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terça-feira, 5 de agosto de 2025

A QUINTESSÊNCIA DA PARVOÍCE

MAIS VALE ACENDER A VELA QUE AMALDIÇOAR A ESCURIDÃO. 

Einstein estava coberto de razão quando disse (se é que disse) que o Universo e a estupidez humana são infinitos. Além de estúpidas, as pessoas são eternamente insatisfeitas. Muitas reclamam pelo simples prazer de reclamar; outras, por não saberem que o ótimo é inimigo do bom, que a perfeição é um ideal e a imperfeição, a realidade; que nem sempre se alcança a excelência perseguindo a perfeição; e que "bom o bastante" já está de bom tamanho.

 

Isso sem falar numa seleta confraria de "saudosistas". Ter saudade dos bons momentos que se foram — não voltam mais, a menos que as viagens no tempo se tornem realidade — é uma coisa; dizer que a vida era melhor nos tempos da ditadura é outra. Sobretudo quando quem declama essa "pérola do nonsense" nasceu depois de 1985.

 

Em Ensaio sobre a cegueira, José Saramago — Nobel de Literatura em 1998 — anotou que o pior tipo de cegueira é a mental. Isso explica por que os eleitores brasileiros fazem a cada dois anos o que Pandora fez uma única vez. Ou por que milhares de lunáticos são favoráveis à anistia de Bolsonaro — quiçá o pior mandatário desde Tomé de Souza. Ou por que outros tantos acreditam que a autoproclamada alma viva mais honesta do Brasil foi declarada inocente — quando, na verdade, suas condenações transitadas em julgado foram anuladas a pretexto de uma suposta incompetência territorial que o ministro Edson Fachin, relator dos processos da finada Lava Jato no STF, já havia rejeitado uma dezena de vezes.

 

Depois do golpe de 1964 e dos subsequentes 21 anos de ditadura, os brasileiros reconquistaram o direito de votar para presidente. Em 1989, a despeito de nomes como Ulysses Guimarães, Leonel Brizola e Mário Covas figurarem entre os 22 itens do cardápio, Collor e Lula foram escolhidos para disputar o segundo turno. O pseudocaçador de marajás derrotou o desempregado que deu certo, mas foi impichado em 1992. Fernando Henrique derrotou Lula em 1994 e 1998, mas a vitória deste sobre José Serra em 2002 deu início a 13 anos, quatro meses e 12 dias de jugo lulopetista.

 

Em 2018, um combo de mau militar e parlamentar medíocre, travestido de patriota e empunhando a bandeira de salvador da pátria, foi eleito para evitar que o Brasil fosse presidido pelo preposto-bonifrate do então presidiário mais famoso do país. Acabou que sua péssima administração e seu viés golpista deram azo à "descondenação" do xamã petista, que retornou ao Palácio do Planalto em 2023 porque reeleger Bolsonaro seria ainda pior. Em qualquer democracia que se desse ao respeito, esse refugo da escória da humanidade teria sido deposto da Presidência. Mas faltou combinar com os chefes de turno da Câmara — Rodrigo Maia e Arthur Lira arquivaram mais de 140 pedidos de impeachment — e com o antiprocurador-geral Augusto Aras — que fez ouvidos moucos a dezenas de denúncias por crimes comuns durante a pandemia de Covid. E deu no que está dando.

 

Inconformado com a derrota nas urnas, Bolsonaro articulou um golpe de Estado para se perpetuar no poder. A intentona não prosperou por falta de adesão incondicional das Forças Armadas, mas o Estado Democrático de Direito, gravemente ferido, ainda amarga as sequelas do golpe fracassado e do funesto 8 de janeiro. O uso da tornozeleira eletrônica e as demais medidas cautelares impostas pelo STF deixaram-no a um passo de uma eventual prisão preventiva. O julgamento que decidirá seu futuro (bem como o de sete integrantes do alto comando do golpe) deve ocorrer no mês que vem, e a condenação (que pode ultrapassar 40 anos de reclusão) é tida como favas contadas.


Observação: O Ministro Alexandre de Moraes decretou a prisão domiciliar do inelegível, golpista e traidor da pátria por descumprir as medidas cautelares definidas pelo STF. Com isso, o ex-presidente não poderá sair de casa nem mesmo antes das 19h, tornando as nossas ruas mais seguras.


Ainda assim, milhares de lunáticos descerebrados continuam atendendo aos chamados do pastor Silas Malafaia, do presidente do PL e do líder do partido na Câmara. No último domingo, cerca de 37 mil abilolados ocuparam duas quadras da mais paulista das avenidas para pugnar por uma inconcebível e inadmissível anistia — bem menos que os 185 mil de fevereiro de 2024, mas mais que o dobro dos que compareceram ao ato de 29 de junho deste ano na mesma avenida. E como nada é tão ruim que não passa piorar, 33 senadores são favoráveis ao impeachment de Alexandre de Moraes, 29 são contra e 19 seguem indecisos (segundo levantamento feito por sites alinhados com a direita radical). 

 

Nos 134 anos de história do STF, nunca um ministro perdeu a toga por causa de um processo de impeachment — mas para tudo há uma primeira vez. Some-se a isso as ações do filho 03 do ex-presidente e do neto do último ditador do regime militar, que resultaram no "tarifaço" decretado pelo chefe da Casa Branca contra o Brasil — não por razões econômicas, mas como retaliação pela suposta “caça às bruxas” que o STF estaria promovendo contra Bolsonaro, seus cúmplices e demais "milicianos" da direita radical.

 

As sanções impostas ao Brasil e o cerco financeiro a Moraes — passível de ser estendido a outros ministros do STF — demonstram que não se pode desdenhar da aptidão de certos seres deformados para produzir o mal, além de evidenciarem que é justo — e até “ameno” — o rigor da Corte com uma escória que foi capaz de engendrar planos de prisão e assassinatos para tentar não só contrariar a vontade popular expressa em eleição livre, mas também derrubar os preceitos de democracia reconquistada a duríssimas penas.

 

O “Brasil acima de tudo” é uma balela, como restou demonstrado na ofensiva da direita extremada liderada por Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo. Os dois foram subestimados enquanto a crítica à rigidez do STF, da PF e da PGR na condução da investigação e do julgamento dos crimes de lesa-pátria foi superdimensionada. Mas nunca é tarde para corrigir o rumo da abordagem dos acontecimentos que desembocam num fato: de um lado, há infratores; de outro, operadores da lei. Não é difícil escolher junto a qual tipo de vizinhança devemos nos postar.

 

A Justiça, ainda que cega, tem seus meios — e a política, ainda que polarizada, seus próprios métodos — para extirpar de seu seio os criminosos de alto coturno. A despeito do êxito momentâneo dos conspiradores, o efeito pode ser temporário se os brasileiros conseguirem reconhecer o risco de dar asas a cobras que, tratadas com complacência, voltarão a atacar. Resta ao eleitorado primar pelo discernimento na hora do voto, deixando Pandora e sua caixa na mitologia grega, que é o lugar ao qual elas pertencem.

terça-feira, 29 de julho de 2025

LENDAS, MITOS E TEORIAS DA CONSPIRAÇÃO

O SUCESSO TEM MUITOS PAIS, MAS O FRACASSO É ORFÃO

Aprendemos na escola que Santos Dumont foi o "Pai da Aviação", criou o relógio de pulso e se suicidou ao ver sua invenção (o avião, não o relógio de pulso) ser usada para fins bélicos. No entanto, na maioria dos países dos 7 continentes (que eram cinco nos meus tempos de estudante) a invenção do avião é atribuída aos irmãos norte-americanos Wilbur e Orville Wright.

 

O inventor brasileiro ganhou projeção mundial em 1901, ao contornar a Torre Eiffel a bordo de um balão dirigível. Quando ele realizou o primeiro voo homologado pela Federação Aeronáutica Internacional com seu icônico 14-Bis, os irmãos Wright já haviam patenteado o Flyer e voado com ele dezenas de vezes. Chauvinistas inconformados alegavam que a engenhoca dependia de uma espécie de catapulta para decolar, mas os irmãos demonstraram que sua criação era capaz de decolar sem o auxílio de tais artifícios.


CONTINUA DEPOIS DA POLÍTICA


A ideia de que Bolsonaro dirige os rumos da direita brasileira vai se tornando uma das ilusões mais persistentes da mitologia política contemporânea. Ele ainda projeta uma aparência de liderança — multiplicada pela presença de sua facção nas redes sociais —, mas seu poder efetivo é declinante. 

Aos poucos, o projeto de unificação das forças de direita em torno de uma hipotética candidatura presidencial de Tarcísio de Freitas vai se dissipando. Diante da teimosia de Bolsonaro, que finge não estar inelegível, líderes conservadores tocam seus próprios planos. Depois de Ronaldo Caiado, primeiro líder de direita a se lançar na corrida presidencial, entrará na disputa Romeu Zema. Seu nome será lançado pelo partido Novo, em 16 de agosto. Ironicamente, a candidatura de Zema nascerá sob as barbas de Tarcísio, em São Paulo. 

Em política, quem não ambiciona o poder vira alvo. Mas quem só ambiciona o poder erra o alvo. Depois do golpe falhado, Bolsonaro tinha dois objetivos estratégicos: não ser preso e continuar dando a impressão de que comanda. Sua margem de manobra é mínima. 

Com o tarifaço de Trump ou sem ele, a condenação deve chegar em setembro. Enquanto finge que faz e acontece, o "mito" dos apatetados tenta se equilibrar em meio ao entrechoque das forças que disputam o seu espólio. Só que, ao invés de governá-las, ele começa a ser governado por elas — e se dar por satisfeito com a promessa de um futuro indulto.

 

Por estar com as mãos ocupadas controlando seus balões, Santos Dumont tinha dificuldade em ver as horas no relógio de bolso, e pediu ao amigo joalheiro Louis Cartier que adaptasse uma pulseira de couro ao maior relógio feminino de sua coleção. Mas isso não faz dele o inventor do relógio de pulso — na melhor das hipóteses, pode-se dizer que ele contribuiu para a adoção do acessório pelo público masculino. 

 

Acredita-se que o primeiro relógio de pulso tenha sido encomendado pela irmã de Napoleão Bonaparte ao relojoeiro Abraham-Louis Bréguet, ou criado pelos fundadores da relojoaria suíça Patek-Phillipe — embora haja registros de que Robert Dudley, 1º Conde de Leicester, presenteou a rainha Elizabeth I, em 1571, com um pequeno relógio de bolso atrelado a uma delicada pulseira de couro.

 

Santos Dumont foi encontrado morto em 23 de julho de 1932, no quarto 151 do Grande Hotel La Plage, em Guarujá (SP), mas a causa da morte no atestado de óbito foi posteriormente alterada para "parada cardíaca". A versão segundo a qual o uso bélico do avião levou-o a se matar não passa de uma lenda urbana consolidada durante o período getulista, e a história de que ele teria ficado inconsolável quando foi abandonado por Jorge Dumont Villares — um sobrinho com quem ele supostamente mantinha um relacionamento íntimo — permanece no campo da especulação. Até sua alegada homossexualidade é questionada por alguns biógrafos, que mencionam sua paixão pela socialite Yolanda Penteado e um affair com a cantora lírica Bidu Sayão.

 

Todo fato tem ao menos três versões — a sua, a minha e a verdadeira — e todos temos direito às nossas versões, mas não aos nossos próprios fatos. Quando as versões se sobrepõem aos fatos, surgem mitos, boatos e teorias da conspiração. Mitos são lendas criadas para explicar a origem do mundo e transmitir crenças sobre o desconhecido (o Gênesis é um bom exemplo), enquanto boatos são narrativas baseadas em informações não verificadas e transmitidas oralmente (até serem rebatizadas de fake news e disseminadas via aplicativos de mensagens e posts nas redes sociais). Já as teorias da conspiração associam eventos políticos ou sociais a esquemas secretos orquestrados por grupos poderosos — e o fato de carecerem de comprovação sustentável não as torna menos convincentes para quem quer acreditar.

 

Einstein ensinou que o Universo e a estupidez humana são infinitos; Saramago, que o pior tipo de cegueira é a cegueira mental. Aristóteles — e outros e outros filósofos gregos antes dele — concluíram que a Terra era esférica ao observar a sombra projetada sobre a Lua durante os eclipses lunares. No entanto, a despeito das milhares de fotos tiradas do espaço — e até da superfície lunar —, 8% dos brasileiros acreditam que a Terra é plana. 

 

Nos EUA, de 2% a 4% dos adultos defendem categoricamente o terraplanismo e 9% expressam dúvidas sobre a esfericidade do nosso planeta. A má notícia é que conteúdos terraplanistas geram três vezes mais engajamento nas redes sociais do que conteúdos científicos sobre o formato da Terra, e a péssima é que um em cada quatro americanos não sabe que a Terra gira em torno do Sol — vale lembrar que Copérnico propôs o heliocentrismo no século XVI, mas a Igreja Católica só aceitou oficialmente esse modelo no início do século XX.

 

Outra sandice que ainda persiste surgiu em 1969, a reboque da alunissagem da Apollo 11. Há várias versões, mas todas acusam a NASA de ter encenado a farsa na Área 51 — ou no deserto de Mojave, ou no Atacama. Segundo os conspiracionistas, os seis desembarques tripulados realizados entre 1969 e 1972 foram falsificados, e os doze astronautas jamais pisaram na Lua, a despeito de cinco das seis bandeiras americanas espetadas lá continuarem em pé — ironicamente, a deixada pela Apollo 11 foi derrubada pelo escapamento do foguete de decolagem.

 

A "tremulação" da bandeira espetada por Neil Armstrong, que leva água ao moinho dos teóricos da conspiração — pois "só seria possível se houvesse vento" —  decorreu do manuseio pelos astronautas, que introduziram uma haste na borda horizontal superior da bandeira para manter o pano estendido. Já a ausência de estrelas nas fotos deveu-se à configuração das câmeras, ajustadas para capturar a superfície lunar iluminada pelo Sol. As "sombras inexplicáveis", atribuídas ao uso de refletores, resultaram da combinação entre o solo acidentado e a perspectiva das fotos, e os supostos reflexos de "objetos estranhos" nos visores dos capacetes são perfeitamente compatíveis com o equipamento que os astronautas carregavam.
 
As missões Apollo foram acompanhadas por observadores independentes que verificaram as transmissões ao vivo e os sinais de rádio vindos da Lua. Além disso, 382 kg de rochas lunares foram analisados por cientistas de todo o mundo, e imagens de alta resolução feitas por sondas e telescópios modernos mostram claramente os locais de pouso — incluindo marcas dos módulos lunares e equipamentos deixados para trás na superfície.

 

Cerca de 400 mil pessoas (entre astronautas, engenheiros, técnicos, etc.) e centenas de empresas (como Lockheed e a Boeing) participaram, direta ou indiretamente, do projeto Apollo, e nenhuma prova concreta de fraude surgiu em 56 anos. A antiga URSS tinha tecnologia para rastrear foguetes e interceptar comunicações da NASA, e expor a suposta fraude seria uma vitória propagandística gigantesca durante a Guerra Fria. Seu silêncio, nesse contexto, é mais uma prova da veracidade da alunissagem.

 

Refletores a laser deixados na Lua continuam sendo usados por observatórios como o de Apache Point (EUA) para medir a distância Terra-Lua com precisão milimétrica. Mais de 40 países — incluindo a Rússia — analisaram amostras lunares e atestaram sua composição única (sem água, com isótopos de oxigênio inexistentes na Terra). Além disso, manter milhares de pessoas caladas por décadas exigiria subornos ou ameaças perpétuas — basta uma aposentadoria, um desligamento ou uma crise de consciência para desmoronar tudo.

 

Os negacionistas sustentam sua narrativa em supostas falhas ou inconsistências, argumentando, inclusive, que a tecnologia para enviar missões tripuladas à Lua era insuficiente para enviar missões tripuladas à Lua, e que o Cinturão de Van Allen, as erupções solares, o vento solar, as ejeções de massa coronal e os raios cósmicos tornariam tais viagens impossíveis. O astrônomo Phil Plait, autor do premiado blog "Bad Astronomy", tem um post específico em que desmascara não apenas o caso da bandeira, mas várias outras falaciosas repetidas por conspiracionistas. 

 

Mesmo assim, os teóricos da conspiração afirmam que tudo foi simulado, com a suposta participação do cineasta Stanley Kubrick. A maioria dessas teorias foi desconstruída pelos apresentadores do programa "MythBusters", que até usaram uma câmara de vácuo para desbancar as teorias. Mas o povo "do contra" não se convence: segundo eles, o programa é patrocinado pela NASA.

 

O físico David Grimes, da Universidade de Oxford (UK), concebeu uma equação levando em conta o número de conspiradores envolvidos (411 mil funcionários da NASA) e o tempo transcorrido desde o evento, e concluiu que alguém fatalmente teria dado com a língua nos dentes depois de 3,7 anos. Bill Kaysing (pai da teoria da fraude) jamais trabalhou na NASA — era redator técnico em uma contratante —, e Bart Sibrel (documentarista) pagou astronautas para "jurar sobre a Bíblia" — e levou um soco de Buzz Aldrin. Nenhum cientista, engenheiro ou astronauta envolvido jamais confirmou a fraude, mesmo diante de ofertas milionárias.

 

Pode-se levar um burro até o riacho, mas não se pode obriga-lo a beber. Da mesma forma, argumentar com quem acredita nessas patacoadas é como dar remédio a defunto. À luz da Navalha de Ockham — conceito filosófico segundo o qual, diante de várias explicações possíveis para um fenômeno, a mais simples costuma ser a correta — a alunissagem foi real porque a física, a política e a psicologia humana tornam a fraude virtualmente impossível. 

 

Enfim, cada um pode acreditar no que quiser. Se tanta gente ainda acredita que Lula foi absolvido e que Bolsonaro é um patriota de mostruário...

quinta-feira, 5 de junho de 2025

O PAÍS DA CORRUPÇÃO — O POST SCRIPTUM DA DESILUSÃO

EXISTEM MAIS GALINHAS COM DENTES DO QUE PESSOAS DE BEM NA POLÍTICA.

Em 1889, um golpe de Estado (o primeiro de muitos) extinguiu a monarquia constitucional parlamentarista do Império e instituiu o presidencialismo republicano. A partir de então, o Brasil teve sete Constituições. 

As Cartas de 1946, 1967 e de 1988 admitiam a reeleição para o cargo de presidente, mas o retorno só era possível após o mandato de outro presidente. Durante o discurso de promulgação da Carta de 1988, o então presidente da Câmara salientou que ela não era perfeita, como ela própria o confessava ao admitir a possibilidade de reforma. De fato: nas três décadas seguintes, seis emendas constitucionais de revisão e 135 ordinárias transformaram a "Constituição Cidadã" numa verdadeira colcha de retalhos.

Embora a tradição constitucional brasileira buscasse evitar a perpetuação no poder, o então presidente Fernando Henrique, picado pela mosca azul, moveu mundo$ e fundo$ em prol da aprovação da PEC da Reeleição. A proposta reduziu o mandato presidencial de cinco para quatro anos e passou a permitir um segundo período consecutivo (um terceiro só pode ser disputado após um intervalo de quatro anos). Como quem parte, reparte e não fica com a melhor parte é burro ou não tem arte, o tucano de plumas vistosas se reelegeu em 1998, derrotando Lula já no primeiro turno.

De todos os presidentes eleitos pelo voto popular desde a redemocratização, FHC talvez tenha sido o “menos pior”, ainda que o escândalo da compra de votos das “marafonas da Câmara” tenha manchado seu currículo e escancarado o uso da máquina pública para fins de autopreservação política. Para o bem ou para o mal, ele inaugurou a lista dos presidentes reeleitos, da qual somente Bolsonaro ficou de fora (lembrando que Itamar e Temer foram vices promovidos a titulares). 

Collor foi o primeiro presidente eleito diretamente desde 1960 — e também o primeiro a sofrer impeachment. Dilma foi a segunda penabundada, mas acabou recompensada por Lula com a presidência do Banco do BRICS (com salário anual de meio milhão de dólares) e anistiada politicamente pela Comissão de Anistia do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Além do perdão, madame recebeu uma indenização de R$ 100 mil e um pedido de desculpas feito em nome do Estado brasileiro pela presidente da comissão. Só falta agora seu criador e mentor ser canonizado em vida.

No último dia 21, a CCJ do Senado aprovou o fim da reeleição para os cargos de prefeito, governador e presidente da República. Se for chancelada pelo plenário e chancelada pela Câmara, a proposta representará uma mudança significativa não apenas na percepção dos parlamentares, mas também da população, que não vê com bons olhos a perspectiva de Lula, à frente de um governo tão populista quanto impopular, disputar um quarto mandato.

Em 1997, a popularidade de FHC contribuiu para que as críticas à PEC da Reeleição se restringissem a parte da imprensa e meia dúzia de analistas políticos. Todavia, sem novos coelhos para tirar da velha cartola, não conseguiu emplacar seu sucessor. Lula derrotou Serra em 2002 e, a despeito do escândalo do mensalão, venceu Alckmin em 2006 e escalou Dilma para manter aquecida a poltrona que ele queria reconquistar em 2014. Mas a cria pegou gosto pelo poder e, cumprindo a promessa de fazer o diabo para se reeleger, derrotou Aécio em 2010 (por uma margem apertada de 3% dos votos válidos). 

Sem o escudo da Presidência, Lula acumulou duas dúzias de processos criminais, foi condenado em julho de 2017, preso em abril de 2018, solto em novembro de 2019, reabilitado politicamente por togas camaradas e brindado com um inédito terceiro mandato em 2022. No entanto, mesmo torrando bilhões em medidas populistas e nitidamente eleitoreiras, sua aprovação despencou — e deve cair ainda mais devido ao esquema de fraudes no INSS.

Entre outros motivos para rejeitar a reeleição estão o uso da máquina pública em período de campanha e a necessidade de renovação nos quadros políticos. Mas o maior culpado pelo processo que está tramitando no Congresso é o próprio Lula, que terá 81 anos em 2026 (se ainda estiver caminhando entre os vivos, naturalmente) e, mesmo assim, insiste em forçar mais uma candidatura.

Negar o óbvio, vestir os fatos com a roupagem brilhante das versões e dar piruetas para defender o indefensável se tornaram práticas comuns na política tupiniquim. Cito como exemplo o contorcionismo de Bolsonaro (por desespero), de seus advogados (por dinheiro), de seus correligionários (por conveniência) e de seus apoiadores (por terem menos miolo que um pão francês).

Outro exemplo é a tentativa do governo de empurrar com a barriga a instalação de uma CPI para investigar as fraudes no INSS. A ideia é que o avanço das investigações e uma fórmula mágica para devolver o dinheiro às vítimas tornem a CPI desnecessária. Mas a demora resultará apenas na mudança do nome da encrenca, que passará a se chamar CPI da Sucessão

Para completar, em menos de 24 horas. numa bola dividida desnecessária, Haddad desmentiu seu número dois ao negar que tivesse discutido a elevação do IOF com o presidente do Banco Central. Apenas seis horas depois do anúncio, a meia-volta foi enfiada às pressas numa postagem no Xwitter. Na manhã seguinte, o ministro voltou ao centro do picadeiro para explicar que o recuo se deveu a uma “necessidade técnica”.

Por sorte dessa choldra, os eleitores repetem a cada dois anos, por cegueira mental, o que Pandora fez uma única vez, por curiosidade. Não fosse assim, estariam todos na fila do auxílio-desemprego.

sexta-feira, 16 de maio de 2025

O BRASIL DA CORRUPÇÃO — 5ª PARTE

A CERTIDÃO DE NASCIMENTO DE ALGUMAS PESSOAS DEVERIA INCLUIR UM PEDIDO DE DESCULPAS DO FABRICANTE DE PRESERVATIVOS.

 

Toda escolha tem consequências — e as consequências vêm depois, como ensinou o Conselheiro Acácio. No entanto, a Interpretação de Muitos Mundos da mecânica quântica propõe a existência de inúmeros universos paralelos, onde toda decisão ou evento quântico que ocorre no nosso se desdobra em múltiplas realidades paralelas, cada uma com um desfecho diferente.

Talvez em algum desses universos Sergio Moro continue juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba e Lula continue cumprindo as penas que lhe foram impostas nos processos do tríplex e do sítio. Talvez até os eleitores de lá não façam a cada dois anos, por ignorância, o que Pandora fez, uma única vez, por curiosidade, nem mantenham bandidos de estimação na cúpula do poder público. 

No nosso Brasil, a corrupção começou nos tempos coloniais, prosperou durante o Império e cresceu exponencialmente depois que um golpe de Estado trocou a monarquia parlamentarista por um presidencialismo republicano. A Lava-Jato (2014–2020) foi um ponto fora da curva, mas não há mal que sempre dure nem bem que nunca termine.

Quando membros do Clã Bolsonaro e alguns ministros do STF entraram no radar do MPF, a força-tarefa, que já era criticada pela banda podre do Congresso, passou a ser questionada pela alta cúpula do Judiciário. Bolsonaro, que fez campanha prometendo pegar em lanças no combate à corrupção, "acabou com Lava-Jato porque 'não tinha mais corrupção no governo'", e a "vaza-jato" (clique aqui para mais detalhes) jogou a derradeira pá de cal. 

Em julho de 2020, o antiprocurador-geral Augusto Aras produziu a seguinte pérola: “O lavajatismo há de passar.” Na época, o chefe do executivo responsável por sua indicação estava incomodado com o avanço das investigações sobre as rachadinhas do filho Flávio, e o pau mandado não poupou esforços para exterminar a maior operação anticorrupção da história, que expôs as entranhas pútridas do mensalão e do petrolão.  
 
A Lava-Jato foi encerrada em São Paulo em setembro de 2020, no Paraná, em fevereiro de 2021, e no Rio de Janeiro, no final do mês seguinte. Com a inestimável colaboração do ministro Gilmar Mendes, lulismo e bolsonarismo ficaram livres dos processos decorrentes da operação — assim como velhos tucanos, caciques do Centrão e empresários amigos do ministro que recebeu a toga de FHC. Mas não há nada como o tempo para passar.
 
Semanas atrás, Felipe Moura Brasil escreveu: "Cinco anos depois [do sepultamento da operação], o legado de provas materiais e testemunhais coletado pela força-tarefa voltou a produzir efeitos e embaraços no mundo real." Mas convém ir devagar com o andor. É fato que Collor foi preso no final do mês passado; também é fato que, menos de uma semana depois, foi autorizado a cumprir a pena em seu apartamento de R$ 9 milhões, na orla de Maceió.
 
Embora Collor tenha dito na audiência de custódia que não toma nenhum medicamento de uso contínuo, seus advogados argumentaram que ele é idoso, sofre de doença de Parkinson, apneia do sono grave e transtorno afetivo bipolar. Gonet e Xandão acreditaram. Resta saber se vão engolir também a tese de que o crime de corrupção passiva prescreveu.
 
E assim seguimos neste universo, onde a corrupção é cíclica, corruptos cumprem suas penas em mansões e apartamentos com vista para o mar e os contribuintes bancam essa putaria franciscana. Em algum outro mundo, talvez a justiça talvez seja cega; no nosso, a cegueira é seletiva, ou seja, nossa Themis sabe exatamente o que não deve enxergar.
 
Jobim disse que "o Brasil não é para principiantes", e Millôr, que "o país do futuro tem um enorme passado pela frente". Enquanto houver eleitores idiotas, haverá parlamentares fisiologistas e corruptos; enquanto houver foro privilegiado, haverá ministros que confundem toga com manto sagrado. Se nada mudar — e tudo indica que nada vai mudar no curto prazo —, o futuro continuará sendo apenas uma repetição burlesca do passado.
 
Continua... 

quarta-feira, 14 de maio de 2025

O BRASIL DA CORRUPÇÃO — 4ª PARTE: A DEMOCRACIA DOS IDIOTAS

OS INTELIGENTES APRENDEM COM A PRÓPRIA EXPERIÊNCIA; OS SÁBIOS APRENDEM COM A EXPERIÊNCIA DOS OUTROS, E OS IDIOTAS... OS IDIOTAS NUNCA APRENDEM.

Umberto Eco ensinou que a Internet promoveu os idiotas da aldeia a portadores da verdade; Tiago Paiva observou que só existem influencers porque existem "idioters"; e Nelson Rodrigues profetizou que os idiotas vão dominar o mundo — não pela capacidade, mas pela quantidade. 

Na Grécia Antiga, a palavra ηλίθιος designava os cidadãos que não se interessavam por assuntos públicos. Como ficar à margem da vida pública erva visto como sinal de ignorância, o termo ganhou a conotação negativa que nossos dicionários registram.
 
No início do século 20, os psicólogos franceses Alfred Binet e Theodore Simon calculavam o QI com base na capacidade das crianças de realizar tarefas como apontar para o nariz e contar moedas. Pessoas com QI abaixo de 70 eram consideradas "idiotas", e assim a palavra passou a ser usada em contextos jurídicos e psiquiátricos.
 
Em tese, os "idiotas" que não se interessam por política são governados por quem se interessa. Na prática, porém, existe o perigo de o idiota levar sua idiotice para a esfera pública e fazer como os eleitores brasileiros, que repetem a cada dois anos, por ignorância, o erro que a curiosidade levou Pandora a cometer uma única vez. 
 
A idiotice clássica consistia em ignorar a vida pública, mas a contemporânea é participar dela com tribalismo irracional e fé dogmática. José Saramago alertou que a pior cegueira é a mental, dos cegos que veem mas não enxergam. Nas redes, a polarização virou espetáculo: tanto à esquerda como à direita há mais briga de torcida do que debate, e essa polarização transformou o Brasil pós-ditadura num bestiário político. Senão vejamos:
 
Sarneyícone da oligarquia e da política de cabresto nordestina — deu início à farra da governabilidade fisiológica. 

Collor embrulhado no papel vistoso de "caçador de marajás" — revelou-se um farsante narcisista. 

Itamar é lembrado mais pelo topete — e pela foto icônica ao lado de uma modelo sem calcinha — do que por sua contribuição para o Plano Real. 

Fernando Henrique destoou, mas sucumbiu à vaidade do poder e vendeu a alma ao demônio da reeleição

Lula, o desempregado que deu certo, inaugurou a era da "narrativa acima dos fatos". 

Dilma, a gerentona de araque, lavou o país ao colapso econômico com frases tão herméticas quanto sua gestão.

Temer, o vampiro do Jaburu que encerrou a fase dos garranchos verbais, manteve a política no mesmo pântano de sempre.

Bolsonaro, o mix de mau militar e parlamentar medíocre, fez do negacionismo e do golpismo sua marca registrada.
 
Mancomunada com a cegueira mental, a polarização transformou esse desfile de desqualificados em santos de pés de barro (ou bandidos de estimação, como queiram) para suas torcidas. 

Os idiotas de direita gritam "volta, mito"; os idiotas de esquerda respondem com "viva, companheiro". Todos cegos. Cegos que veem, mas não enxergam.

Continua...

domingo, 11 de maio de 2025

FRALDINHA EM DOSE DUPLA

É IMPOSSÍVEL GUARDAR UM SEGREDO. QUANDO A BOCA SE CALA, FALAM AS PONTAS DOS DEDOS.

 

Um dos motivos da queda de popularidade de Lula é a inflação dos alimentos, que somou 162% nos últimos 12 anos. Só em 2024, os preços registraram uma alta média de 7,69%, superando a inflação oficial do país, que ficou em 4,83% (segundo o IPCA), e a tendência para os próximos meses é de alta.

Enquanto procura os "pilantras dos ovos", o petista leva os lábios ao trombone para avisar que o preço da carne baixou. Mas não é o que se vê quando se vai a um açougue ou supermercado. Quando eu redigi este post, o site do Extra anunciava picanha Bassi por R$ 89 o quilo, e filé mignon, maminha e coxão-mole por R$ 80, R$ 71,90 e R$ 48,90 o quilo, respectivamente. 

CONTINUA DEPOIS DA POLÍTICA

Saramago ensinou que a pior cegueira é a mental, e a sabedoria popular, que não adianta trocar as rodas da carroça quando o problema é o burro. 
A reforma ministerial de Lula parece ter sido concebida por um cego — ou por um mandatário do século XIV, segundo a lógica das sesmarias e das capitanias hereditárias: os partidos conservam territórios na Esplanada mesmo que os prepostos anteriores tenham se revelado técnica ou moralmente incapazes. 
A petista Márcia Lopes confirmou que seria a nova chefe do Ministério das Mulheres antes que seu nome fosse formalizado, e foi empossada sem que Lula explicasse qual incapacidade motivou o afastamento de sua antecessora, a também petista Cida Gonçalves. 
No mês passado, quando o deputado Pedro Lucas, do União Brasil, se desnomeou ministro do Ministério das Comunicações dias depois de sua indicação vir a público, Lula manteve a pasta como feudo do mesmo partido. Isso depois de ter nomear Frederico Siqueira filho (réu por improbidade em Pernambuco) para o lugar de Juscelino Filho (denunciado ao STF por corrupção). Ambos são afilhados políticos do presidente do Senado, Davi Alcolumbre. 
Acossado pelo escândalo do assalto contra os aposentados, Lula trocou seis por meia dúzia ao substituir Carlos Lupi, mandachuva do PDT, pelo segundo na hierarquia da pasta, Wolney Queiroz, que era deputado do mesmo partido. Ambos sabiam da fraude desde 2023 e pouco ou nada fizeram a respeito.
Há quase tudo nas mexidas ministeriais de Lula, exceto lógica e interesse público. Ao se mobilizar para atrapalhar a tramitação de um requerimento de CPI do INSS, o governo sinaliza que tem algo a esconder. 
A falha, que atinge justamente os vulneráveis de quem o macróbio se diz protetor, envolve sindicatos — agremiações com identificação petista —, reaviva lembranças de crimes do passado e cria um enrosco monumental para os planos de reeleição para 2026. Como se não bastasse, a AGU deixou de fora dos bloqueios de bens pelo menos quatro entidades citadas pela PF, entre as quais, o Sindnapi, que tem como vice-presidente Frei Chico, que não é frei nem se chama Francisco, mas é irmão de Lula.
Triste Brasil. 

Coxão-mole rende bons bifes acebolados, embora fique devendo no quesito "maciez". Patinho tem preço equivalente e é excelente moído, corado em cubinhos para strogonoff e em bifes à milanesa, mas não é a melhor opção para bifes grelhados e acebolados. Já a fraldinha é um corte de segunda macio e suculento, bom para assar na churrasqueira ou no forno e grelhado em bifes na frigideira. Seu preço é semelhante ao do coxão mole e do patinho nos supermercados; mas sobe para R$ 80 na Bassi e R$ 99 na versão sem gordura da Swift.
 
Fraldinha na frigideira não tem mistério; basta cortá-la em bifes médios (cerca de dois dedos de espessura), dourar de 2 a 4 minutos de cada lado, em fogo alto usando, a gordura de sua preferencia (manteiga, azeite ou uma mistura dos dois) e temperar com sal e pimenta-do-reino a gosto. 
 
Na pressão, 
não coloque água. Regue o fundo da panela com um fio de azeite, coloque a carne com a gordura virada para baixo, cubra com rodelas de cebola, tempere com pimenta-do-reino moída na hora (ou pimenta calabresa), sal refinado, alho espremido e azeite a gosto,  tampe a panela, leve ao fogo alto e conte 35 minutos a partir do momento em que a válvula começar a soltar vapor.
 
Transfira a carne para uma travessa, corte em fatias de 1,5 cm, cubra com as rodelas de cebola, regue com o molho que sobrou no fundo da panela e sirva com o acompanhamento que preferir — arroz branco, salada de folhas, farofa, batatas fritas, etc. 

Bom apetite.