domingo, 12 de outubro de 2025

PIPOCAS COM CALDA DE CARAMELO

SE VIVER É SONHAR, ACORDAR É MORRER.

Outubro, conhecido como mês das crianças, termina com o Halloween — cuja origem é incerta. Acredita-se que essa tradição tenha começado com o Samhain dos antigos celtas, que celebravam a passagem do ano em 31 de outubro. 

Os Estados Unidos incorporaram a festa ao seu calendário por influência dos ingleses, e assim, na noite de 31 de outubro, casas e ruas são decoradas com temas “assustadores”, enquanto crianças fantasiadas de bruxas, múmias e fantasmas ameaçam pregar peças em quem lhes negar guloseimas.

O costume de pedir doces remonta à antiga tradição celta de oferecer comida para apaziguar os maus espíritos, e a vela dentro da abóbora tem origem no folclore irlandês. Quanto ao indefectível Jack-o'-lantern, reza a lenda que Jack era um beberrão que enganou o diabo e conseguiu escapar do inferno, mas não foi aceito no céu e passou a vagar pelas noites carregando uma lanterna improvisada — não feita com uma abóbora, mas com um nabo iluminado por uma brasa de carvão.

CONTINUA DEPOIS DA POLÍTICA

Em mandatos anteriores, Lula selecionava ministros para o Supremo levando em conta sobretudo os serviços que os indicados lhe poderiam prestar. Hoje, ele privilegia os serviços já prestados. Mantido esse padrão, o AGU Jorge Messias — o ˝Béssias˝ — é favorito na corrida pela vaga que se abriu com a aposentadoria precoce do ministro Barroso. 

Béssias adiciona ao notório saber jurídico exigido pela Constituição os critérios do companheirismo e da lealdade prévia. Comandava a Subchefia de Assuntos Jurídicos do Planalto em 2016, quando Moro levantou o sigilo do célebre grampo em que Dilma avisou a Lula que "Béssias" estava a caminho, levando o ato de sua nomeação para a Casa Civil. Revogado por Gilmar Mendes, o termo de posse perdeu o efeito. Dilma foi deposta meses depois, e Lula foi para a cadeia em abril de 2018. Numa entrevista de 2019, o ex-presidente Temer declarou que a gerentona de araque teria concluído o mandato se Lula fosse chefe da Casa Civil.

Em 2023, quando sinalizou que indicaria seu advogado na Lava-Jato, o xamã petista disse que "todo mundo compreenderia": "É meu amigo, meu companheiro." Ao vestir a toga em Flávio Dino, declarou: "Sempre sonhei que deveríamos ter na Suprema Corte um ministro com a cabeça política".

Há sobre a mesa nomes alternativos, como os do senador Rodrigo Pacheco e do ministro do TCU Bruno Dantas, mas são ˝azarões˝ — fala-se em Fernandinho Beira-Mar e Marcola, mas isso não passa de intriga da oposição.

As escolhas companheiras excitam o bolsonarismo. Mas a oposição cobra virtude sentada nos próprios vícios. Bolsonaro dispensou os pudores ao referir-se a Nunes Marques como "10% de mim dentro do Supremo". Com André Mendonça, elevou a gorjeta para 18%, mas errou na conta: "Agora, tem dois ministros que representam 20% daquilo que gostaríamos que fosse decidido e votado".

No fundo, esquerda e direita querem as mesmas coisas: uma maioria de magistrados leais, uma Procuradoria que denuncie crimes alheios e um Supremo que prenda os outros, soltando os seus. No entanto, depois que a toga repousa sobre o ombro do escolhido, a lealdade tende a virar uma abstração.

Voltando às gostosuras, a pipoca caramelizada agrada a crianças de todas as idades — sobretudo às que já têm, ou ainda têm, dentes para mastigar. Vestígios do milho Zea mays everta encontrados em cavernas no México sugerem que a pipoca já fazia sucesso milhares de anos antes de se tornar a estrela das sessões de cinema. Hoje, o consumo dessa guloseima e de refrigerantes responde por mais de 80% da receita das salas de exibição.

Em 1981, a gigante americana General Mills registrou a primeira patente de pipocas de micro-ondas. Considerando que um balde de pipoca e um refrigerante grande chegam a custar cerca de R$ 50 nos cinemas, enquanto um pacote de 100 gramas de pipoca com cobertura de manteiga para micro-ondas sai por volta de R$ 5, e um pacotinho de 400 gramas de milho premium custa cerca de R$ 7 — mas rende muito mais — assistir a filmes por streaming comendo pipoca sai bem mais barato que ir ao cinema.

Voltando à pipoca caramelizada, trata-se de uma versão em que uma calda de açúcar espessa e brilhante confere um sabor doce e crocante irresistível. Você vai precisar de:

  • 3 colheres (sopa) de milho para pipoca

  • 3 colheres (sopa) de açúcar

  • 2 colheres (sopa) de água

  • 2 colheres (sopa) de óleo (ou azeite, ou manteiga)

Aqueça o óleo numa panela em fogo baixo, acrescente o milho, tampe e sacuda de tempos em tempos. Quando o intervalo entre os estouros for superior a 3 segundos, desligue o fogo, transfira as pipocas para uma travessa e reserve.

Na panela vazia, derreta o açúcar, mexendo para que não grude. Quando a calda estiver dourada, retire a panela do fogo, junte a pipoca e mexa delicadamente com uma espátula até que todas estejam envolvidas pela calda. Sirva em seguida.

Bom proveito!

sábado, 11 de outubro de 2025

O TEMPO EM UM SEGUNDO

O TEMPO PASSA, O TEMPO VOA, E A POUPANÇA BAMERINDUS… FALIU.

Nossos ancestrais começaram a buscar maneiras de medir a passagem do tempo quando perceberam padrões no amanhecer e no anoitecer, nas fases da Lua e nas mudanças sazonais. 


Em meados do terceiro milênio a.C., os egípcios criaram seu primeiro calendário, e os sumérios dividiram o ano em 12 meses de 30 dias. Já no século XVI d.C., o papa Gregório XIII substituiu o calendário solar implantado por Júlio César em 46 a.C. pelo modelo que hoje é adotado por 189 dos 193 países-membros da ONU.


CONTINUA DEPOIS DA POLÍTICA


Há cinco meses, um empate técnico com Lula na pesquisa Quaest deu a Tarcísio de Freitas o status de super-homem do Centrão. Desde então, a musculatura eleitoral do governador de São Paulo definha. No mês passado, o empate estatístico virou desvantagem de oito pontos. Agora, a nova rodada revela que o petista bateria o bolsonarista com vantagem de 12 pontos se o segundo turno fosse hoje..

Nada mudou mais em Tarcísio nos últimos cinco meses do que a retórica: ele exacerbou o timbre bolsonarista, questionou a condenação de Bolsonaro; meteu-se na articulação do pedido de urgência para a anistia na Câmara, atacou o Supremo e chamou Alexandre de Moraes de "tirano". Mas o bolsonarismo desenfreado de Tarcísio produziu efeito inverso do pretendido.

As radiações de Bolsonaro parecem exercer sobre Tarcísio os efeitos de uma espécie kriptonita, o mineral usado na ficção pelos inimigos do super-homem para minar seus superpoderes. A diferença entre realidade e ficção é que o governador não precisou de nenhum Luthor para se tornar um presidenciável mais fraco. Pulou voluntariamente no colo do "mito".

Hoje, numa disputa direta contra Lula, Michelle Bolsonaro ostenta a mesma desvantagem de 12 pontos atribuída a Tarcísio. Não fosse pela rejeição de madame, refugada por 63% do eleitorado, o Centrão talvez desligasse o ´super-homem´ da tomada.


Os primeiros relógios de sol marcavam o tempo com base na sombra projetada por uma haste. Mais tarde vieram os relógios de água e de areia, amplamente utilizados por diversas civilizações até o século X d.C., quando surgiu o relógio mecânico. Cerca de 500 anos depois, apareceram os relógios de pêndulo, bem mais precisos, e, por volta da mesma época, o relógio de bolso virou símbolo de status e pontualidade — ou, ao menos, da intenção de tê-la.


O relógio de pulso nasceu das mãos de Abraham-Louis Bréguet a pedido da irmã de Napoleão Bonaparte, mas só se popularizou entre os homens quando Santos Dumont encomendou a Louis Cartier um modelo adaptado para ser usado durante seus voos de balão — afinal, tirar o relógio do bolso em pleno ar não era exatamente prático.


O mecanismo de corda automática, desenvolvido no final da década de 1920, consolidou-se nas seguintes como evolução natural da corda manual. Já nos anos 1960, o quartzo revolucionou a relojoaria ao permitir mecanismos muito mais precisos — inclusive os modelos digitais que dominariam o mercado nas décadas seguintes.


Hoje, monstros sagrados da relojoaria suíça como Rolex, Omega, Breitling e Tissot continuam produzindo peças sofisticadas e caríssimas, mas cuja precisão está a anos-luz dos smartwatches — que, sincronizados com servidores de horário na Internet (como o NTP.br), variam apenas um segundo a cada 30 bilhões de anos. Mas a pergunta que não quer calar é: quanto tempo tem um segundo?


Tecnicamente, um segundo é a unidade básica de tempo — 1/60 de um minuto, que equivale a 1/60 de uma hora, e assim por diante. Portanto, um segundo tem 1.000 milissegundos ou 0,0166667 minutos, certo? Não exatamente. Essa é uma visão prática, mas simplificada, que não considera as complexidades envolvidas na definição científica do segundo, baseada em transições atômicas e padrões de frequência.


A definição formal segue o Sistema Internacional de Unidades (SI), que padroniza medições de grandezas fundamentais — como metros, quilogramas, amperes, kelvins e, claro, segundos. A responsabilidade de manter e revisar essas definições cabe à Conferência Geral de Pesos e Medidas (CGPM), que as atualiza periodicamente para refletir os avanços da ciência e da tecnologia.


Em 1967, a 13ª CGPM definiu o segundo como “a duração de 9.192.631.770 períodos da radiação correspondente à transição entre os dois níveis hiperfinos do estado fundamental do átomo de césio 133.” Em 1997, acrescentou-se que essa definição se refere a um átomo de césio em repouso, a uma temperatura de 0 K. Mais tarde, em sua 26ª reunião (2018), a entidade fixou o valor numérico da frequência de transição hiperfina do césio (ΔνCs) como sendo exatamente 9.192.631.770 Hertz — base para todos os relógios atômicos modernos.


A escolha do césio não é casual: suas propriedades atômicas proporcionam uma medição de tempo estável, precisa e universal, livre das variações da rotação terrestre. Antes disso, o segundo era definido como 1/86.400 do dia solar médio, o que se revelou problemático, já que a rotação da Terra oscila levemente devido a fatores como marés, terremotos e até ventos atmosféricos.


Com o avanço da tecnologia atômica, cientistas perceberam que padrões de transição entre níveis de energia de átomos e moléculas eram muito mais confiáveis para medir o tempo. Desde então, o segundo deixou de depender da instabilidade do planeta e passou a se apoiar na constância do universo microscópico.


Atualmente, experimentos com relógios ópticos — que usam átomos como o estrôncio e o itérbio — já superam a precisão dos relógios de césio, e provavelmente darão origem a uma nova redefinição do segundo nas próximas décadas. Afinal, medir o tempo com perfeição continua sendo uma das obsessões mais antigas — e mais humanas — da ciência.

Ironicamente, quanto mais precisamente conseguimos medir o tempo, mais ele parece escapar por entre os dedos. Talvez porque, ao fim e ao cabo, nenhum relógio — por mais atômico que seja — consiga atrasar o inevitável tic-tac da vida.

sexta-feira, 10 de outubro de 2025

DO TELEFONE DE D. PEDRO AO CELULAR

ANTES QUE O MAL CRESÇA, CORTA-SE A CABEÇA.

O italiano Antonio Meucci criou o "telettrofono" em 1856 — vinte anos antes do britânico Alexander Graham Bell patentear o telefone. Mais adiante, o Congresso dos EUA reconheceu a contribuição de Meucci, mas Bell continua sendo considerado o "pai do telefone".

 

O Brasil foi o segundo país do mundo a ter telefone. A primeira linha, instalada em 1877 por ordem de D. Pedro II, ligava a residência imperial ao Palácio de São Cristóvão e às casas dos seus ministros.


Em 1998, o então presidente Fernando Henrique privatizou as Teles, pondo fim ao abominável Sistema Telebras, implantado em 1972, durante o governo Médici. Com a privatização, as linhas fixas — que custavam os olhos da cara e demoravam décadas para serem instaladas — deixaram de ser consideradas um "bem" declarado ao fisco e negociadas a peso de ouro no mercado negro (em algumas regiões da capital paulista, um terminal chegava a custar tanto quanto um veículo popular 0 km).


A privatização também "democratizou" os celulares: até então, habilitar uma linha móvel era um processo caro e burocrático, a insuficiência de células (antenas) restringia o sinal às capitais e grandes centros urbanos, a profusão de "áreas de sombra" limitava ainda mais o uso dos aparelhos, o preço do minuto de ligação era exorbitante e até as chamadas recebidas eram tarifadas. 


CONTINUA DEPOIS DA POLÍTICA


Lula deveria mandar flores para o domicílio prisional de Jair Bolsonaro, um cartão postal para o filho Eduardo e bombons para os tecelões do Centrão. Há quatro meses, com a impopularidade a pino, o macróbio fazia de tudo para melhorar sua imagem, mas tudo parecia não querer nada com ele. Hoje, as pesquisas lhe sorriem. A distância entre os que reprovam e os que aprovam seu governo, que já foi de 17 pontos, caiu para um ponto. 

Lula sobe a montanha empurrado pelas maluquices dos opositores. O estreitamento da inimizade com Trump lhe deu uma cara de solução para as encrencas que o clã Bolsonaro criou. A aversão das ruas ao combo blindagem-anistia, empinado pelo consórcio centrão-bolsonarista, presenteou-o com o avanço do projeto que isenta Imposto de Renda quem ganha até 5 mil reais — que conta com a aprovação de oito em cada dez eleitores (79%). Além de solidificar a recuperação de eleitores perdidos, Lula colocou um pé fora do quintal petista: sua aprovação junto aos eleitores com renda acima de cinco salários mínimos deu um salto de oito pontos. 

Ironicamente, as últimas novidades produzidas pelos rivais reforçam a opção preferencial pelo erro: na terça-feira, produziu-se na Esplanada um ato chocho pró-anistia; na quinta, Ciro Nogueira visitou Bolsonaro. Quer dizer: a facção bolsonarista permanece acorrentada a uma pauta gasta e o centrão continua agarrado à barra da calça do "mito". 

A dívida do molusco com os rivais vai se tornando impagável.


Andar com um celular no cinto, no bolso ou na bolsa nos anos 1990 era mais símbolo de status do que real necessidade. Isso mudou com a virada do século (detalhes no capítulo de abertura), sobretudo depois que os telefoninhos móveis de longo alcance se transformaram em microcomputadores ultraportáteis. 

 

Buscando fidelizar a clientela, as operadoras passaram a oferecer planos pré-pagos com ligações ilimitadas, franquias de dados e acesso grátis ao WhatsApp e às principais redes sociais. Em 2024, segundo dados da ANATEL, havia 263,4 milhões de celulares ativos no Brasil — cerca de 1,22 por habitante. Samsung, Motorola, Apple e Xiaomi abocanham 36%, 19%, 17% e 16% desse mercado, respectivamente. 


Os produtos da Apple sempre foram um sonho de consumo que poucos conseguem realizar, sobretudo num país com uma das maiores cargas tributárias do mundo. Mas isso não significa que os modelos top de linha concorrentes sejam baratos: no final do ano passado, o Galaxy S24 Ultra — principal aposta da Samsung para fazer frente aos iPhones Pro e Pro Max — partia de R$ 9.499, e o Motorola Razr 50 Ultra 5G, de R$ 7.999 — preço equivalente ao do iPhone 16 básico no site oficial da Apple.


Os smartphones aposentaram os "orelhões" — os poucos que restaram ficam em aeroportos, rodoviárias, shoppings e hipermercados —, reduziram consideravelmente as linhas residenciais fixas — ainda que a instalação seja praticamente imediata e a assinatura mensal gire em torno de R$ 30 — e restringiram o uso do desktop ou do notebook a tarefas que exigem tela de grandes dimensões, teclado físico e mais processamento, armazenamento e memória do que a maioria dos smartphones oferece.

 

Como a versatilidade leva ao uso constante, a autonomia se tornou fundamental na escolha do aparelho, ainda que nem as baterias de 5.000 mAh livram os heavy users de um "pit stop" entre duas recargas completas e os usuários comuns de recorrerem à tomada dia sim, dia não (isso na melhor das hipóteses). 


Continua...

quinta-feira, 9 de outubro de 2025

DE VOLTA À (IN)SEGURANÇA DIGITAL (FINAL)

INFORMAÇÃO É PODER, E O PODER CORROMPE.

O modelo de negócios dominante é baseado na coleta e monetização de dados pessoais. Quanto mais digitais nos tornamos, mas rastros deixamos: gostos, hábitos, rotas, padrões de sono, saúde, consumo, relacionamentos e tudo mais que possa interessar aos bisbilhoteiros de plantão.

Os smartphones são espiões perfeitos: eles sabem onde estamos, com quem falamos, o que pesquisamos, compramos ou desejamos, já que a maioria dos aplicativos solicita permissões que vão muito além do necessário — e a maioria de nós concede acesso irrestrito a microfone, câmera, localização e contatos.

Observação: Um app de lanterna, por exemplo, não precise saber onde moramos. Só que nós permitimos que ele saiba — e que alguém lucre com isso.

CONTINUA DEPOIS DA POLÍTICA

Diz um ditado que quem já foi rei nunca perde a majestade, e outro, que quem nasceu para teco-teco nunca será um bimotor. O governador Tarcísio de Freitas se enquadra perfeitamente no segundo aforismo.
Num instante em que cresce o número de mortes e internações pelo consumo de drinks intoxicados com metanol, o discípulo de Bolsonaro achou que seria uma boa ideia fazer graça: "no dia em que começarem a falsificar Coca-Cola, eu vou me preocupar", disse ele. Num contexto em que há pessoas morrendo, só uma coisa é mais dura do que a suavidade da indiferença: a insensibilidade do descaso.
Comparado consigo mesmo, Tarcísio tratou os envenenados de metanol com o mesmo descaso que dedicou às vítimas de sua PM quando a ONG Conectas recorreu ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas contra as "operações letais e a escalada da violência policial na Baixada Santista". Comparado a Bolsonaro, a criatura soou tão inadequada quanto o criador nos piores momentos da pandemia: "Pelo meu histórico de atleta, não precisaria me preocupar..."; "E daí? Todos vão morrer um dia..."; "Não sou coveiro...".
Fica evidente que o governador que serve maus drinks à sociedade deveria extrair um ensinamento da conjuntura: se beber coca-cola, não se dirija ao microfone.

A enxurrada de anúncios que recebemos é uma "consequência natural" de nossas incursões pela Web e das pesquisas que fazemos com o Google Search ou qualquer outro mecanismo de busca. No entanto, anúncios que remetem a produtos sobre os quais conversarmos por voz leva água ao moinho da teoria conspiratória segunda a qual smartphones e assistentes virtuais realmente espionam seus usuários.

Os fabricantes garantem que seus espiões, digo, que seus produtos aguardam o comando de ativação para começar a gravar e processar o áudio, que as gravações são armazenadas localmente ou em servidores seguros, e que os dados coletados não são usados para fins de marketing. Como seguro morreu de velho, desative o microfone dos gadgets quando eles não estiverem sendo usados, instale um bloqueador de anúncios no celular, revise suas configurações de privacidade e limite as permissões de acesso dos aplicativos.

A maioria dos spywares (softwares espiões) disponíveis para download na Internet costuma se disfarçar de joguinhos, blocos de notas ou outros programinhas aparentemente inofensivos, mas cumpre seu papel, embora ofereça menos recursos que as versões comercializadas por empresas, cuja instalação requer acesso físico e desbloqueio do aparelho.

A IA de que dispomos não se compara à do HAL 9000 ou do Skynet, mas já existem veículos que controlam a direção, os freios e o acelerador com o auxílio de sensores cada vez mais sofisticados e precisos (radar, câmeras, lidar). Telas para o carona e os passageiros que viajam no banco traseiro são o presente; no futuro, requintes como realidade aumentada e integração de inteligências artificiais ainda mais avançadas permitirão ao software adequar as faixas musicais ao gosto do motorista da vez, por exemplo, além de tornar ainda mais precisas as atualizações OTA.

 

Luzes-espia que indicam problemas no sistema perderão a razão de existir quando a IA antecipar qualquer mau funcionamento através de check-ups preditivos. Nos carros elétricos, o navegador por satélite incluirá paradas de carregamento e recalculará a rota se detectar mudanças no trânsito, nas condições climáticas ou no estilo de direção. A IoT (internet das coisas) será a base das cidades inteligentes, onde semáforos, edifícios e veículos V2V (Vehicle To Vehicle) conversarão entre si, reduzindo consideravelmente os congestionamentos.

 

Embora (ainda) não faça sentido temer uma "revolta das máquinas", softwares cada vez mais complexos podem tanto resolver como criar problemas — vale lembrar o velho adágio segundo o qual "os computadores vieram para resolver todos os problemas que não existiam quando não havia computadores". 


Manter nossos dados sensíveis fora do alcance de bisbilhoteiros e cibercriminosos é crucial: afora a possibilidade de informações caírem nas mãos de pessoas mal-intencionadas, os riscos de o veículo ser roubado ou controlado remotamente porque alguém que consiga acesso ao sistema para gerenciar a direção, o acelerador e os freios são no mínimo preocupantes. Infelizmente, é mais fácil falar do que fazer.

 

As montadoras coletam dados para "aprimorar seus produtos e serviços", mas também os utilizam para incrementar seus ganhos. Companhias de seguros compram informações sobre nossos hábitos de dirigir para prever com maior precisão a probabilidade de acidentes e ajustar o custo das apólices, e empresas de marketing as utilizam para direcionar a publicidade com base em nossa renda, estado civil e status social. Em 2020, 62% dos veículos vinham de fábrica com essa função controversa — e o número deve aumentar para 91% até o final de 2025. I


Isso sem falar em outros cenários de monetização desagradáveis, como ativar ou desativar funções adicionais do carro por meio de assinaturas — como a BMW tentou fazer com assentos aquecidos — e bloquear um veículo financiado em caso de inadimplência. Para piorar, os fabricantes nem sempre protegem adequadamente os dados que armazenam. A Toyota admitiu um vazamento de dados coletados de milhões de modelos habilitados para a nuvem, e a Audi, de informações de mais de 3 milhões de clientes. Em 2014, a empresa de cibersegurança russa Kaspersky concluiu que a possibilidade de criminosos controlarem remotamente um veículo não é uma simples fantasia futurista. 

 

Segundo um velho axioma do marketing, quando você não paga por um produto, é porque você é o produto. Se 80% da receita do Google e a maioria de webservices e apps freeware se monetiza através de anúncios publicitários, nossa privacidade é conversa mole para boi dormir. Ademais, os cibervigaristas se valem de anúncios chamativos para conduzir suas vítimas a sites fraudulentos ou recheados de malware. 

 

Muitas pessoas que se preocupam com a possibilidade de seus celulares serem monitorados e suas assistentes virtuais "escutarem" suas conversas — o que até faz sentido, considerando que os próprios fabricantes reconhecem que colhem informações para alimentar seu aparato de marketing — entopem suas redes socais com fotos de casa, do carro novo, do restaurantes que frequenta, dos filhos vestidos com o uniforme da escola, e assim por diante. 


O microfone precisa permanecer em stand-by para detectar a palavra de ativação, já que as assistentes virtuais são projetadas para responder a comandos de voz. Mas gravar as conversas o tempo todo, como alguns suspeitam que seus celulares fazem, aumentaria exponencialmente o consumo de dados móveis e aumentaria drasticamente o consumo de bateria. 


Ainda que a amaça de "espionagem" seja real, jabuti não sobe em árvore. Se há um spyware no seu aparelho, é porque você ou alguém o instalou. Na maioria dos casos, o próprio usuário instala o software enxerido a partir de um link malicioso ou de um app infectado, mas cônjuges ciumentos ou pais "zelosos" também podem se aproveitar de um descuido para fazer o servicinho sujo. 


Revelações como as de Edward Snowden, em 2013, mostraram ao mundo que governos — e não apenas os autoritários — mantêm sistemas de espionagem maciça. A NSA, por exemplo, monitorava milhões de comunicações, dentro e fora dos EUA, inclusive de chefes de Estado, sob o pretexto da "segurança nacional". Na China, o sistema de “crédito social” monitora comportamentos e impõe sanções ou benefícios conforme a conduta dos cidadãos. No Brasil, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) representou um avanço, mas ainda há lacunas sérias na fiscalização, no combate a abusos e na conscientização dos usuários.

 

O risco vai além do uso indevido de informações: dados pessoais, quando cruzados com bases públicas ou vendidas no submundo digital, podem facilitar extorsões, fraudes, golpes de engenharia social e roubos de identidade. E a própria arquitetura da internet torna difícil garantir o anonimato. Cookies, metadados, geolocalização, número do IP, tempo de permanência em páginas — tudo isso ajuda a rastrear mesmo quem navega em modo anônimo. Ferramentas como VPNs, navegadores alternativos e bloqueadores de rastreadores ajudam, mas não fazem milagres.

 

A pergunta que se coloca é: até que ponto vale sacrificar a privacidade em nome da conveniência, da segurança ou da promessa de uma internet "mais inteligente"? No mundo digital, segurança absoluta é conto da Carochinha, mas adotar algumas medidas — como limitar permissões de apps, usar autenticação em dois fatores, manter softwares atualizados, adotar senhas fortes e únicas, desconfiar de links suspeitos e pensar duas vezes antes de compartilhar qualquer informação pessoal, sobretudo em redes sociais — pode reduzir os riscos.


Zelar pela privacidade não é ser paranoico, é ser previdente e cauteloso. Parafraseando Edward Snowden: "Dizer que não se importa com o direito à privacidade porque não tem nada a esconder é o mesmo que dizer que não se importa com a liberdade de expressão porque não tem nada a dizer."

quarta-feira, 8 de outubro de 2025

A MICROSOFT PELA JANELA DO WINDOWS

VOCÊ NUNCA CHEGARÁ A SEU DESTINO SE PARAR PARA ATIRAR PEDRAS EM CADA CÃO QUE LATE.

Tudo que sobe tem que descer, mas a Microsoft parece fugir à regra, com um valor de mercado na caso dos US$ 4 trilhões e uma valorização de 20% no primeiro semestre deste ano — enquanto Amazon e Tesla recuaram 1,2% e 16,2% respectivamente.

Em 1975, logo após o primeiro microcomputador comercial da história estampar a capa da Popular Electronics, Paul Allen escreveu um interpretador BASIC que Bill Gates ofereceu à desenvolvedora da geringonça, que o distribuiu como Altair BASIC. Meses depois, os dois amigos fundaram a Microsoft — cuja trajetória muitos confundem com a do Windows, embora não seja bem assim.


CONTINUA DEPOIS DA POLÍTICA


Um mês depois da exibição de um bandeirão americano de 36 metros num ato na Avenida Paulista, em pleno Dia da Pátria, descobre-se em meio à crise terminal que "significado" perdeu o significado.

Difícil enxergar lógica na caminhada brasiliense convocada por Silas Malafaia a pretexto de que o bolsonarismo não pode "deixar a esquerda com a última palavra" em matéria de meio-fio, e nula a hipótese de os aliados de Bolsonaro extraírem do asfalto brasiliense, no meio da tarde de um dia útil, um ronco mais alto do que aquele que soou nas manifestações contra o combo blindagem-anistia. De resto, a hipótese de o Congresso conceder ao ex-presidente golpista uma anistia ampla está situada abaixo da estaca zero.

Portanto, além da crise semântica, a extrema-direita bolsonarista vive uma crise existencial: é como se o chefe da organização criminosa do golpe e seus devotos só enxergassem uma maneira de sair do buraco em que se meteram: cavando um buraco ainda maior.

 

Quando lançou o IBM-PC para competir com o Apple II, em 1980, a IBM não tinha um sistema operacional para controlar o aparelho. Pensando que a Microsoft fosse dona do CP/M, a empresa procurou Bill Gates, que desfez o engano e mediou uma reunião com, Gary Kildall, desenvolvedor do software. Mas Kildall saiu para voar em seu avião e deixou as negociações a cargo da esposa, que teria pedido um aumento nos royalties com o qual os executivos não concordaram. Assim, a Big Blue voltou a Gates, que dessa vez não se fez de rogado.

 

Em vez de desenvolver o sistema do zero, a Microsoft comprou por US$ 50 mil a licença do QDOS, desenvolvido por Tim Paterson, adaptou o software ao IBM-PC e ofereceu-o à IBM como MS-DOS. O pulo do gato foi não incluir no contrato o acesso ao código-fonte nem uma cláusula de exclusividade, ladrilhando o caminho que a levou a líder do mercado de PCs compatíveis e colocou Gates e Allen na lista dos bilionários da Forbes.

 

O Windows "nasceu" em 1985 como uma interface gráfica que rodava no MS-DOS e foi chamado inicialmente de Interface Manager — como a palavra "windows" significa "janelas", foi trabalhoso e demorado registrá-la como nome de um produto —, mas só se tronou um sistema operacional semiautônomo em 1995, já que o DOS continuou operando nos bastidores até 2001, quando a versão XP cortou o cordão umbilical.


O Windows 98/SE reinou sobranceiro até ser destronado pelo XP. A exemplo do Windows ME — lançado em setembro de 2000 para aproveitar o apelo mercadológico da virada do milênio — o Vista (2007), o 8 (2012) e o 8.1 (2013) foram fiascos de crítica e de público. O Seven (2009) repetiu o sucesso do XP. O Windows 10 — lançado em 2015 como "serviço" — foi incumbido de atingir 1 bilhão de instalações e em três anos. No entanto, a despeito do upgrade gratuito para usuários de cópias legítimas do Windows 7 SP1 e 8.1, só cumpriu a meta em 2020. 

 

Quando lançou o Windows 10 como parte da ideia "Windows as a Service" — segundo a qual o software evoluiria com atualizações contínuas, sem precisar de novos nomes ou versões numeradas — a Microsoft deu a entender que ele seria a "versão definitiva" do sistema. Mas não há nada como o tempo para passar: além de lançar o Windows 11 em 2021— com exigências de hardware que frustraram milhões de usuários —, a empresa avisou que o suporte ao Windows 10 seria descontinuado em outubro de 2025 (clique aqui para saber como continuar usando essa versão com segurança). 

 

Observação: O Windows 12 está no forno, mas a próxima atualização relevante será o Windows 11 25H2, previsto para setembro ou outubro, que será distribuído via "enablement package" — pacote de ativação de cerca de 1 MB que instala em poucos minutos.     

 

Apesar de Bill Gates ser a face mais conhecida da Microsoft, muitos dos erros estratégicos da empresa ocorreram sob Steve Ballmer, que assumiu a presidência em 2000 e foi sucedido por Satya Nadella em 2014. Ballmer comandou a criação do Xbox e aquisições importantes (Skype, LinkedIn, GitHub e Activision Blizzard), mas também foi responsável pelo fiasco do Windows Vista e por subestimar os smartphones — erro que custou à Microsoft a chance de competir com o Apple iPhone (detalhes nesta postagem).

 

Nadella, por sua vez, apostou na nuvem (Azure) e na mudança para o modelo SaaS, que substituiu as tradicionais licenças permanentes por uma base de usuários de software como serviço. Mas a parceria com a OpenAI, criadora do ChatGPT, à qual a Microsoft já destinou mais de US$ 13 bilhões até 2024, foi um marco para ambas as empresas.

 

Hoje, 50 anos após sua fundação, a Microsoft continua liderando o mercado de sistemas operacionais (com participação estimada em 69%), mas enfrenta o desafio de monetizar a IA, altos gastos com infraestrutura, e forte concorrência da Google e da Amazon nos serviços de nuvem. Ainda assim, 2025 lhe tem sido generoso: no primeiro trimestre, a receita bateu US$ 70 bilhões — alta de 16% em relação a 2024 —, com lucro líquido de US$ 24,7 bilhões. 

 

Resumo da ópera: Enquanto a Apple enfrenta riscos regulatórios e uma cadeia de produção vulnerável (concentrada na China), a Gigante de Redmond demonstra notável resiliência, trajetória sólida e expectativas alvissareiras para os próximos 50 anos. 


Quem viver verá.