MAIS VALE ACENDER A VELA QUE AMALDIÇOAR A ESCURIDÃO.
Einstein estava coberto de razão quando disse (se é que disse) que o Universo e a estupidez humana são infinitos. Além de estúpidas, as pessoas são eternamente insatisfeitas. Muitas reclamam pelo simples prazer de reclamar; outras, por não saberem que o ótimo é inimigo do bom, que a perfeição é um ideal e a imperfeição, a realidade; que nem sempre se alcança a excelência perseguindo a perfeição; e que "bom o bastante" já está de bom tamanho. Isso sem falar na seleta confraria dos "saudosistas".
Ter saudade dos bons momentos que se foram — não voltam mais, a menos que as viagens no tempo se tornem realidade — é uma coisa; dizer que a vida era melhor nos tempos da ditadura é outra. Sobretudo quando quem declama essa "pérola do nonsense" nasceu depois de 1985. Em Ensaio sobre a cegueira, José Saramago — Nobel de Literatura em 1998 — anotou que o pior tipo de cegueira é a mental. Isso explica por que os eleitores brasileiros fazem a cada dois anos o que Pandora fez uma única vez. Ou por que milhares de lunáticos são favoráveis à anistia de Bolsonaro — quiçá o pior mandatário desde Tomé de Souza. Ou por que outros tantos acreditam que a autoproclamada alma viva mais honesta do Brasil foi declarada inocente — quando, na verdade, suas condenações transitadas em julgado foram anuladas a pretexto de uma suposta incompetência territorial que o ministro Fachin, relator dos processos da finada Lava-Jato no STF, já havia rejeitado uma dezena de vezes.
Depois do golpe de 1964 e dos subsequentes 21 anos de ditadura, os brasileiros reconquistaram o direito de votar para presidente. Em 1989, a despeito de nomes como Ulysses Guimarães, Leonel Brizola e Mário Covas figurarem entre os 22 itens do cardápio, Collor e Lula foram escolhidos para disputar o segundo turno. O pseudocaçador de marajás derrotou o desempregado que deu certo, mas foi impichado em 1992. Fernando Henrique derrotou Lula em 1994 e 1998, mas a vitória deste sobre José Serra em 2002 deu início a 13 anos, quatro meses e 12 dias de jugo lulopetista.
Em 2018, um combo de mau militar e parlamentar medíocre, travestido de patriota e empunhando a bandeira de salvador da pátria, foi eleito para evitar que o Brasil fosse presidido pelo preposto-bonifrate do então presidiário mais famoso do país. Acabou que sua péssima administração e seu viés golpista deram azo à "descondenação" do xamã petista, que retornou ao Palácio do Planalto em 2023 porque reeleger Bolsonaro seria ainda pior. Em qualquer democracia que se desse ao respeito, esse refugo da escória da humanidade teria sido deposto da Presidência. Mas faltou combinar com os chefes de turno da Câmara — Rodrigo Maia e Arthur Lira arquivaram mais de 140 pedidos de impeachment — e com o antiprocurador-geral Augusto Aras — que fez ouvidos moucos a dezenas de denúncias por crimes comuns durante a pandemia de Covid. E deu no que está dando.
Inconformado com a derrota nas urnas, Bolsonaro articulou um golpe de Estado para se perpetuar no poder. A intentona não prosperou por falta de adesão incondicional das Forças Armadas, mas o Estado Democrático de Direito, gravemente ferido, ainda amarga as sequelas do golpe fracassado e do funesto 8 de janeiro. O uso da tornozeleira eletrônica e as demais medidas cautelares impostas pelo STF deixaram-no a um passo de uma eventual prisão preventiva. O julgamento que decidirá seu futuro (bem como o de sete integrantes do alto comando do golpe) deve ocorrer no mês que vem, e a condenação (que pode ultrapassar 40 anos de reclusão) é tida como favas contadas.
Observação: Moraes finalmente decretou a prisão domiciliar do imbrochável, incomível, imorrível e inelegível aspirante a golpista. Como ele não poderá sair de casa nem mesmo antes das 19h, nossas ruas ficarão mais seguras. Ou nem tanto: bolsonaristas despirocados saíram em carreata por avenidas de Brasília e proveram um "buzinaço", ontem à noite, defronte à residência do "mito" no bairro Jardim Botânico (DF). Visando preparar a opinião pública para a notícia e evitar fornecer matéria-prima para vitimismo do capetão, o ministro decidiu conduzir o réu à cadeia em suaves prestações.
Não restam dúvidas de que Bolsonaro escarneceu da Justiça e desrespeitou as medidas cautelares inicialmente impostas por Xandão. Zero um — também conhecido como "senador das rachadinhas e mansões milionárias" — assumiu a responsabilidade pela divulgação das imagens e o áudio, mesmo tendo sido alertado pelos advogados para o risco de o estratagema não funcionar. Zero dois — tido como pitbull do clã e ex-comandante do "gabinete do ódio" — teve um piripaque quando soube da prisão do pai e foi atendido em um hospital da Barra da Tijuca (zona sul carioca). Mas e daí? Eu não sou coveiro...
O descumprimento foi de uma clareza meridiana, mas a polarização divide os brasileiros em dois grupos que apoiam seus respectivos bandidos de estimação — aquele que foi "descondenado" e aquele que está aguardando a sentença. Assim, não faltarão críticos à decisão de Moraes.
Ainda assim, milhares de lunáticos descerebrados continuam atendendo aos chamados do pastor Silas Malafaia, do presidente do PL e do líder do partido na Câmara. No último domingo, cerca de 37 mil abilolados ocuparam duas quadras da mais paulista das avenidas para pugnar por uma inconcebível e inadmissível anistia — bem menos que os 185 mil de fevereiro de 2024, mas mais que o dobro dos que compareceram ao ato de 29 de junho deste ano na mesma avenida. E como nada é tão ruim que não passa piorar, 33 senadores são favoráveis ao impeachment de Alexandre de Moraes, 29 são contra e 19 seguem indecisos (segundo levantamento feito por sites alinhados com a direita radical).
Nos 134 anos de história do STF, nunca um ministro perdeu a toga por causa de um processo de impeachment — mas para tudo há uma primeira vez. Some-se a isso as ações do filho 03 do ex-presidente e do neto do último ditador do regime militar, que resultaram no "tarifaço" decretado pelo chefe da Casa Branca contra o Brasil — não por razões econômicas, mas como retaliação pela suposta “caça às bruxas” que o STF estaria promovendo contra Bolsonaro, seus cúmplices e demais "milicianos" da direita radical.
As sanções impostas ao Brasil e o cerco financeiro a Moraes — passível de ser estendido a outros ministros do STF — demonstram que não se pode desdenhar da aptidão de certos seres deformados para produzir o mal, além de evidenciarem que é justo — e até “ameno” — o rigor da Corte com uma escória que foi capaz de engendrar planos de prisão e assassinatos para tentar não só contrariar a vontade popular expressa em eleição livre, mas também derrubar os preceitos de democracia reconquistada a duríssimas penas.
O “Brasil acima de tudo” é uma balela, como restou demonstrado na ofensiva da direita extremada liderada por Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo. Os dois foram subestimados enquanto a crítica à rigidez do STF, da PF e da PGR na condução da investigação e do julgamento dos crimes de lesa-pátria foi superdimensionada. Mas nunca é tarde para corrigir o rumo da abordagem dos acontecimentos que desembocam num fato: de um lado, há infratores; de outro, operadores da lei. Não é difícil escolher junto a qual tipo de vizinhança devemos nos postar.
A Justiça, ainda que cega, tem seus meios — e a política, ainda que polarizada, seus próprios métodos — para extirpar de seu seio os criminosos de alto coturno. A despeito do êxito momentâneo dos conspiradores, o efeito pode ser temporário se os brasileiros conseguirem reconhecer o risco de dar asas a cobras que, tratadas com complacência, voltarão a atacar. Resta ao eleitorado primar pelo discernimento na hora do voto, deixando Pandora e sua caixa na mitologia grega, que é o lugar ao qual elas pertencem.