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quarta-feira, 28 de junho de 2023

COLLOR LÁ... PARTE 3

 

AtualizaçãoO julgamento que pode tornar Bolsonaro inelegível será retomado amanhã. Ontem, o ministro Benedito Gonçalves votou pela condenação do ex-presidente e pela absolvição de Walter Braga Netto, candidato a vice na chapa, por “não ter sido demonstrada sua responsabilidade” na acusação. Amanhã devem votar os ministros Raul AraújoFloriano de Azevedo MarquesAndré Ramos TavaresCármen LúciaNunes Marques e Alexandre de Moraes.

Nunca saberemos se Pedro Collor se insurgiu contra o irmão porque PC Farias pretendia lançar a Tribuna de Alagoas (que concorreria com a Gazeta de Alagoas, da família Collor) ou por ele ter "dado em cima" de sua mulher, Thereza, como consta do livro "Passando a Limpo — A Trajetória de um Farsante". Vale destacar que essa versão é contestada pela ex-primeira-dama, segundo a qual a ex-cunhada não "fazia o tipo" de seu marido; ele é que "fazia o tipo" dela. 
 
Observação: No livro Tudo o que eu vivi, Rosane Malta (como passou a assinar após o divórcio) trás a lume intrigas familiares, rituais macabros realizados na Casa da Dinda (inclusive com fetos humanos), a morte de PC Farias e o destino do dinheiro do esquema de corrupção. Consta que tinha planos de entrar para a política, mas deu com os burros n'água. Em 2020, o portal Extra publicou que ela estava vivendo um affair com o advogado que a estava ajudando a receber pensões alimentícias atrasadas

 

Em entrevista à Veja em maio de 1992, Pedro revelou que PC era o testa-de-ferro do presidente em um esquema de cobrança de propinas e arrecadação ilegal de recursos — que, como se descobriu mais adiante, chegou a movimentar US$ 1 bilhão entre propinas pagas por empresários e dinheiro desviado dos cofres públicos. 

A CPI instalada para apurar as denúncias confirmou que o ex-tesoureiro e fiel escudeiro do presidente agia em todos os níveis do governo, e que despesas pessoais do primeiro-casal eram pagas com cheques de contas fantasmas.
 
O caldo entornou quando veio à tona que o prosaico Fiat Elba dirigido por Eriberto França, motorista da então secretária particular do presidente, foram pago com cheque de uma das contas fantasmas. O depoimento de Eriberto revelou também que Ana Acioli (a tal secretária) e o próprio PC sacaram dinheiro de suas contas às vésperas do confisco imposto pelo Plano Collor. 
 
A defesa alegou que os recursos para pagamento das contas pessoais do primeiro-casal provinham de um empréstimo tomado no Uruguai para financiar a campanha do presidente, mas a CPI não engoliu essa versão e, após 85 dias de trabalho, a despeito de todos os esforços envidados pela tropa de choque comandada por Roberto Jefferson, aprovou (por 16 votos a 5) o relatório final do senador Amir Lando.
 
Collor foi afastado em 29 de setembro e cassado três meses depois. Nesse meio tempo, o helicóptero que levava Ulysses Guimarães e sua mulher, dona Mora, de São Paulo (SP) para Angra dos Reis (RJ) caiu no mar (os corpos jamais foram encontrados). De acordo com o livro de Rosane, essa foi a primeira manifestação do que ficou conhecido como "a maldição do impeachment" — uma série de mortes estranhas e trágicas de pessoas ligadas a Collor ou a seu afastamento da presidência.
 
Observação: Também segundo o livro, Mãe Cecília era frequentadora assídua do Alvorada, onde recebia as entidades que falavam com o presidente. Anos depois, em uma entrevista, a mãe de santo revelou que, aos poucos, os santos foram se acostumando com o bom e o melhor — só queriam champanhe e uísque importado e faziam questão de fumar charuto cubano. Collor bancava tudo isso, para que os trabalhos espirituais tivessem efeito.
 
Collor assumiu a presidência com 71% de aprovação e deixou o Planalto com 9%. Não conseguiu reaver seus direitos políticos, mas o STF arquivou o processo contra ele e PC por corrupção passiva. Depois das mortes do irmão e da mãe, ele se mudou para uma casa de frente para o mar em Miami, onde se autoexilou até 1998. Nesse meio tempo, PC Farias e a namorada, Susana Marcolino foram encontrados mortos, com um tiro no peito de cada um (embora a casa fosse guardada por 4 seguranças, ninguém ouviu nada "porque era época de festas juninas"). Após retornar ao Brasil, filiou-se ao PRTB e lançou sua candidatura à prefeitura de São Paulo, mas foi impugnado. Em 2000, foi denunciado por peculato, corrupção passiva e falsidade ideológica, mas o STF só julgou o processo em 2014, quando os crimes de corrupção passiva e de falsidade ideológica já estavam prescritos. 

De volta a Alagoas, ele disputou o governo estadual em 2002, mas foi derrotado por Ronaldo Lessa. Elegeu-se senador em 2006, voltou a disputar governo em 2010 (e foi eliminado no primeiro turno), renovou o mandato de senador em 2014, ameaçou concorrer à Presidência em 2018 (mas desistiu), lançou-se novamente candidato ao governo (e desistiu às vésperas do primeiro turno) e voltou à carga em 2022 (com o apoio Bolsonaro), mas terminou em terceiro lugar.

Collor entrou para o rol de investigados da Lava-Jato em 2015 e se tornou réu em 2017. Agora, 30 anos depois de seu impeachment, foi finalmente condenado pelo STF. A PGR pediu 22 anos prisão, mas a pena ficou em 8 anos e 10 meses (o crime de associação criminosa prescreveu, já que o réu tem 73 anos, e os prazos prescricionais correm pela metade para os septuagenários). Demais disso, terá de devolver R$ 20 milhões aos cofres públicos (em divisão solidária com outros dois condenados), pagar 90 dias-multa — cada dia-multa equivale a cinco salários-mínimos da época dos crimes, corrigidos pela inflação —, e ficará inabilitado para o exercício de cargo ou função pública pelo dobro do tempo da pena privativa de liberdade. 


Collor ainda não for preso porque cabem recursos (meramente procrastinatórios) ao próprio STF. Quanto às acomodações em que desfrutará suas férias compulsórias, o Código de Processo Penal prevê a possibilidade de cela especial para determinadas autoridades, mas somente em caso de prisão provisória. O réu em tela foi prefeito (biônico), deputado, governador, presidente da República e senador, mas tudo isso é passado. Pela letra fria da lei, ele deveria cumprir a pena em uma cela comum. Mas a lei... ora, a lei. 

 

ObservaçãoEm tese, o Rei-Sol (ou Réu-Sol) não terá direito a prisão domiciliar, já que essa regalia não é prevista em condenações a regime fechado. Mas não se espante se, a exemplo de Maluf e outros picaretas, ele alegar que está "debilitado por motivo de doença grave" e algum togado caridoso lhe conceder um "habeas corpus por motivos humanitários" (como fez Toffoli no caso de Maluf).


Triste Brasil!

terça-feira, 19 de outubro de 2021

NÃO PODE DAR CERTO — NONA PARTE

 

A revista Isto É que chegou às bancas na última sexta-feira traz na capa uma imagem do sumo pontífice do bolsonarismo boçal com um bigode igual ao do líder nazista Adolf Hitler, feito com a palavra “genocida”. Sectários e apoiadores do "mito" reagiram à imagem na manhã de sábado com a hashtag #istoelixo. O deputado estadual mineiro Bruno Engler postou vídeo cobrando a ação no Ministério Público por discurso de ódio: "Jornalista não é Deus. Vocês não podem fazer a merda que bem entenderem, isso aqui é crime e vocês devem responder por isso”, afirmou o parlamentar.

Outro perfil relembra várias frases do mandatário para comentar a reclamação dos seus aliados cm relação à capa da revista, entre as quais: “O GADO reclamando sobre uma capa, mas na verdade #istoelixo: O erro da ditadura foi torturar e não matar", "Pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff… o meu voto é sim"; "Ele merecia isso: pau-de-arara. Eu sou favorável à tortura". E por aí vai.

A matéria de capa da revista trata da entrega do relatório final da CPI do Genocídio, que, de acordo com a publicação, faz o país ajustar contas com sua história. “Bolsonaro e 40 seguidores, incluindo ministros e auxiliares próximos, serão indiciados por delitos analisados e compilados por juristas. Para a efetiva punição, é necessário superar a blindagem institucional que ele conseguiu construir”, diz a reportagem.

Em sua coluna na revista, Ricardo Kertzman, que é judeu, diz que amigos seus, também judeus, indignados pela comparação, lhe perguntaram: "Como você pode aceitar isso calado". Segundo ele, nenhum desses amigos leu a matéria ilustrada pela capa — que é polêmica, sim! —, apenas se deixaram levar pelo que viram e pelo que lhes foi soprado aos ouvidos em grupos de WhatsApp (bolsonaristas, claro).

O (des)governo Bolsonaro não é nazista e o ‘mito’ não é Hitler, diz o articulista. Mas, segundo ele, as práticas e posturas bolsonaristas são semelhantes ao nazismo "Eu mesmo já escrevi a respeito e nenhum judeu, à época, me encheu o saco. Por quê?", pergunta Kertzman. Tamanha suposta indignação não tem a ver mais com preferências políticas do que com religião? O evento pregresso — a matéria em questão — não seria a verdadeira razão de tanto barulho? Como refutar o que publica a IstoÉ, se amparada em fatos reais e provas documentais? Especificamente a questão dos ‘experimentos científicos’, algo espetacularmente assombroso, que é simplesmente inquestionável?

Trazer à lembrança a imagem do demônio nazista é sempre ruim e, dentro do possível, pode e deve ser evitado. Mas quando isso não ocorre, não há motivo para revolta meramente baseada em uma inexistente equiparação. Relativizar Hitler e o nazismo é algo asqueroso. Aliás, a depender da maneira, é até crime. Inclusive no Brasil. Mas, repito: onde foi que a revista fez isso? E mais: alguém aí se lembrou das vítimas (de carne e osso) do bolsonarismo?

Kertzman conclui dizendo que, se considerasse inadequadas — sob a ótica de uma equiparação indevida e reducionista do nazismo — a capa e a matéria da IstoÉ, ele seria o primeiro a criticar a abordagem. Mas ressalta que não só não considera a reportagem e a ilustração inadequadas, como aplaude o conteúdo e felicito os autores e editores pela coragem e ousadia de chamar aquilo que lembra o nazismo pelo nome de… nazismo! Muito do que aí está se deve à leniência e ao descaso com que Bolsonaro e suas ideias e ideais foram tratados durante os quase 30 anos em que ele foi um reles deputado. Hoje, no Poder maior do País, o "mito" continua a ser quem foi.

Que cada qual tire as próprias conclusões. Dito isso, passo à matéria do dia.

Empunhando lanças contra os "marajás" e a corrupção endêmica na política, Collor derrotou Lula na eleição solteira de 1989. Sabemos agora que dava-se início, então, a uma interminável batalha entre o bem e o mal, na qual o mal é o mal e bem, ainda pior. 

Três meses após a posse de Collor, suspeitas de corrupção pairavam sobre o segundo escalão do governo, e dali para o Palácio do Planalto foi um pulo. O caçador de marajás de fancaria tinha como comparsa o folclórico Paulo César Cavalcante Farias, mais conhecido como PC, que atuou como tesoureiro na campanha collorida e passou a desempenhar com desenvoltura o papel de lobista e elemento de ligação entre o empresariado e o governo federal. Anos mais tarde, ele se transformou num arquivo vivo e foi despachado para a terra-dos-pés-juntos num assassinato seguido de suicídio que jamais seria devidamente esclarecido (detalhes mais adiante).

Collor foi engolfado pelas denúncias de corrupção em maio de 1992, depois que o irmão Pedro Collor apresentou à Revista Veja diversos documentos que indicavam corrupção no governo. Especula-se que Pedrão pleiteou uma parte do butim e não foi atendido, mas há quem diga que ele botou a boca no trombone porque descobriu que o irmão garanhão vinha arrastando a asa para sua esposa, Thereza Collor.

Ironicamente, tudo começou com um prosaico Fiat Elba pago com um "cheque-fantasma", segundo a revelação do motorista Eriberto França. Em suma, Pedro detalhou o esquema PC e o motorista revelou que dinheiro sujo fora usado não só na compra do Elba, mas também para pagar contas do presidente. Estimava-se na época que US$ 6,5 milhões teriam sido desviados para bancar gastos pessoais de Collor — dinheiro de pinga em comparação com o que o PT e cia. roubaram no Mensalão e no Petrolão, que virou dinheiro de pinga diante da malversação de recursos públicos registrada durante a pandemia de Covid no atual governo. Mas isso é outra conversa.

A população assistiu indignada à escalada de acusações contra Collor e seu factótum, enquanto entidades civis como OABCNBBUNEUBES e centrais sindicais deflagraram o "Movimento pela Ética na Política". Em agosto de 1992, o relatório final de uma CPI instaurada a pedido do PT apontou ligações de Collor com o Esquema PC

Collor foi alvo de 29 pedidos de impeachment — o que é uma mixaria diante dos 150 pedidos que dormitam na gaveta do deputado-réu Arthur Lira. Emparedado pelas manifestações dos caras-pintadas, o PGR de turno, Aristides Junqueira, abriu um inquérito para investigar os crimes atribuídos ao presidente, Zélia, PC FariasJorge Bandeira de Melo.  

Zélia era uma versão melhorada de Dilma — até porque nada nem ninguém foi capaz de ombrear com a gerentona de araque até Bolsonaro entrar na disputa. Mas a deslumbrada, travestida de bambambã da Economia, atuou como mentora intelectual do confisco da poupança dos brasileiros (detalhes no capítulo anterior) e se notabilizou pelo tórrido affair que manteve com o também ministro Bernardo Cabral, conhecido como Boto Tucuxi — segundo o folclore paraense, o boto em questão surge à noite, travestido de homem galante e sedutor, para "cortejar" caboclas ribeirinhas — e, mais adiante, por ter ingressado no rol de ex-esposas de Chico Anysio, o "comediante que se casou com a piada”.

O pedido abertura do impeachment de Collor foi assinado pelos presidentes da ABI e da OAB e autorizado pela Câmara Federal, por 441 votos a favor, 38 contrários, 23 ausências e uma abstenção, em 29 de setembro de 1992, e o processo foi instaurado no Senado no dia 1º de outubroCollor foi afastado do cargo no dia seguinte e penabundado em 30 de dezembro. O julgamento começou na véspera, depois que o réu apresentou sua renúncia. Seu objetivo não era escapar da cassação, que eram favas contadas, mas evitar oito anos de inelegibilidade. Por alguma razão — afinal, não há como cassar o mandato de quem a ele já renunciou, e a inabilitação ao exercício de cargos públicos é uma pena assessória, inerente à cassação — Collor foi condenado por 76 votos a 2.

ObservaçãoComo nem todos são iguais perante a lei — ou nem sempre a lei é igual para todos —, a estocadora de vento seria impichada em 31 de agosto de 2016, mas preservaria seus direitos políticos graças a uma vergonhosa maracutaia urdida pelos então presidentes do Senado e do STF, respectivamente Renan CalheirosRicardo Lewandowski. Palmas para a Justiça brasileira!

Em junho de 1993, já indiciado em 41 inquéritos criminais, PC teve a prisão decretada, mas embarcou no Morcego Negro — pilotado por Jorge Bandeira de Mello — e se escafedeu. Após 152 dias foragido, despistando seguidamente a PF e a Interpol, e quatro meses depois de desaparecer em Buenos Aires, PC ressurgiu em Londres, 11 kg mais magro, sem seus famosos bifocais e disfarçado de príncipe árabe... e tornou a fugir enquanto se discutia sua extradição. O carequinha só seria capturado dali a três meses, depois que um turista brasileiro o viu caminhando lépido e fagueiro pelas ruas de Bangkok, na Tailândia.

PC foi extraditado, julgado e condenado a 4 anos de prisão por sonegação fiscal e 7 por falsidade ideológica. Collor cumpriu sua quarentena, disputou o governo de Alagoas, perdeu, elegeu-se senador e renovou o mandato até 2022. Em dezembro de 1995, depois de cumprir dois anos da pena, PC foi posto em liberdade condicional. Na cadeia, ele havia conhecido Suzana Marcolino, que lhe fora apresentada por uma antiga funcionária de uma de suas muitas empresas. A partir de então, a moça (24 anos mais nova do que ele) passou a ganhar joias, roupas caras, carro de luxo e uma generosa conta bancária. 

Suzana montou uma butique de grife em Maceió e era vista com frequência, ao lado do namorado recém-libertado, a bordo de uma luxuosa BMW branca conversível. Apesar da resistência geral da família, o idílio entre os pombinhos foi tórrido. Mas durou pouco: apenas seis meses transcorreram entre a saída de PC da prisão e a fatídica manhã de 26 de junho de 1966, quando ele e Suzana foram encontrados mortos na casa de veraneio na praia de Guaxuma, em Maceió, com um tiro no peito de cada um. 

Um grupo de 11 peritos — liderado pelo legista Badan Palhares, da Universidade Estadual de Campinas — concluiu que Suzana matou o namorado enquanto ele dormia se suicidou em seguida. Em depoimento à polícia, os quatro seguranças que guardavam a propriedade disseram ter ouvido o casal discutindo no quarto logo após o jantar, quando os convidados — o irmão Augusto Farias e a namorada — já tinham ido embora, mas que não ouviram os tiros porque era época de festas juninas. 

Descobriu-se que o revólver encontrado junto aos corpos havia sido comprado por Suzana uma semana antes do crime, e pago com um cheque da conta pessoal da moça. Pessoas próximas ao casal afirmaram que PC — que era chamado de “Morsa do Amor” por ser mulherengo e galanteador — andava traindo Suzana com Claudia Dantas, filha de um cacique político alagoano.

Quem é fã de séries policiais conhece a teoria do “triângulo do crime”, baseada em três pressupostos: motivo, técnica e oportunidade. Suzana satisfazia todos ele: o ciúme, o revólver e a alegada embriaguez de PC naquela noite. Mas muita gente não acreditou que o poderoso chefão do Esquema PC tivesse sido assassinado pela namorada às vésperas de depor ao STF numa investigação sobre suposto pagamento de suborno a membros do governo. Como Gustavo Bebianno, articulador da campanha de Bolsonaro à Presidência e ex-ministro da secretaria-geral da Presidência nos primeiros meses deste funesto governo, PC sabia demais, e a exemplo de Bebianno, havia anunciado que escreveria um livro detalhando todo o esquema.

Contrariando o laudo de Palhares e sua equipe, George Sanguinetti, coronel da PM e professor de Medicina Legal da Universidade Federal de Alagoas, ponderou que, pela localização do ferimento, posição do corpo de PC, estatura de Suzana e ângulo do disparo, “ela só poderia ter apertado o gatilho se estivesse levitando”, e que “passional não foi o crime, e sim o inquérito”.

Outras dúvidas começaram a pipocar quase simultaneamente na imprensa. O corpos dos pombinhos foram exumados e uma nova perícia confirmou a presença de pólvora nas mãos da suposta assassina, mas em pequena quantidade. Não foram encontrados resíduos de chumbo, bário e antimônio, elementos metálicos que integram as substâncias químicas iniciadoras da espoleta. 

O detalhe que mais chamou a atenção na “guerra dos laudos” foi a discussão sobre a altura real de Suzana. De acordo com Badan PalharesPalhares, ela media 1,67 m; segundo o novo laudo, ela tinha 10 cm a menos. Os legistas da segunda equipe recalcularam a trajetória da bala a partir da marca deixada na parede depois de o projétil transpassar o corpo de Suzana e concluíram que, se ela estivesse sentada na cama, como indicava a primeira reconstituição, o tiro deveria ter passado à altura de sua cabeça, e não atingido o pulmão esquerdo, como aconteceu. Ainda assim, o caso seguiu arquivado.

Em 1999, uma série de matérias publicadas pela FOLHA estampou oito fotos de Suzana ao lado de PC e de pessoas próximas ao casal. Mesmo de salto, a moça era mais baixa que o namorado, que media 1,63 m. O caso foi reaberto e o irmão de PCAugusto Farias, e os quatro seguranças que guardavam a casa onde o crime aconteceu foram indiciados. Da feita que Augusto exercia mandato parlamentar, seu processo foi remetido à PGR, que recomendou o arquivamento. O STF acatou a recomendação e o caso foi dado por encerrado.

Os seguranças foram a júri popular, mas o advogado contratado por Augusto para defendê-los alegou falta de provas. Em maio de 2013, todos foram absolvidos. Detalhe: o júri descartou a possibilidade de homicídio seguido de suicídio, mesmo considerando que “não há crime passional com único disparo, que o tiro deflagrado foi de profissional, e que Suzana jamais teria condições de ser a autora do disparo”. 

Segundo o laudo de Sanguinetti, a hemorragia interna com 1 litro de sangue no pulmão esquerdo e meio litro no pulmão direito da moça levava à conclusão de que a motivação do crime foi realmente “queima de arquivo” e que Suzana morreu porque estava no lugar errado na hora errada. Seu telefone celular jamais foi encontrado e o autor dos disparos permanece desconhecido até hoje.

Mais detalhes em Collor presidente: trinta meses de turbulências, reformas, intrigas e corrupção, do historiador Marco Antonio Villa; Relato para a história, do próprio Fernando CollorTrapaça: Saga política no universo paralelo brasileiro, de Luís Costa Pinto; e O pêndulo da democracia, de Leonardo Avritzer

quarta-feira, 1 de abril de 2020

TEORIAS DA CONSPIRAÇÃO. OU NÃO... (PARTE 2)



Prosseguindo do ponto em que paramos no capítulo anterior, em agosto de 1992 o relatório final de uma CPI instaurada a pedido do PT apontou ligações do então presidente caçador de marajás de araque com o esquema de corrupção — que, ironicamente, começou com um prosaico Fiat Elba prata (vide foto) pago com um “cheque fantasma”. 

O carrinho ganhou notoriedade por ter sido o pivô das denúncias que resultaram no impeachment de Collor, iniciado por uma entrevista de seu irmão Pedro e finalizado por uma revelação do motorista Eriberto França. O primeiro detalhou um esquema de corrupção envolvendo PC Farias, e o segundo disse que havia usado dinheiro sujo não só comprar o Elba, mas também para pagar contas do presidente. Estimava-se na época que US$ 6,5 milhões teriam sido desviados para bancar gastos pessoais de Collor — o que é dinheiro de pinga em comparação com o que o PT e seus acólitos roubaram no Mensalão e no Petrolão, mas isso é outra história. 

Vieram, então, as famosas manifestações dos “caras-pintadas” em apoio ao pedido de impeachment assinado pelos presidentes da ABI e da OAB. Às vésperas do julgamento, que ocorreu em 29 de dezembro de 1992, Collor renunciou, numa tentativa desesperada de preservar seus direitos políticos, mas foi condenado por 441 dos 480 deputados presentes e, como manda a Lei, tornou-se inelegível por oito anos.

ObservaçãoComo nem todos são iguais perante a lei — ou nem sempre a lei é igual para todos —, Dilma perdeu o cargo quando foi impichada, mas preservou seus direitos políticos, graça a uma sórdida maracutaia urdida por Renan Calheiros, então presidente do Senado e do Congresso, e Ricardo Lewandowski, então presidente do Supremo Tribunal Federal Petista. E viva a Justiça brasileira!

Em junho de 1993, já indiciado em 41 inquéritos criminais, PC Farias teve sua prisão decretada, mas fugiu no Morcego Negro, pilotado por Jorge Bandeira de Mello. Passou 152 dias foragido, despistando seguidamente a Polícia Federal e a Interpol. Quatro meses depois de desaparecer em Buenos Aires, ele ressurgiu em Londres, 11 kg mais magro, sem seus famosos bifocais e disfarçado de príncipe árabe. Por incrível que pareça, tornou a fugir enquanto se discutia sua extradição, mas foi capturado dali a três meses, depois que um turista brasileiro o viu andando pelas ruas de Bangkok — onde finalmente foi preso

PC foi extraditado, julgado e condenado a 4 anos de prisão por sonegação fiscal e 7 por falsidade ideológica (enquanto Collor cumpriu sua quarentena, concorreu ao governo de Alagoas, perdeu, elegeu-se senador e renovou o mandato até 2023). Em dezembro de 1995, depois de cumprir dois anos da pena, foi posto em liberdade condicional. Na cadeia, ele havia conhecido Suzana Marcolino, que lhe fora apresentada por uma antiga funcionária de uma de suas muitas empresas. A partir de então, a moça (24 anos mais nova que ele) passou a ganhar joias, roupas caras, carro de luxo e uma generosa conta bancária. 

Suzana montou uma butique de grife em Maceió e passou a ser vista com frequência ao lado do namorado recém-liberto, a bordo de uma luxuosa BMW branca conversível. Apesar da resistência geral da família, o idílio entre os dois foi intenso, mas breve: apenas seis meses transcorreram entre a saída de PC da prisão e a fatídica manhã de domingo em que ele e a namorada foram achados mortos na casa de veraneio na praia de Guaxuma, em Maceió. 

Os corpos foram encontrados no dia 23 de junho de 1996 (com um tiro no peito de cada um), e ainda que a propriedade fosse guardada por 4 seguranças, ninguém ouviu os tiros “porque era época de festas juninas”. Um grupo de 11 peritos liderado pelo legista Badan Palhares, da Universidade Estadual de Campinas, concluiu que Suzana matara o namorado enquanto ele dormia, e, em seguida, se suicidara. 

Os seguranças responsáveis pela guarda da casa, em depoimento à polícia, disseram ter ouvido o casal discutindo no quarto logo depois do jantar, quando os convidados — o irmão Augusto Farias e a namorada — já haviam ido embora. Descobriu-se que o revólver encontrado junto aos corpos fora comprado por Suzana, com um cheque assinado por ela, uma semana antes do crime. Um exame comprovou ainda a existência de pólvora nas mãos da moça. Além disso, pessoas próximas a PC — que era chamado de “Morsa do Amor” por ser mulherengo e galanteador — disseram que ele andava traindo Suzana com Claudia Dantas, filha de um cacique político alagoano.

Quem é fã de séries policiais conhece a teoria do “triângulo do crime”, que é baseada em três pressupostos: motivo, técnica e oportunidade. Suzana satisfazia todos ele: o ciúme, o revólver e a alegada embriaguez de PC naquela noite. Mas muita gente não acreditou que o poderoso chefão do chamado “Esquema PC” tivesse sido assassinado pela namorada às vésperas de depor, no STF, em uma investigação sobre suposto pagamento de suborno a membros do governo. Como Bebianno, o ex-tesoureiro de Collor sabia demais — e a exemplo de Bebianno, havia anunciado que escreveria um livro detalhando todo o esquema.

Contrariando o laudo de Palhares e sua equipe, o coronel da PM e professor de Medicina Legal da Universidade Federal de Alagoas, George Sanguinetti, afirmou que, pela localização do ferimento, pela posição do corpo de PC, pela estatura de Suzana e pelo ângulo do disparo, “a única forma de ela ter apertado o gatilho era se estivesse levitando”, e que  “passional não foi o crime, mas sim o inquérito”.

Outras dúvidas começaram a pipocar quase simultaneamente pela imprensa. O corpos de PC e Suzana foram exumados e uma nova perícia confirmou a presença de pólvora nas mãos da suposta assassina, mas em pequena quantidade, e não foram encontrados resíduos de chumbo, bário e antimônio, elementos metálicos que integram as substâncias químicas iniciadoras da espoleta. 

O detalhe que mais chamou a atenção na “guerra dos laudos” foi a discussão sobre a altura real de Suzana. Conforme Palhares, ela media 1,67 metro; de acordo com o novo laudo, ela teria 10 centímetros a menos. Os legistas da segunda equipe recalcularam a trajetória da bala, tomando como base a marca que ela deixou na parede após transpassar o corpo de Suzana, e concluíram que, se ela estava sentada na cama, como indicava a primeira reconstituição, o tiro deveria ter passado à altura de sua cabeça, e não atingido o pulmão esquerdo, como aconteceu. Mesmo assim, o caso seguiu arquivado.

Em 1999, uma série de matérias publicadas pela FOLHA estampou oito fotos de Suzana ao lado de PC e de pessoas próximas a ela. Mesmo calçando sapatos de salto alto, a moça aparecia nas fotos um pouco mais baixa do que o namorado, que tinha apenas 1,63 metro. O caso foi reaberto e o irmão de PCAugusto Farias, e os quatro seguranças que guardavam a casa de praia onde o crime aconteceu foram indiciados. Augusto exercia mandato parlamentar, e seu processo remetido à PGR, que recomendou o arquivamento. O STF acatou a recomendação e o caso foi dado por encerrado.

Os quatro seguranças foram a júri popular, mas advogado contratado por Augusto Farias para defendê-los alegou falta de provas, e, em maio de 2013, todos foram absolvidos. Detalhe: o júri descartou a possibilidade de homicídio seguido de suicídio, alegando que “não há crime passional com único disparo, que o tiro deflagrado foi de profissional, e que Suzana jamais teria condições de ser a autora do disparo”. 

Segundo o laudo de Sanguinetti, havia uma hemorragia interna com 1 litro de sangue no pulmão esquerdo e meio litro no pulmão direito, levando à conclusão de que a motivação do crime foi realmente “queima de arquivo”, e que Suzana foi morta porque estava no lugar errado na hora errada. O celular da moça desapareceu e da cena do crime, e verdadeiro autor dos disparos permanece desconhecido até hoje.

Mais detalhes em Collor presidente: trinta meses de turbulências, reformas, intrigas e corrupção, do historiador Marco Antonio Villa, em Relato para a história, do próprio Fernando Collor, em Trapaça: Saga política no universo paralelo brasileiro, de Luís Costa Pinto, e em O pêndulo da democracia, de Leonardo Avritzer

domingo, 4 de julho de 2021

A OSPÁLIA NACIONAL (FINAL)

 A renúncia do Jânio pavimentou o caminho para 21 anos de ditadura. Tempos depois, o lulopetismo corrupto deu tração ao bolsonarismo boçal, que resultou na calamitosa e macabra gestão (ainda) em curso. Mas o que causa espécie é o “saudosismo extemporâneo” que os anos de chumbo produzem nos millennials, já que a maioria deles não havia nascido ou usava cueiros quando a reabertura política lenta, gradual e segura foi consumada com a eleição indireta de Tancredo, em 1985, e a promulgação da Constituição Cidadã, em 1988.

Penúltimo presidente-general e responsável por dar início à reabertura política, Geisel definiu Bolsonaro como “um caso completamente fora do normal, inclusive um mau militar”. Figueiredo, que sucedeu a Geisel e se recusou a passar a Faixa a José Sarney — “faixa a gente transfere para presidente, não para vice, e esse é um impostor” —, se notabilizou por dizer que preferia o cheiro dos cavalos ao do povo e que um povo que não sabe nem escovar os dentes não está preparado para votar

Demais disso, com a sutileza de um hipopótamo numa cristaleria, o “João do Povo” respondeu a uma criança que “daria um tiro no coco” se ele fosse criança e seu pai ganhasse salário-mínimo. Como se não bastasse, num misto de retrospecto e mea culpa sobre sua atuação, assim se pronunciou o general em causa: “A grande falha da revolução foi terem me escolhido presidente da República (...) Fiz essa abertura aí, pensei que fosse dar numa democracia, mas deu num troço que não sei bem o que é.” 

Bolsonaro na presidência era tudo de que o Brasil não precisava. Mas a récua de muares que atende por “eleitorado” botou fogo no parquinho em 7 de outubro de 2018, deixando a parcela pensante da população sem alternativa no embate final (o bonifrate de Lula nunca foi uma alternativa). 

Em que pese o fato de as expectativas não serem nem um pouco alvissareiras, era impossível imaginar, então, a magnitude da tragédia que resultaria da posse do atual (e ainda) presidente da República. Mas vale mais acender a vela do que amaldiçoar a escuridão. 

A despeito de ser um palanque travestido de circo, a CPI do Genocídio vem expondo as entranhas pútridas de um governo que se autodeclara a quintessência da lisura com a mesma desfaçatez de Lula ao se autodeclarar a “alma viva mais honesta do Brasil”.

A corrupção sempre vicejou como erva daninha na política tupiniquim. De um tempo a esta parte, as iniquidades do capitão e seus acólitos se tornaram alvo do G7. Na última segunda-feira (28), os senadores Randolfe Rodrigues, Fabiano Contarato e Jorge Kajuru protocolaram no STF uma notitia criminis acusando Bolsonaro de prevaricação. A PGR tentou passar pano, mas a ministra Rosa Weber mijou no chope da caterva bolsonarista.

Enquanto o governo busca manter de pé a aliança com o Centrão e evitar o alastramento da crise política — que tem no líder do governo na Câmara o personagem central — partidos de esquerda, centro-direita, parlamentares que romperam com o governo e integrantes de movimentos sociais reuniram mais de 120 representações já protocoladas na Câmara contra Bolsonaro e apresentaram um superpedido de impeachment.

O crime de prevaricação, previsto no art. 319 do Código Penal, consiste em “retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício ou praticá-lo contra a disposição expressa de lei para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”. Em tese, esse ilícito pode ser considerado crime de responsabilidade, uma vez que a Lei do Impeachment inclui expressões de sentido amplo, como “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”. 

A notícia-crime dá margem a três possibilidades: Bolsonaro pode: 1) ser julgado pelo STF (se a prevaricação for tratada como crime comum); 2) ser alvo de impeachment (e julgado pelo plenário do Senado, como ocorreu com Dilma, a inolvidável, e Collor antes dela); 3) escapar impune (não fosse a insistência da ministra Rosa, o PGR teria arquivado a denúncia antes mesmo de ela ser protocolada). 

Observação: O crime de responsabilidade só é imputado a presidentes da República, ministros de Estado, ministros do STF, procuradores-gerais da República, governadores de Estados, secretários, prefeitos e vereadores. Embora esse ilícito se confunda com o crime de improbidade administrativa, há quem entenda que a Lei nº 8.429/92 não se aplica a agentes públicos que exercem funções governamentais, judiciais e afins. Afinal, há muito que segurança jurídica e probidade administrativa estão em falta nas prateleiras tupiniquins.   

A CPI resgatou uma célebre frase do finado ministro Teori Zavascki: “puxa-se uma pena e vem uma galinha”. Na última quinta-feira, o presidente Omar Aziz disse ao depoente de turno: “chapéu de otário é marreta”. Mas o que vem ocorrendo nas sessões nos faz relembrar uma frase de Roberto Jefferson, delator do Mensalão e personificação de tudo que não presta na corrupta política tupiniquim: “ninguém que denuncia corrupção é santo”.

Via de regra, a corrupção só vem a lume quando corruptos e corruptores se desentendem. O impeachment de Collor — que teve como pedra fundamental um prosaico Fiat Elba — só pegou tração depois que o primeiro-irmão, Pedro Collor, insatisfeito com a quota-parte que lhe cabia nas maracutaias, botou a boca no trombone.

Mutatis mutandis, é mais ou menos isso que está acontecendo na CPI, ou seja, uma disputa de intermediários de compras de insumos e medicamentos e de interesses de grupos dentro do ministério da Saúde. Resta saber qual das narrativa se embasa em fatos concretos — como se sabe, todo fato tem pelo menos três versões: a sua, a minha e a verdadeira).

É igualmente curioso o fato de essa gente se conhecer apenas pelo primeiro nome. Ninguém sabe o sobrenome de ninguém. É o Odilon, o Cristiano, o Hamilton e por afora... Ninguém sabe o nome do chefe, do intermediário nem de quem mais participou das negociações, mesmo em transações bilionárias, como a dos 400 milhões de doses da AstraZeneca.

Talvez fosse bom mandar examinar o ar-condicionado das dependências do Senado onde as sessões da CPI são realizadas. Algum micro-organismo em suspensão na atmosfera deve estar causando amnésia nos depoentes.

De toda confusão que se formou na semana passada, uma evidência emergiu com toda clareza: há algo de muito podre no reino de Bolsonaro — sobretudo no Ministério da Saúde. Da cobrança de propinas a denúncias feitas a um presidente que não toma providências, passando por contratos para lá de irregulares e o envolvimento do líder do governo na Câmara, abundam indícios de estelionato na compra e venda de vacinas e participação de altos funcionários de uma pasta que já teve quatro chefes durante 16 meses de pandemia. 

A CPI abriu uma Caixa de Pandora que confirma a velha máxima sobre comissões parlamentares de inquérito: a gente sabe como elas começam, mas nem imagina como vão terminar. Ao puxar uma pena, o G7 trouxe à luz um galinheiro que nada fica devendo aos escândalos do Mensalão e do Petrolão dos governos petistas. Desta vez, porém, a mercadoria posta no balcão de negócios foi (e é) a vida de milhares de brasileiros. A julgar pelas tentativas mal-ajambradas de explicar as anomalias no contrato de compra da Covaxin, o chefe do Executivo dificilmente sairá ileso dessa confusão — que está apenas começando.

Para prosperar, um pedido de impeachment precisa ser aceito pelo presidente da Câmara (escusado dizer de quem se trata e como chegou ao cargo), ser avalizada por uma comissão criada especialmente para analisar sua admissibilidade, obter votos favoráveis de 2/3 na Câmara e maioria simples no Senado. O caminho é tortuoso e trilhá-lo demanda tempo, vontade política e, principalmente, apoio popular (mais detalhes nesta postagem). 

Fato é que dia sim, outro também, surgem novos indícios de ilícitos relacionados a vacinas, testes para detecção da Covid e outros insumos associados à crise sanitária, muitos dos quais ligam a conduta do presidente, na pandemia, a suspeitas de corrupção, e o põem numa situação que vai muito além de ações e omissões negacionistas pautadas por ideologia ou distorção de caráter.

Se os exercícios da negação e da boçalidade já provocaram revolta e aumento da avaliação negativa do mandatário, por terem estimulado a contaminação e contribuído para o número de mortes que poderiam ter sido evitadas, a coisa tende a se agravar quando ingressa no âmbito da troca de vidas por dinheiro. 

A ocorrência de crimes de prevaricação, de corrupção e/ou tráfico de influência com participação direta de Bolsonaro está sob investigação. Ainda não há provas irrefutáveis de que o presidente agiu em benefício próprio ou com intuito de proteger alguém que tenha oferecido ou recebido promessa de vantagem indevida. Mas estranha-se o fato de que, após dez dias de puro atordoamento, o governo entrou no modo redução de danos ao anunciar o reexame do contrato da Covaxin, coisa que o susto o impediu de fazer no primeiro momento.

Só havia uma maneira de desmontar a denúncia que os irmãos Miranda levaram a Bolsonaro em 20 de março último: a apresentação de uma imediata, concisa e muito bem contada história. Mas o que ocorreu foi exatamente o contrário: uma série de lorotas desmentidas, uma a uma, pelos fatos. 

Da acusação de fraude documental lançada sobre os denunciantes às versões de que dois auxiliares demissionários — o ministro Pazuello (ora alvo de inquérito na primeira instância da Justiça Federal do DF) e o secretário-executivo da Saúde, coronel Élcio Franco — foram encarregados de investigar e nada encontraram de errado, o governo só fez se enrolar. Bolsonaro ainda tentou recorrer ao velho truque de dizer que não sabia de nada, mas não colou.

Diferentemente de Lula em 2005 — que sob a mesma alegação conseguiu ficar de fora da denúncia do Mensalão apresentada pela PGR ao STF —, Bolsonaro não pôde contar com o benefício da dúvida. Um deputado de sua base de apoio apontou dia, hora e local em que levou a ele a denúncia e ainda acenou com a possibilidade de apresentar provas caso fosse desmentido. Ante a hipótese de existir uma gravação, o capitão preferiu não pagar ver. Ficou na encolha. 

Diante da notícia-crime por prevaricação apresentada ao Supremo, foi ordenada a suspensão do contrato que originou a puxada do primeiro fio, “para análises mais profundas”. Isso três meses depois do aviso de que havia gato na tuba. Não foi acionada a Polícia Federal, conforme prometido inicialmente aos denunciantes, nem se negou que por ocasião da visita deles ao Palácio da Alvorada o presidente apontara o líder do governo na Câmara como contumaz autor de “rolos”.

O contrato da Covaxin acabará por ser cancelado e Ricardo Barros, devagar, afastado à francesa, provavelmente por iniciativa própria em encenado gesto de desprendimento. Mas, ainda que não ocorra o impeachment — o que, nos bastidores, o mundo político todo rejeita —, Bolsonaro continuará na vitrine na desconfortável e eleitoralmente periclitante condição de vidraça.

Com Dora Kramer

quarta-feira, 19 de maio de 2021

GOD SAVE THE QUEEN E LIVRE O BRASIL DO POPULISMO ABJETO


Questionado sobre as relações com a China, o ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo negou que houve hostilidade em relação ao país asiático (confira mais trechos do depoimento clicando aqui). Perguntado se agradeceu à Venezuela pela doação de oxigênio em janeiro, quando o Amazonas vivia uma grave crise por falta do insumo, ele respondeu que não e que nem havia entrado em contato com o governo venezuelano (acesse outros trechos do depoimento clicando aqui), e foi duramente criticado por não ter intermediado uma viagem com aviões da FAB para agilizar a entrega dos cilindros — feita por terra, a viagem demorou muito mais, e pessoas morreram nesse entretempo.

O depoente desta quarta-feira será o o general Eduardo Pazuello, o mais longevo ministro da Saúde durante a pandemia, cuja gestão foi marcada por uma série de polêmicas. Entre outros pontos, os senadores deverão inquiri-lo sobre o colapso no sistema de saúde de Manausomissões do governo na compra de vacinas e insumos; orientações do ministério para produção,  compra e uso de medicamentos comprovadamente  medicamentos ineficazes contra a Covid, como a cloroquina

Originalmente, o depoimento estava marcado para 5 de maio, mas, um dia antes, Pazuello, que é “expert em logística”, saiu pela esquerda alegando ter tido contato com pessoas que contraíram Covid e que, portanto, deveria permanecer em quarentena. No dia seguinte, o Estadão noticiou que o general esteve reunido com o ministro Onyx Lorenzoni, além de ter sido flagrado transitando sem máscara pelo hotel onde mora. 

Na condição de testemunha, o deponente precisa falar a verdade, sob o risco de incorrer no crime de falso testemunho. O habeas corpus concedido pelo ministro Ricardo Lewandowski lhe dá o direito de ficar em silêncio apenas nos casos em que responder resultaria em autoincriminação (o ex-ministro é alvo de um inquérito criminal que investiga supostas omissões na crise que levou ao colapso de saúde em Manaus). 

Vale ressaltar que o mesmo benefício não foi concedido por Lewandowski à secretária de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde, Mayra Pinheiro — também conhecida como "Capitã Cloroquina" —  cujo depoimento está marcado para amanhã. Ao negar o pedido, o magistrado disse que, ao contrário de Pazuello, ela não é investigada na esfera criminal ou administrativa sobre os fatos apurados pela CPI, sendo chamada na condição de testemunha.  

Durante a gestão de Pazuello, militares escolheram, sem licitação, empresas para reformar prédios antigos no Rio de Janeiro. E, para isso, usaram a pandemia como justificativa para considerar as obras urgentes. A AGU identificou dispensas de licitação a duas empresas contratadas para reformas de galpões na Zona Norte da capital e na sede do Ministério da Saúde no estado do RJ.

Dito isso, passemos à postagem do dia.

As palavras têm poder. Tanto é que são o principal instrumento de populistas e vigaristas. Políticos demagogos utilizam-nas em promessas rocambolescas para obter votos e estelionatários, em suas narrativas para “depenar os patos” — sem a colaboração (ainda que involuntária) das vítimas, esses espertalhões estariam na roça. Não obstante, é preciso deixar claro que a culpa não é das palavras, mas de quem se serve delas de maneira criminosa e, em menor medida, dos inocentes úteis que dão ouvidos ao “canto da sereia”. Como se costuma dizer, armas não matam pessoas, pessoas matam pessoas.

Observação: A origem do termo “vigarista” advém de um episódio envolvendo a disputa de duas paróquias por uma imagem de Nossa Senhora. Reza a lenda que, para pôr fim à contenda, um dos vigários sugeriu amarrar a santa a um burro e soltá-lo no meio do caminho. O burro foi para uma das igrejas, que ficou com a imagem até que se descobriu que o dono do animal era o vigário daquela paróquia. Já as “sereias” são descritas como seres metade mulher e metade peixe (ou pássaro) que habitavam o Mar Tirreno e desorientavam os marinheiros com seu canto mavioso. Desgovernadas, as embarcações colidiam com os recifes e os marujos que conseguiam nadar até a praia eram devorados pelas sereias. Segundo a Odisseia (obra do poeta grego Homero), Odisseu ordenou à tripulação que tapasse os ouvidos com cera e, amarrado ao mastro do navio, resistiu ao canto das sereias. Uma delas, despeitada, atirou-se do alto do penhasco — a exemplo do que fez a Esfinge quando o Rei Édipo decifrou seu enigma.

Rivalidade na política sempre existiu, mas a polarização exacerbada que dividiu o Brasil remonta ao primeiro pleito presidencial pelo voto direto desde a eleição de Jânio Quadros em 1960. Vale lembrar que Tancredo Neves foi eleito indiretamente em janeiro de 1985, mas baixou ao hospital 12 horas antes da cerimônia de posse e morreu 38 dias e 7 cirurgias depois, sem jamais ter vestido a faixa.

Após uma gestão calamitosa do vice do político mineiro — falo do maranhense José Sarney —, o carioca-alagoano Fernando Collor de Mello — um populista de direita travestido de “caçador de marajás” — derrotou Lula — um semianalfabeto malandro, mas dono de um carisma invejável, na eleição “solteira” de 1989, convocada exclusivamente para a escolha do novo presidente. Nenhum dos 22 postulantes ao cargo obteve mais de 50% dos votos no primeiro turno e os dois mais votados se enfrentaram no segundo, que resultou na vitória de Collor

Ao ser empossado, o caçador de marajás de festim prometeu abater com um único tiro o “tigre da inflação” (que avançava a uma velocidade de 80% ao mês), mas o “Plano Collor”, que incluiu ações de impacto — como a redução da máquina administrativa com a extinção ou fusão de ministérios e órgãos públicos, a demissão de funcionários públicos, o congelamento de preços e salários e o confisco dos ativos financeiros pelo período de 18 meses — não demorou a fazer água. A mentora intelectual desse pacote de maldades foi a folclórica ministra da Fazenda que teria um tórrido affair com o ministro Bernardo Cabral — conhecido como Boto Tucuxi — e mais adiante desposaria Chico Anysio, “o humorista que se casou com a piada”. Em janeiro de 1991, Zélia lançou o Plano Collor II, que também não produziu resultados duradouros e foi substituído pelo Plano Marcílio — assim chamado numa alusão ao nome do economista Marcílio Marques Moreira, que assumiu o comando da pasta. 

A opinião pública já vinha desgostosa com a petulância e o despreparo da equipe collorida — um bando de jagunços comandados por um presidente tão investido da aura de salvador que exalava arrogância por todos os poros. Quando a caça às bruxa ganhou vulto, criou-se o clima de linchamento propício ao afloramento dos sentimentos mais mesquinhos. Os escândalos se sucediam em intervalos cada vez mais curtos, como se a mera exposição de um amplo sistema de propinas não fosse suficiente. Um dia era o Fernandinho “do pó”, no outro era o sujeito que fazia macumbas no porão da Casa da Dinda, que cantou a cunhada, que era maníaco-depressivo e que ficava em estado catatônico e precisava receber remédio na boca.

Observação: Entre o fim do Plano Marcílio e o início do Plano Real — deflagrado em 1994, sob a presidência de Itamar Franco e com Fernando Henrique Cardoso no comando da Economia — a hiperinflação finalmente começou a ser debelada.

O primeiro impeachment da Nova República foi julgado quatro meses depois que o homem macho de colhão roxo foi afastado do cargo. A despeito de ter renunciado horas antes da sessão no Senado, Collor foi condenado e teve os direitos políticos cassados por oito anos (pena prevista na Lei do Impeachment, que não seria aplicada em 2016, quando do impeachment de Dilma Rousseff, mas isso já é outra conversa). Ironicamente, a queda do caçador de marajás foi desencadeada por uma denúncia do próprio irmão, Pedro Collor, e pelo pagamento de um prosaico Fiat Elba com um “cheque fantasma”.

Seria improvável que um beócio se elegesse presidente da República, mesmo numa banânia como a nossa, e dois beócios conseguirem essa proeza seria virtualmente impossível. Só que não. Após ser derrotado mais duas vezes, o retirante nordestino que sempre ambicionou a vida fácil e se jactava de jamais ter lido um livro finalmente foi eleito Presidente. Mas vamos por partes.

Depois de decepar o dedo mínimo da mão esquerda num “acidente de trabalho” pra lá de suspeito, Lula deixou de ser torneiro mecânico e iniciou uma profícua carreira de sindicalista predador, iniciando e encerrando greves para ganhar dinheiro em acordos espúrios (detalhes no livro O Brasilianista Natural e o Petismo Era Lula - Volume I, escrito pelo ex-engenheiro sênior de metalurgia da CSN Lewton Verri, que conheceu o ex-metalúrgico na década de 70). 

Tão logo encontrou quem pagasse a conta, afirma o autor da obra, o petista trocou a pinga vagabunda e os cigarros baratos por vinhos premiados, uísques caríssimos e charutos de US$ 100. Em 1980, valendo-se de seu extraordinário carisma, o desempregado que deu certo — que já não sabia o que era chão de fábrica desde 1972 — fundou o PT e passou a se dedicar em tempo integral à “arte da política”. 

Observação: O general Golbery do Couto e Silva, ex-chefe da Casa Civil em dois governos da ditadura militar e arquiteto da “abertura lenta e gradual”, disse certa vez a Emílio Odebrecht que o pseudo militante comunista nada tinha de esquerda, que ele não passava de um “bon-vivant”. E o tempo provou quão acurada foi sua avaliação. 

Lula jamais foi o que a construção de sua imagem pretendia, mas sim alguém avesso ao trabalho, que vivia de privilégios e mordomias conquistados através de contatos proveitosos e a poder da total ausência do conjunto de valores éticos e morais que permitem distinguir o aceitável do inaceitável.

Como desgraça pouco é bobagem, um ex-capitão do Exército que o general-ditador Ernesto Geisel definiu como um caso completamente fora do normal de mau militar numa entrevista a historiadores da FGV em 1993, e que aprovou dois míseros projetos em 28 anos como deputado do baixo clero da Câmara Federal, foi eleito Presidente em 2018 graças à formidável conjunção de fatores que já detalhei ad nauseam em outras postagens. 

No primeiro turno do pleito de 2018 o esclarecidíssimo eleitorado tupiniquim eliminou Álvaro Dias, Henrique Meirelles, João Amoedo e Geraldo Alckmin — que não eram nosso “sonho de consumo”, mas que poderíamos ter experimentado — juntamente Vera Lucia, Eymael, Cabo Daciolo, João Goulart FilhoGuilherme Boulos e outras bizarrices explícitas. Acabou que, para impedir a volta daquele a quem nosso (ainda) presidente se referiu no último dia 12 como “ladrão de nove dedos”, fomos forçados a apoiar quem não queríamos para evitar a volta de quem queríamos menos ainda.    

Gustavo Bebianno, que passou de aliado a desafeto de Bolsonaro depois de ser penabundado do cargo de ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência em fevereiro de 2019 — disse em entrevista à Jovem Pan que foi demitido por Carlos Bolsonaro, a quem classificou de “destruidor de reputações”. Na mesma entrevista, o ex-amigo de fé, irmão, camarada e articulador da campanha chamou de psicopata o presidente que ajudou a eleger e disse se sentir “vulnerável e sob risco constante" por ter entrado em choque direto com o filho 02. No evento que marcou sua filiação ao PSDB, o ex-ministro declarou que “a democracia estava em risco devido à postura de Bolsonaro” e atribuiu o ambiente de “instabilidade política e econômica ao grau de loucura e irresponsabilidade capitaneado pelo próprio presidente”.

Bebianno tencionava disputar a prefeitura do Rio de Janeiro em 2020, mas foi fulminado por um infarte agudo do miocárdio seguido de queda, em março do ano passado, quando estava escrevendo um livro sobre os bastidores da campanha do capitão (cujo título seria “Uma Eleição Improvável”). Por motivos óbvios, ele era um arquivo vivo da campanha, e foi para Bolsonaro o que PC Farias foi para Collor e Antonio Palocci para Lula

Para os teóricos da conspiração, a morte de Bebianno foi tão suspeita quanto a de Ulysses Guimarães (o helicóptero em que o Sr. Diretas viajava de Angra dos Reis para a capital paulista mergulhou no mar próximo à Praia do Sono, poucos minutos após a decolagem), do ex-presidente Juscelino Kubitschek (no auge da ditadura militar, devido a um estranho acidente automobilístico na via Dutra), do então candidato à presidência Eduardo Campos (num acidente aéreo ocorrido em agosto de 2014) e do ministro Teori Zavascki (idem, em janeiro de 2017). Isso sem mencionar os assassinatos (jamais esclarecidos) dos prefeitos petistas Celso Daniel (de Santo André) e Toninho do PT (de Campinas).

Voltando o relógio até o tempo presente, muitos apostam que a eleição de 2022 será um repeteco de 2018 — noves fora o fato de o ex-presidiário petista, agora promovido à inusitada condição de “ex-corrupto”, poder disputá-la de corpo presente em vez de encarnar no preposto-bonifrate Fernando Haddad. Para que Lula fique novamente impedido de competir seria preciso que a Justiça Federal do DF o condenasse no processo do tríplex (ou no do sítio) em tempo recorde e o TRF-1 ratificasse a decisão com a mesma rapidez. Mas a possibilidade de isso acontecer é a mesma de alguém que disponha de dois neurônios funcionais engolir a narrativa de que “Lula é um democrata”.

Democratas não fraudam a democracia da forma como o petismo fez ao organizar os dois maiores esquemas de corrupção da história do país. O partido quis, por duas vezes, anular a separação de poderes por meio da compra de apoio no Legislativo, seja pela distribuição pura e simples de dinheiro, no caso do Mensalão, seja pela pilhagem das estatais com o apoio de partidos aliados e empreiteiras, no esquema desvendado pela (ora moribunda) Operação Lava-Jato

No julgamento do mensalão no STF, o então ministro Ayres Britto descreveu o esquema como “golpe nesse conteúdo da democracia, que é o republicanismo”, pois tratava-se de perpetuar “um projeto de poder (...). Não de governo, porque projeto de governo é lícito, mas um projeto de poder que vai muito além de um quadriênio quadruplicado, muito mais de continuidade administrativa”. E o Petrolão foi apenas a continuação do mensalão por outros meios, como ficou amplamente demonstrado pelas evidências levantadas pela Lava-Jato e nenhuma decisão judicial será capaz de apagar.

No poder, o PT tentou controlar a atividade jornalística ao pressionar pela criação de um Conselho Federal de Jornalismo; depois de alijado do Planalto, o partido lamentou, em resolução oficial que tentava explicar as razões para o impeachment de Dilma, não ter colocado um cabresto na imprensa, no MPF, na PF e nas Forças Armadas. Sem falar, evidentemente, dos vários episódios de hostilização de jornalistas por parte de militantes, incluindo o ataque à sede da Editora Abril às vésperas do segundo turno da eleição de 2014, após a publicação, pela revista Veja, de uma reportagem sobre o Petrolão. 

Em suma, a repetida tentativa de fraudar a democracia brasileira, o desejo de controlar a imprensa e a amizade íntima com as ditaduras mais nefastas do continente latino-americano não credenciam nenhum partido ou líder a se denominar “democrata”.

A narrativa de que 2022 será um embate polarizado não entre petismo e bolsonarismo, mas entre autoritarismo (representado por Bolsonaro) e democracia (representada por Lula), não passa de uma fraude dos defensores do petralha. Os brasileiros realmente comprometidos com a democracia, com as liberdades, com o combate à corrupção e que porventura estejam também descontentes com o atual governo não abraçarão o discurso de quem pode até estar juridicamente “limpo”, mas não tem como apagar a verdade sobre o que é, o que fez e o que defende.

Ricardo Rangel escreveu em sua coluna na revista Veja desta semana que Lula se assemelharia ao barítono da ópera da anedota, que, brutalmente vaiado, alerta: “Não gostaram do barítono? Esperem para ouvir o tenor!” O barítono Lula parece determinado a mostrar que não desafina, e, incansável, perambula por Brasília, conversa com todo mundo, lança pontes ao centro, busca vacinas, produz um discurso com começo, meio e fim. Diante da insuportável cacofonia produzida pelo tenor que ocupa o Planalto, o adversário surge com a maviosa voz de um Fischer-Dieskau redivivo. Mas quão afinado com a democracia está, de fato, o barítono Luiz Inácio? Foi ele quem criou a polarização e o ódio político.

De novo: o “nós x eles” que impede o país de se reconciliar consigo mesmo começou contra Collor em 1989, intensificou-se no Mensalão, chegou ao paroxismo na Lava-Jato e no impeachment de Dilma. O hábito petista de chamar qualquer não petista de fascista, racista, homofóbico etc. perdura até hoje. Fake news foram usadas para assassinar a reputação de Marina Silva em 2014, e foi Lula que iniciou a campanha de desmoralização e descredibilização da “mídia golpista”. 

Ao contrário do que diz a patuleia ignara, o esquema de corrupção centralizada, administrada pelo Planalto, não foi algo que “sempre existiu”. Foi algo novo: um método de governo que comprava em dinheiro vivo o apoio dos parlamentares e, assim, atentava contra um dos alicerces da democracia, a separação dos poderes, (o Tratoraço de Bolsonaro é parecido). E o dinheiro desviado foi também para a campanha eleitoral, reelegendo o PT mais três vezes, atentando contra outro pilar da democracia, a alternância no poder. Afora os ataques à democracia, ainda houve a “nova matriz econômica”, que provocou um descalabro econômico.

Da feita que Lula afirma que o Mensalão e o Petrolão nunca existiram e atribui o desastre econômico a Temer, é lícito supor que, eleito, vá fazer tudo igualzinho outra vez. Ainda que admitamos (por amor à argumentação) que ele seja menos ruim que Bolsonaro, é preciso ter em mente que, quando se escolhe o menor entre dois males, o que se escolhe é um mal. Portanto, é bom examinar bem para ver se essa escolha é mesmo inevitável. E por enquanto não é. 

O Brasil é um país onde terremotos políticos se multiplicam — há pouco mais de um mês, Lula era inelegível, a CPI da Covid não existia e nada se sabia sobre o Tratoraço do capitão, por exemplo —, e ainda faltam dezessete meses para a eleição. Quem vaticina que um segundo turno entre Lula e Bolsonaro é inevitável não está fazendo análise política, está contribuindo para criar uma profecia autorrealizável. E não é hora de crer em vaticínios e inevitabilidades, mas de criar alternativas.

É inaceitável para qualquer país minimamente civilizado o favoritismo do líder do maior esquema de corrupção da história mundial, afirma o jornalista, colunista e autodeclarado “contestador por natureza” Ricardo Kertzman. Você pode dar razão ao STF e considerar que houve excessos jurídicos por parte da Lava-Jato, mas negar o que ocorreu, você não pode. Ou não deveria. Igualmente inaceitável é o apoio com que o psicopata homicida ainda conta. Diante de tudo o que já sabemos e conhecemos, de tudo o que esse amigo de miliciano já fez de mal ao País e de tudo o que ainda pode fazer caso seja reeleito, 23% de apoio é um crime.

Para quem execra os extremos representados pelo lulopetismo e pelo bolsonarismo, o cenário que se descortina é mais que sombrio; é macabro e indiscutivelmente catastrófico — pior, só mesmo se Ciro Gomes estivesse no páreo. O lulopetismo aparelhou o Estado, corrompeu as Instituições, destruiu nossa economia e nos atirou nas mãos do devoto da cloroquina. O bolsonarismo, por seu turno, aparelhou o Estado, corrompeu as Instituições, destruiu a economia e ressuscitou, com os préstimos do STF, o meliante petista. 

O lulopetismo é autocrata e totalitário. O bolsonarismo, idem. O lulopetismo vive do populismo barato e de conchavos políticos espúrios. O bolsonarismo, idem. O lulopetismo é sócio dos piores políticos e empresários do Brasil. O bolsonarismo, idem. Ambos representam nosso desastre como nação.

Parte inferior do formulário

Em 2018, por absoluta falta de alternativa, elegemos um candidato que se revelou tão ou mais nocivo e grotesco que Lula, o PT e a corja que os cerca. Não podemos permitir que esse descalabro se repita em 2022. O pai do senador das rachadinhas e da mansão de R$ 6 milhões de reais reencontrou seu verdadeiro tamanho eleitoral (15% – 25%), ao passo que o ex-tudo (ex-presidiário, ex-corrupto, ex-lavador de dinheiro, ex-chefe de quadrilha) retomou o vigor político que sempre o levou ao menos até o 2º turno.

Esperar que uma “terceira via” alcance tais patamares de intenção de voto é esperar por um milagre que nunca aconteceu neste pobre pedaço de chão esquecido por Deus. Até porque, para que milagres aconteçam, é preciso acender velas e rezar. Mas não para os demônios da nossa política, como fazemos insistentemente a cada dois ou quatro anos. 

Acorda, povo!