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quarta-feira, 27 de março de 2024

O BRASIL VIROU UMA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA

 

No Rio, a criminalidade transbordou das bocas de fumo e escritórios da milícia para os palácios Guanabara e Laranjeiras — sede do governo estadual e residência oficial do governador respetivamente. Quando era deputado federal, Jair Bolsonaro ocupou a tribuna da Câmara para elogiar milicianos — gente que despia a farda de policial nas horas vagas para vender segurança a preços módicos a comerciantes e moradores das áreas conflagradas. Na campanha de 2018, ensaiou um lamento: "As milícias tinham plena aceitação popular, mas depois acabaram se desvirtuando, passaram a cobrar “gatonet” e gás". 


Faltou mencionar o transporte clandestino e as construções ilegais, mas, vindo de que tinha a seu redor o ex-sargento da PM Fabrício Queiroz e o ex-capitão do BOPE Adriano da Nóbrega, o lapso de memória foi compreensível. (Queiroz se livrou da cadeia graças ao prestígio dos amigos nos tribunais superiores de Brasília, e Adriano foi fuzilado no interior da Bahia.)

 

Pegando carona na campanha do "mito" à Presidência e prometendo extinguir a corrupção "mirando na cabecinha" dos bandidos, o ex-juiz Wilson Witzel se elegeu governador, mas acabou deposto por desvio de verbas da saúde. Antes disso, seu antecessor Luíz Fernando Pezão armou com Temer a tal intervenção federal cenográfica na segurança do estado fluminense.


Marielle Franco e seu motorista foram assassinados em março de 2018. No último domingo — ou seja, 6 anos de 10 dias depois — a PF concluiu o inquérito e prendeu os irmãos Brazão e o ex-chefe da Polícia Civil fluminense Rivaldo Barbosa, apontados como "mentores intelectuais" da execução. O crime ocorreu dois dias depois que o então presidente Michel Temer decretou intervenção federal na Segurança Pública do Rio de Janeiro sob o general Braga Netto (que viria a ser candidato a vice-presidente na chapa encabeçada por Bolsonaro em 2022).

 

Os irmãos que estrelaram o epílogo escrito pela PF para o caso frequentavam o rol dos suspeitos desde o início das investigações, mas foram blindados por um delegado que se dizia "amigo" da vítima enquanto era remunerado pela milícia. A "federalização" do inquérito, sugerida pela então procuradora-geral Raquel Dodge e pelo então ministro da Segurança Pública Raul Jungmann, se deu somente em fevereiro de 2023, quando o ministro Flávio Dino guindou a elucidação do caso ao patamar de "questão de honra" e impôs à PF o desafio de provar que não existe crime perfeito, mas crime mal investigado. 

 

Ironicamente, a familia de Marielle guerreou pela manutenção das apurações no âmbito estadual, levando água ao moinho dos criminosos, que assim conseguiram embaralhar as investigações por seis anos. Em setembro de 2019, no apagar das luzes de sua gestão, Dodge tornou a requisitar a federalização ao STF — foro do conselheiro do TCE-RJ Domingos Brazão —, mas seu pedido tornou a ser indeferido.  Quando Dino finalmente incluiu a PF no jogo, os executores Ronnie LessaÉlcio Queiroz já estavam presos, e os "mentores" Domingos e Chiquinho Brazão eram tratados como suspeitos de encomendar a execução.

 

A PF não partiu do zero ao ser acionada por Dino. Mesmo o envolvimento do delegado Rivaldo Barbosa — que chegou a consolar a família de Marielle após o crime — já era cogitado havia pelo menos cinco anos, e em 2019 o atual superintendente da PF no Rio, Leandro Almada — que havia coordenado uma investigação das obstruções que travavam a elucidação do caso — anotou em seu relatório que a atuação de Rivaldo merecia ser averiguada (o policial era suspeito de receber R$ 400 mil para acobertar o crime). Dias atrás, o ministro Ricardo Lewandowski — que substituiu Dino na pata da Justiça — revelou à imprensa que o Supremo havia homologado a delação premiada de Ronnie Lessa —o criminoso acusado de puxar o gatilho — e que a solução do assassinato se daria em breve.  

 

A presença de personagens que frequentavam a cena do prefácio do crime ao epílogo da investigação evidencia que: 1) as relações promíscuas entre criminosos, autoridades e o aparato policial produzem um câncer que carcome as entranhas do Estado, tornando-o coautor do crime; 2) o tumor não será extirpado sem a participação do governo federal. Nesse contexto, a elucidação tardia deveria ser considerada não como o fim, mas como o início de um processo de reestatização do combate ao crime organizado no Brasil. Falta esclarecer a motivação — que Lewandowski apenas tangenciou de forma primária. 


A prisão dos mentores intelectuais impôs a mudança do letreiro da novela "Quem mandou matar Marielle?" para "Quem vai reestatizar a segurança pública no Rio de Janeiro?". Até porque a PF revelou um segredo de polichinelo: não há organizações criminosas no Brasil; o Brasil é uma organização criminosa de dimensões continentais. 


Domingos e Chiquinho Brazão ocupam respectivamente as funções de conselheiro do TCE-RJ e deputado federal, os "executores" Ronnie Lessa e Élcio Queiroz são egressos da PM, e Rivaldo Barbosa — o chefe de polícia que deveria elucidar os homicídios — não só estava no bolso dos milicianos como foi nomeado para o cargo pelo general Braga Netto, então interventor federal na segurança do Rio e atual coadjuvante do inquérito em que arde o alto-comando da intentona bolsonarista. 

 

Domingos foi de deputado estadual a conselheiro de contas em 2015 com o aval do presidente da Alerj, o deputado André Ceciliano, do PT. Eclético, o atual chefe da Secretaria de Assuntos Federativos do terceiro governo Lula já fez campanha no RJ para Dilma e Bolsonaro. O irmão Chiquinho, que se elegeu deputado em coligação com o governador bolsonarista Claudio Castro e pedia aval à Justiça Eleitoral para migrar do União Brasil para o Republicanos (ambos compõem a coligação de Lula), foi expulso do UB antes de sentar praça na nova legenda. Até o mês passado, o parlamentar integrava o secretariado do prefeito Eduardo Paes, mas reassumiu a cadeira na Câmara ao saber que Ronnie Lessa levara os lábios ao trombone numa delação à PF


Observação: Ronnie Lessa e Élcio Queiroz prestavam serviço ao Escritório do Crime, estruturado ex-PMs major Ronald Paulo Pereira e capitão Adriano da Nóbrega — ambos homenageados na Alerj com menções honrosas propostas pelo então deputado estadual Flávio Bolsonaro, em cujo gabinete o miliciano enfiou uma ex-mulher e a mãe.

 

As travas que retardaram a elucidação do caso escancararam as entranhas do relacionamento promíscuo entre a criminalidade e o aparato estatal no RJ. As milícias aderiram à lógica das coalizões, dominaram territórios e passaram a controlar o voto, eleger bancadas e indicar prepostos para cargos públicos — não só na área de segurança. Lula, que rompeu a inércia quando autorizou Dino a colocar a PF no encalço dos criminosos, deveria aprofundar o serviço capitaneando um movimento pela reestatização da segurança — não só no Rio, mas também outras praças. Resta saber se terá ousadia compatível com o tamanho da empreitada.

 

A volta de Mauro Cid para a cadeia sugere que a denúncia de Bolsonaro e de seus cúmplices militares e paisanos na "suposta" tentativa de golpe de Estado seja mera questão de tempo. O ex-capitão é alvo de 7 investigações no STF, das quais três, incluindo a do cartão de vacina, correm dentro do chamado "inquérito das milícias digitais". Os crimes imputados a ele pela PF têm pena de até 15 anos de prisão


Na Presidência, Bolsonaro se comportava como um suicida didático; agora, assombrado pela perspectiva de uma prisão que já enxerga como incontornável, deixa-se filmar esboçando algo muito parecido com uma rota de fugaNa última segunda-feira, o jornal The New York Times revelou que ele se hospedou na embaixada da Hungria em Brasília quatro dias depois que o ministro Alexandre de Moraes mandou recolher seu passaporte. Constrangido pela divulgação das imagens, o "mito" confirmou que passou dois dias lá, "conversando com autoridades da Hungria". Considerando que apenas 20 minutos separam sua residência em Brasília do prédio da embaixada, fica difícil revestir de lógica uma desculpa tão esfarrapada, incapaz de deter a maledicência segundo a qual o ex-verdugo do Planalto se equipa para pedir asilo diplomático ao déspota húngaro Viktor Orbán, a quem já chamou de "irmão".


Observação: Convocado a dar explicações sobre o caso, o embaixador da Hungria no Brasil, Miklos Halmai papagueou a versão apresentada por Bolsonaro. Segundo fontes do Itamaraty, o diplomata ficou trocando mensagens pelo celular com seus superiores durante toda a entrevista (que durou 20 minutos). Mas a pergunta é: alguém esperava alguma coisa diferente?


Ninguém em sã consciência deixa tantas pistas óbvias, mas Bolsonaro, como uma caricatura que foge ao controle de si mesma, antecipa a rota de fuga. Para deixar o Brasil, ele precisaria de um salvo-conduto do governo. Negando-o, Lula estimularia os devotos do mito a erguerem suas barracas no setor de embaixadas de Brasília. Tanto didatismo submete esse dejeto da escória da humanidade ao risco de amargar antes da hora uma prisão preventiva que o STF prefere evitar.

terça-feira, 26 de março de 2024

DANDO NOME AOS BOIS (PARTE 4)

 

Na festa do 44º aniversário do PT os desafios da legenda foram insinuados na lista de presentes e ausentes. Abaixo de Lula e respectiva cuidadora destacaram-se José Dirceu e Delúbio Soares — uma dupla com um enorme passado pela frente — e o vice Geraldo Alckmin, que até anteontem dizia que eleger Lula era promover a volta do criminoso à cena do crime. A ausência mais notada foi a de Fernando Haddad, cuja aprovação pelo mercado financeiro cresceu de 43% para 50% desde o final do ano passado, enquanto a rejeição de seu chefe disparou de 52% para 64% no mesmo período.

 

O PT foi fundado em 1980 com o propósito de fazer política sem roubar nem deixar roubar, mas fez da corrupção a pedra fundamental do projeto de poder de seu xamã. Embora os petistas se valessem desde sempre da experiência secular dos comunistas em aparelhamento do Estado para disseminar a corrupção nas prefeituras administradas pelo bando, o fedor de podre só contaminou a atmosfera quando Roberto Jefferson, o barítono do Mensalãodenunciou o que acontecia nos porões palacianos. 

 

Durante as gestões de Lula e Dilma os cofres públicos foram saqueados pela mais vil agremiação de ladrões que já rastejou pelo Planalto. Além de enriquecer os envolvidos e ensejar a distribuição de bilhões em propina na forma de caixa 1, caixa 2, dinheiro vivo, depósitos em contas secretas e vantagens dissimuladas, o dinheiro pilhado bancou as campanhas presidenciais de 2006, 2010 e 2014. 


Resumo da ópera: Mensalão e Petrolão transformaram o "partido do futuro" em "partido do 'faturo'", e adubaram a semente do bolsonarismo. 


Na campanha de 2022, Lula anunciou que seu terceiro mandato seria o último. Eleito, voltou a acalentar o sonho da reeleição. Em tese, Haddad seria a melhor escolha para renovar o arco democrático que se formou em 2022, mas Lula sempre sufoca lideranças emergentes que tenham potencial para lhe fazer sombra, e assim se torna uma "palmeira hegemônica e solitária no gramado da esquerda".


Lula já culpou a OTAN e o presidente Zelensky pela invasão da Ucrânia, garantiu Putin não seria preso durante sua visita ao Brasil e fez malabarismos para não culpá-lo pela morte do opositor Alexei Navalny. Ele próprio enviou uma carta ao Kremlin parabenizando o déspota pela "vitória" (com receio de que um apoio expresso do Itamaraty aumentasse ainda mais a reprovação de seu governo). Criticou o trabalho do presidente do BC na calibragem da política monetária e ameaçou intervir na Petrobras e na Vale (derrubando em bilhões o valor de mercado das duas maiores empresas do país). 


ObservaçãoA ingerência do governo em companhias abertas vem contribuindo para azedar ainda mais o humor de investidores em relação ao Brasil. Analistas do banco de investimentos Goldman Sachs recomendam a troca de ações de estatais brasileiras por ações de empresas privadas depois que o intervencionismo do governo superou o desequilíbrio nas contas públicas no ranking dos principais riscos no Brasil. 


Na Segurança, a percepção sobre a força do crime organizado não mudou com Dino e tudo indica que não mudará sob Lewandowski. Se a economia foi bem, o desemprego diminuiu, o PIB cresceu e inflação ficou sob controle, não foi graças a Lula, mas apesar dele. E a sensação de melhora ainda não se disseminou entre as pessoas que vão à feira e ao supermercado. Incumbido de desenvolver estratégias para mudar, o marqueteiro baiano Sidônio Palmeira (que atuou na campanha de 2022) precisará da ajuda dos Orixás para de moldar com fumaça a jabuticaba do presidente, já que não existem árvores dando frutos na paisagem.]


Parecendo acreditar que sua impopularidade se deve a "problemas de comunicação", Lula manda seus 38 ministros baterem o bumbo, como se houvesse grandes coisas a alardear. Na reunião do último dia 18, a ministra da Saúde deixou a sala em prantos. Os responsáveis pela Comunicação Social e pela Justiça e Segurança Pública também ficaram sob a mira do chefe. Alguém deveria lembrar o presidente de que as pessoas não se transformam no que não são, e que cabe a ele combinar os atributos dos escolhidos às funções a serem exercidas.


A percepção sobre a força do crime organizado não mudou com Flávio Dino e, pelo que tudo indica, vai mudar sob Lewandowski, que vem vinha tentando de tudo para demonstrar sua serventia. O tudo não quis nada com ele até domingo, quando uma operação da PF resultou na prisão de três supostos mandantes do assassinato de Marielle Franco. Quanto à perseguição aos foragidos da penitenciária de Mossoró — que, segundo o ministro, "está se desenvolvendo com êxito" —, basta dizer que já se passaram 40 dias e foram gastos mais de R$ 6 milhões sem que o paradeiro dos fugitivos se tornasse menos incerto e mais sabido.

 

Na terceira gestão da tal "palmeira hegemônica" — que terá 81 anos quando e se iniciar seu tão sonhado quarto mandato — o PT sobrevive ao presente reciclando o passado. As manifestações que partidos, sindicatos e movimentos sociais identificados com o governo petista realizaram no último sábado foram dispersas e pulverizadas em duas dezenas de cidades. O contraponto com o ato em que Bolsonaro lotou sete quadras Avenida Paulista em fevereiro foi instantâneo. Lula farejou o cheiro de queimado e declinou do convite de ornamentar o fiasco com sua presença, mas não se livrou do contraponto político: no plebiscito do asfalto, a esquerda lulista levou água para o monjolo da estratégia bolsonarista.


Atormentado com o cerco criminal das investigações sobre o golpe, as joias e os cartões de vacina, Bolsonaro oscila entre dois papéis. Nos inquéritos da PF, faz a pose do fraquinho perseguido; em seu rolê pelo país, exibe o figurino do cabo eleitoral com musculatura para mobilizar a rua contra sua prisão — que, tudo indica, é mera questão de tempo. Quando a sentença chegar, ela será cumprida, mas o bolsonarismo não irá para a cadeia com seu "mito". A hipótese de convulsão social é um delírio do ex-presidente golpista, mas sua militância, que continua nas patas do coice, dificilmente voltará para a garrafa, até porque a pior cegueira é a mental e o pior cego é o que não quer enxergar. 


Onde há política, há cisão. Dividir para conquistar é uma tática usada desde sempre por facínoras, ditadores e populistas. Nos EUA — paradigma dos países democráticos —, Donald Trump voltou à cena atacando os imigrantes e culpando Biden pelas "onze pragas do Egito". Por estas bandas, Lula continua praticando ad nauseam o execrável "nós x eles" que inaugurou em 2002. Bolsonaro foi gestado e parido pela mesma polarização que ressuscitou o pontifex maximus da Petelândia, e ambos se retroalimentam do ódio que disseminam. 


O "coisa" e seus baba-ovos não passam um sem atacar o lulopetismo, seja com meias verdades, seja com mentiras grotescas. Lula, o PT e seus satélites respondem à altura — isso quando não disparam o primeiro petardo. Para quem está a uma distância segura desse patético furdunço, chega a ser divertido ver as torcidas organizadas duelando por seus bandidos de estimação, comparando Mensalão e Petrolão com rachadinha, golpe de Estado, falsificação de documentos, contrabando de joias e por aí afora. Lobotomizados pela polarização e cegos pelo fanatismo, essa escumalha só enxerga crimes quando quando quem os comete está "do outro lado da balcão".


Ao atiçar a polarização, Lula se distancia do "eleitor mediano" que o ajudou a subir a rampa pela terceira vez impedir a morte matada da democracia. Com suas manifestações chochas, a petralhada fornece doses extras da seiva vital que mantém vivos o bolsonarismo e o antipetismo, num círculo vicioso que só o diabo sabe como, quando e se vai terminar. 


Quem tem dois neurônios minimamente funcionais sabe que "a turma de cima" não caiu do céu — políticos demagogos, populistas e corruptos não brotam por geração espontânea, mas pelo voto dos apedeutas — e que há distinção entre "eles" e "nós", apenas uma separação eminentemente oportunista. 


Triste Brasil.

domingo, 28 de janeiro de 2024

COMO NUVENS NO CÉU DO INFERNO

 

Não é mero chavão a máxima de que a política é como nuvem: a gente olha e ela está de um jeito; olha de novo e ela já mudou. Em matéria de eleição, convém não tomar cenários antecipados como definitivos nem pesquisas como oráculos de Delfos. No quadro pré-eleitoral da capital paulista, por exemplo, a entrada de novos e significativos personagens em cena indica a possibilidade de reviravoltas na disputa aparentemente consolidada entre Guilherme Boulos, apadrinhada por Lula, e Ricardo Nunes, que o governador bolsonarista Tarcísio de Freitas disse apoiar incondicionalmente. 
 
As bolas se dividiram quando Bolsonaro se referiu a Ricardo Salles como "prefeito", e Tábata Amaral embolou o meio de campo ao chamar o José Luiz Datena para sua décima filiação partidária. Desistente contumaz, o apresentador diz que agora está "com as pessoas certas", referindo-se a Geraldo Alckmin, que já se posicionou na linha de frente de Tábata na arena oposta a Lula, e este
 atraiu Marta Suplicy de volta às origens. 
 
Foi tudo, menos amigável o desembarque de Marta do staff de Nunes para apoiar seu principal adversário. Será tudo, menos amigável, a campanha que se avizinha tendo à frente o xamã do PT e o mix de mau militar e parlamentar medíocre que superou Dilma no ranking dos piores mandatários desta banânia desde Tomé de Souza

A despeito das correntes comparações da volta da ex-prefeita ao PT com a adesão de Alckmin ao campo de Lula em 2022, a realidade não autoriza tal paralelo. O ex-tucano, que militou a vida inteira no PSDB e foi adversário de Lula em duas disputas presidenciais (chegando mesmo a dizer que eleger o petista era reconduzir o criminoso à cena do crime), fez uma transposição diante da emergência de atração do centro, na qual uma figura de perfil marcadamente de centro-direita teria (como teve) condições reais de conquistar parte do eleitorado resistente ao PT

Agora, sem a urgência nacional de antes, o conceito de frente ampla perdeu força. Marta, cuja marca sempre foi de esquerda, volta ao curso original, o que torna duvidoso o efeito desejado de suavização na imagem de Boulos e ampliação significativa do terreno a ser ocupado. Em suma, foi uma boa jogada, mais ainda não está claro se foi certeira.
 
Nunca se viu uma eleição para alcaide paulistano com presidente e vice adversários e petistas sem candidatura própria. Nem com o PSDB fora do jogo. Outrora dominantes no território, os tucanos vivem a indecisão de ir com Nunes, embarcar na canoa de Tábata ou defender seu legado com Andrea Matarazzo. Como se sabe, os emplumados são tão indecisos que 
mijam no corredor se o imóvel tem mais de um banheiro. 
 
Nem a esquerda nem a direita têm interesse na pacificação dos ânimos, pois a moderação não é eleitoralmente sexy. Políticos se movem ao ritmo da demanda dos que lhes dão votos, e estes não se mostram inclinados a aderir à calmaria celebrada na teoria, mas rejeitada na prática. 

No final do ano passado, 90% dos eleitores de Lula e de Bolsonaro continuavam apegados às escolhas de 2022. Nesse universo, 30% declaram-se petistas convictos, 25% estão com o "mito" e não abrem, 10% se dizem mais próximos do petismo e 7% transitam na área de influência do bolsonarismo. Os ditos neutros, também chamados de "isentões", somam míseros 21%. 
 
Nenhum dos dois lados dá chance ao centro, que, desprovido de sex appeal, não faz sua parte no esforço da conquista. Segue como sujeito oculto das vitórias e derrotas eleitorais. Aos chefes das torcidas, interessa-lhes manter a galera
 mobilizada enquanto pregam a união de todos (desde que seja em torno de si). Lula não teria vencido sem a ajuda dos chamados neutros, e agora não tem força para caminhar com as próprias pernas.
 
Com Dora Kramer 

sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

A SAGA DOS VICES

 

Nesta quinta-feira, os EUA anunciaram exercícios militares na Guiana, o que foi interpretado por Maduro como uma provocação. No dia seguinte, o tiranete assinou uma série de decretos para transformar Essequibo num estado venezuelano, aumentado a especulação sobre a possibilidade de um conflito armado na fronteira com o Brasil. O ministro da Defesa, José Múcio, disse que o território brasileiro não será usado por tropas estrangeiras.

Após ser derrotado por Collor em 1989 e por FHC em 1994 e 1998, Lula venceu Serra (2002) e Alckmin (2006), fez sua sucessora em 2010, reelegeu-a em 2014, foi preso em 2018 e, em 2022, amancebou-se com seu mais novo amigo de infância para impedir a reeleição do pior mandatário desde Tomé de Souza

A maioria dos esclarecidíssimos eleitores tupiniquins compreendeu que se livrar do "mito" era fundamental, mas não entendeu que conceder um terceiro mandato ao ex-presidiário era opcional. Para piorar, 9 de cada 10 eleitores mal sabem o nome do segundo na chapa, e esse desdém pode resultar em encrencas de bom tamanho  como em 1985, quando o Brasil foi dormir com Tancredo Neves e acordou com José Sarney (foi o túnel no fim da luz, sintetizou o saudoso Millôr Fernandes).

No Brasil, vice-presidentes, vice-governadores e vice-prefeitos não são votados, vêm no pacote com os respectivos titulares. Sei de gente que ajudou a eleger um candidato apesar do vice de turno, mas não conheço uma viva alma que votou no titular por simpatizar com o reserva. 

Em 2018, mesmo dispondo de vasta vitrine televisiva, Alckmin não decolou. No modo desespero, recorreu a uma mensagem sincericida: "Pra vencer o PT e a sua turma no segundo turno, o candidato é Geraldo Alckmin, mesmo que você não simpatize tanto com ele." Mas não funcionou. Bolsonaro derrotou o bonifrate do então presidiário, pulou de volta no colo do Centrão, amancebou-se com o PL, comprou a eleição de Arthur Lira à presidência da Câmara e nomeou Ciro Nogueira para a Casa civil (ambos expoentes do Centrão e estrelas do Petrolão). 
 
Barão de Itararé ensinou que político brazuca é um sujeito que vive às claras, aproveita as gemas não despreza as cascas. Isso é prova provada de que o impossível é apenas uma palavra que contém o possível dentro de si. Em 2018, Bolsonaro, então candidato pelo PSL, queria compor uma chapa com Magno Malta, do PL, mas Valdemar Costa Neto preferiu entregar seu tempo de TV à coligação de Alckmin. Exagerando na teatralidade, o chefe do clã das rachadinhas agradeceu o adversário por "ter unido a escória da política brasileira."

É fácil entender o que levou Lula a "engolir" Alckmin como parceiro de chapa, difícil é saber por que o ex-tucano se sujeitou a esse patético papel, sobretudo depois de ter comparado uma eventual vitória do petista à "volta do criminoso à cena do crime". Como se explica esse formidável "cavalo de pau"? Por acaso se descobriu que a roubalheira nas gestões petistas não existiu? Que não houve dezenas de confissões de culpa e devolução de milhões em dinheiro roubado? Os processos penais contra Lula só foram anulados porque o STF formou maioria para excluir o crime de corrupção do código penal.
 
Se nada mudou e Lula não mudou nada, ou Alckmin é favor do chefe, ou é contra ele. Não dá para ficar em cima do muro. E da feita que ninguém se candidata a vice para fazer oposição ao titular, então deve ser a favor. 

Diante do fiasco da "terceira via", quem se deixou seduzir pela cantilena da Frente Ampla pela Democracia acreditou que Alckmin aceitou o papel de coadjuvante para "pôr trela" no protagonista . Mas tudo que o ex-tucano fez até agora foi compactuar bovinamente com a volta das invasões do MST, o comando dos empreiteiros de obras, o fortalecimento do Centrão, o roubo permanente na CEF e no BB, e por aí afora.
 
Lula e o PT nunca aceitaram — e jamais aceitarão  o "equilíbrio" com que sonham os analistas políticos. Podem até dar uns empreguinhos e outras esmolas a Alckmin e a seus acólitos, desde que o número 2 não mije fora do penico. Basta uma vista d'olhos na agenda oficial da vice-presidência para perceber que há pouco (ou quase nada) de empolgante no front. E tem sido assim desde a posse, mesmo durante as muitas viagens internacionais do titular. 
 
Sobre as três semanas de convalescença de Lula em outubro, Alckmin perorou: "Não há necessidade de o presidente se afastar do cargo porque vai ser um período curto, praticamente um final de semana, e depois ele despacha do Palácio do Alvorada. Na minha opinião, ele deve continuar, não há necessidade de nenhum afastamento do cargo".
 
Quando alguém está no buraco e o Universo lhe joga uma corta, esse alguém pode usá-la para sair do buraco ou para se enforcar. Aparentemente, Alckmin concluiu que se aliar ao antigo desafeto era a única maneira de ocupar, ainda que em caráter eventual, a tão cobiçada poltrona presidencial. Claro que sempre existe a possibilidade de Lula ser apeado do cargo ou bater as botas durante o mandato, mas isso é outra conversa. 
 
Num balé em que sujos se misturam a mal-lavados, quem olha de longe fica com dificuldade para distinguir quem é quem. Prevalece a impressão de que em política nada se cria, nada se transforma, tudo se corrompeA história ensina que é preciso prestar muita atenção na figura do vice. A primeira lição remonta ao século 19, quando Floriano Peixoto, vice de Deodoro da Fonseca, assumiu a Presidência depois que o titular foi "convidado a renunciar". Outros sete casos envolveram Nilo PeçanhaDelfim Moreira, Café FilhoJoão GoulartJosé SarneyItamar FrancoMichel Temer. 
 
Escolhido por Lula para disputar a vice-presidência na chapa de Dilma em 2010 e 2014, Michel Temer deu mais "peso" à candidatura do poste, mas se tornou o mentor intelectual e principal articulador do impeachment de madame. José Alencar, "eleito" vice-presidente em 2002 e 2006, foi um dos principais avalistas avalistas do petista junto à classe empresarial, mas não chegou a assumir a Presidência. O general Hamilton Mourão jamais conspirou contra Bolsonaro, embora não lhe faltassem motivos.
 
Não fossem os vices, haveria outros sucessores e outras formas de sucessão. E aqui chegamos a um ponto de relevância para um debate sobre a real necessidade dessa figura arcaica e anacrônica. Para o reserva é ótimo: rende palácio à beira do lago, mordomias e, em caso de infortúnio do titular, até a Presidência. Mas para o país inexiste demonstração de que essa peça não passa de mera decoração até virar um foco de conspiração.

segunda-feira, 24 de outubro de 2022

SEM COMENTÁRIOS!



ATUALIZAÇÃOA resistência armada de Roberto Jefferson à prisão descortinou uma visão antecipada da invasão do Capitólio versão tupiniquim, e forçou o Bolsonaro a repetir na sabatina da Record, horas depois da rendição do criminoso, o que havia anotado nas redes sociais: "É bandido". Ecoando ataques do mandatário a magistrados, o pajé do PTB firmou-se como adepto da tese presidencial de que "o povo armado jamais será escravizado", mas atirou prematuramente, num instante em que o presidente tenta virar votos para não ter que virar a mesa. Na mesma postagem em que repudiou as granadas e os tiros, Bolsonaro atacou os "inquéritos sem nenhum respaldo na Constituição". Criticou Jefferson por chamar Cármen Lúcia de prostituta, mas atacou a censura imposta pelo TSE à Jovem Pan, com o voto da ministra. Tenta tomar distância de Jefferson, acomodando no colo de Lula o delator e beneficiário da corrupção do mensalão, mas segue dizendo que as FFAA estão buscando "possíveis fraudes" em urnas que jamais foram fraudadas. Quer dizer: mesmo ciente de que precisa fazer pose de moderado, o presidente manuseia retoricamente as mesmas armas de Jefferson.

A censura é um câncer e como tal pode gerar metástase. Gazeta do Povo foi proibida de publicar que Lula e Daniel Ortega são aliados políticos e admiradores um do outro. Por achar que isso poderia lhe custar votos, o petralha recorreu ao tribunal e foi prontamente atendido. A partir daí o câncer se espalhou pela Jovem Pan  que puxa o saco do candidato à reeleição de forma acintosa, mas daí a ser proibida de falar sobre os processos e as condenações de Lula por corrupção e lavagem de dinheiro vai uma longa distância. É como se não tivesse existido a Lava-Jato ou as férias forçadas de 580 dias que o demiurgo de Garanhuns gozou em Curitiba, ou, ainda, a devolução em massa de dinheiro roubado. 

Nunca se viu numa eleição brasileira — nem mesmo durante o AI-5 — atos de ditadura como os que vêm sendo praticados neste momento pelo alto Poder Judiciário, anotou J.R. Guzzo. Em outras palavras, a Justiça Eleitoral está agindo abertamente a favor de um candidato em detrimento do adversário. 

Ainda segundo Guzzo, montou-se uma colossal operação de fingimento para salvar o Brasil do “autoritarismo”. A metástase transbordou do seu foco inicial não apenas quanto aos órgãos de imprensa perseguidos pelo TSE, mas também em relação aos assuntos censurados. O presidente da corte eleitoral e seus aliados proíbem a exibição de vídeos em que Lula diz ”ainda bem” que “a natureza” nos mandou a Covid — assim as pessoas aprendem a “importância do Estado”. 

É proibido dizer que Lula foi o mais votado nas penitenciárias, e que, na prática, o PT votou contra o Auxílio Brasil. Nem o ex-decano do STF, ministro Marco Aurélio Mello, pode falar: seus ex-colegas proibiram que ele diga que Lula não foi absolvido em nenhum momento, que apenas teve seus processos “anulados” sem quaisquer menções a provas ou fatos, o que não tem absolutamente nada a ver com “absolvição”. E por aí se vai, com multas de R$ 25 mil por dia para veículos de imprensa ou para jornalistas que não obedecerem de imediato as ordens da censura — um abuso sem precedentes na história da justiça brasileira.

Mudando de um ponto a outro, mesmo em país onde o rabo abana o cavalo e o poste mija no cachorro causa estranheza ver Sergio Moro assessorando BolsonaroNas redes sociais, o ex-ministro disse que reatou com o presidente "pelo Brasil, contra a corrupção da democracia e o projeto de poder de Lula e a favor de um país com o mínimo de integridade".
 
Como juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, Moro condenou Lula a 9 anos e 6 meses de prisão no caso do tríplex no Guarujá. Quando a sentença foi confirmada pelos desembargadores da 8ª  Turma do TRF-4 (que aumentaram a pena em quase 5 anos), o petista foi preso numa cela VIP em Curitiba.  
Como as eleições gerais de 2018 ocorreram nesse entretempo, não faltou quem acusasse o magistrado de agir de caso pensado, sobretudo depois que ele aceitou o convite do então presidente eleito para integrar seu ministério.
 
Em abril de 2020, Moro desembarcou do governo e acusou o mandatário de tentar interferir na Polícia Federal. "Quando vi meu trabalho boicotado e quando foi quebrada a promessa de que o governo combateria a corrupção, sem proteger quem quer que seja, continuar como ministro seria apenas uma farsa", disse ele. Mas não há nada como o tempo para passar.
 
Moro tinha uma biografia respeitável, estabilidade no emprego, um olho na suprema toga e outro no trono do Planalto. Mas iniciou seu périplo pelos nove círculos do inferno ao trocar a magistratura pela subordinação a Bolsonaro. E o problema com as consequências é que elas sempre vêm depois.

Fritado pelo presidente, Moro fez pose de terceira via; tostado pelo STF, migrou para a condição de antifenômeno eleitoral; esvaziado pelo Podemos, migrou para o UB — e foi forçado a abrir mão da pretensão presidencial para disputar uma vaga de Senador pelo Paraná, que ele efetivamente conquistou.
 
Tomado pelas sentenças que proferiu como juiz, Moro achava que a política era a segunda profissão mais antiga do mundo. Como político, descobriu que ela é muito parecida com a primeira. E se tornou uma cópia carbono do que Alckmin se sujeitou a ser para Lula — a diferença é que o ex-tucano disputa a vice-presidência na chapa do candidato que ele próprio classificou como "o criminoso que quer voltar à cena do crime", enquanto o ex-magistrado reatou com Bolsonaro para não ficar isolado politicamente.
 
Moro continua acusando Lula de mentir, especialmente no que tange aos episódios de corrupção. Mas parece ter mudado de ideia sobre o que via como mentiras do seu mais recente amigo de infância. "Bolsonaro admitiu que nunca defendeu o combate à corrupção e a Lava-Jato. Era só mais um discurso do seu estelionato eleitoral", postou ele em janeiro deste ano. E, três meses depois: "Assim como Lula, Bolsonaro mente. Nada do que ele fala deve ser levado a sério. Mentiu que era a favor da Lava-Jato, mentiu que era contra o Centrão, mentiu sobre vacinas, mentiu sobre a Anvisa e o Barra Torres e agora mente sobre mim. Não é digno da Presidência".
 
Escândalos da carreira política de Bolsonaro também entraram na mira do ex-juiz em determinados momentos: "Sério que, entre um ladrão de um lado e um ladrão do outro, a culpa é do juiz? Entre o petrolão e a rachadinha, não há escolha possível. Precisamos, sim, reformar nosso sistema de justiça para que casos de corrupção não fiquem impunes", postou Moro, quando ainda mirava a Presidência. Mas, de novo, não há nada como o tempo para passar. "No primeiro turno, nós tínhamos nosso candidato, eu defendi o candidato do União Brasil. No segundo turno, eu me coloco claramente contra o Lula e contra o projeto de poder do PT, que querem voltar à cena do crime. Acho isso inaceitável", disse o ex-juiz. Mas há quem veja dente de coelho nesse angu. 
 
De acordo com o portal UOL, Moro negou que esteja buscando um novo cargo numa eventual reeleição de Bolsonaro. O presidente também minimizou a divergência. "Você nunca brigou em casa com marido? Uma briguinha. Acontece, divergências, mas nossas convergências são muito maiores", disse ele quando questionado sobre o assunto.
 
Nas redes sociais, um tuíte em que o ex-juiz critica tanto Lula quanto Bolsonaro voltou a ganhar destaque após o debate do dia 16. Publicada em janeiro, a postagem diz que o presidente "mentiu que era a favor da Lava Jato, mentiu que era contra o Centrão, mentiu sobre vacinas, mentiu sobre a Anvisa e o Barra Torres. Não é digno da Presidência".
 
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