segunda-feira, 2 de maio de 2022

GASTANDO BOA VELA COM MAU DEFUNTO


Faltando 5 meses para o pleito presidencial, com um sacripanta em campanha permanente e um palanque ambulante liderando as pesquisas desde o dia em que deixou a cadeia, o fato de a tal “terceira via” ser uma obra de ficção é no mínimo preocupante. Sabe-se até agora que o nome do candidato será anunciado no próximo dia 18, e que o escolhido será o postulante que tiver mais chances de romper a polarização. Falta convencer os pré-candidatos preteridos a apoiar o ungido.

Depois que Eduardo Leite jogou a toalha (se nada mudar, ele concorrerá novamente ao governo do Rio Grande do Sul) e uma conspirata eliminou Sergio Moro, restaram João Doria e Simone Tebet — além de Ciro Gomes, que disputou o Planalto em 1998, 2002 e 2018 e jamais chegou ao segundo turno. O cearense de Pindamonhangaba deve concorrer pela quarta vez, mas não necessariamente como candidato da terceira via, embora tenha se mostrado menos avesso ao consórcio com a saída de Moro.

Doria aparece nas pesquisas atrás de Lula, de Bolsonaro e dos votos nulos, mas sua rejeição supera a dos concorrentes. Luciano Bivar, presidente do União Brasil e algoz da candidatura de Moro, simulou interesse em se lançar candidato, mas, pelo andar da carruagem, seu partido deve focar as eleições proporcionais (quanto maior a bancada na Câmara, tanto maior a quota-parte nos fundos eleitoral e partidário).

No final de 2021, o Datafolha atribuía a Lula 47% das intenções de voto, contra 21% de Bolsonaro. Em março deste ano, o escore era 43% a 26%. Em meados do mês passado (já sem Moro na disputa), 42% a 33%. Pelo que se vê, o esfacelamento da terceira via levou os eleitores de Moro para as hostes bolsonaristas — donde a redução da distância que separa o sociopata do ex-presidiário. Isso significa que, sem uma candidatura alternativa (exceto a de Ciro Gomes, caso se queira pensar nele dessa forma), os nem-nem tendem a optar pelo “candidato da situação” em detrimento do “candidato da oposição”. Triste Brasil.

Desencalacrar o Bolsonaro — e o Centrão — é fundamental, mas uma possível volta de Lula et caterva — mais o Centrão — é apavorante. O lançamento tardio da candidatura alternativa só não traz mais benefícios para o “mito” dos apatetados do que a pura e simples inexistência dessa opção. E fica mais nítido a cada dia que a mão que digita o voto será levada mais pelo fígado do que pelo cérebro.

Goste-se ou não de nhô ruim e nhô pior, não se pode menosprezar o carisma e o poder de convencimento de ambos, sobretudo diante de um eleitorado composto majoritariamente por muares descerebrados. O ex-presidiário sabe que o “mito ungido por Deus” — e que só Deus tira da cadeira presidencial, segundo o próprio — vai lhe dar trabalho, e que subestimá-lo pode ser fatal: com ou sem terceira via, a possibilidade de a fatura ser liquidada no dia 2 de outubro é tão improvável quanto a de o sociopata se conformar com sua eventual derrota nas urnas.

Se a tal terceira realmente soçobrar, a culpa não poderá ser atribuída aos líderes nas pesquisas — eles nada fizeram que pudesse ser visto como destruidor por absoluta falta de algo a ser destruído, já que nada de consistente foi construído até agora. O tema está colocado há pelo menos dois anos, e em algum momento a rejeição a Bolsonaro e a Lula criou uma avenida que atraiu diversos aspirantes ao Planalto que surgiram do nada e vêm desaparecendo sem deixar vestígios. 

De Huck a Mandetta, passando por Daciolo (glória a Deus!), Amoêdo, Pacheco e mais um elenco no qual o mais vistoso era Doria, todos foram caindo por desistência, um a um, até que Moro, depois muitas idas e vindas, acabou indo. Ou tentando ir. As justificativas vão de razões pessoais/profissionais a alegações vagas sobre desempenho fraco nas pesquisas. É de se perguntar: desempenho baseado no quê? Nesse tempo todo falou-se — e continua a se falar — em buscar “quem”, mas não se investiu em dizer à sociedade o que mesmo esse pessoal pensava em fazer com o Brasil.

Impedir a reeleição de Bolsonaro e interditar a volta de Lula pareceu pouco a um eleitorado que parece ter se resignado a ficar com o já conhecido, o menos repelido de acordo com o gosto do freguês, e assim deixar que o pleito presidencial se resuma a uma patética briga de torcidas. O cardápio ficou restrito a Doria, Tebet, um improvável Bivar e uma tentativa de levar Ciro à mesa sob o argumento de que, sozinho, ele não chegará a lugar algum. Resta saber aonde ele iria — ou irá, caso adira a uma parceria na qual não é bem-visto pela forma nem pelo conteúdo.

Estacionado num longínquo terceiro lugar nas pesquisas, Ciro vem calibrando o discurso para vender uma imagem que episódios como o ocorrido na feira agrícola de Ribeirão Preto não ajudam a compor. O eleitor que rejeita tão Lula quanto Bolsonaro pode dizer a si mesmo que, palavrão por palavrão, melhor ficar com o desbocado conhecido. A língua ferina, que já custou a Ciro muitos votos em eleições passadas, dificilmente o ajudará a conquistar os votos de que precisa para chegar ao segundo turno se ele continuar a usá-la ara ofender mães alheias ou mandar provocadores se autofornicarem.

Candidaturas a chefes de governo não são fruto de geração espontânea. Requerem ações meticulosas, persistência, desprendimento, investimento pesado, faro fino para o movimento dos ventos, união de forças, gigantesca vontade de vencer e, sobretudo, marca. A existência de uma ou mais ideias-força é essencial para abrir caminho rumo à razão do eleitorado (pausa para as gargalhadas), mas o que se vê por aí é descuido, inconstância, mesquinhez, falta de discernimento, incapacidade de captar e capitalizar as demandas do público, desunião, hesitação, fragilidade nas ações, descrença no propósito e, sobretudo, ausência de marca.

Uma possibilidade de ideia-força da frente ampla foi encampada por Lula, e duas das promessas de candidaturas com aderência popular — de Doria (pela vacinação e bom governo em São Paulo) e de Moro (pelo combate à corrupção) — naufragaram nos equívocos da soberba e da inabilidade política de seus autores. A rondar a hipótese do infortúnio, toma conta do ambiente a suspeita de que o centro não tenha sido incompetente, mas propositalmente adepto do corpo mole de resultados a ser negociados com quem seja eleito ou reeleito.

Triste Brasil.

Com Dora Kramer e Josias de Souza

O SMARTPHONE E OS ANTIVÍRUS

QUEM TEM PRESSA COME CRU.

Para alívio dos usuários que instalaram apps “duvidosos” em seus celulares, remover esses programinhas costuma resolver o problema. Nos modelos Android, basta acessar as configurações do dispositivo, abrir a pasta Aplicativos — ou Programas, ou coisa parecida, já que a nomenclatura pode mudar conforme a marca/modelo e o sistema operacional e respectiva versão — e tocar no botão Desinstalar.


Aproveite o embalo para escarafunchar as permissões concedidas aos aplicativos durante a instalação —afinal, por que uma simples lanterna precisaria de permissão para acessar sua lista de contatos? Para fazer as devidas alterações, ainda em Configurações, toque em Aplicativos e em Gerenciar permissões


Convém também identificar quais os aplicativos que ficam rodando em segundo plano para exibir anúncios incomodativos — você pode encontrar essas informações em Aplicativos e notificações. E analise os sites e páginas da web que têm permissão para exibir notificações no seu navegador — no Chrome, clique no ícone dos três pontinhos, toque em Configurações > Notificações, role a tela para baixo, toque em Sites e desative as opções de permissão de envio de notificações dos apps que lhe parecerem suspeitos.


O antivírus (ou antimalware) pode não ser uma panaceia, mas ajuda a proteger o sistema, tanto em desktops e notebooks quanto em smartphones e tablets. Por estar presente em 70% dos smartphones mundo afora e ser um sistema open source (de código aberto) o Android é muito visado pelos cibercriminosos. No caso do iOS, além do código proprietário, a Apple dificulta a ação da bandidagem “obrigando” os apps a rodar em sandboxes, de modo que cada qual tenha acesso somente aos próprios dados. 


Também reforça a segurança do iPhone a restrição a programinhas que não provenham da App Store — note que essa defesa deixa de existir quando se você recorrer ao jailbreak, já que o iOS não conta com um antimalware nativo e a Apple “não recomenda” o uso de soluções de terceiros (até porque o confinamento dos apps dificulta o trabalho dos antimalwares, que precisam monitorar os programas em tempo real para identificar e impedir eventuais atividades suspeitas).


Existem diversas soluções de segurança para iPhone, entre as quais eu sugiro o McAfee Mobile Security. Não se trata propriamente um antivírus, mas de uma espécie de “cofre” protegido por senha. A suíte é gratuita, conta com recursos adicionais que, em caso de perda, ajudam o usuário a localizar o aparelho (além de fazer backup no iCloud dos arquivos guardados nesse “cofre”) e pode ser compartilhada com outros cinco usuários (clique aqui para mais detalhes). 


Avira Free Antivírus para iPhone monitora mensagens de email em busca de links e anexos potencialmente perigosos, mantém uma base de dados de alertas de invasão a servidores e avisa se a caixa de correio de algum contato foi comprometida. A interface é simples e inclui um gestor de memória e um localizador de dispositivo que pode trabalhar em conjunto com o Find My iPhone. Você pode baixá-lo gratuitamente tanto do site do fabricante quanto da App Store.


Igualmente gratuito, o Lookout conta com versões para iOS e para Android. Tido como uma das melhores suítes de segurança para dispositivos móveis, ele protege o sistema contra vírus, spyware e malware, monitora a instalação de aplicativos. ajuda a fazer backups de informações e rastreia o aparelho com uma precisão extraordinária (além de disparar um alarme tipo sirene). Para mais detalhes e download da versão para iOS, clique aqui; para o Android, clique aqui.


TrendMicro Mobile Security é um verdadeiro canivete suíço, tanto para iOS quanto para Android. A versão gratuita é limitada, mas cumpre o que promete. A modalidade paga acrescenta a proteção contra links de phishing, navegador seguro, bloqueador de anúncios, controle parental e muito mais. Para baixar a versão para iOS, clique aqui; para Android, clique aqui.

domingo, 1 de maio de 2022

O BRASIL DE SALVADOR DALÍ


No Brasil, o Legislativo recorre ao Judiciário sempre que lhe dá na telha, e depois reclama da judicialização da política. No Supremo, uma parte das togas que um dia apoiaram a mais bem sucedida operação anticorrupção da história desta banânia resolveu seguir o dono do circo. Com o fim da prisão em segunda instância e mais uma penca de decisões teratológicas, a 2ª turma desmontou a Lava-Jato e, com o aval do plenário, recolocou no tabuleiro da sucessão presidencial um criminoso condenado em três instâncias (por uma dezena de magistrados, mas apenas um deles foi considerado parcial).

O chefe do Executivo diz que sua presidência é “uma missão divina” e que só Deus o tira da “cadeira”, deixando evidente que não aceitará uma provável derrota nas unas. Com a conivência produzida pelo orçamento secreto, o réu que preside a Câmara "choca" 145 pedidos de impeachment, o vassalo alçado e reconduzido à chefia da PGR “não vê” indícios de crimes comuns nos atos e omissões de seu suserano e o STF e o TSE se fecham em copas para “não agravar a crise institucional”. Completa esse formidável cenário surreal o ex-presidiário mais famoso do Brasil, ora guindado à curiosa situação de “ex-corrupto”, silenciar sobre o que seu pretenso futuro adversário diz e faz. 

Na brilhante contextualização feita em outra vida por certo ex-governador paulista (ora travestido de bobo da corte do pontífice da seita do inferno), Lula quer “voltar à cena do crime” — sendo de seu interesse, portanto, que o ainda mandatário desta republiqueta continue espalhando fezes até a eleição (sem Bolsonaro no páreo, as chances de o petralha se reeleger despencam vertiginosamente).

Na última quarta-feira, Bolsonaro voltou a cutucar o STF com o pé para ver os togados mordem. Depois de limpar o rabo com as supremas togas ao indultar Daniel Silveira, nosso indômito capitão fez saber que seu decreto “foi constitucional” e avisou que decidirá quais decisões do Supremo ele cumprirá ou não

Em menos de uma semana, o miliciano do Planalto e seus acólitos promoveram um parlamentar troglodita de ameaça à democracia para a de popstar do Legislativo. Com a pena de quase nove anos de cadeia perdoada, Silveira foi escolhido como membro de cinco comissões na Câmara — entre as quais a de Constituição e Justiça. O problema não está no fato de os deputados qualificam um malfeitor, mas no destaque concedido ao par condenado, que desqualifica o Legislativo.

Interessa a Bolsonaro alavancar a própria candidatura à reeleição na esteira da repercussão de um conflito com o Judiciário. Para tanto, aposta em tumultuar o processo eleitoral e em criar instabilidade institucional. Mas as togas começam a desenhar a saída da crise em despachos no processo envolvendo Silveira e nas ações movidas por três partidos para anular a “graça” conferida a ele pelo chefe do Executivo

Os ministros Alexandre de Moraes e Rosa Weber avisaram que a decisão definitiva será do plenário. Como não há data prevista para o julgamento, Silveira continua sentenciado à prisão, multas e inelegível, com todos os processos em andamento. A premissa para o relógio do STF começar a andar é a publicação do “acórdão condenatório” — quando então passa a valer a extinção das penas, como prevê o decreto. 

Segundo Moraes, indulto, graça ou clemência são cabíveis somente após o fim do processo penal — o “trânsito em julgado” —, conforme a coletânea de decisões, ou jurisprudência, “amplamente majoritária” nos tribunais superiores. Ainda segundo o magistrado, “a concessão do indulto extingue a pena, mas não o crime, de modo que não são afastados os efeitos secundários do acórdão condenatório [sentença], dentre os quais a interdição do exercício de função ou cargo públicos.” 

Assim, o caso já estaria liquidado em pelo menos um aspecto: Silveira vai ficar inelegível e impedido de ocupar qualquer cargo ou função pública a partir da condenação, mesmo que o Supremo considere constitucional o decreto de Bolsonaro. Quanto ao mandato parlamentar, o problema não é do Judiciário. Somente as duas casas legislativas podem cassar mandatos. Mas isso só pode ser decidido após a publicação do acórdão.

É difícil imaginar que deputados e senadores se disponham a enfrentar o eleitorado (mesmo que estejamos falando de uma récua de muares munidos de título eleitoral), em ano de eleições, defendendo um parlamentar condenado por crimes contra a Constituição e por ameaça de morte a juízes e seus familiares. Além disso, para deixar ex-PM elegível, como pretende o decreto presidencial, precisariam dispor de tempo para votar mudanças tanto na Lei de Ficha Limpa — um dos poucos símbolos anticorrupção que sobraram — quanto na própria Constituição. O tempo da Justiça é diferente, mais relativo do que na política. Mas a questão é que não raro o espírito de porco, digo, espírito de corpo fala mais alto, e abre-se espaço para a coincidência de interesses nos Três Poderes — que podemos chamar de “jeitinho”.

Tanta coisa já aconteceu com Silveira que as pessoas esquecem quem é o personagem. Trata-se de um ex-PM que passou seis anos na corporação, puxou 26 dias de xadrez, colecionou 14 repreensões e duas advertências. Que trabalhou como cobrador de ônibus antes de entrar para a polícia e se valia de atestados médicos falsos para faltar ao serviço. E que foi eleito na aba do bolsonarismo depois de destruir uma placa com o nome da vereadora assassinada Marielle Franco. Uma democracia em que um sujeito como Daniel Silveira é prestigiado no Parlamento é um regime com a cabeça a prêmio.

Com Josias de Souza, José Casado e Ricardo Rangel

sábado, 30 de abril de 2022

SOBRE LULA E O COMITÊ DE DIREITOS HUMANOS DA ONU


Na última quinta-feira, o Comitê de Direitos Humanos da ONU — que monitora o cumprimento dos principais tratados de direitos humanos adotados pela Assembleia Geral da ONU, mas atua de forma independente da Organização — afirmou que Moro e os procuradores da Lava-Jato foram parciais em relação a Lula e instou o governo brasileiro a assegurar que quaisquer outros procedimentos criminais contra o petista cumpram com as garantias do devido processo legal, de maneira a prevenir violações semelhantes no futuro. A decisão não tem efeito jurídico, mas já está sendo usada politicamente pelos que apoiam a volta do criminoso à cena do crime (nas palavras do ex-tucano Geraldo Alckmin, que deixo o ninho tucano para disputar a vice-presidência na chapa encabeçada pelo dublê de palanque ambulante e camelô de empreiteiras).


“Conseguimos o reconhecimento não apenas no Brasil, mas também em uma corte mundial, de que a Operação Lava-Jato, o ex-juiz Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol atuaram de forma ilegal, arbitrária e afrontando um tratado internacional da ONU”, comemorou Cristiano Zanin, já sonhando em ocupar uma cadeira no STF se o maior dos governantes desde Tomé de Souza for reconduzido ao Palácio do Planalto nas eleições de outubro.

 

Em agosto de 2018, numa manifestação assinada por Sarah Cleveland e Oliver de Frouville, o comitê afirmou que o Brasil devia garantir ao então presidiário o direito de disputar as eleições, numa clara ofensa à soberania nacional. Lula permaneceu preso e inelegível, a despeito dos esforços do relator da Lava-Jato no STF. Na ocasião, vestindo a toga de ministro do TSE, o ministro Fachin passou duas horas inteiras torturando a razão e a lei brasileira com um alarmante teorema em favor da insanidade. Ele reconheceu que não havia nenhuma dúvida legal de que o Lula estava inelegível, mas alegou que “uma força superior” anulava a lei nacional. 

 

Essa “força superior” não era a Corte Internacional de Haia ou a Assembleia Geral da ONU, mas apenas dois sujeitos que faziam parte de um comitê de dezoito consultores da ONU em direitos humanos, sem nenhum poder funcional senão o de emitir pareceres, que acharam que Lula tinha o direito de se candidatar à Presidência. Mesmo assim, a insânia foi submetida ao TSE, que negou por 6 votos a 1 o pedido da defesa Lula. O espantoso foi ter havido um voto a favor — justamente o voto de Fachin, que não fez o mais remoto sentido. O que diria Fachin se os dois consultores dissessem que o Brasil deveria invadir o Peru, por exemplo, ou restaurar a monarquia? Acharia que a gente seria obrigado a obedecer, sob pena de ficar na ilegalidade internacional? 

 

Se um ministro da nossa suprema corte defende um troço desses, não há como confiar em nada do que o homem venha a decidir — como ficou claro mais adiante, quando Fachin despertou da “epifania” que lhe mostrou — com quase seis anos de atraso — que a Justiça Federal do Paraná não era competente para processar e julgar Lula. E assim restaram anuladas as condenações, as provas e todos os demais elementos dos processos envolvendo o hoje “ex-corrupto” e o tríplex no Guarujá e o sítio em Atibaia. 

 

Observação: Graças ao instituto da prescrição, essas e outras ações criminais que tinham o picareta dos picaretas na condição de réu jamais serão julgadas novamente. E ainda que assim não fosse, o petralha precisaria reencarnar meia dúzia de vezes até que uma eventual condenação transitasse em julgado. Dizem que gatos têm sete vidas, mas eu jamais ouvi dizer que isso se aplica também a gatunos.   

Causa espécie, nessa e noutras histórias similares, a ligeireza com que se aceita o espetáculo do circo pegando fogo. Os outros togados se acharam na obrigação de cumprimentar o colega dissidente pelo “brilhantismo” do seu voto. Fachin, por sua vez, achou “brilhantes” os votos dos seis colegas que massacraram cada palavra que ele disse. E todos acharam igualmente “brilhante” a chicana de terceira categoria, amarrada com barbante, que a defesa armou com essa comissão da ONU. 

 

Na peça inicial, de julho de 2016, os advogados de Lula (que seria preso dali a pouco menos de dois anos) sustentaram que quatro artigos do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos da ONU foram violados, entre os quais os que garantem a qualquer cidadão o direito a um tribunal independente e imparcial e o de ser presumido inocente até que se prove a culpa por lei. Três anos depois de fazer uma defesa enfática da atuação Moro na Lava-Jato ao comitê, o governo brasileiro afirmou que a questão estava superada, pois o STF havia reconhecido a incompetência da 13.ª Vara Federal de Curitiba para julgar o ex-presidente e a parcialidade do juiz que o condenou (vale destacar que a sentença referente ao sítio de Atibaia foi proferida pela juíza federal substituta Gabriela Hardt).

 

Segundo matéria da CNN, a manifestação de novembro de 2021 foi a sexta resposta do Brasil apresentada à ONU desde 2017. Na oportunidade, o Estado brasileiro afirmou que as alegações levadas por Lula ao Comitê da ONU não deveriam mais ser consideradas. Da feita que o Judiciário brasileiro acatou os recursos apresentados pela defesa, quaisquer limitações aos direitos políticos do petista deixaram de existir. Três anos antes, a alegação levada pelo Brasil ao Comitê dizia que a acusação de parcialidade de Moro era infundada, que Lula pretendia “confundir e enganar” o colegiado ao apontar direcionamento da Justiça, e que o argumento de perseguição política era “uma afronta às instituições”. 

 

Em março de 2019, o governo brasileiro anotou que “Lula afirmava erroneamente que o ex-juiz interveio na eleição presidencial” e que as alegações de parcialidade eram “ilações subjetivas e ofensivas”. Em novembro do ano passado, porém, o documento entregue ao colegiado não fez qualquer menção a Sergio Moro. Uma vez que as alegações do autor foram aceitas pelo Judiciário brasileiro, informou o governo, a queixa do ex-presidente deixava de ser necessária. A defesa do petista, por seu turno, sustentou que, a despeito das decisões do Supremo, as violações ao Pacto foram consumadas e precisariam ser analisadas pelos integrantes do colegiado — o que de fato aconteceu dias atrás.

 

Sobre a conclusão do Comitê, Deltan Dallagnol afirmou por meio de sua assessoria de imprensa que “vai esperar ter conhecimento do teor da decisão antes de decidir se vai se manifestar”. Também por meio de nota, Moro disse que as conclusões do comitê foram extraídas de decisão do Supremo que ele considera “um grande erro judiciário”, que o comitê “não nega a corrupção na Petrobras ou afirma a inocência de Lula”, que a condenação do ex-presidente “foi referendada por três instâncias do Judiciário e passou pelo crivo de nove magistrados” e que é possível constatar (no relatório do Comitê) “robustos votos vencidos que não deixam dúvidas de que a minha atuação foi legítima na aplicação da lei, no combate à corrupção e que não houve qualquer tipo de perseguição política”.

 

Nossa democracia pode estar adulta, como dizem alguns, mas aberrações como essas, somadas à nefasta polarização — que, anotem aí, ainda vai produzir muita merda —, sugerem que sua idade mental é de 3 anos. Quanto tempo ela resistirá até ir para o espaço é difícil dizer. Pode demorar um tanto mais, um tanto menos. Para a maioria dos brasileiros, porém, tanto faz — estão pouco ligando para o assunto, e quando ligam é para torcer contra. Mas os que se dizem democratas ou ganham a vida nos cargos, funções e atividades que a democracia fornece, esses estão contribuindo ao máximo para que tudo vá o mais breve possível para o buraco.

 

No que tange à soltura de Lula, a anulação de suas condenações e à lavagem às pressas de sua ficha imunda (com inequívoco propósito de recolocar o sevandija no tabuleiro do jogo sucessório), o que põe a existência da democracia cada vez mais em risco nesta banânia é a falta de lógica comum. Como é possível o país ter democracia se, ao mesmo tempo, tem uma corte suprema que chancela decisões surreais como a do ministro Edson Fachin? Ou se tem uma coisa ou a outra. O plenário da nossa mais alta corte se tornou o que se poderia chamar de insegurança jurídica ambulante — ou seja, o oposto do que um regime democrático precisa. Onde está a lógica?

 

Nossos mais altos tribunais de Justiça parecem hoje montepios de ajuda mútua, onde a solidariedade entre os sócios se pratica através da puxação de saco automática e perene. Asinus asinum fricat, poderiam dizer os togados uns aos outros — não são eles que gostam tanto de socar latinório em tudo o que falam, para o público não entender nada? Pois então. Mais um pouco de latim pode vir a calhar num tribunal que é o retrato vivo de uma democracia na UTI. 


Cada ministro, entre outros espantos, conta com a assistência individual de um “capinha” (salário de até R$ 12 mil por mês, mais horas extras), cujas atribuições se resumem basicamente a ajeitar a poltrona quando o chefe vai se sentar à mesa. Pode uma coisa dessas? Nem a Rainha Elizabeth II tem um serviço assim — possivelmente, não existe nada parecido em nenhum outro lugar do mundo. Mas os ministros acham isso normal, como acham normal se autoconcederem aumentos absurdos de salário e uma vasto leque de mordomias (dois meses de férias por ano, aposentadoria com vencimentos integrais e por aí afora) enquanto uma parcela substantiva da população precisa escolher entre comprar comida ou comprar um botijão de gás de cozinha. Isso é simplesmente desigualdade. 


Como acreditar numa democracia onde a maior corte de justiça vive abertamente com direitos individuais superiores aos dos cidadãos que julgam? Pior: se o Judiciário está assim, imagine-se o resto.

sexta-feira, 29 de abril de 2022

A VIDA É FEITA DE ESCOLHAS (PARTE 4)

Entre as seis razões que Bolsonaro alegou para indultar Daniel Silveira destaca-se a "comoção social": "Considerando que a sociedade encontra-se em legítima comoção, em vista da condenação de parlamentar resguardado pela inviolabilidade de opinião deferida pela Constituição, que somente fez uso de sua liberdade de expressão (...)"


De acordo com o professor e historiador Marco Antonio Villa, Bolsonaro tem problemas cognitivos; para o jornalista Ricardo Noblat, ele não domina bem o português — a exemplo de quem escreve seus pronunciamentos — e não se sabe exatamente qual o sentido que ele atribui à palavra “comoção”. 


Quando o presidente proferiu esse destino, a grande preocupação dos paulistas e cariocas era o carnaval (o Brasil se tornou um país tão surpreendente que o fato do reinado de Momo coincidir com o feriado de Tiradentes não chega a surpreender). 


O STF ainda não decidiu como se comportar em mais uma batalha que trava contra um mandatário medíocre, carente de votos para se reeleger e aparentemente disposto a tudo. Talvez seja mais prudente deixar as coisas esfriarem. Mas a pergunta que é: Que coisas? A euforia da caterva com a “atitude de macho” que seu "mito" adotou? Ou a alegria dos generais de pijama, que planejam o próximo golpe enquanto jogam dominó?


*** 


Depois que a Executiva Nacional do União Brasil confirmou a indicação de Luciano Bivar como pré-candidato à Presidência, o leque de opções do autoproclamado Centro Democrático cresceu, mas as chances de Sergio Moro de disputar o pleito caíram a subzero. 


Se nada mudar, UniãoBrasil, MDB, PSDB e Cidadania devem lançar um candidato de consenso no dia 18 do mês que vem, e tudo indica que o nome do deputado pernambucano será confirmado. Mas tudo pode mudar, e com a rapidez das nuvens no céu. Pela andar da carruagem, o ex-juiz está candidato a tudo (menos deputado) e pode não concorrer a nada. Bivar tem tantas chances de se eleger quanto eu de ser ungido papa. Pelo visto, o UB vai investir a bufunfa do fundo eleitoral nas candidaturas proporcionais e deixar a presidência para uma próxima vez (quanto maior a bancada na Câmara Federal, maior a parcela dos fundos partidário e eleitoral que as legendas abocanham).


Segundo Josias de Souza, pior que o UB matar a candidatura de Moro ao Planalto é a intenção da Procuradoria Regional Eleitoral de São Paulo de retirar do presidenciável natimorto até o poder de espantar as moscas. Moro e sua mulher, Rosângela, tornaram-se alvos de uma notícia-crime que questiona no Ministério Público Eleitoral a legalidade da transferência dos seus domicílios eleitorais do Paraná para São Paulo



Numa eventual campanha à Presidência, Moro poderia trazer à tona a tragédia econômica da gestão Dilma — que Lula tenta esconder em sua campanha — e explorar a funesta gestão da pandemia por Bolsonaro e seus paus-mandados na Saúde. Seria a oportunidade de mostrar como os petistas, que ora se levantam contra o bolsonarismo, silenciaram diante da barbárie do atual governo, rejeitando o impeachment do capitão por questões nitidamente eleitoreiras, ao custo de milhares de vidas, e de expor os excessos e omissões da ala do Judiciário que acusa a força-tarefa da Lava-Jato de parcialidade. Um debate em rede nacional sobre esse temas e com esses atores seria inédito, histórico. Mas a vida é feita de escolhas...

 

A depender do julgamento da queixa-crime, não restará a Moro sequer a possibilidade de disputar uma cadeira na Câmara Municipal de São Paulo, já que novas eleições para vereador só devem ocorrer em 2024. Mais um pouco e o ex-juiz terá dificuldades para disputar até a posição de síndico no edifício de flats para o qual ele diz que se mudou.

ADWARE, MALWARE, SISTEMA OPERACIONAL E APLICATIVOS

QUANTO MAIS ALTA A ÁRVORE, MAIOR O TOMBO.


Voltando ao adware, a maioria desses programinhas é apenas "irritante", mas alguns agem como vírus e/ou trojans.


O problema se agrava quando o spyware (programinha espião) embute instruções maliciosas ou repassa os dados da vítima (hábitos de navegação) para terceiros. E fica ainda pior quando esses “terceiros” fazem uso criminoso das informações.


As “propagandas” (anúncios publicitários) constituem a principal fonte de renda de um sem-número de sites e da maioria dos desenvolvedores de aplicativos “freeware” (para mais detalhes sobre as diversas modalidades de distribuição de software, reveja esta postagem). Mas é preciso ter em mente que quando um produto é gratuito, o verdadeiro produto é o usuário/consumidor.


A exemplo das propagandas exibidas por apps freeware, janelinhas pop-up que “explodem” na tela quando a gente visita um site visam “empurrar” produtos que nem sempre (quase nunca?) nos interessam. Cientes de nossa aversão pelo tsunami de propaganda, os desenvolvedores dos apps exibem mensagens como “clique aqui para experimentar a versão sem propaganda” — o que significa mudar para a opção paga do aplicativo. 


Bloqueadores de pop-up embutidos no navegador ou providos por extensões diminuem a aporrinhação, mas não fazem milagres. E os anúncios podem conter (ou ser) malwares. Afinal, o que são os Trojans (Cavalos de Tróia) senão pragas digitais disfarçadas de aplicativos úteis? No caso dos smartphones e tablets, o maior risco de sermos apanhados no contrapé está nos apps, sobretudo quando são baixados de fontes “não oficiais”. Mas isso não significa que estamos 100% livres dessas pragas se as baixamos os aplicativos do Google Play ou da App Store.


ObservaçãoÉ sempre recomendado fazer download de aplicativos nas lojas oficiais, mas até mesmo a App Store e a Play Store podem conter vírus. Apesar do iOS ser mais seguro que o Android graças à política da Apple que impede a instalação de aplicativos de fontes externas, ainda existem aplicativos maliciosos na App Store.


Cabe ao sistema operacional prover a "intercomunicação" entre o hardware e o software e a interface usuário/máquina, além de servir de base para a execução dos aplicativos. O Windows é um sistema eclético, mas não desobriga os usuários de instalar programas de terceiros. 


No âmbito da informática, um programa é um conjunto de instruções em linguagem de máquina que descreve uma tarefa a ser realizada pelo computador. Instrução, no caso, é o nome que se dá a uma operação única executada pelo processador — que pode ser qualquer representação de um elemento num programa executável, tal como um bytecode (formato de código intermediário entre o código fonte, o texto que o programador consegue manipular e o código de máquina que o computador consegue executar). Por conjunto de instruções, entende-se a representação do código de máquina em mnemônicos. 


Sem sistema operacional, um computador é como um corpo sem vida, mas um sistema sem aplicativos é como um ser vivo sem alma. Ou quase isso, já que tanto Windows quanto o MacOS, as distribuições Linux, o Android e o iOS passaram a integrar, a cada nova versão, mais e mais recursos nativos que permitem realizar as mais diversas tarefas sem o concurso de programas de terceiros. Mas, como sabemos, isso só não basta

quinta-feira, 28 de abril de 2022

A PENÚLTIMA CRISE INSTITUCIONAL (CONTINUAÇÃO)



O indulto individual (ou “graça”) concedido a Daniel Silveira tem um viés claríssimo de desvio de finalidade, já que fere os princípios da impessoalidade e da moralidade. Se esta republiqueta de bananas fosse um país sério, só o fato de o beneficiado ser aliado do mandatário e amigo do clã presidencial tornaria o ato inconstitucional, nulo de pleno direito e, consequentemente, sem efeito. Mas estamos no Brasil, onde a inelegibilidade chapada do ex-presidente-presidiário no pleito de 2018 precisou ser discutida por meses a fio e decidida pelo plenário do TSE, embora um servidor do cartório eleitoral pudesse ter dito exatamente a mesma coisa em menos de dois minutos.

O esbirro agraciado pelo capetão é ex-PM. Antes de entrar para a polícia, ele trabalhou como cobrador de ônibus e se valia de atestados médicos falsos para faltar ao serviço. Durante os seis anos que passou na corporação, puxou 26 dias de xadrez e colecionou 14 repreensões e duas advertências. Um sujeito assim podia ser enviado para muitos lugares, exceto para o Congresso.

Ao condenar Silveira, o Supremo usou o caso para cientificar o bolsonarismo petulante de que seus excessos, quando descambam para o ódio e passam a ameaçar a democracia, dão cadeia. O aviso foi extensivo ao Legislativo, onde o Conselho de Ética da Câmara já havia aprovado a suspensão do parlamentar por seis meses e o cumprimento dependia apenas do aval do plenário, mas o réu que preside a Casa, movido a orçamento secreto e rendido às conveniências de Bolsonaro, não incluiu a encrenca na pauta de votação. 

A cassação do mandato transformou em piada a ideia de premiar Silveira com uma folga hipertrofiada de seis meses. Lira encaminhou ao STF uma petição sustentando que a última palavra sobre a cassação cabe à Câmara, não à Corte. Um detalhe adiciona escárnio no teatro: réu, Lira manobra para proteger um condenado que avilta o Legislativo cada vez que cospe na democracia que alimentou suas pretensões políticas.

Bolsonaro e seus devotos apostavam que o ministro André Mendonça pediria vista do processo, engavetando-o por tempo suficiente para que o réu chegasse até as urnas de outubro. Deu errado. Além de não travar o julgamento, o ministro "terrivelmente evangélico" compôs a maioria, isolando-se apenas quanto à dosimetria da pena. Já Nunes Marques, descrito por Bolsonaro como "10% de mim dentro do Supremo", votou pela absolvição. Segundo ele, Silveira teria pronunciado "bravatas" sem "credibilidade", coisas "incapazes de intimidar quem quer que seja". 

Cármen Lúcia ironizou o voto do colega. Disse que, se o Supremo aguardasse pela concretização das ameaças, o julgamento de Silveira não ocorreria, pois o deputado arguiu a suspeição de nove dos 11 ministros da Corte. Se prevalecesse o entendimento de Nunes Marques, o réu seria apenas um inofensivo neurótico que constrói castelos no ar.

PDTRede e Cidadania protocolaram ações no Supremo, e parlamentares de partidos como PSOL, MDB, PT e da própria Rede entraram com Projetos de Decreto Legislativo para anular o ato de Bolsonaro no Senado e na Câmara. Resta saber como o plenário se pronunciará. Em análise preliminar, as togas concluíram que o decreto não alivia todas as aflições do deputado, já que não anula a cassação do mandato e a inelegibilidade que o impedirá de concorrer ao Senado.

Nesse entretempo, Silveira afronta a Corte desfilando pelo Congresso sem tornozeleira. Questionado por jornalistas, o parlamentar disse que "nem era" para ele ter utilizado o equipamento. Segundo a Gazeta do Povo, o ministro Alexandre determinou que a defesa do réu se manifeste sobre o indulto e indicou a possibilidade de impedir a concessão imediata do perdão caso a PGR recorra da condenação. 

Se o indulto individual está previsto na legislação brasileira, por que nenhum presidente tinha utilizado esse instrumento sob a Constituição de 1988? Para a socióloga Amanda Evelyn, a resposta está no custo político de desrespeitar o STF e no risco de iniciar uma crise institucional, mas no governo Bolsonaro essa crise existe desde o princípio. O indulto é a cereja do bolo, disse Evelyn em entrevista à Folha. “O presidente precisa confrontar, precisa dar resposta, precisa se posicionar.”


Contribuiu para jogar mais lenha na fogueira o ministro Barroso ter dito que as FFAA estariam “sendo orientadas a atacar o processo [eleitoral] e tentar desacreditá-lo”. O comentário gerou forte reação dos militares, que o qualificaram de “ofensa grave” — um estrelado chegou mesmo a afirmar que o magistrado teria cometido crime militar — como se passar pano para o Bolsonaro fosse a coisa mais natural desse mundo. 


Bolsonaro vem agindo como uma criança birrenta, que faz o diabo para testar os limites da paciência paterna. Já flertou, namorou e noivou com o autogolpe inúmeras vezes. Se o casamento ainda não aconteceu, foi por mera falta de oportunidade. O "mito" que afundou o Brasil e contribuiu para a morte de 660 mil cidadãos foi acusado de inúmeros crimes (comuns e de responsabilidade), mas comprou (com o orçamento secreto) os favores do réu que preside a Câmara e das marafonas do Congresso e prometeu o reino dos céus, em troca da vassalagem, ao passador-de-pano-geral da República. 


Em sua penúltima aleivosia, Bolsonaro afirmou que "Não podemos jamais ter eleições no Brasil que sob ela paire o manto da suspeição. E esse compromisso é de todos nós, presidentes dos Poderes, comandantes de Força, aqui obviamente direcionado ao trabalho do senhor ministro da Defesa". 


Cabe perguntar: desde a redemocratização e a primeira eleição direta à Presidência da República, em 1989, qual o pleito que "pairou o manto da suspeição?" Nenhum! Mais ainda: o que dizer que, além dos três Poderes, temos também as "Três Armas"? São seis os Poderes? Bolsonaro é o Montesquieu miliciano?


Na segunda-feira, Bolsonaro bradou: "Vai me prender, Alexandre"? No dia seguinte, eivado de ambiguidades, manteve os ataques ao TSE. Sem sequer ruborizar, afirmou que o ministro Barroso "convidou as Forças Armadas a participar de todo o processo eleitoral". Mas isso não é verdade. O convite foi para as FFAA participarem da Comissão de Transparência das Eleições. Quando fala em "participar de todo o processo eleitoral", Bolsonaro deixa implícito que caberá aos militares dizer se as eleições serão ou não válidas.  


"As Forças Armadas não dão recados. Elas estão presentes. Elas sabem como proceder. Sabem o que é melhor para o seu povo, o que é melhor para seu país", disse o sultão no Bananistão. Se isso não for uma ameaça, então eu não sei o que poderia ser. Um chamamento ao golpe de Estado, talvez? E isso é linguagem de um presidente que respeita o Estado democrático de Direito?


Bolsonaro deixou claro pela enésima vez que não aceitará o resultado das urnas. Se perder — o que é quase que certo —, vai tumultuar ainda mais o país até o final do ano e, tudo indica, se recusar a transferir a faixa presidencial. Aguardem.

ADWARE, MALWARE E EULA

SEGURO MORREU DE VELHO.

O termo "vírus" foi cunhado nos anos 1980, mas ainda é largamente utilizado como sinônimo de praga digital, mesmo quando a praga em questão não se enquadra nessa categoria — como no caso dos worms, trojans, spywares, keyloggers, ransomwares e que tais. 


Para fazer referência a quaisquer pragas “genericamente”, devemos usar o termo “malware” (MALicious softWARE), que designa qualquer código malicioso, inclusive os vírus propriamente ditos.  A propósito: todo vírus é malware, mas nem todo malware é vírus


vírus é um tipo de malware cuja execução depende da interação do usuário do computador ou de gatilhos definidos pelo criador do código (tais como datas e horários específicos ou ações como a inicialização de determinado aplicativo), além de precisar de outros programas para funcionar. 


O termo adware é usado para descrever um tipo de código que exibe anúncios indesejados, geralmente na forma de banners ou janelinhas pop-up. Um adware não é necessariamente malicioso e pode ser usado de forma legítima por desenvolvedores de software gratuito, mas o problema é que sua inclusão em aplicativos nem sempre é mencionada de forma clara nos contratos de licença (EULA). Além disso, esses códigos são autoexecutáveis, ou por outra, são capazes de rodar sem que o usuário do dispositivo inicie um aplicativo ou abra um arquivo específico.


Os Termos de Uso e as Políticas de Privacidade são dois contratos distintos, mas é comum eles integrarem o mesmo documento, como se fossem uma coisa só. Ambos são contratos de adesão bilaterais, já que estabelecem obrigações para ambas as partes. Mas apenas uma das partes elabora as cláusulas com as quais a outra parte geralmente concorda sem ler e, portanto, sem ter a menor ideia do que se trata.


A função precípua do EULA é descrever detalhadamente o produto ou serviço ofertado e estabelecer não só as responsabilidades da plataforma e do usuário, mas também as garantias que ela confere a este último (para que ele tenha seus direitos assegurados). Embora os Termos e Condições de Uso de qualquer plataforma possam conter inúmeras cláusulas (até para desmotivar a leitura), seis delas costumam estar sempre presentes:


1. O objeto do contrato, que é a descrição do que é o produto ou serviço que o usuário está contratando.


2. As condições gerais de uso, que explicitam como a plataforma deve ser utilizada e com o que o usuário está concordando ao utilizá-la.


3. O pagamento, se houver — em caso de não haver, é desejável que a gratuidade da utilização esteja expressa.


4. A política de privacidade de dados (quando não for estipulada em outro documento), na qual deve constar como os dados dos usuários serão coletados e de que forma serão utilizados — tanto os dados cadastrais quanto o uso de cookies e os mecanismos para exclusão das informações pessoais do usuário, caso o usuário a solicite (lembrando que a LGPD já está em vigor).


5. Responsabilidade ("Disclaimer"), que deve deixar claro quais situações são da responsabilidade do usuário e/ou da plataforma. 


6. Alteração Contratual — novas versões que venham a ser lançadas podem conter novas funcionalidades, mas a obrigação da plataforma se limita a informar que houve mudanças e que o usuário deverá aceitá-las caso queira continuar usando o serviço.


Aceitar os termos desses contratos é uma exigência imposta pelos desenvolvedores dos softwares aos usuários — sem esse aceite, a instalação não se completa. Por outro lado, aceitar o contrato sem ler implica não saber o que se está renunciando ou autorizando expressamente, inclusive no que concerne ao uso de imagem e de dados pessoais. 


Alegar desconhecimento da existência de uma lei que tipifica determinado ato não anula a possibilidade de punição. Jogar a sogra pela janela e dizer ao delegado que não sabia que purificar o ambiente era crime não livra o genro desinformado de responder a uma ação criminal. Pense nisso antes de aceitar sem ler o próximo EULA.

quarta-feira, 27 de abril de 2022

A PENÚLTIMA CRISE INSTITUCIONAL


 

Fala-se muito no “Estado Democrático de Direito”, mas pouco se diz e nada se faz em relação à incompatibilidade de seus princípios com o pensamento e as ações do duble de presidente-palanque e usina de criar crises institucionais. A penúltima produção que emergiu do esgoto palaciano foi uma resposta (contra-ataque?) à condenação do deputado-troglodita-bolsonarista Daniel Silveira pelo plenário do STF, vencido o voto do ministro cuja maior virtude foi tomar muita tubaína com o responsável por sua indicação.

 

Ao sacar da cartola o nome do desembargador piauiense Kássio Nunes Marques, nosso insigne (ficante) presidente descumpriu a promessa de indicar alguém “terrivelmente evangélico” para a vaga do ministro Celso de Mello. Dono de um currículo de dar inveja ao professor, oficial da reserva da Marinha e evangélico Carlos Alberto Decotelli, que teria se tornado o primeiro negro a ocupar um cargo na Esplanada dos Ministérios se não fosse tão mestre, doutor e pós-doutor quanto eu sou comendador, o magistrado em questão, ao ter a indicação presidencial aprovada pelo Senado, contribuiu para denegrir ainda mais a imagem do STF aos olhos da parcela pensando da população. Nunes Marques foi empossado em meio a suspeitas, com uma trajetória acadêmica questionável e companhias no mínimo duvidosas. Seu nome foi colocado na mesa do capetão pelo advogado e mafioso de comédia Frederick Wassef, com a aprovação de Flávio “Rachadinha” Bolsonaro e de Ciro Nogueira — este último, que é presidente licenciado do PP e atual ministro-chefe da Casa Civil da Presidência, referiu-se ao indicado como “nosso Kássio”. 

 

Em sua estreia na 2ª Turma da Corte, Nunes Marques votou pela confirmação da liminar (concedida por Gilmar Mendes) que soltou o promotor Flávio Bonazza, acusado de receber mais de R$ 1 milhão da máfia dos transportes no Rio, e retirou o caso dele da Lava-Jato fluminense. No julgamento sobre a possibilidade de Davi Alcolumbre e Rodrigo Maia serem reeleitos presidente do Senado e da Câmara, respectivamente, deu voto favorável ao primeiro e contrário ao segundo, em sintonia com os desejos do padrinho. Mais adiante, votou a favor de Lula no caso envolvendo o depoimento de Antonio Palocci e atendeu a um pedido do PDT para suspender trecho da Lei da Ficha Limpa que determina que o prazo de inelegibilidade de oito anos para condenados terá efeito após o cumprimento da pena. 

 

No julgamento de Silveira, nem o ministro-pastor André Mendonça — segundo apadrinhado do capetão e (esse, sim) terrivelmente evangélico — ousou divergir da maioria, embora tenha defendido a redução da pena. Como sua decisão não agradou à caterva bolsonarista (nem a líderes evangélicos como Malafaia e companhia), o magistrado justificou seu voto pelas redes sociais, tornando ainda mais burlesca uma situação já bastante patética. 

 

Escusado encompridar esta postagem elencando despautérios do parlamentar retrocitado ou enumerando bandeiras eleitoreiras que Bolsonaro agitou durante a campanha e enfiou em local incerto e não sabido quando subiu a rampa palaciana. Mas não custa relembrar que o “mito” dos apatetados prometeu propor o fim da reeleição e do indulto presidencial. Mas nunca se mente tanto quanto antes de uma guerra, durante uma campanha eleitoral e depois de uma pescaria. 

 

Em novembro de 2018, Bolsonaro disse o seguinte: “Se houver indulto para criminosos neste ano, certamente será o último”. “Fiel a sua palavra”, concedeu indultos a agentes de segurança condenados por crimes considerados culposos no final de 2019, 2020 e 2021. No feriado de Tiradentes, talvez por conta das festividades carnavalescas que pipocaram extemporaneamente cá e acolá, pensou que bem poderia ser Natal, e como Natal combina com indulto presidencial (aquele que deixaria de existir no seu governo), concedeu a graça do indulto individual a seu valoroso escudeiro.

 

Bolsonaro tomou sua magnânima decisão — que não livra o assecla da inelegibilidade — antes do trânsito em julgado da condenação, e o patente desvio de finalidade — que fere os princípios da impessoalidade e da moralidade — deu azo a um sem-número de questionamentos apresentados pela oposição, enquanto parlamentares não-bolsonaristas avaliam as medidas cabíveis, que podem ser desde um novo pedido de impeachment do mandatário até uma ação questionado a graça presidencial no STF.


Na segunda-feira 25, a Associação Brasileira de Imprensa encaminhou um Informe ao Relator Especial da ONU sobre Independência de Juízes e Advogados, denunciando a “graça” concedida por Bolsonaro a Silveira. No documento, a ABI afirma que o decreto “afronta a democracia, a separação de poderes, a independência do Judiciário e a administração da Justiça”. A Entidade solicitou uma reunião com o Relator da ONU, com a participação de outras entidades da sociedade civil, e espera que a Comissão se “posicione sobre as violações ocorridas com uma nota pública”.


Continua...