de saúde o impediram de prestar esclarecimentos ao MP. Dias atrás, o ministro Luiz Fux, decidindo sobre um pedido da defesa de Flávio Bolsonaro, determinou a suspensão da investigação até que o Supremo volte do recesso. Vale frisar que os “fatos suspeitos” que deram início a todo esse salseiro ocorreram quando o filho do Presidente era deputado federal, não estando cobertos, portanto, pela prerrogativa de foro a que ele tem direito como senador eleito (volto a esse assunto mais adiante).

Compra de sentenças e concessão de promoções em troca de decisões judiciais são práticas tão antigas quanto a própria corrupção. A história recente está recheada exemplos, como relembra magistralmente José Nêumanne no artigo No Supremo pela porta dos fundos, que discorre sobre a estapafúrdia liminar concedida pelo ministro supremo Marco Aurélio Mello no apagar das luzes do ano judiciário de 2018, com o nítido propósito de soltar Lula. Assinale-se que o magistrado foi indicado para o STF pelo ex-presidente Collor, de quem é primo, mas sua filha foi nomeada desembargadora pela ex-presidanta Dilma, e por indicação do ex-governador Sérgio Cabral, hoje condenado a mais de 100 anos de prisão.

Escritórios ligados a pelo menos dois ministros do STJ receberam mais de R$ 13 milhões da Fecomércio no período em que ela protagonizou uma guerra de liminares no tribunal. A banca que defende Lula, comandada pelos bambambãs Roberto Teixeira e Cristiano Zanin, amealhou R$ 38 milhões para um contrato destinado a obter uma “solução política” nos tribunais — e incluiu até a intermediação de um doleiro. O desembargador Francisco Cesar Asfor Rocha, ex-presidente do STJ, teria recebido (segundo a mais recente delação de Antonio Palocci) R$ 5 milhões da Construtora Camargo Corrêa para barrar a operação Castelo de Areia, e o acerto teria sido arranjado por Márcio Thomaz Bastos, ministro da Justiça de Lula entre 2003 e 2007.

Durante o julgamento da ação penal 470, conhecida como processo do mensalão, o então ministro Joaquim Barbosa, relator do caso, aliviou a barra do chefe da quadrilha (que anos antes o indicara para o STF), embora tenha contribuído para a condenação de petistas de alto coturno, como Dirceu, Genoíno, Vaccari, e Delúbio

Em 2016, Ricardo Lewandowski, então presidente do Supremo, mancomunou-se com o PT e com senador Renan Calheiros, então presidente do Congresso, para fatiar a votação do impeachment de Dilma e preservar seus direitos políticos (detalhes na minha postagem de 31/08/2016). 

A pretexto de uma fantasiosa “plausibilidade” de revisão da condenação de José Dirceu nas instâncias superiores, a segunda turma do STF decidiu que o o ex-guerrilheiro-mensaleiro-petroleiro permanecesse em liberdade até o julgamento de seus recursos. Dias Toffoli, então membro da segunda turma e hoje presidente da Corte, mandou para casa o ex-deputado ladrão Paulo Maluf, condenado a 7 anos, 9 meses e 10 dias de prisão por desvio e ocultação de dinheiro num processo que se arrastou por décadas. Nesse caso específico, o habeas corpus foi concedido de ofício, por razões humanitárias, embora a sentença condenatória já tivesse transitado em julgado. Segundo a defesa, Maluf estaria à beira do desencarne, mas agora passa muito bem, obrigado, em sua luxuosa mansão nos Jardins (bairro nobre da capital paulista). Se o pulha está mesmo morrendo, deve ser de rir dos trouxas que acreditaram na Justiça (aliás, vocês têm ideia de quanto roubaram José Dirceu e Paulo Maluf?).

Em entrevista concedida à Folha no ano passado, o ministro supremo Luís Roberto Barroso afirmou com todas as letras que “há no Supremo gabinete distribuindo senha para soltar corrupto, sem qualquer forma de direito e numa espécie de ação entre amigos”. Se a cartilha de Sérgio Moro for seguida por procuradores e magistrados, muito desse esquema de corrupção ainda virá à tona.

Winston Churchill, num discurso feito em 1942 sobre enfrentar situações que não podem gerar nem desânimo e nem tranquilidade excessiva, cunhou a seguinte pérola: “isto não é o fim, nem mesmo o começo do fim, mas talvez seja o fim do começo”. A conferir.

Para não encompridar ainda mais esta postagem, deixo para falar amanhã sobre os mais recentes desdobramentos do caso Fabrício Queiroz/Flávio Bolsonaro.  

sexta-feira, 18 de novembro de 2022

DURO NA QUEDA


Dos 38 presidentes que o Brasil amargou desde 1889, oito não terminaram o mandato, e dois dos os cinco que foram eleitos diretamente desde o fim da ditadura sofreram impeachment — conceito que surgiu no século XIV, na Inglaterra, e que ganhou o mundo após ter sido adotado pelos EUA. De 1990 a 2020, houve 272 processos de impeachment presidentes em 63 países.

O primeiro presidente brasileiro a responder a um processo de impeachment foi Getúlio Vargas, em 1954 — sua deposição foi rejeitada pelo Parlamento, mas o caudilho "foi suicidado" com um tiro no peito. Em 1955, Carlos LuzCafé Filho foram impichados a toque de caixa. Em 1992, Collor renunciou para preservar seus direitos políticos — que foram cassados mesmo assim. Em 2016, Dilma foi deposta, mas uma maracutaia urdida por Ricardo Lewandowski e Renan Calheiros (então presidentes do STF e do Congresso, respectivamente) evitou sua inabilitação.
 
Observação: Collor foi alvo de 29 pedidos de impeachment. Itamar Franco sobreviveu, Fernando Henrique, a 27 e Lula, a 37. Dilma caiu quando já contava com 68. Michel Temer matou no peito 33. Bolsonaro é o recordista, com nada menos que 150 — 60 foram engavetados por Rodrigo Maia (que dizia ver erros, mas não crimes na conduta da aberração palaciana) e os demais, pelo bambambã do Centrão Arthur Lira.
 
Em 17 países, a palavra final sobre impeachment presidencial é da Câmara, e em outros 61, de tribunais ou de conselhos constitucionais. No Brasil, o impeachment é vinculado a crimes de responsabilidade — no caso de crimes comuns, cabe à PGR indiciar o presidente e ao STF autorizar a abertura do processo. Um pedido pode ser apresentado por qualquer cidadão, mas a decisão de submetê-lo ou não a seus pares é do presidente da Câmara Federal, que não tem prazo para tomá-la (vejam quanto poder se concentra nas mãos de uma única pessoa). Casa seja dado sinal verde, uma Comissão Especial, constituída por deputados de todos os partidos, analisa a admissibilidade do pedido, e o acusado tem dez dias para apresentar sua defesa. 
 
Se a decisão for pela instauração do processo, a denúncia será enviada ao Senado se pelo menos 342 deputados (maioria de 2/3) votarem nesse sentido. Cabe aos senadores autorizar (ou não) o prosseguimento do processo por maioria simples (41 votos se todos os 81 parlamentares participarem da sessão). Atingido esse quórum, o presidente da República passa à condição de réu e é afastado do cargo por 180 dias — ou até o final do processo, o que ocorrer primeiro. O julgamento compete ao Senado, mas a garantia da lisura do processo fica a cargo do presidente de turno do STF. Para que haja condenação, é preciso que maioria de 2/3 (54 dos 81 senadores) seja alcançada
 
Bolsonaro continua presidente porque os brasileiros perderam a capacidade de se indignar. Sem clamor popular, Rodrigo Maia não viu "clima" para o impeachment, e Arthur Lira, que ascendeu à presidência da Câmara com seu apoio e graças ao famigerado Orçamento Secreto, não teria motivo para matar a galinha dos ovos de ouro. Paralelamente, a indicação de Augusto Aras (e sua posterior recondução) ao comando da PGR também contribuiu sobremaneira para a permanência do ex-capitão no Planalto. O ilustre procurador já arquivou 104 pedidos de investigação, de acordo com um levantamento feito pelo UOL.
 
Continua...

terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

O BRASIL DO “NOVO RENAN”. E COM LULA LÁ.


Embora eu tenha tuitado e publicado no Face a notícia minutos após o acidente de helicóptero ocorrido no início da tarde de ontem ter resultado na morte de Ricardo Boechat, registro também aqui meu pesar pela perda de um dos maiores ícones (se não o maior) do jornalismo tupiniquim. Com quase 50 anos de carreira e uma coleção de prêmios no currículo, Boechat atuava como apresentador do Jornal da Band e âncora da BandNews FM e era tido pelos colegas como um grande sujeito. Lamento não o ter conhecido pessoalmente e, mais ainda, sua partida prematura. O carequinha era uma ilha de lucidez num oceano midiático que se divide basicamente em duas categorias: a dos que têm merda na cabeça e a dos que tomaram purgante.
E Lula lá...

Remover o entulho e se livrar de tralhas que drenam a energia boa e contaminam o ambiente é fundamental. Mas mesmo depois da reciclagem que os eleitores fizeram no Congresso, ainda há muita podridão encalacrada por lá. Um bom exemplo é o Cangaceiro das Alagoas, que mais uma vez se reelegeu senador — o que não chega a surpreender, visto que nesse mesmo estado o Caçador de Marajás de araque conseguiu a mesma proeza assim que seus direitos políticos, cassados juntamente com o mandato presidencial em dezembro de 1992, foram restabelecidos.

Renan Calheiros é um tipo de craca de difícil remoção. Ele ingressou na vida pública nos anos 1970; em 1989, já deputado federal, articulou articulou a eleição de Collor, mas rompeu com o governo e chegou a depor contra o marajá corrupto na CPI que investigou o esquema PC Farias. Em 2002, então promovido a senador da República, apostou em José Serra contra Lula, mas acabou apoiando a adesão do então PMDB ao governo petista, acumulando poder para se eleger presidente do Senado em 2005. Foi aliado do PT até a véspera do impeachment de Dilma, quando pulou para o barco de Michel Temer — com quem rompeu no ano seguinte para se aliar ao PT em prol de sua reeleição nas Alagoas, estado afinado com o lulismo. Abrilhanta seu currículo o fato de ter sido o primeiro presidente do Senado a se tornar réu no exercício do mandato, além de ser alvo de outros 11 inquéritos no STF — 8 dizem respeito à Lava-Jato, um à Zelotes, um a desvios em Belo Monte e outro sobre o caso Monica Veloso. Passada a campanha eleitoral, o camaleão alagoano reatou com Temer e se realinhou ao novo eixo de poder para se aproximar de Bolsonaro. Ao tentar reconquistar a presidência do Senado, porém, foi derrotado por Davi Alcolumbre numa eleição conturbada, eivada por tentativas de fraude e requintes de briga de cortiço.

Até duas semanas atrás, Renan Calheiros era tido como invencível por 10 entre 10 analistas políticos deste país, que pareciam não ver que o político vinha sendo mastigado e cuspido, dia sim, outro também, pelas redes sociais — as mesmas que calaram a pretensão do Congresso em “negociar pesado” na formação do ministério — os políticos, que iriam “dobrar o governo”, tiveram de engolir com casca e tudo o primeiro escalão que está aí, inclusive com uma dúzia de generais dentro —, e que anularam qualquer possibilidade de soltar Lula no tapetão, com jogadinhas de advogado “garantista”. Segundo mais de 100% dos doutores em ciência política deste país, a chance de qualquer outro senador a raposa alagoana era a mesma de alguém mudar os 90 graus do ângulo reto. A horrenda rejeição popular a seu nome era tratada, nos mesmos meios, como uma fantasia de amadores; “pressão de rua” não existe nesses casos, garantiam os entendidos. “Política de verdade”, em seu livro, não tem nada a ver com redes sociais, etc. Esse Bolsonaro, os vinte generais do seu primeiro escalão, o ministro Sergio Moro, etc., iriam aprender, enfim, que é impossível governar o Brasil sem “ceder aos políticos”, e o sinônimo de política no Brasil era Renan Calheiros. Só que deu zebra — mais uma vez ao contrário, aliás, como tem dado dia após dia.

O jornalista J.R. Guzzo, uma das poucas cabeças pensantes que restaram no elenco da revista Veja, escreveu recentemente em sua coluna que os ministros supremos deveriam começar a pensar nos seus próprios couros. Desde que acabou o regime militar, suas excelências se transformaram numa espécie de orixás que nenhuma força do mundo é capaz de tirar do emprego; dois presidentes da República já foram para o saco, mas os toffolis, e gilmares, lewandowskis e distinta companhia continuam agarrados ao osso, mais firmes que o Pico da Bandeira na Serra do Caparaó. Mas e daqui para frente, com esse temporal que está ficando cada vez mais bravo — vão continuar fora da lei?

Coisas que nunca aconteceram antes sempre podem acontecer uma primeira vez. As redes sociais, que estão construindo realidades brutalmente inéditas neste país, podem muito bem ir para cima de qualquer sultão do STF e cobrar o seu impeachment de um Congresso com pouca estamina para enfrentar o ronco da rua. Era impossível. Não é mais. A Receita Federal abriu um trabalho para identificar “focos de corrupção, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio ou tráfico de influência” do ministro Gilmar Mendes e de sua mulher, Guiomar — o relatório, de maio de 2018, aponta uma variação patrimonial sem explicação de R$ 696.396 do ministro em 2015 e conclui que Guiomar “possui indícios de lavagem de dinheiro”. O jurista Modesto Carvalhosa vai protocolar novamente os pedidos de impeachment de Gilmar e Lewandowski, que vão se juntar ao novo pedido de impeachment de Toffoli. Pelo visto, a Operação Lava-Toga vai começar.

Continuamos vivendo no Brasil, mas o país em que vivemos é cada vez menos o mesmo. O Brasil dos renans, dos “profissionais” da política e das “realidades de Brasília” está sumindo aos olhos de todo mundo; não existe mais como existia seis meses atrás, e menos ainda como há um, dois ou cinco anos. Não é isso que dizem para você, tanto que, vale reforçar, há pouco mais de uma semana a vitória de Renan para a presidência do Senado era dada como uma verdade científica. No mundo dos fatos, que é o único que conta, revelou-se uma raposa cega, surda e aleijada, com prazo de validade vencido e incapaz de notar que estava desfilando nua no meio da rua. Em vez de olhar para a realidade, ela preferiu acreditar nos especialistas, e acabou virando estopa.

É sempre mais fácil dizer o resultado do jogo depois que o juiz deu o último apito, claro. Mas no caso de Renan daria pelo menos para desconfiar, com trinta minutos corridos do segundo tempo e 3 a 0 no placar para o outro time, que a coisa tinha se complicado horrivelmente. Encantados em medir o tamanho do problema que iriam criar para o governo, Renan e os profissionais que sempre veem tudo, menos o que está acontecendo, não perceberam o tamanho descomunal da resistência ao seu nome. Esse erro de avaliação pode ser fatal hoje em dia: o político brasileiro padrão está gostando cada vez menos de ficar do lado contrário ao da opinião pública, tal como ela se manifesta na internet ou na rua. Está sendo assim desde o impeachment de Dilma, a partir de quando a palavra “rejeição” se tornou a preocupação número 1 de quem pretende sobreviver na política. O desfecho das eleições de outubro, com o massacre geral das candidaturas que caíram em desgraça na boca do povo, está aí para provar.

Diante de tudo isso, Renan nem deveria ter lançado sua candidatura. Tendo lançado, deveria tê-la retirado. Não tendo retirado, deveria ao menos deduzir que a maioria dos senadores lhe dera um aviso sério de que sua candidatura estava liquidada, na prática, quando decidiram que a eleição deveria ser feita com voto aberto. Mas não. A raposa agonizante resolveu pedir proteção ao Supremo e conseguiu, de fato, preservar o voto secreto — acreditava, junto com os ases da observação política nacional, que, podendo esconder seus votos, os senadores que não queriam votar nele passariam a querer. Não adiantou nada, é óbvio. Se os eleitores têm vergonha de votar em você, não há mais nada a fazer nos dias atuais: peça para sair, porque a sua candidatura foi para o saco. Mas a vida real anulou em dois minutos a decisão do STF. Os adversários anunciaram que iriam declarar em voz alta em quem votariam e, com isso, forçaram todos a fazer o mesmo. Fim do jogo. Renan acabou tendo uma soma de cinco votos, derrotado por um senador principiante do Amapá do qual ninguém jamais tinha ouvido falar.

O que interessa, uma vez terminada essa comédia, não são os finíssimos cálculos de engenharia política em torno da eleição, as desculpas miseráveis dos autores das previsões erradas ou os habituais atos de delinquência praticados nessas ocasiões, como o delito de furto cometido pela senadora dilmo-renanzista Katia Abreu, que achava que roubando um documento da mesa iria “virar o jogo” para Renan. O que interessa é que o Renan Calheiros que podia tudo não existe mais. Acabou-se para ele o conforto de ignorar dez anos de acusações de peculato, uso de notas frias, corrupção passiva, criação de boiadas mágicas e por aí afora, em uma dúzia de processos no STF — o melhor que pode lhe acontecer, agora, é não ir para a cadeia.

Sumiu do mapa, em suma, o Renan todo-poderoso de Fernando Henrique, de Lula e de Dilma. Continua aí, claro, e os mesmos que previam sua vitória profetizam agora que ele será um “problemaço” para o governo — revoltado com a derrota, vai se vingar melando “as reformas”. Mas é apenas outra ilusão. Renan nunca mais vai presidir coisa nenhuma. Não manda em nada. Não tem a caneta de presidente do Senado e, portanto, não pode distribuir verbas, empregos e outros negócios em troca de poder. Sem caneta, vira um eunuco político — e isso faz diferença, sim, para o país.

A derrocada de Renan Calheiros oferece mais uma oportunidade para entender outra realidade deste Brasil que está mudando — a agonia, morte e enterro, como força política, da esquerda nacional e do seu líder nos últimos trinta anos. É uma realidade normalmente ignorada, mas ignorar que 2 mais 2 são 4 não faz nenhuma diferença; a soma continua sendo 4. Nada combina tão bem essas duas decadências quanto a mais recente quimera cultivada pelo Complexo Lula-PT-PSOL-MST-etc. Acredite se quiser, eles achavam que Renan, hoje seu principal amigo de fé, irmão e camarada, iria formar ao redor de si um fortíssimo “polo de poder alternativo” no Brasil, e que esse prodígio seria capaz de enfrentar o “governo fascista” e dar, afinal, os músculos políticos de que a “resistência” tanto precisa.

Como Lula e seu sistema de apoio puderam acabar dando nisso? Resposta: pela obsessão por tomar decisões erradas, escolher companhias ruinosas, de Marcelo Odebrecht a Sérgio Cabral, e recusar-se a admitir o mínimo erro. Por culpa unicamente de suas decisões, e não de “golpes” imaginários, das “elites” ou da CIA, Lula virou uma espécie de rosca sem fim. Ele e o “campo progressista” se meteram num enrosco esquisito: quanto mais perdem, mais esforço fazem para perder de novo. Seu lema, hoje, parece ser: “Derrota ou morte”. Ficaram com as duas.

domingo, 21 de maio de 2017

UM POÇO DE INCERTEZAS

UM POÇO DE INCERTEZAS

O terremoto de magnitude 10 da última quarta-feira, que teve como epicentro o Palácio da Alvorada e se espalhou rapidamente Brasil afora, deixou no chinelo a “Delação do Fim do Mundo” e colocou o governo na antessala do Apocalipse. Tudo começou com o furo de reportagem publicado em O Globo por Lauro Jardim, cuja pronta repercussão na mídia levou ao esvaziamento do Congresso e sitiou no Palácio do Planalto o presidente da República. Quase 24 horas depois, em sua primeira fala à nação, Temer classificou de clandestina a gravação da conversa entre ele e o dono da JBS num encontro à sorrelfa, tarde da noite, no Palácio do Jaburu ― segundo Joesley, foi preciso apenas baixar o vidro do carro e dizer que era o Rodrigo para ter o acesso à garagem liberado ― daí se pode inferir que clandestina foi a reunião, não a gravação.

Observação: A J&F Investimentos é uma holding criada em 1953 pela família Batista e que controla empresas como a JBS, Eldorado Celulose e outras. J, B, e S são as iniciais de José Batista Sobrinho, pai de Joesley e Wesley Batista (e de mais quatro filhos), mais conhecido como Zé Mineiro. Nos anos 1950, o patriarca dos Batista fundou, em Anápolis (GO), a Casa de Carnes Mineira, que deu origem a uma rede de açougues que se virou uma rede de frigoríficos, e que, com os ventos de cauda soprados pelo BNDES durante os governos petistas, aumentou seu faturamento de R$ 4,3 bilhões em 2006 para R$ 170 bilhões em 2016.

Durante a tal conversa, Joesley fala de sua situação como investigado, diz que está “segurando” dois juízes, que vem pagando mesada de R$ 50 mil ao procurador da República Ângelo Goulart Villela em troca de informações sigilosas sobre as operações Sépsis, Greenfield e Cui Bono, nas quais a JBS é investigada, e R$ 400 mil por mês ao doleiro Lucio Funaro, operador do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (presos na Lava-Jato), para garantir que ambos fiquem de bico calado.

Ao “ser informado” dos crimes do bilionário, Temer deveria ter determinado a pronta abertura de uma investigação, mas agiu como alguém que, numa inconsequente conversa de botequim, ouvisse um amigo discorrer sobre suas aventuras extraconjugais. Só isso (“só” é força de expressão) basta para enquadrá-lo por crime responsabilidade e embasar um pedido de impeachment. À guisa de justificativa, a Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República divulgou nota afirmando o presidente não acreditou na veracidade das declarações de Joesley ― o empresário estava sendo objeto de inquérito e, portanto, parecia contar vantagem ―, que juízes e/ou membros do Ministério Público estivessem sendo cooptados, e que a gravação teria sido editada mais de 50 vezes. Mesmo assim, Janot determinou a prisão de Ângelo Villela e autorizou a abertura de um inquérito para investigar Michel Temer. Este último, por seu turno, diz que vai largar o osso, como deixou claro em seu segundo pronunciamento à nação. Se ele terá condições de continuar à frente do governo (boa parte da base aliada já começou a debandar, como ratos que abandonam o navio quando pressentem a iminência do naufrágio) ou se será expelido do cargo pelo TSE (que deve retomar o julgamento do pedido de cancelamento da chapa Dilma-Temer no próximo dia 6), aí são outros quinhentos.

Temer orientou sua tropa de choque a “partir para o enfrentamento”, a despeito de o STF ter autorizado a abertura de um inquérito para investigá-lo. A meu ver, isso deveria leva-lo a se afastar (ou ser afastado) do cargo até a conclusão das investigações ― como aconteceria em qualquer democracia que se preze. Mas não Temer, como não Dilma antes dele e nem Collor antes dela (é fato que o “caçador de marajás de araque” renunciou na véspera do julgamento do impeachment para preservar seus direitos políticos, o que não funcionou, pois ele acabou sendo cassado, mas isso já é outra história). Em vez disso, sua excelência resolveu atacar a credibilidade do depoimento de Joesley, mesmo não sendo capaz de apresentar argumentos que expliquem de maneira convincente sua conivência com os atos espúrios revelados durante a conversa clandestina no Jaburu. A julgar por sua retórica, falta pouco para o presidente cair no ridículo em que caíram antes dele a gerentona de araque ― que, além de incompetente, agora é acusada de saber da origem dos milhões que financiaram suas campanhas e de ter negociado pessoalmente parte das propinas ― e a alma viva mais honesta do Brasil ― que deve ser agraciada no mês que vem com sua primeira sentença no âmbito da Lava-Jato).

Temer disse na quinta-feira que a investigação pedida pelo Supremo será território onde surgirão todas as explicações, que não tem qualquer envolvimento com os fatos, que não renunciará à presidência e que exigirá investigação plena e muito rápida para os esclarecimentos ao povo brasileiro. “Esta situação de dubiedade ou de dúvida não pode persistir por muito tempo. Se foram rápidas nas gravações clandestinas, não podem tardar nas investigações e na solução respeitantemente a essas investigações”, arrematou o presidente. No sábado, porém, o discurso mudou: “A gravação clandestina foi manipulada e adulterada com objetivos nitidamente subterrâneos, e incluída no inquérito sem a devida e adequada averiguação, levou muitas pessoas ao engano induzido e trouxe grave crise ao Brasil.

Os especialistas que examinaram o arquivo de áudio não chegaram a um consenso sobre as supostas interrupções ou edições. Alguns atribuem a falha ao gravador, mas a maioria atesta que não há sinais de mudança na parte fundamental da gravação: quando Joesley diz que zerou suas pendências com Eduardo Cunha e ficou de bem com o ex-deputado preso em Curitiba, ouve-se a seguir o presidente incentivar, dizendo “isso tem que continuar, viu”.

Para o perito ouvido pelo Estadão, o mesmo ocorre na parte em que o Temer ouve Joesley dizer que está manipulando a Justiça. O presidente encaminhou a gravação para o serviço de inteligência da Presidência da República; a PGR informou que uma avaliação técnica concluiu que o áudio revela uma conversa lógica e coerente e que a gravação anexada ao inquérito do STF é exatamente a entregue pelo colaborador, e o ministro Edson Fachin determinou o encaminhamento do arquivo à perícia da Polícia Federal, que deverá apresentará a ele as respectivas conclusões. Sem embargo, diversos pontos da conversa que NÃO FORAM CONTESTADOS pelo presidente caracterizam crime de responsabilidade, o que já basta para embasar pedidos de impeachment contra ele. Até  tarde de sexta-feira, 8 pedidos já haviam sido protocolados na Câmara, e no sábado foi a vez da OAB, que aprovou por 25 votos a 1 o relatório que resultará no 9º pedido (isso se nenhum outro for protocolado antes). Resta saber o que fará o presidente da Casa, deputado Rodrigo Maia, que mantém boas relações com Temer ― ou mantinha, pois não se sabe como elas ficarão daqui por diante.

Temer disse que o autor do grampo está livre e solto, passeando por Nova York, que o Brasil, que já tinha saído da mais grave crise econômica de sua história, vive agora dias de incerteza, que Joesley não passou nenhum dia na cadeia, não foi preso, não foi julgado, não foi punido e, pelo jeito, não será. De fato, diferentemente do que se viu em todos os acordos de colaboração firmados antes deste, os termos da delação dos Batista e outros seis executivos da JBS e J&F, já homologada pelo ministro Fachin, não só permitiram que eles deixassem o país como também os livraram de responder a inquéritos na esfera Penal ― o que é no mínimo estranho. Temer afirmou também que, prevendo os efeitos de sua delação na taxa de câmbio, Joesley comprou US$ 1 bilhão, e sabendo que a gravação também reduziria o valor das ações de sua empresa, vendeu-as antes da queda da bolsa. De fato, a JBS lucrou milhões e milhões de dólares em menos de 24 horas; nesse ponto o presidente está coberto de razão.

Peemedebistas, ministros e outros apoiadores afirmam que o presidente está tranquilo, que vai provar sua inocência, e blá, blá, blá. Mas não é isso que se vê nos raros momentos em que sua excelência dá o ar da graça ― ou da desgraça, melhor dizendo. Uma imagem exibida pela TV Globo durante o primeiro depoimento e reexibida exaustivamente nos telejornais mostra que a fisionomia do presidente denuncia um nervosismo que beira a dor física, e que ele só conseguiu disfarçar o tremor nas mãos entrelaçando firmemente os dedos. Outro detalhe digno de nota: na tarde de quinta-feira, Temer disse que a investigação pedida pelo Supremo Tribunal Federal será território onde surgirão todas as explicações. Se é assim, por que, então, apresentar àquela Corte um pedido de suspensão do inquérito?

O Brasil não precisa (e nem merece) de outro impeachment presidencial. Como dizem os americanos, BETTER THE DEVIL YE KEN, THAN THE DEVIL YE DON'T (numa tradução livre, “melhor ficar com o diabo que conhecemos do que com o que desconhecemos”). O afastamento de Temer levaria Rodrigo Maia ― mais um investigado na Lava-Jato ― a assumir interinamente a presidência e convocar eleições indiretas para o mandato tampão, e com o Congresso que aí está, recheado de réus, investigados ou parlamentares que estão em vias de sê-lo, isso seria uma temeridade. Mas é o que a Constituição determina e, portanto, o que terá de ser feito caso Temer renuncie ou seja cassado pelo TSE.

A propósito da interminável novela da cassação da chapa Dilma-Temer, até quinta-feira tinha-se como certo que um pedido de vistas resultaria em novo adiamento ― isso se os ministros não resolvessem deixar tudo como está, a pretexto de que ação perdeu o objeto quando Dilma foi penabundada. Nada do que veio à luz nos últimos dias ― e nem o que virá nos próximos ― deveria influenciar na decisão no TSE, mas, como bem disse o sempre eloquente presidente daquela Corte, os juízes não são de Marte. Para bom entendedor, meia palavra basta.

Confira minhas atualizações diárias sobre política em www.cenario-politico-tupiniquim.link.blog.br/

quarta-feira, 6 de maio de 2020

DIO MIO!



Na última Copa do Mundo, de tanto tentar cavar faltas, Neymar Cai-Cai passou mais tempo deitado no gramado do que exibindo em campo a expertise que o consagrou no esporte bretão. Guardadas as devidas proporções, a estratégia do craque tem sido emulada por ninguém menos que nosso conspícuo presidente, Jair Messias Bolsonaro.

Quando não cava pênaltis a favor do adversário, o “mito” cava a própria cova no jogo político, fazendo uma sucessão de gols-contra jamais vista na história de um país onde faltam máscaras para os profissionais da saúde e leitos para os doentes, mas abundam políticos ignóbeis, despreparados e corruptos, bem como descerebrados munidos de título de eleitor e vocacionados a fazer sempre as piores escolhas. Junte-se a fome à vontade de comer e...

Nunca na história deste país tivemos um estadista na presidência. Talvez Rui Barbosa ou o Barão do Rio Branco pudessem ser considerados como tal, mas nenhum deles presidiu o Brasil. Em contrapartida, populistas vicejaram como ervas daninhas. Getúlio VargasJânio Quadros, Fernando Collor e Lula são apenas alguns dos muitos exemplos, além, é claro, do atual inquilino do Palácio do Planalto — avalizado por quase 48 milhões de votos.

Observação: Bolsonaro foi eleito devido a uma conjunção de fatores. Entre os mais determinantes, vale citar a competência do advogado Gustavo Bebianno e do publicitário Marcos Carvalho na articulação e coordenação da campanha, mas também pesaram, e muito, a ação do dublê de garçom e esfaqueador Adélio Bispo de Oliveira, e o tradicional brilhantismo do eleitorado tupiniquim. Resumido o leque de postulantes ao bonifrate do criminoso Lula e seu maior opositor, à parcela pensante da população restou uma de duas singelas opções: votar em branco, anular o voto ou simplesmente se abster (como fizeram 42 milhões de eleitores), ou unir forças com os bolsomínions, não para eleger o capitão, mas para impedir o retorno do PT. Claro que ninguém imaginava (não àquela altura) a que ponto chegariam as aleivosias bolsonarianas. Nem a turminha do “quanto pior, melhor”, que pintava com as cores do Apocalipse de João uma possível vitória do truculento, racista, misógino, homofóbico, fascista e desnaturado candidato do PSL. Mas até aí, como dizia o saudoso João Gilberto, “vaia de bêbado não vale”.    

Na sequência sobre a renúncia de Jânio Quadros — que comecei a publicar em meados de abril, mas não conclui devido à enxurrada de crises bolsonarianas —, relembrei que o dito cujo pediu o boné com a esperança de ser reconduzido ao cargo por aclamação popular e, empoderado, pintar e bordar sem interferência do Congresso. Além de mal sucedido, seu plano megalômano deu azo a uma aventura parlamentarista que durou 15 meses e pavimentou o caminho para o golpe de 1964 e os subsequentes 21 anos de ditadura militar.

Lembrei também o gradual processo de abertura política, a rejeição da emenda pró-diretas (Dante de Oliveira), a eleição indireta de Tancredo Neves e a morte inesperada e inoportuna daquele que levou consigo para o túmulo a esperança de milhões de brasileiros, e deixou-lhes de herança José Sarney, oligarca da política de cabresto nordestina e eterno donatário da Capitania do Maranhão. Discorri sobre a desditosa gestão desse macróbio (hoje com 90 anos e afastado da vida pública, embora ainda influente na política), que terminou com a inflação batendo às portas dos 2.000% ao ano. Na sequência, dediquei algumas linhas à eleição solteira de 1989, na qual os brasileiros voltaram a escolher seu presidente pelo voto direto (o que não acontecia desde 1960). E aqui abro um parêntese para algumas reflexões:

A eleição de 2018 foi, sob muitos aspectos, semelhante à de 1989. Em ambas houve mais de vinte postulantes à presidência; ambas foram decidias no segundo turno pelos dois candidatos diametralmente opostos no espectro político-ideológico; ambas foram vencidas pelo representante da direita, filiados, em ambas as ocasiões, a partidos nanicos e inexpressivos; ambos agitaram a bandeira da moralidade e posaram de inimigos figadais da corrupção e dos corruptos. Mas ambos eram populistas e farsantes (se me perdoam a redundância), e não demorou para que suas máscaras caíssem. 

O candidato do PT e seus satélites seria derrotado outras duas vezes antes de finalmente se eleger, mas sua ambição desmedida, seu ego gigantesco e seu espúrio projeto de se eternizar no poder foram sua perdição. O impeachment da gerentona de araque, que o imprestável escolheu para manter o trono aquecido até que ele próprio pudesse voltar a ocupá-lo pontofinalizou 13 anos, quatro meses e doze dias de roubalheira lulopetista. Mesmo condenado em dois processos, réu em pelo menos outros oito e inelegível até 2035, o demiurgo de Garanhuns se fez representar por um patético bonifrate no pleito do 2018. Mas deu no que deu. 

Voltando aos candidatos eleitos, o de 1989 foi denunciado por corrupção e renunciou horas antes de ser cassado (sua ideia era preservar ao menos os direitos políticos, mas o Congresso os caçou mesmo assim). O atual... bem, ele ainda é inquilino dos Palácio do Planalto e todos o conhecemos bem — e vamos conhecendo cada vez melhor, pois dia sim, outro também, surgem novidades nada abonadoras sobre essa alma perturbada. E assim fecho o parêntese.

No capítulo mais recente da série sobre a renúncia de Jânio, foquei o vice do impichado em 1992 — Itamar Franco —, que só escapou da liquidação quando finalmente promoveu o grão duque tucano FHC a ministro da Fazenda e primeiro-ministro informal, resignando-se a posar de presidente decorativo. Considerando que certas coisas tendem a se repetir de forma cíclica, Bolsonaro que se cuide: Rodrigo Maia vem acompanhado atentamente o esvoaçar dos urubus que rondam o Planalto, atraídos pelo cheiro da putrefação que emana do que não demora a se tornar os restos mortais deste governo.

Infelizmente, faltou-me tempo para tratar dos dois mandatos de FHC, das gestões de Lula e Dilma, do mandato-tampão (completado a duras penas) do vampiro do Jaburu e da ascensão (e possível queda iminente) do mau militar e parlamentar medíocre que ocupa atualmente o gabinete mais cobiçado do Palácio do Planalto, cujas ignomínias me impediram de concluir a sequência inacabada. Mas fá-lo-ei assim que der. Antes de encerrar, mais algumas linhas e outras tantas considerações.

Enquanto o STF exibe um leque de cartões amarelos a Bolsonaro, o incorrigível, o presidente da Câmara continua sentado sobre trinta e tantos pedidos de impeachment — a pretexto de o momento não ser oportuno; afinal, estamos em plena pandemia da Covid-19 e amargando uma crise econômica madrasta. Mas o capitão se aproveita da pusilanimidade dos outros poderes para tentar agigantar os próprios.

O ministro Alexandre de Moraes suspendeu a nomeação do delegado Alexander Ramagem para o comando da PF, o que provocou uma enxurrada de críticas do presidente ao Supremo e ao Congresso em manifestações subversivas de apoiadores, articuladas sabe Deus por quem. Vale lembrar que ao “desnomear” o delegado camarada o próprio Bolsonaro propiciou a perda de objeto da ação que o PDT apresentou e sobre a qual Moraes decidiu. No final da tarde da última segunda-feira, porém, sua insolência nomeou e empossou, na surdina e a toque de caixa, o delegado Rolando de Souza, braço direito de Ramagem.

O coordenador nacional do MBL, Rubens Alberto Gatti Nunes, entrou com ação popular junto à 8ª Vara Federal Cível do Distrito Federal pedindo a suspensão imediata da nomeação. Na ação, Nunes alega que o presidente escolheu “terceiro alinhado a seus interesses escusos, como ficou evidenciado em seu primeiro ato após empossado” — a troca no comando da PF do Rio, área de interesse de Bolsonaro e seus filhos — e classifica a manobra como uma 'patente burla' à decisão do ministro Alexandre de Moraes, que barrou a nomeação de Ramagem, de quem a Folhagem, digo, o delegado Rolando é pessoa de confiança, o que caracteriza intenção evidente de manter a influência do primeiro indicado, cuja nomeação foi anulada

Nunes pede ainda a suspensão imediata da nomeação de em caráter liminar e no mérito, além da declaração de nulidade do ato de nomeação do novo diretor-geral da PF, alegando que o 'perigo de dano é iminente' sob o argumento de que a nomeação de Rolando coloca em risco a continuidade de investigações em andamento, especificamente no caso dos filhos do Presidente da República, além de parlamentares investigados e mencionados pelo próprio Requerido em mensagem ao Ministro Moro.

Bolsonaro está preocupado com investigações, sobretudo o inquérito das fake news, que poderia atingir seus filhos e até mesmo servidores que atuam no chamado gabinete do ódio. Também lhe causam apreensão a investigação de fatos em tese delituosos envolvendo a organização de atos antidemocráticos e a apuração sobre as rachadinhas no antigo gabinete do filho Zero Um na Alerj.

"Indiscutivelmente a medida em comento (a nomeação de Rolando) apunhala não apenas os princípios da moralidade e legalidade, mas a moral de todo brasileiro o qual deposita a confiança e fé nas instituições públicas e as vê sendo vilipendiadas por interesses familiares em favor do "Rei", que se porta acima de tudo, acima do bem e do mal e imune às normas legais vigentes no país", alega o coordenador do MBL. A AGU se manifestou nos autos, pedindo a intimação da Procuradoria-Regional da União da 1ª Região para que seja apresentada manifestação prévia sobre o pedido de tutela antecipada.

Após ser empossado, Rolando convidou o superintendente do Rio, Carlos Henrique Oliveira, para assumir a direção-executiva da PF, o que o coloca como número dois do novo diretor. A promoção (que foi um "cair para cima", como se diz no jargão político) foi vista por delegados como uma forma 'estratégica' de trocar o comando da Polícia Federal fluminense. No pedido enviado a Justiça, Nunes aborda parte dos desdobramentos do pedido de demissão do ex-ministro Sérgio Moro

"O problema é que nas conversas com o presidente e isso ele me disse expressamente, que o problema não é só a troca do diretor-geral. Haveria intenção de trocar superintendentes, novamente o do Rio, outros provavelmente viriam em seguida, como o de Pernambuco, sem que fosse me apresentado uma razão para realizar esses tipos de substituições que fossem aceitáveis", disse o ex-ministro da Justiça, ao pedir demissão do cargo.

A superintendência no Rio foi pivô da primeira crise entre o Moro e o presidente ainda em 2019. A troca na chefia é um dos pontos centrais do inquérito sobre as acusações feitas pelo ex-ministro a Bolsonaro. Na última segunda-feira, como foi mencionado na postagem anterior, Aras solicitou ao decano do STF uma série de diligências no âmbito da investigação, incluindo a oitiva de delegados envolvidos na crise entre Moro e Bolsonaro no ano passado. Nos bastidores, Bolsonaro disse que não compraria mais uma briga com o Supremo depois que o ministro Alexandre viu “desvio de finalidade” naquela indicação. Volto a frisar que Moraes também investiga as manifestações subversivas organizadas por apoiadores de Bolsonaro e tem sob sua alçada o inquérito das fake news.

Na prática, uma tempestade perfeita se forma na direção de Bolsonaro. As nuvens trazem crise política misturada à turbulência econômica, além de uma grave pandemia de coronavírus no meio do caminho. “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre”, afirmou Bolsonaro no último dia 28, ao responder a perguntas de repórteres sobre o fato de o Brasil ter ultrapassado a China em número de mortes pela Covid-19.

Desde que Moro deixou o governo, levantando suspeitas de que o presidente tinha (e pelo visto continua tendo) interesse em interferir politicamente na PF, tudo parece levar ao agravamento da sucessão de crises. Agora, o problema não é apenas “cortar o combustível do Posto Ipiranga”, como disse o ex-ministro da Fazenda Delfim Netto em entrevista à Coluna Direto da Fonte, de Sonia Racy. O mais grave é que o próprio Bolsonaro, insuflado pela ala ideológica do governo, joga gasolina na crise. Apesar de desconfiar de tudo e de todos, espalhando até boatos para aliados, com o intuito de identificar quem “vaza” notícias no Planalto, o capitão é cego como uma toupeira quando se trata de enxergar tempestades de grandes proporções no horizonte. Mas sua visão é acurada como a de um falcão quando se trata de ver conspirações (reais ou imaginárias). “É muita trovoada para pouca chuva”, resumiu o presidente. Só que não.


Se a troca de Moro por André Mendonça no Ministério da Justiça foi bem recebida no Supremo, o mesmo não se deu com a substituição de Valeixo na PFBolsonaro já admitiu mais uma vez que sempre cobrou de Moro relatórios diários de inteligência, sob o argumento de que precisa de informações para administrar o País. Disse, ainda, que a Abin lhe repassava esses dados. “Não é justo um presidente viver numa situação dessas. Eu não quero saber de inquérito de ninguém. Não estou sendo investigado”, disse ele. Não estava, mas agora está. Na segunda-feira, 27, o ministro Celso de Mello autorizou abertura do inquérito, e no sábado passado Moro prestou depoimento durante mais de oito horas, além de fornecer seu celular para que sejam feitas cópias da troca de mensagem entre ele e o presidente e a deputada Carla Zambelli (para não espichar ainda mais esta postagem, veja trechos do conteúdo do depoimento do ex-ministro neste link).

Ao se dirigir a apoiadores que rezavam por ele (?!) na portaria do Palácio da Alvorada, na noite do último dia 28, Bolsonaro calibrou o discurso de campanha. “Eu sou uma das pessoas que mais apanham. Dói no coração”, reclamou. Antes de se despedir, pediu que os jornalistas se apressassem nas perguntas. “Se não a mulher me cobra aí. E eu vou dormir na casa do cachorro”, afirmou, rindo.

Uma coisa são os pecados e as virtudes do presidente Bolsonaro. Outra, muito diferente e que pode afetar diretamente os interesses dos cidadãos brasileiros, é o que vai realmente acontecer com sua presidência — algo que pode se resumir, no fundo, a uma pergunta só: ele fica ou ele sai? A primeira coisa é a mais debatida, claro, com paixão, som e fúria. Mas presidentes da República, segundo estabelece a lei, não saem do palácio por causa daquilo que fazem de mal, e nem ficam por causa do que fazem de bem. Saem ou ficam segundo a decisão específica que o Congresso tomar a esse respeito. Não vale a pena perder tempo olhando para outro lugar; se você perde a chave do carro no jardim, não vai encontrar nunca se for procurar no quintal. É ali, no plenário da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, que tudo vai se resolver.

No mesmo dia em que o Brasil ultrapassou a China em número de mortos pela Covid-19, a Secretaria de Comunicação da Presidência postou mensagem sobre “números amplamente positivos” do combate à doença no Placar da Vida. Com um solavanco atrás do outro na República, ninguém se arrisca a prever as cenas do próximo capítulo.

Bolsonaro não será julgado pelo que dizem os analistas políticos, a sociedade civil ou o Tribunal Internacional de Haia; será julgado por 513 deputados e 81 senadores, no Congresso Nacional.

Com Correio Brasiliense e J.R. Guzzo