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terça-feira, 2 de abril de 2024

60º ANIVERSÁRIO DO GOLPE DE `64

 

O golpe de Estado que prefaciou a ditadura militar — aquela que Bolsonaro sempre negou, mas tentou ressuscitar em 2022, e que seu vice classificou de "ditamole" — completou 60 anos no último domingo. O senador Auro de Moura Andrade declarou vaga a Presidência da República em 1º de abril de 1964, mas episódio entrou para a História com data anterior para evitar associações jocosas com o "dia da mentira". 

Resumindo a ópera em poucas palavras, a renúncia de Jânio e a aversão dos militares a Jango pavimentaram o caminho do golpe, e os subsequentes 21 anos de ditadura deram azo ao surgimento do lulopetismo corrupto e do bolsonarismo boçal (mais detalhes na sequência O desempregado que deu certo). 

Para quem gazeteou as aulas de História, relembro que a Guerra Fria e a Revolução Cubana levaram o sistema político brasileiro do pluralismo moderado ao pluralismo extremamente polarizado, e a situação se agravou com a vitória chapa Jan-Jan (de Jânio e Jango) em 1960. Jânio se elegeu com a promessa de resolver miraculosamente todos os problemas ligados à corrupção e inflação no país, mas, alegando que "forças terríveis" se levantaram contra ele — e apostando que seria reconduzido ao cargo pelo "clamor popular" — despachou Jango para uma missão na China, apresentou sua carta-renúncia e voou para São Paulo levando a faixa presidencial.

Depois de esperar horas na base aérea de Cumbica pelas multidões não apareceram — talvez porque um arranjo urdido nos bastidores impediu que o povo soubesse onde ele estava, ou talvez porque o povo só poderia ser mobilizado por um partido janista se seu líder tivesse permitido sua existência — o populista cachaceiro embarcou para Europa, e o Brasil mergulhou na crise provocada pelo veto à promoção do "vice comunista" a titular.

Na qualidade de presidente da Câmara, o deputado Ranieri Mazzilli assumiu a chefia do Executivo, mas uma junta provisória formada pelos três ministros militares governou o país até 8 de setembro, quando foi implantado o sistema parlamentarista. Com os poderes limitados e tendo Tancredo Neves como primeiro-ministro, Jango foi autorizado a assumir a presidência como chefe de Estado. 

Curiosidades1) Dali a 24 anos, o primeiro-ministro de Jango se tornaria o primeiro presidente civil pós-ditadura militar. 2) Em 1962, Jânio concorreu ao governo de São Paulo, mas foi derrotado por seu velho desafeto Adhemar de Barros e só voltou a disputar um cargo público em 1985, quando derrotou o tucano Fernando Henrique e o petista Eduardo Suplicy e se elegeu prefeito da capital paulista.

Jango só assumiu o posto a que tinha direito desde a renúncia de Jânio depois que o referendo de 6 de janeiro de 1963 restabeleceu o presidencialismo, mas as tensões se intensificaram quando ele declarou que a reforma agrária era uma questão de honra em seu mandato. Embora não houvesse a menor possibilidade de uma vitória comunista — nem pela via reformista, nem pela luta armada —, parte da elite brasileira bateu às portas dos quartéis, e os militares atenderam prontamente (até porque a doutrina que aprendiam na caserna era a do Ocidente x Pacto de Varsóvia).

Quando a Marcha da Família com Deus pela Liberdade escancarou o apoio civil ao golpe, o Congresso, ameaçado de fechamento, chancelou a derrubada de Jango e a "eleição" do então chefe do Estado-Maior das Forças Armadas — o marechal Castello Branco —, que deixou o Planalto em 15 de março de 1967 e morreu quatro meses depois, vítima de um acidente de avião no Ceará. Outros quatro generais-ditadores — Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo , se revezaram no poder até 1985, num jogo um jogo de cartas marcadas em que o partido de oposição (MDB) era meramente figurativo. 

Observação: Muitos democratas e liberais apoiaram o golpe achando que os militares voltariam para os quartéis em 1965, quando haveria novas eleições e Juscelino (pelo lado reformista democrático) e Carlos Lacerda (conservador liberal, democrata) disputariam a Presidência. Mas eles não demoram a perceber que os militares, picados pela mosca azul, tencionavam se perpetuar no poder. 
 
A dança das cadeiras dos fardados terminou com a eleição indireta de Tancredo Neves, em janeiro de 1985, que reascendeu a chama da esperança no coração de 130 milhões de brasileiros. Mas a alegria durou pouco: por uma trapaça do destino, o presidente eleito baixou ao hospital horas antes da cerimônia de posse e bateu as botas 38 dias e 7 cirurgias depois, deixando de herança um neto que envergonhou o país e um vice que se tornou pai e avô do Centrão
O resto é história recente. 
 
Em 1989, já sob a égide da Constituição Cidadã, os brasileiros voltaram às urnas (depois de um jejum de 29 anos) para escolher seu presidente. Entre os 22 postulantes havia políticos do quilate de Ulysses Guimarães, Mario Covas, Leonel Brizola e Ciro Gomes e aberrações como Enéas Carneiro, Livia Maria Pio e Sílvio Santos, mas o eleitor tupiniquim, sempre pronto a fazer as piores escolhas, escalou Collor (com 30,5% dos votos) e Lula (com 17,2%) para disputar o segundo turno, quando então o pseudo caçador de marajás derrotou o desempregado que deu certo por 53% a 47%.
 
Durante a campanha, Collor prometeu alvejar o "tigre da inflação" com uma "bala de prata". Eleito, apertou o gatilho um dia antes da posse ao pedir a Sarney que decretasse feriado bancário para que o mercado se adequasse ao conjunto de medidas econômicas mais radical que o país já amargou. Além de congelar preços e salários — a exemplo dos planos Cruzado, Cruzado II e Verão, editados durante o governo Sarney—, o Plano Collor bloqueou todo o dinheiro depositado nos bancos e aplicado no mercado financeiro até o limite de Cr$ 50 mil. Como resultado, o PIB encolheu 4,5% e o número de falências, infartos e suicídios teve um aumento significativo.
 
Plano Collor II aumentou tarifas públicas, decretou o fim do overnight e criou a FAF (Fundo de Aplicações Financeiras) e a TR (Taxa de Referência de Juros), mas a inflação voltou a subir, o desemprego cresceu, estatais foram vendidas a preço de banana e houve um desmonte das ferrovias e cortes de investimentos federais em infraestrutura. Entre o fim do Plano Marcílio e o início do Plano Real a inflação baixou dos 2.000% a.a. para "apenas" 1119,91% a.a. — índice registrado no final de 1992, quando o
 Rei-Sol, autoritário como poucos e corrupto como muitos, foi chutado do Planalto pela porta dos fundos
 
Observação: Ciente de que sua deposição eram favas contadas, Collor renunciou às vésperas do julgamento de seu impeachment — que teve como estopim uma entrevista concedida por Pedro Collor à revista VEJA —, mas o Senado seguiu adiante e o condenou (por 76 votos a 3) à perda do cargo e suspendeu seus direitos políticos por 8 anos.   
 
Com a deposição do "Roxinho", o vice Itamar Franco passou a titular e nomeou Fernando Henrique ministro da Fazenda. Impulsionado pelo sucesso do Plano Real, o tucano se elegeu presidente em 1994, comprou a PEC da reeleição em 1997 e se reelegeu 1998. Como não lhe restavam novos coelhos para tirar da velha cartola, FHC não conseguiu eleger José Serra seu sucessor.A
 vitória de Lula em 2002 marcou o início à era lulopetista, que só foi interrompida em 2016, com o impeachment de Dilma

Com a deposição da gerentona de araque, seu vice foi promovido a titular e se mudou para a residência oficial da Presidência, mas voltou semanas depois para o Jaburu, porque, segundo ele, o Palácio da Alvorada é assombrado. Assim, Michel Temer se tornou o primeiro e único caso documentado de vampiro que tem medo de fantasma. 
 
A troca de comando foi como uma lufada de ar fresco numa catacumba: após 13 anos de garranchos verbais de um semianalfabeto e frases desconexas de uma anormal incapaz de juntar sujeito e predicado numa frase que fizesse sentido, um presidente que não só sabia falar como até usava mesóclises pareceu um refrigério. Demais disso, o vampiro do Jaburu
 conseguiu reduzir a inflação (que rodava pelos 10% quando ele assumiu), baixar a Selic e aprovar a PEC do Teto dos Gastos e a Reforma Trabalhista, mas o ministério de notáveis que prometeu se revelou uma notável agremiação de corruptos, e quando sua conversa de alcova com Joesley Batista veio a público, o sonho de entrar para a história como "o cara que recolocou o Brasil nos eixos" virou o pesadelo de vir a ser "o primeiro presidente no exercício do mandato denunciado por crime comum". 
 
Observação: A tropa de choque capitaneada por Carlos Marun contratou um coral de 251 marafonas para entoar a marcha fúnebre enquanto a segunda "flechada de Janot" era sepultada na Câmara, mas Temer terminou seu mandato-tampão como um "pato manco" — que é como os americanos se referem a políticos que chegam tão desgastados ao final do mandato que até os garçons lhes servem o café frio. 
 
Em 2018, uma extraordinária conjunção de fatores empurrou para o Planalto um combo de mau militar e parlamentar medíocre que atribuiu a vitória a uma "cagada do bem". Quatro anos depois, derrotado nas urnas, ele exortou seus paus-mandatos a "virar a mesa". Investigado em sete inquéritos, inelegível até 2030 e na bica de ver o sol nascer quadrado, esse dejeto da escória da raça humana aguarda a primeira condenação posando de perseguido. 
 
A retomada democrática instituída em 1985 com a eleição do presidente "Viúva Porcina" (que foi sem nunca ter sido) e sacramentada em 1988 pela promulgação da Constituição Cidadã não exorcizou os fantasmas da ditadura. No último dia 29, o STF começou a julgar em plenário virtual os limites da atuação das FFAA estabelecidos no Art. 142 da CF (o ministro Luiz Fux, relator da encrenca, já votou pelo sepultamento da tese de que os fardados são o "poder moderador" da República).

Para evitar atritos com as Forças Armadas, Lula vetou qualquer ação alusiva ao golpe de '64, mas sete dos 38 ministros foram às redes sociais prestar homenagens aos "desaparecidos" dos anos de chumbo
Lobotomizados pela polarização semeada pelo "nós contra eles" do xamã petista e estrumada pela extrema-direita radical que saiu do armário durante a campanha de 2018, os devotos do bolsonarismo, vítimas da pior espécie de cegueira, consideram seu "mito" um ex-presidente de mostruário perseguido injustamente por "Xandão", como deixou claro a manifestação de 25 de fevereiro passado.

Observação: Claro que muita gente reza (ou finge rezar) por essa cartilha devido a interesses escusos, da mesma forma e pelos mesmos motivos que muita gente finge acreditar que Lula é a alma viva mais honesta do Universo e que sua prisão "foi uma armação, um dos maiores erros judiciários da história do país". Mas isso é outra conversa. 
 
Em face de todo o exposto, não há o que celebrar em 31 de março (nem em 1 de abril, a não ser o "dia da mentira"). Comemorar a instalação de uma ditadura que fechou instituições democráticas e censurou a imprensa é permitir que ódios do passado envenenem (ainda mais) o presente e destruam o futuro. 

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

ACABOU O CARNAVAL



Costuma-se dizer no Brasil que o ano começa depois do Carnaval, e que o bom humor dos brasileiros termina na Quarta-Feira de Cinzas — isso quando sobrevive até lá. Mas vamos por partes.

Em 2016, o impeachment de Dilma foi como uma lufada de ar fresco numa catacumba: depois de 13 anos ouvindo garranchos verbais de um ex-retirante semianalfabeto e frases desconexas de uma gerentona de araque, ter um presidente que sabia falar e até usava mesóclises foi um refrigério. Temer conseguiu baixar a inflação e aprovar o Teto de Gastos e a Reforma Trabalhista, mas seu "ministério de notáveis" revelou-se uma notável agremiação de corruptos e sua "ponte para o futuro", uma patética pinguela. Como se não bastasse, uma conversa de alcova nos porões do Jaburu só não o derrubou porque as marafonas da Câmara, que o escudaram das "flechadas de Janot". 
 
O fim de "dois mil e dezechega" trouxe um alívio efêmero, pois 2017 começou com rebeliões em presídios, greve na PM e a morte de Teori Zavascki. Na sequência, houve de tudo um pouco: de incêndio criminoso em creche e massacres em escolas a escândalos políticos e uma série extraordinária de desastres naturais. 

O ano seguinte começou com intervenção federal no RJ e greve de caminhoneiros. Em abril, a prisão de Lula foi uma vitória da Lava-Jato no combate à corrupção, mas também acirrou a polarização e fortaleceu o combo de um mau militar e parlamentar medíocre que, surfando no antipetismo e usando o episódio da facada como pretexto para não ir aos debates, derrotou o bonifrate do então presidiário mais famoso do Brasil. 
 
Na condição de refém da Câmara, Temer terminou seu mandato-tampão como "pato manco" (como os americanos se referem a políticos que chegam ao fim do mandato desgastados a ponto de os garçons palacianos demonstrarem seu desprezo servindo-lhes o café frio) e entregou a faixa presidencial àquele que se tornaria o pior mandatário tupiniquim desde Tomé de Souza

Noves fora os bolsomínions — um bando de imbecis travestidos de militantes comandados por um imbecil travestido de presidente —, pouca gente acreditava que Bolsonaro faria um bom governo, mas quase ninguém imaginava que tê-lo no timão da Nau dos Insensatos seria como enfrentar, a um só tempo e de uma só vez, as Sete Pragas do EgitoAo longo de longos quatro anos, o mito dos patriotas de fancaria se esmerou em manifestações golpistas, negacionistas e anticientíficas. Enquanto a "gripezinha" produzia cadáveres em escala industrial, o "presidentezinho" ria e dizia: "E daí?" 

Observação: Não fosse o Brasil uma republiqueta de bananas, Bolsonaro ter-se-ia sagrado cavaleiro da Ordem dos Impichados, presidida pelo caçador de marajás de araque e secretariada pela nefelibata da mandioca. Créditos para tal não lhe faltavam; o que faltou foi Rodrigo Maia, Arthur Lira e Augusto Aras fazerem o que determina a Constituição de 1988.
 
O cenário atual provavelmente seria outro se o capitão-sacripanta não conspirasse diuturnamente contra a democracia, não se associasse ao coronavírus, não investisse contra a imprensa, o Congresso e o STF, não andasse de mãos dadas com Fabrício QueirozCarla Zambelli e milicianos da pior espécie. Enfim, de nada adianta chorar sobre o leite derramado — como ensinou a mulher sapiens, "depois que a pasta de dente sai do dentifrício, ela não volta pra dentro do dentifrício". Mas não há nada como o tempo para passar.
 
À luz do que já se sabe da operação Hora da Verdade, o autoproclamado imbrochável incomível será processado, julgado e mandado para o xilindró. Dificilmente ficará preso pelo tempo que deveria, já que o Brasil é um país de muitas leis e nenhuma vergonha na cara, o que favorece escandalosamente a impunidade dos poderosos. 

ObservaçãoLula escapou do Mensalão, tropeçou no Petrolão, foi réu em duas dezenas de ações criminais e condenado (em duas, sendo que uma delas transitou em julgado no STF) a mais 25 anos de reclusão. Como todo povo de merda tem o governo e a justiça de merda que merece, o dito-cujo gozou míseros 580 dias de férias compulsórias e, no espaço de poucos meses, foi "descondenado", reabilitado politicamente e reinserido no tabuleiro da sucessão presidencial por togas camaradas, pois era preciso (e era mesmo!) penabundar o verdugo do Planalto (como ensinou Maquiavel, "o fim justifica os meios"). 

Encurralado, Bolsonaro toca seu gado rumo à mais paulista das avenidas. O real objetivo do "ato pacífico em defesa do estado democrático de direito" é intimidar o STF. A parte em que o capitão diz "não compareçam com qualquer faixa ou cartaz contra quem quer que seja" se deve ao receio de ser preso se for flagrado liderando pregações golpistas. Ademais, para "se defender das acusações" existe um foro adequado. 
  
Até agora, o chamado não animou a maioria dos líderes políticos que estiveram com ele na eleição de 2022. Sondados pela Folha, apenas 3 confirmaram presença e 4 disseram que não irão. Os demais não se pronunciaram ou disseram que ainda não têm uma definição de agenda para a data. O governador de São Paulo — eleito com o apoio do ex-presidente e, enquanto ministro da Infraestrutura, endossou a postura negacionista do chefe — já confirmou presença. 

Qualquer que seja o número de participantes, os bolsonaristas dirão que o sucesso foi retumbante. Numa das célebres motociatas, eles contabilizaram 1,3 milhão de motos e disseram que o evento entrou para o Guinness. Acabou que o sistema de monitoramento de pedágios da rodovia dos Bandeirantes registrou a passagem de 3.703 motos e veículos engajados na manifestação pelas praças de pedágio de Campo Limpo, Itupeva e Sumaré. 

Observação: O número citado pelo departamento de propaganda bolsonarista era superior à frota de motocicletas, motonetas e ciclomotores da cidade de São Paulo (que era de 1.260.276 veículos, segundo fontes oficiais). Para reunir 1,3 milhão de motos, os organizadores precisariam de 62% de toda a frota dos 39 municípios da região metropolitana de São Paulo — ou 22% da frota de todo o Estado, que correspondia a 6.015.445 de motos e assemelhados. 

Caso seja processado e condenado pelos crimes de tentativa de golpe de Estado, de abolição do EDD e de associação criminosa, Bolsonaro pode pegar uma pena de até 23 anos de prisão e ficar inelegível por mais de 30 anos.
 
Continua...

domingo, 11 de fevereiro de 2024

AINDA É CARNAVAL

 

Era questão de tempo. A julgar pela dimensão do caso, não demorou tanto assim. Levou um ano e um mês para a PF bater às portas dos tubarões envolvidos na conspiração golpista que culminou com os atos terroristas de 8 de janeiro de 2023, dando uma resposta a quem reclamava que as investigações, processos e condenações alcançavam apenas os "peixes pequenos" executores da depredação nas sedes dos Poderes. 
 
Como dizia minha avó, "um dia a casa cai". E a casa de Bolsonaro e seus cúmplices paisanos e fardados na intentona golpista está na bica de cair. Pelo exposto na justificativa da operação de buscas, apreensões e prisões da cúpula então governista da sedição, não restam dúvidas de que os "bagrões" serão condenados, e a penas maiores que as imputadas à massa de manobra dos "bagrinhos" ensandecidos. 
 
O que houve está sendo muito bem contado. Não se trata de conjeturas ou meras conversas sobre hipóteses bravateiras. Havia um presidente da República em estado de sublevação empenhado em colocar o governo a serviço de um golpe em andamento. As ações estavam em marcha. Na luz e na sombra. 
Durante o mandato de Bolsonaro foram inúmeras e reiteradas as manifestações públicas ofensivas ao Estado de Direito feitas por ele, ministros, assessores e políticos afinados, enquanto montava-se nos gabinetes o roteiro da infâmia.
 
O planejamento de um golpe é de gravidade extrema e requer punição. Até porque, quando é de fato executado, não há essa oportunidade. Os golpistas assumem o poder e os legalistas vão para a prisão. Já vimos esse filme — que completa seis décadas neste ano. Sem a inevitável condenação dos conspiradores, a obra da resistência não estaria completa. Não poderíamos dizer que as instituições estão firmes e fortes, e que sua plenitude nos permite conhecer a história do motim antidemocrático que não foi, mas poderia ter sido.
 
Bolsonaro não poderia ter sido mais sincero quando disse que "a eleição de um deputado do baixo clero, desprezado, só pode ter sido um engano". Hoje, com sua percepção descolada da realidade, ele tem certeza de que foi roubado na eleição. Por sua lógica desviada, se a maioria dos brasileiros é cristã e se cristãos não podem ser esquerdista (e muito menos comunistas), então o TSE fraudou o pleito, já que ele, Bolsonaro, teve 49,1% dos votos válidos no segundo turno. Mas nem todo mundo pensa assim. 
 
Soube-se pelas pesquisas que muita gente votou no mix de mau militar e parlamentar medíocre, em 2018, por considerar o bonifrate de Lula a pior opção. Não por considerar o xamã do PT comunista, mas principalmente por causa de uma calamidade chamada Dilma, de um Mensalão e de um Petrolão. 
Mas as pesquisas mostram também que, mesmo inelegível e prestes a gozar férias compulsórias na Papuda ou no diabo que o carregue, o imbrochável incomível e insuportável ainda conta com o aval de 35% e 40% do "esclarecidíssimo" eleitorado tupiniquim.
 
Voltando à afirmação da aberração de que sua eleição só poderia ter sido um engano, a pergunta que se coloca é: como tantos se equivocaram tanto? E a resposta é: Não há resposta (ou melhor, eu não tenho a resposta). Mas imagino que, quando fala em comunismo, o estrupício se refere à Venezuela, onde Maduro capitaneia uma ditadura de ladrões que montam empresas-sinecuras e destroem o Estado. 
 
Houve grossa corrupção no Brasil, e todos ficaram sabendo. Portanto, não há falar em ditadura nesta banânia. 
Haveria se a intentona bolsonarista tivesse vingado. Mas o que aquele aquele bando de incompetentes conseguiu produzir foi quebra-quebra de 8 de janeiro — e (pasmem!) deixar para trás minutas do golpe espalhadas por escritórios e celulares, vídeos e gravações de reuniões secretas, conversas de WhatsApp, fake news primárias. Estariam guardando para a posteridade? Achariam que ainda poderiam dar o golpe? Julgavam-se imunes? Deu piada. Exército de Brancaleone foi a associação óbvia para os mais velhos. 
 
Bolsonaro e sua turma tiveram — e têm — apoio nas Forças Armadas, entre políticos e na elite brasileira. O ex-superministro Paulo Guedes é um representante da elite financeira, e está no vídeo, traçando um sanduíche (mudo então e depois). Houve chefes militares que não embarcaram, e isso foi crucial para que o golpe não prosperasse. Mas também houve quem topasse aderir 
— desde que o chefe assinasse a ordem. Mas o chefe esperava antes a adesão dos comparsas em comando militar. 

Um lado esperando o outro, cada qual com medo de sair na frente. Menos mal que não houve golpe. Mas o mais espantoso é estarmos comemorando isso. É como o sujeito que despenca do 20º andar e, ao passar pelo sexto, suspira e diz: "Até aqui, tudo bem!"
 
Com Dora Kramer e Carlos Alberto Sardenberg 

domingo, 28 de janeiro de 2024

COMO NUVENS NO CÉU DO INFERNO

 

Não é mero chavão a máxima de que a política é como nuvem: a gente olha e ela está de um jeito; olha de novo e ela já mudou. Em matéria de eleição, convém não tomar cenários antecipados como definitivos nem pesquisas como oráculos de Delfos. No quadro pré-eleitoral da capital paulista, por exemplo, a entrada de novos e significativos personagens em cena indica a possibilidade de reviravoltas na disputa aparentemente consolidada entre Guilherme Boulos, apadrinhada por Lula, e Ricardo Nunes, que o governador bolsonarista Tarcísio de Freitas disse apoiar incondicionalmente. 
 
As bolas se dividiram quando Bolsonaro se referiu a Ricardo Salles como "prefeito", e Tábata Amaral embolou o meio de campo ao chamar o José Luiz Datena para sua décima filiação partidária. Desistente contumaz, o apresentador diz que agora está "com as pessoas certas", referindo-se a Geraldo Alckmin, que já se posicionou na linha de frente de Tábata na arena oposta a Lula, e este
 atraiu Marta Suplicy de volta às origens. 
 
Foi tudo, menos amigável o desembarque de Marta do staff de Nunes para apoiar seu principal adversário. Será tudo, menos amigável, a campanha que se avizinha tendo à frente o xamã do PT e o mix de mau militar e parlamentar medíocre que superou Dilma no ranking dos piores mandatários desta banânia desde Tomé de Souza

A despeito das correntes comparações da volta da ex-prefeita ao PT com a adesão de Alckmin ao campo de Lula em 2022, a realidade não autoriza tal paralelo. O ex-tucano, que militou a vida inteira no PSDB e foi adversário de Lula em duas disputas presidenciais (chegando mesmo a dizer que eleger o petista era reconduzir o criminoso à cena do crime), fez uma transposição diante da emergência de atração do centro, na qual uma figura de perfil marcadamente de centro-direita teria (como teve) condições reais de conquistar parte do eleitorado resistente ao PT

Agora, sem a urgência nacional de antes, o conceito de frente ampla perdeu força. Marta, cuja marca sempre foi de esquerda, volta ao curso original, o que torna duvidoso o efeito desejado de suavização na imagem de Boulos e ampliação significativa do terreno a ser ocupado. Em suma, foi uma boa jogada, mais ainda não está claro se foi certeira.
 
Nunca se viu uma eleição para alcaide paulistano com presidente e vice adversários e petistas sem candidatura própria. Nem com o PSDB fora do jogo. Outrora dominantes no território, os tucanos vivem a indecisão de ir com Nunes, embarcar na canoa de Tábata ou defender seu legado com Andrea Matarazzo. Como se sabe, os emplumados são tão indecisos que 
mijam no corredor se o imóvel tem mais de um banheiro. 
 
Nem a esquerda nem a direita têm interesse na pacificação dos ânimos, pois a moderação não é eleitoralmente sexy. Políticos se movem ao ritmo da demanda dos que lhes dão votos, e estes não se mostram inclinados a aderir à calmaria celebrada na teoria, mas rejeitada na prática. 

No final do ano passado, 90% dos eleitores de Lula e de Bolsonaro continuavam apegados às escolhas de 2022. Nesse universo, 30% declaram-se petistas convictos, 25% estão com o "mito" e não abrem, 10% se dizem mais próximos do petismo e 7% transitam na área de influência do bolsonarismo. Os ditos neutros, também chamados de "isentões", somam míseros 21%. 
 
Nenhum dos dois lados dá chance ao centro, que, desprovido de sex appeal, não faz sua parte no esforço da conquista. Segue como sujeito oculto das vitórias e derrotas eleitorais. Aos chefes das torcidas, interessa-lhes manter a galera
 mobilizada enquanto pregam a união de todos (desde que seja em torno de si). Lula não teria vencido sem a ajuda dos chamados neutros, e agora não tem força para caminhar com as próprias pernas.
 
Com Dora Kramer 

domingo, 21 de janeiro de 2024

ORA, DIREIS, OUVIR CONVERSAS ALHEIAS...

NÃO ACREDITE EM TUDO QUE LÊ, OUVE OU VÊ.

Bolsonaro passou mais de meio século pendurado no erário — primeiro como mau militar, depois como parlamentar medíocre. Com receio da volta do lulopetismo corrupto, os "eleitores medianos" se aliaram com os de extrema direita para colocá-lo no Planalto  sem imaginar que estavam o pior mandatário desde Tomé de Souza.
Sob o mandrião mefistofélico, muitos oficiais das Forças Armadas fecharam os olhos ou aderiram aos esforços do chefe para demolir a pátria. Com o retorno de Lula, alguns estrelados extraem lucro dos escombros.
O general Marco Antônio Freire Gomes, ex-comandante do Exército, e o almirante Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha, se alistaram na tropa da quarentena remunerada — que visa evitar a "venda" de segredos de Estado assegurando seis meses de salários extras a ex-autoridades que tiveram acesso a informações privilegiadas. Ambos informaram à Comissão de Ética Pública que receberam propostas de trabalho de entidades privadas — o general iria para a Associação Brasileira de Blindagem, e o almirante, para o Sindicato Nacional das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança. Ambas as entidades negaram interesse em empregar os ditos-cujos, o que significa dizer que ambos os militares de estimação de Bolsonaro engordaram fraudulentamente seus contracheques. 
Gomes e Garnier frequentam a delação de Mauro Cid como participantes da reunião em que Bolsonaro discutiu com a cúpula das "minhas Forças Armadas" uma minuta de golpe. O almirante aderiu gostosamente à intentona fracassada; o general torceu o nariz, mas não levou os lábios ao trombone. 
Resumo da ópera: o governo forneceu dinheiro extra a oficiais que não merecem senão interrogatório. Sob nova direção, a PGR tem uma boa oportunidade para mostrar serviço. Resta saber se Gonet e sua equipe irão aproveitá-la.
***
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sábado, 20 de janeiro de 2024

SERGIO MORO E OS NOVE CÍRCULOS DO INFERNO

 

Não bastasse a provável cassação de seu mandato, o senador Sergio Moro se tornou alvo de um inquérito que visa apurar supostas irregularidades num acordo de delação premiada firmado em 2004 por Antonio Celso Garcia, que o acusa de obrigá-lo a gravar autoridades com foro privilegiadoA denúncia teria sido relatada à juíza substituta Gabriela Hardt em 2021, mas só foi encaminhada ao STF dois anos depois, durante a passagem relâmpago do juiz antilavajatista Eduardo Appio pela 13ª Vara Federal de Curitiba. 

Observação: Vale lembrar que Hardt assumiu os processos do braço paranaense da Lava-Jato em 2018, quando o Moro aceitou ser ministro de Bolsonaro, e tornou a assumi-los em março do ano passado, quando Appio foi afastado pelo TRF-4 por suspeitas de ter ameaçado o filho do desembargador Marcelo Malucelli.
 
Moro embarcou numa canoa que deveria saber furada (e iniciou seu périplo pelos nove círculos do inferno) quando trocou a magistratura por um efêmero ministério no desgoverno Bolsonaro. Talvez achasse realmente que poderia implementar uma forte agenda anticorrupção, e que sua indicação para o STF era pra valer. Mas acusá-lo de condenar Lula movido por "ambições políticas" me parece leviano. Até porque a sentença foi dada em julho de 2017, quando as chances de Bolsonaro ser eleito presidente eram as mesmas de eu ser ungido papa. E prisão do xamã do PT foi determinada pela 8ª Turma do TRF-4, que confirmou a condenação e aumentou a pena de 9 anos e 6 meses de reclusão para 12 anos e 1 mês.
 
Mas a terra plana não dá voltas, capota, e Moro deu com os burros n'água. As coisas poderiam ter tomado outro rumo se ele continuasse a engolir sapos e beber a água da lagoa (como fez durante 1 ano e 4 meses), mas a reunião interministerial de 22 de abril de 2020 foi a gota que transbordou o copo. Na coletiva de imprensa em que anunciou a demissão, o ainda herói nacional atribuiu sua decisão às frequentes interferências de Bolsonaro na PF

Observação: Sobre as alegadas ingerências, o chefe do clã das rachadinhas assim se pronunciou: “Fui eleito presidente para interferir mesmo, se é isso que eles querem. Se é para ser um banana ou um poste dentro da Presidência, tô fora”. Fato é que o desembarque criou uma crise no governo e originou um inquérito que acabou em pizza devido à aposentadoria do decano Celso de Mello e à subserviência do antiprocurador-geral Augusto Aras. 
 
Como juiz, Moro enquadrou poderosos em processos de grande repercussão, como o escândalo do Banestado, a Operação Farol da Colina e a Operação Fênix. No auge da (hoje moribunda) maior operação anticorrupção da história desta banânia, condenou figuras do alto escalão da política e do empresariado tupiniquim, como Lula, José Dirceu, Sérgio Cabral e Marcel OdebrechtÀ frente dos casos da Lava-Jato em Curitiba, tinha uma biografia respeitável, estabilidade no emprego e a vida a lhe sorrir. 

No governo, Moro foi traído por Bolsonaro. Como aspirante à Presidência, filiou-se ao Podemos, migrou para o União Brasil e foi sabotado por Luciano Bivar, que fingiu interesse em concorrer ao Planalto para tirá-lo do jogo — como já o havia tirado do Podemos. Como senador, vê aumentarem dia após dia as chances de sua poltrona acomodar novas nádegas. E como desgraça pouca é bobagem, o mesmo pode acontecer com a mulher, Rosângela, que enfrentou diversos obstáculos para se eleger deputada federal.
 
Voltando as acusações feitas pelo mix de empresário, estelionatário e ex-deputado Tony Garcia, o pedido de abertura de inquérito partiu da PGR e a autorização foi dada prontamente pelo nobre ministro Dias Toffoli, responsável pelo plantão do STF durante este recesso. 

Observação: Lula presenteou Toffoli com a suprema toga em 2009 em retribuição aos bons serviços prestados como advogado do Sindicato dos Metalúrgicos, consultor jurídico da CUT, assessor jurídico do PT e de José Dirceu e advogado-geral da União. Segundo a CF, indicados para o STF devem ter reputação ilibada e notório saber jurídico; para Lula, o fato de o apadrinhado ter bombado não uma, mas duas vezes em concursos para juiz de primeira instância fizeram tanta diferença quanto o currículo anabolizado de Nunes Marques, o desembargador piauiense cujos ombros Bolsonaro cobriu com a suprema toga porque "tomaram muita tubaína juntos".

Questionado pela imprensa sobre o inquérito, Moro ressaltou que: 1) Garcia foi condenado por estelionato em decisão transitada em julgado; 2) o acordo de delação envolveu a devolução de valores roubados do Consórcio Garibaldi; 3) as escutas ambientais foram autorizadas judicialmente e acompanhadas pela PF e pelo MPF; 4) a jurisprudência da época (2004) não obrigava o juiz a remeter processos para tribunais superior em casos de mera menção de autoridades com foro privilegiado; 5) gravações de conversas, quando de conhecimento de um dos interlocutores, dispensava autorização judicial; 6) se houve crime (coisa que ele nega), a punição estaria prescrita.
 
Moro desagradou a gregos e troianos. Sua imagem de herói nacional — que ajudou o mau militar e parlamentar medíocre a se passar por inimigo da corrupção e obter o apoio da classe média — se esvaneceu aos olhos dos bolsomínions quando ele abandou o barco atirando contra o capitão. Para a patuleia ignara, o ex-ministro continuou sendo "o algoz de Lula" e o "perseguidor da petralhada". 

Após a aprovação de Flávio Dino no Senado, Moro trocou mensagens com uma pessoa próxima — apelidada de "Mestrão" — que o alertou para não revelar seu voto (favorável ou contrário à indicação). A notícia pegou mal nas redes sociais (aliás, conversas vazadas sempre foram um problema para ele, vide a série de denúncias da Vaza Jato no The Intercept Brasil). 

Na noite seguinte, o Ministério Público se manifestou pela cassação do mandato de Moro por "abuso de poder econômico" na pré-campanha à Presidência. Detalhe: o processo eleitoral que ensejou esse furdunço foi movido pelas campanhas do PT e do PL. 
 
Observação: Em 2017, o então presidente do TSE Gilmar Mendes articulou uma impostura travestida de julgamento da chapa Dilma-Temer e o deu o voto que livrou a pele do vampiro do Jaburu 
— por "excesso de provas", como ironizou o ministro Herman Benjamim, relator do imbróglio. Mas os tempos eram outros, e outros eram os interesses dos envolvidos e os protagonistas da patética tragicomédia.

Moro tornou-se refém do personagem que criou na Lava-Jato e do político pouco habilidoso que demonstrou. Execrado pela esquerda, abandonado pela extrema-direita (e por boa parte de direita) e antipático aos olhos da alta cúpula do Judiciário, colhe os frutos do que plantou em 2018, quando trocou o certo pelo duvidoso (ou pelo errado, como ele descobriu mais adiante). Agora, vive sob a espada de Dâmocles e pode acabar pendurado — como o amigo Dallagnol — de ponta-cabeça sob manchetes de "CASSADO E COM O PLENÁRIO VAZIO". 

Na Divina Comédia, Dante Alighieri percorre o Inferno e o Purgatório guiado pelo poeta Virgílio, e o Paraíso, pela amada Beatriz. Na política, cada um precisa fazer seu caminho. Moro trocou sua carreira (22 anos) na magistratura pela política e deu com os costados no vestíbulo dos nove círculos do inferno, encimado pelos dizeres: "Lasciate ogni speranza, voi ch’entrate!Ao contrário de Dante, ele entrou nessa sem guia, sozinho. Enquanto isso, Flávio Dino orbita as esferas do Paraíso até tomar posse no STF.

Atualização: Na última sexta-feira o advogado Rodrigo Gaião anunciou seu desembarque da defesa de Moro — não sem reforçar seu “direito a eventual verba honorária de sucumbência ou êxito, proporcionais ao período de atuação no feito". Mas uma mudança na composição do TRE pode embaralhar o cenário, já que o regimento interno estabelece que as decisões em ações que podem levar à cassação de registro ou à perda de diplomas somente poderão ser tomadas com a presença de todos os membros do tribunal. O mandato de Thiago Paiva dos Santos, representante da classe dos advogados, termina no próximo dia 23 e, quatro dias depois, chega ao fim a participação de José Rodrigo Sade e Roberto Aurichio Junior, dois substitutos da mesma classe. Entre os dias 22 (reinício dos trabalhos) e 27 (saída dos substitutos da classe de advogados) há duas sessões presenciais e três virtuais previstas, mas o caso contra Moro não consta da pauta (ao menos por enquanto). Seja qual for o resultado do julgamento, a parte derrotada acionará o TSE para reverter a decisão.


Hoje é dia de São Sebastião e aniversário do Rio de Janeiro. Okê Arô, Oxóssi!