EXISTEM MAIS GALINHAS COM DENTES DO QUE PESSOAS DE BEM NA POLÍTICA.
Em 1889, um golpe de Estado (o primeiro de muitos) extinguiu a monarquia constitucional parlamentarista do Império e instituiu o presidencialismo republicano. A partir de então, o Brasil teve sete Constituições.
As Cartas de 1946, 1967 e de 1988 admitiam a reeleição para o cargo de presidente, mas o retorno só era possível após o mandato de outro presidente. Durante o discurso de promulgação da Carta de 1988, o então presidente da Câmara salientou que ela não era perfeita, como ela própria o confessava ao admitir a possibilidade de reforma. De fato: nas três décadas seguintes, seis emendas constitucionais de revisão e 135 ordinárias transformaram a "Constituição Cidadã" numa verdadeira colcha de retalhos.
Embora a tradição constitucional brasileira buscasse evitar a perpetuação no poder, o então presidente Fernando Henrique, picado pela mosca azul, moveu mundo$ e fundo$ em prol da aprovação da PEC da Reeleição. A proposta reduziu o mandato presidencial de cinco para quatro anos e passou a permitir um segundo período consecutivo (um terceiro só pode ser disputado após um intervalo de quatro anos). Como quem parte, reparte e não fica com a melhor parte é burro ou não tem arte, o tucano de plumas vistosas se reelegeu em 1998, derrotando Lula já no primeiro turno.
De todos os presidentes eleitos pelo voto popular desde a redemocratização, FHC talvez tenha sido o “menos pior”, ainda que o escândalo da compra de votos das “marafonas da Câmara” tenha manchado seu currículo e escancarado o uso da máquina pública para fins de autopreservação política. Para o bem ou para o mal, ele inaugurou a lista dos presidentes reeleitos, da qual somente Bolsonaro ficou de fora (lembrando que Itamar e Temer foram vices promovidos a titulares).
Collor foi o primeiro presidente eleito diretamente desde 1960 — e também o primeiro a sofrer impeachment. Dilma foi a segunda penabundada, mas acabou recompensada por Lula com a presidência do Banco do BRICS (com salário anual de meio milhão de dólares) e anistiada politicamente pela Comissão de Anistia do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Além do perdão, madame recebeu uma indenização de R$ 100 mil e um pedido de desculpas feito em nome do Estado brasileiro pela presidente da comissão. Só falta agora seu criador e mentor ser canonizado em vida.
No último dia 21, a CCJ do Senado aprovou o fim da reeleição para os cargos de prefeito, governador e presidente da República. Se for chancelada pelo plenário e chancelada pela Câmara, a proposta representará uma mudança significativa não apenas na percepção dos parlamentares, mas também da população, que não vê com bons olhos a perspectiva de Lula, à frente de um governo tão populista quanto impopular, disputar um quarto mandato.
Em 1997, a popularidade de FHC contribuiu para que as críticas à PEC da Reeleição se restringissem a parte da imprensa e meia dúzia de analistas políticos. Todavia, sem novos coelhos para tirar da velha cartola, não conseguiu emplacar seu sucessor. Lula derrotou Serra em 2002 e, a despeito do escândalo do mensalão, venceu Alckmin em 2006 e escalou Dilma para manter aquecida a poltrona que ele queria reconquistar em 2014. Mas a cria pegou gosto pelo poder e, cumprindo a promessa de fazer o diabo para se reeleger, derrotou Aécio em 2010 (por uma margem apertada de 3% dos votos válidos).
Sem o escudo da Presidência, Lula acumulou duas dúzias de processos criminais, foi condenado em julho de 2017, preso em abril de 2018, solto em novembro de 2019, reabilitado politicamente por togas camaradas e brindado com um inédito terceiro mandato em 2022. No entanto, mesmo torrando bilhões em medidas populistas e nitidamente eleitoreiras, sua aprovação despencou — e deve cair ainda mais devido ao esquema de fraudes no INSS.
Entre outros motivos para rejeitar a reeleição estão o uso da máquina pública em período de campanha e a necessidade de renovação nos quadros políticos. Mas o maior culpado pelo processo que está tramitando no Congresso é o próprio Lula, que terá 81 anos em 2026 (se ainda estiver caminhando entre os vivos, naturalmente) e, mesmo assim, insiste em forçar mais uma candidatura.
Negar o óbvio, vestir os fatos com a roupagem brilhante das versões e dar piruetas para defender o indefensável se tornaram práticas comuns na política tupiniquim. Cito como exemplo o contorcionismo de Bolsonaro (por desespero), de seus advogados (por dinheiro), de seus correligionários (por conveniência) e de seus apoiadores (por terem menos miolo que um pão francês).
Outro exemplo é a tentativa do governo de empurrar com a barriga a instalação de uma CPI para investigar as fraudes no INSS. A ideia é que o avanço das investigações e uma fórmula mágica para devolver o dinheiro às vítimas tornem a CPI desnecessária. Mas a demora resultará apenas na mudança do nome da encrenca, que passará a se chamar CPI da Sucessão.
Para completar, em menos de 24 horas. numa bola dividida desnecessária, Haddad desmentiu seu número dois ao negar que tivesse discutido a elevação do IOF com o presidente do Banco Central. Apenas seis horas depois do anúncio, a meia-volta foi enfiada às pressas numa postagem no Xwitter. Na manhã seguinte, o ministro voltou ao centro do picadeiro para explicar que o recuo se deveu a uma “necessidade técnica”.
Por sorte dessa choldra, os eleitores repetem a cada dois anos, por cegueira mental, o que Pandora fez uma única vez, por curiosidade. Não fosse assim, estariam todos na fila do auxílio-desemprego.