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domingo, 23 de agosto de 2020

MAIS SOBRE QUEIROZ E MADAME E O MAFIOSO DE COMÉDIA

De acordo como a coluna de Ricardo Noblat em Veja, os áudios divulgados pela revista, com o desabafo de Márcia Aguiar, deixam claro que ela e o marido, Fabrício Queiroz, sentiam-se como prisioneiros de Frederick Wassef — ex-consultor jurídico do clã presidencial e ex-advogado de Flávio Bolsonaro no caso das rachadinhas

A versão do casal guarda pouca (ou nenhuma) semelhança com a história contada por Fred quando Queiroz foi preso em sua casa/escritório em Atibaia. Ou com as histórias, melhor dizendo, pois o versátil mafioso de comédia tirava da cartola uma nova narrativa a cada nova entrevista — e ele concedeu uma porção delas nos dia em que o fantasminha camarada reapareceu misteriosamente (e foi capturado) numa de suas propriedades.

Wassef se jactava de ser próximo do presidente. Com a prisão de Queiroz, tornou-se suspeito de ser o “Anjo” que vinha protegendo o ex-factótum do clã presidencial, sua esposa e outros familiares, todos mergulhados até o pescoço na merdeira que começou a refluir, como quando se dá descarga numa privada entupida, no finalzinho de 2018, e cujas peças foram aos poucos se encaixando.

Em 20 de junho passado, numa entrevista à Folha, o douto jurisconsulto não só negou ter "escondido" Queiroz como também disse não ser o "Anjo". Em outra entrevista, afirmou  ser conselheiro jurídico dos Bolsonaro e advogado de Flávio no caso das rachadinhas. No dia seguinte, em entrevista à CNN Brasil — a quarta entrevista naquele final de semana —, negou que Jair e Flávio Bolsonaro soubessem que Queiroz estava escondido em sua propriedade, e teceu críticas contundentes a Karina Kufa, que dias antes soltara uma nota dizendo que ele, Wassef, não representava o Presidente. 

No mesmo dia, Wassef havia telefonado a Kufa e, aos berros, dito que iria desmenti-la. Disse também que substabeleceria um colega para assumir a defesa de Zero Um, e desculpou-se por “qualquer dano de imagem que pudesse ter causado ao Presidente e ao senador”. Mas em momento algum da longa e confusa entrevista ele explicou por que Queiroz estava morando em seu imóvel quando foi capturado. Em vez disso afirmou não tinha seu telefone (de Queiroz) e que não falava com ele. Perguntado por que o dito-cujo, sendo do Rio, escolhera Atibaia, no interior de SP, para tratar do câncer, especulou: "Quem sabe ele estava sem dinheiro, abandonado?"

Wassef afirmou que "movimentação atípica não é crime" (e não é mesmo), e que poderia dar “mil explicações para as tais movimentações financeiras”. O problema é que não deu explicação nenhuma. Repetiu sem parar que seu cliente era vítima de perseguição, de uma “Santa Inquisição”, e seguiu com sua narrativa confusa e repleta de contradições, dizendo, inclusive, que Queiroz nunca transferiu dinheiro para Flávio Bolsonaro.

Observação: Uma mentira deslavada (ou mais uma, porque são tantas), pois sabe-se agora que até a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, teria recebido 21 depósitos em cheques do ex-assessor de Zero Um. E falando em mentiras e no primogênito do Presidente, parece incrível, mas o senador não encontrou um único horário vago em sua agenda para encaixar a acareação com o empresário Paulo Marinho, que o acusou de ter recebido informações privilegiadas sobre a deflagração da Operação Furna da Onça. Nem a Velhinha de Taubaté engoliria tamanha potoca.

Wassef, o benemérito causídico de coração mole e mente criativa, disse que "se comoveu com a situação de Queiroz" — a quem nunca havia visto mais gordo —, procurou-o sem que ninguém o orientasse a fazê-lo e ofereceu abrigo para ele, a mulher e os parentes. Só por “razões humanitárias”, disse. Isso quando Queiroz já havia se tornado um dos homens mais procurados do país pela imprensa e, mais adiante, pelo MP-RJ, de cujas convocações para interrogatório a alma penada fugia feito o diabo da Cruz.

Por que Queiroz e a mulher aceitariam a oferta de abrigo feita por um desconhecido? Por que passariam a confiar em um homem que surgiu do nada, sem que ninguém o recomendasse? Não faria o menor sentido. Wassef deve ter sido bancado por alguém com bastante influência sobre o casal Queiroz. E não é tão difícil imaginar quem de quem se trata. 

Os áudios de Márcia datam de novembro do ano passado, quando ela e o marido eram mantidos numa espécie de cativeiro, deixam claro que ambos estavam contrariados por serem impedidos de sair de lá. Em conversas com a advogada Ana Flávia Rigamonti, contratada por Wassef para vigiá-los junto com um empregado da casa, Márcia traiu toda a sua insatisfação.

Ao longo de um ano, a mulher de Queiroz fora obrigada a abrir mão de sua vida particular, privar-se de ir ao médico até para fazer exames de rotina e, em alguns momentos, não podia sequer utilizar o celular. As medidas cautelares foram ditadas pelo “Anjo”, codinome de Wassef, segundo o Ministério Público Federal, empenhado em manter sob segredo o paradeiro de Queiroz

A gente não é foragido. Isso está acabando comigo, amiga, acabando. De boa mesmo. Está acabando. Está me destruindo por dentro. Eu estou aqui me desabafando, porque não consigo passar isso para ele [Queiroz]. E a minha preocupação é esse stress, esse emocional dele abalado, piorar a situação dele com essa doença”, disse Márcia a Ana Flávia.

Ana Flávia retruca: “Eu sei que ele não está bem. Ele está tentando se distrair. Mas a gente sabe que não está fácil. […] Ele mesmo falou para o Anjo: ‘Olha, eu não estou aguentando mais. Quero ir para minha casa’”. 

E Márcia completa: “Eu estou vendo que todo mundo está vivendo a sua vida. Agora, a gente não. Então, somos foragidos para viver fugindo? Não é possível isso, entendeu?

Márcia não estava com Queiroz quando ele foi preso em 19 de junho último. Havia uma ordem de prisão contra ela, que fugiu e só reapareceu quando o marido deixou a cadeia (no dia 10 de julho) para cumprir prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica. Desde então o casal está junto, ambos com tornozeleira. O Ministério Público Federal aposta que um deles acabará delatando.

A prisão de Queiroz contribuiu para a mudança de comportamento do Presidente. Saiu de cena o Bolsonaro incendiário, o promotor de crises, o falastrão, o agitador que marcava presença em manifestações de rua hostis à democracia, e entrou em cena o Bolsonaro moderado, que loteia cargos do governo com os partidos e chama os parlamentares do Centrão “sócios”. No bom sentido, é claro.

Resta saber quanto tempo isso vai durar.

terça-feira, 23 de junho de 2020

MAIS SOBRE A NOVELA QUEIROZ/BOLSONARO(S) — PARTE 3



O outono se foi, o inverno chegou, e nem sinal de um plano econômico para fazer frente à recessão ou de um médico, sanitarista, farmacêutico ou enfermeiro à frente do Ministério da Saúde — que está acéfalo há mais de um mês, sob um interino que não se sabe se está lá provisoriamente permanente ou permanentemente provisório.

Sobre as quiméricas reformas estruturantes — panaceia que recolocaria o país na trilha do crescimento —, ninguém mais fala. Aliás, surpreendentemente, nosso sempre boquirroto e grandiloquente presidente silenciou sobre a prisão de seu amigo de fé, irmão, camarada e rachadista Fabrício Queiroz. Até onde eu sei, a única vez que Bolsonaro se manifestou sobre o caso foi em sua live semanal, quando disse que a prisão de Queiroz foi “espetaculosa”, e que para ele “o assunto está encerrado”. Para ele, talvez; para a Justiça, a merda só começou a feder.

Meses atrás, Paulo Marinho — que abrigou na própria casa o comitê de campanha de Jair Bolsonaro — revelou à Folha que o filho do presidente, Flávio, teria sido avisado antecipadamente de uma operação a ser deflagrada pela PF que mirava Fabrício Queiroz. O pimpolho demitiu o assessor e a filha do dito-cujo de seu gabinete na Alerj, e então vestiu a máscara dos três macaquinhos sábios. E o capitão fez o mesmo em se próprio gabinete, defenestrando apaniguados do velho amigo de fé, irmão e camarada.

Bolsonaro & filhos atuavam de forma tão coesa que era virtualmente impossível dizer onde terminava um gabinete e começava o outro — e, portanto, as responsabilidades de cada um. Desde que vieram a público as primeiras notícias sobre as movimentações financeiras atípicas de Queiroz, Bolsonaro e seu clã passaram a tratar os brasileiros como um bando de idiotas. 

Queiroz é um lembrete da falta de transparência de uma família com quatro homens públicos que influenciam os destinos do país pelo fato de o presidente governar como um patriarca de clã e perder a linha (força de expressão; ninguém perde algo que nunca teve) sempre que imprensa o questiona (questionava, que agora a pergunta não faz mais sentido) sobre o paradeiro do “espírito que anda”, que se prontificou a ir para o sacrifício, mas somente se sua família — notadamente a mulher e a filha que também trabalharam em gabinetes dos Bolsonaro — ficassem protegidas.

Faltou combinar com o MP-RJ, que decretou a prisão da cara metade do fantasminha camarada e pediu que seu nome fosse incluído na lista dos procurados da Interpol... E agora, José, digo, Jair?

Às vezes eu me pergunto por que alguém que não quer, não pode ou não sabe governar aspira tanto à reeleição, sobretudo quando ela se torna mais improvável (e indesejável) a cada dia. Mesmo que esse alguém seja o ex-capitão que Geisel classificou de “anormal e mau militar”; que foi excluído dos quadros da Escola de Oficiais por indisciplina e insubordinação (mas acabou sendo absolvido das acusações pelo STM); que aprovou dois míseros projetos e colecionou mais de trinta ações criminais ao longo dos quase 30 anos de carreira política, e que, três meses depois de ter subido a rampa do Palácio do Planalto, disse com todas as letras que não nasceu para ser presidente, nasceu para ser militar.

Como bem alertou Pelé em 1973, "os brasileiros não estão preparados para votar" — opinião que o general-ditador João Batista Figueiredo ratificou em 1978, ao dizer que "um povo que não sabe nem escovar os dentes não está preparado para votar". Coincidência? Não. Pura sabedoria.

Como ficará a situação de Jair Bolsonaro com a prisão de Queiroz, só o tempo dirá. Além de haver uma miríade de variáveis, cada ator dessa ópera bufa parece empenhado em criar narrativas tão mirabolantes quanto conflitantes. Frederick Wassef é um bom exemplo.

Até meados da semana passada, Fred era um ilustre desconhecido que atuava nos bastidores e se orgulhava de ser (mais um entre muitos) próximo do presidente. Depois que Queiroz foi preso no imóvel que figura nos registros da OAB como sede de seu escritório de advocacia — a exemplo do que informa a vistosa placa afixada no muro frontal da casa —, o causídico se tornou suspeito de ser o “Anjo” que vinha protegendo Queiroz, esposa e outros familiares do fantasma igualmente mergulhados até o pescoço nessa merdeira.

No sábado (20), em entrevista à Folha, o advogado não só negou ter "escondido" Queiroz como também ser o "Anjo". Em outra entrevista, afirmou ser consultor jurídico dos Bolsonaro e advogado de Flávio no caso das rachadinhas. No domingo (21), numa segunda entrevista à CNN Brasil — a quarta no último final de semana — negou que Jair e Flávio Bolsonaro soubessem que Queiroz estava escondido em sua propriedade, e teceu críticas contundentes à advogada do presidente, Karina Kufa.

Observação: Na quinta-feira, Kufa havia soltado uma nota dizendo que Wassef não advoga para Jair Bolsonaro — embora o presidente nunca tenha desmentido o advogado quando ele dizia para meio mundo que o representava. No mesmo dia, Wassef telefonou a Kufa e, aos berros, disse que iria desmenti-la.

Wassef disse que substabeleceria um colega para assumir a defesa de Flávio Bolsonaro e se desculpou: “Qualquer dano de imagem que eu possa ter causado ao presidente e ao senador eu peço desculpas”. Mas em momento algum da longa e confusa entrevista explicou por que Queiroz estava morando na casa dede (de Fred) quando foi capturado. Disse que, a despeito de Queiroz ter sido preso em seu imóvel, ele (Fred) não tem seu telefone e não fala com ele (Queiroz). Perguntado por que o fantasminha camarada foi se tratar do câncer em Atibaia, sendo que é do Rio de Janeiro, o rábula especulou: "Quem sabe ele estava sem dinheiro, abandonado?"

Wassef disse ainda que movimentação atípica não é crime. “Estamos transformando extratos bancários de várias pessoas, uma verdadeira contabilidade. Isso parece mais milhares de operações matemáticas e de contabilidade que uma investigação. (...) Se era tão grave, por que não ofereceram denúncia em um ano? Posso te dar mil explicações para essa movimentação financeira”, concluiu. Mas não deu explicação nenhuma. Repetiu sem parar, interrompendo o entrevistador, que seu cliente é vítima de perseguição, de “Santa Inquisição”, e seguiu com sua narrativa confusa e contraditória, dizendo que nunca foi transferido dinheiro de Queiroz para Flávio Bolsonaro.

Fred deixou patente a impressão de que sua maior preocupação era midiática. Demonstrou mais preocupação com a exposição de seu cliente (agora ex-cliente) do que em refutar as acusações que pesam contra ele. Como se vê, estamos — mais uma vez — diante de uma guerra de narrativas. E como em toda guerra, a primeira vítima é sempre a verdade.

Lauro Jardimem sua coluna no Globo, publicou:

 "Jair e Flavio Bolsonaro têm mais um problema pela frente. E não é pequeno. É um problema de quase dois metros de altura e que está se sentindo humilhado e com raiva: Frederick Wassef, o advogado de Flavio Bolsonaro e ex-hospedeiro de Fabrício Queiroz, está possesso. Sente-se abandonado. De acordo com relatos de pessoas próximas, sentiu-se traído e achincalhado com a nota oficial assinada pela advogada Karina Kufa, desmentindo que ele algum dia tenha sido advogado do presidenteWassef tem reclamado de modo acerbo e raivoso de Bolsonaro. Além de ter detestado que fatos do seu passado e também velhas histórias de Cristina Boner, sua ex-mulher, mas de quem ainda é muito próximo, terem sido remexidos em meio ao furacão da prisão de Queiroz".

A deputada estadual Janaína Paschoal, ex-apoiadora de primeira hora do presidente, disse que os fatos são chocantes, sobretudo porque Wassef dizia não saber o paradeiro de Queiroz. "É algo chocante porque você pensa: 'de quem foi essa ideia [de 'esconder' Queiroz na casa de Wassef]?'. A gente fica sem entender se foi uma iniciativa do advogado, se alguém solicitou". 

Ainda segundo Janaína, o fato de o legisperito ter abrigado Queiroz aproxima o caso do presidente e do filho Flávio, ambos clientes de Fred: "Esse senhor [Wassef] frequenta o Palácio [do Planalto]. Quem olha de fora tem a sensação de que o doutor tem alguma intimidade. De certa forma, o fato traz o caso para perto do presidente. Acho uma ideia tão ruim que tomei um choque".

A deputada comparou o caso Queiroz e os acontecimentos no entorno de Bolsonaro com a "época do PT": "Lembra da época do PT, quando os aloprados do PT faziam dossiês? Tem coisas que acontecem em volta do governo que me lembram muito. De repente o senador poderia avaliar uma colaboração premiada com o MPF, fazer uma colaboração e entregar tudo o que acontecia naquela Alerj. Cai quem tiver que cair. Esses mistérios, a situação desse homem, vai gerando uma instabilidade que prejudica o País. E o presidente prometeu que iria colocar o País acima de tudo".

Bem fez o ex-ministro Abraham Weintraub — outro ideólogo inútil —, que desembarcou nos EUA, no último sábado, valendo-se de seu passaporte diplomático para entrar no país onde o aguarda uma diretoria no Banco Mundial e um aumento de salário de quase 400% — e pago em dólares. Detalhe: o Planalto só publicou a exoneração do imprestável depois de sabê-lo seguro em solo americano. O ex-ministro deve estar morrendo de rir dos trouxas que cá discutem quão escandalosas foram sua indicação para o Banco Mundial e sua saída do país à francesa.

Resumo da ópera: Queiroz é o grande calcanhar de Aquiles da primeira-família. Alegando problemas de saúde decorrentes de um câncer, driblou diversas convocações para prestar depoimentos. Fez uma declaração por escrito em que reconheceu a prática da rachadinha, mas isentou o chefe de qualquer participação ou conhecimento do esquema. De acordo com o MP-RJ, há abundantes indícios de desvio de recursos públicos, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Se ele revelar tudo o que sabe, pode garantir não apenas uma cassação de mandato ou prisão a seu ex-chefe, mas também derrubar do altar de mentirinha o santarrão do pau oco e pés de barro que diz ser Messias, mas que não consegue fazer milagres.

domingo, 5 de julho de 2020

NÃO HÁ ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL. O BRASIL É UMA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA

Em julho de 2019, questionado pela repórter Andréia Sadi, no G1, Frederick Wassef disse que não conhecia Fabrício Queiroz. Dois meses depois, em entrevista à TV Globo, afirmou que não sabia o paradeiro do ex-assessor porque não era o advogado dele. No mês passado, em entrevista a Chico Alves e Tales Faria, do UOL, falou que o factótum da família Bolsonaro deveria reaparecer. Semanas atrás, logo após a prisão de Queiroz, negou ter emprestado sua casa de Atibaia ao dito-cujo. Em entrevista à Cátia Seabra, da Folha, disse que nunca telefonou para Queiroz, nunca trocou mensagem com ele nem com ninguém de sua família, e que tudo isso era "armação para incriminar o presidente". Afirmou, ainda que, seu escritório estava vazio, que os móveis estavam do lado de fora e que tudo havia sido plantado.

No mesmo dia, Andrea Sadi mostrou o ridículo da situação dirigindo ao o mafioso de comédia a seguinte pergunta: "o Queiroz pulou o muro? Apareceu voando na casa do senhor? Ou foi levado por alguém?" No dia seguinte, o conspícuo causídico disse à CNN que soube que Queiroz esteve em seu sítio e que o frequentava; agora apresenta um abilolada teoria da conspiração, para a qual toma emprestado, inclusive, as "forças ocultas" citadas por Jânio Quadros em agosto de 1961, para justificar sua renúncia. 

Em entrevista à Veja, Fred disse: "Entrei em modo guerra. Quando isso acontece, viro o diabo". Segundo a matéria publicada pela revista, o advogado estaria alternando lampejos de euforia com mergulhos em momentos de depressão, com verborragia e pausas dramáticas para respiração, segundo a reportagem.

Suspeito de gerenciar o desvio de recursos públicos dos gabinetes de Flávio e Jair Bolsonaro e preso provisoriamente em Bangu 8 há três semanas, Queiroz teve de se submeter duas vezes a um dissabor do qual se esquivava desde o final de 2018, quando virou notícia: depor à Polícia Federal

Em seu primeiro depoimento, o ex-assessor disse que não tomou conhecimento do vazamento de informações sobre o relatório do Coaf (que o transformaria em estrela do escândalo da rachadinha) e que deixou de chefiar o gabinete do então deputado Flávio Bolsonaro por dois motivos. O primeiro é que estava cansado de trabalhar como assessor político; o segundo, que precisava cuidar da saúde.

Curiosamente, Queiroz foi exonerado do gabinete de Flávio Bolsonaro em 15 de outubro de 2018, duas semanas antes do segundo turno da disputa pelo Planalto. No mesmo dia, sua filha Nathalia foi afastada do gabinete de Jair Bolsonaro na Câmara. A simultaneidade estimula a suspeita de que o então candidato ao Planalto queria dissociar-se do sobrenome Queiroz, que estava na bica de se tornar tóxico. 

Para que a versão do cansaço ficasse em pé, o ex-assessor teria de explicar por que sua filha foi demitida no mesmo dia do gabinete do então deputado federal e hoje presidente da República. De resto, não faria sentido exonerar-se de uma função que assegurava o custeio de assistência médica justamente num momento em que sua saúde inspirava cuidados.

Tudo isso aconteceu antes da chegada do escândalo às manchetes. A primeira notícia sobre a movimentação bancária atípica de Queiroz foi publicada em 6 de dezembro de 2018, no Estadão. A partir daí, Jair e Flávio Bolsonaro tentaram se manter a um distância segura do amigo de três décadas do primeiro e ex-factótum do segundo. Distanciaram-se a tal ponto que Queiroz se queixou de abandono — numa postagem no WhatsApp, ele mencionou a "pica do tamanho de um cometa" que o Ministério Público queria "enterrar na gente".

A imagem do cometa fálico levou Zero Um a se referir ao ex-chefe de gabinete como um "cara correto e "trabalhador", e o presidente a tratar o ex-amigo com apreço no único comentário que fez sobre sua prisão: "Parecia que estavam prendendo o maior bandido da face da Terra".

Flávio Bolsonaro também foi intimado a depor para a PF sobre a denúncia de vazamento feita por seu suplente no Senado. Será uma ótima oportunidade para esclarecer o motivo pelo qual demitiu o funcionário "correto" e "trabalhador" que o assessorava havia mais de uma década, e por que seu papai, então deputado federal, fez o mesmo com Nathalia, a filha do amigo e companheiro de pescaria (e quiçá de otras cositas más).

Em mensagem interceptada pelo MP-RJ, a ex-assessora parlamentar Márcia Aguiar, mulher de Queiroz, reclamou das táticas impostas pelo “Anjo” — apelido que supostamente remete ao advogado Frederick Wassef. Em novembro do ano passado, Márcia disse à advogada Ana Rigamonti (que passou seis meses com Queiroz em Atibaia enquanto trabalhava no escritório de Fred): "A gente não pode mais viver sendo marionete do Anjo. 'Ah, você tem que ficar aqui, tem que trazer a família'. Esquece, cara. Deixa a gente viver nossa vida. Qual o problema? Vão matar? Ninguém vai matar ninguém. Se fosse pra matar, já tinham pego um filho meu aqui”.

Ainda segundo as ligações interceptadas, os planos do então defensor de Flávio no caso das rachadinhas incluíam alugar uma casa em São Paulo para abrigar toda a família de Queiroz (vale frisar que naquele momento o STF estava prestes a autorizar a retomada da investigação sobre as rachadinhas). 

Com o passar dos dias, os áudios enviados por Márcia à amiga foram ficando cada vez maiores e mais frequentes. Em algum deles, a mulher de Queiroz alternava choro com relatos sobre como a situação mexia com sua saúde física e emocional. "Sei que também tá acabando com a [saúde] dele [Queiroz]".

Outra mensagem revela que Queiroz também não concordava com os planos de Fred, e que lhe teria dito isso. Mas o jurisconsulto insistia em esconder a família. "Ele [Queiroz] não quer ficar mais aí, não", diz Márcia. E prossegue: "Ele [Fred] vai fazer terror, né?"

Quando Wassef passava uns dias em Atibaia, Ana Flávia ia para o quintal para evitar que o chefe a ouvisse falando com Márcia. Aos poucos, conforme o incômodo com a situação aumentava, elas passaram a questionar a eficácia da estratégia do defensor: "O Anjo tem ideias boas, sim, mas na prática a gente sabe que não é igual às mil maravilhas que ele fala", diz Ana Flávia, que havia conversado até com a mulher de Wassef na tentativa de frustrar a ideia de alugar uma casa para abrigar Queiroz & Família em São Paulo. 

Os áudios revelam que Márcia achava que o marido estava “no limite" e temia que seu estado emocional prejudicasse o tratamento do câncer. Dizia que Queiroz mantinha a compostura em Atibaia, mas, quando ia para o Rio, despejava toda a carga sobre ela. "Chega a ser insuportável a convivência com ele. Estou vendo que ele está no limite dele".

Essa preocupação levava Márcia a evitar se lamentar na presença do marido. É notória a diferença entre as mensagens enviadas ao companheiro e a Ana Flávia. Enquanto para a advogada chegavam áudios e textos grandes, as conversas com Queiroz se limitavam comentários sucintos — como dizer que achava "exagero" morar em São Paulo — e no campo da descontração — Queiroz enviava fotos de churrasco, pizza e o que mais estivesse comendo.

As defesas de Márcia e de Queiroz negam uma eventual delação premiada, mas interlocutores da família sondaram advogados que trabalham com o instrumento nos últimos dias. O Estadão apurou que um escritório que já defendeu clientes famosos foi procurado, mas disse que não trabalhava com delação. 

Ana Flávia, que não é investigada no caso, disse que não vai comentar, até porque apenas trabalhava no escritório de Fred, não tendo, portanto, nada que ver com o processo. O senador Flávio Bolsonaro e seu ex-advogado não se manifestaram. Em outras ocasiões, o causídico negou ser o "Anjo" e disse que abrigou Queiroz por “questões humanitárias".

Resta saber quem NÃO está mentindo nessa guerra de narrativas. 

Com Leonardo Sakamoto, Josias de Souza, Caio Sartori e Túlio Kruse

sexta-feira, 3 de julho de 2020

DOIS PESOS, DUAS MEDIDAS E UM MAFIOSO DE COMÉDIA


A educação no Brasil está horrível” disse Bolsonaro a apoiadores, na tarde de ontem, no chiqueirinho defronte ao Alvorada. Menos mal que o presidente tenha descoberto que merda fede. Falta agora ele descobrir quem foi o autor da cagada, ou por outra, quem empossou a piada de humor negro colombiana em janeiro de 2019, quem a substituiu pelo dublê de ativista combativo e ministro de merda (que ganhou uma diretoria no Banco Mundial como prêmio pelos bons serviços à frente de MEC) e, finalmente, por um suposto oficial da marinha, professor e pós-doutor, cuja permanência no cargo se tornou insustentável devido a divergências entre seu lustroso currículo e os fatos à luz inclemente da realidade. Não podia mesmo ter dado certo. Dito isso, passemos à postagem do dia.

O Brasil não é, positivamente, um país para distraídos. A verdade que vale hoje pode não estar valendo nada amanhã, e se o sujeito não presta muita atenção nas mudanças súbitas que fazem o certo virar errado e o errado virar certo vai acabar andando fora do passo.

Até outro dia, quando havia por aqui algo chamado Operação Lava-Jato e os corruptos viviam no medo de acordar com o camburão da Polícia Federal na sua porta, era exigida das autoridades públicas, como se exige de um muçulmano diante de Alá, uma obediência cega, surda e muda ao “direito de defesa”. Hoje, quando a grande atração em cartaz é o combate ao que se considera ameaças à democracia, e quem está aflito com a PF são os suspeitos de extremismo de direita, o que se cobra da Justiça é o contrário: vale passar por cima da lei e de seus detalhes incômodos para punir tudo o que possa ser descrito como “fascismo”.

Trocaram os polos da pilha – de negativo para positivo e vice-versa. O primeiro dos dez mandamentos, nos tempos de Lava-Jato, era: é preciso combater a corrupção, sim, mas desde que as leis sejam respeitadas em suas miudezas mais extremadas. O problema do Brasil, na época, não era o saque ao erário e a punição dos ladrões; era a possibilidade de haver o mais delicado arranhão em qualquer direito dos acusados. Muito melhor deixar um culpado sem castigo do que correr o mínimo risco de punir alguém se não for cumprido tudo o que as milhões de leis em vigor no país oferecem em sua defesa. O primeiro mandamento, hoje, é o oposto: não se pode ficar com essa história de “cumprir a lei” ao pé da letra, pois “a democracia tem de estar acima de tudo”.

Onde foram parar os “garantistas”? Você talvez ainda se lembre deles: eram os ministros do STF, advogados de corruptos milionários e toda uma multidão de juristas amadores que acusavam a Lava-Jato de desrespeitar o direito de defesa, exigiam que suas decisões fossem anuladas e pediam punição para o juiz Sérgio Moro e os procuradores da operação. O ministro Gilmar Mendes chamou a Lava-Jato de “operação criminosa” e acusou a PF da prática de “pistolagem”. Também disse que “a República de Curitiba é uma ditadura de gente ordinária” e que a Lava-Jato foi “uma época de trevas”.

O presidente do STF, Antônio Dias Toffoli, acusou a operação de “destruir empresas”. Seu colega Marco Aurélio Mello disse não queria ser substituído por Moro quando se aposentasse.

Temos agora o episódio da “ativista” de direita que foi presa por um mínimo de cinco dias sob a acusação de atentar contra a Lei de Segurança Nacional. Sara xingou a mãe do ministro Alexandre de Moraes; disso não há dúvida. Mas desde quando xingar a mãe de ministro ameaça a segurança do Brasil, ou de qualquer país? O crime, aí, se a Justiça assim o decidir, é o de injúria, previsto no artigo 140 do Código Penal. Não pode ser outro, e para ele a lei não prevê prisão temporária de cinco dias, nem de mais e nem de menos. Conclusão: extremistas de direita devem ter menos direitos que extremistas de esquerda, ou que delinquentes de outros tipos.

Da mesma forma, há muito escândalo porque o grupo de Sara foi soltar rojões na frente do STF. Mas ninguém achou que a segurança nacional foi ameaçada quando picharam de vermelho o prédio da ministra Cármen Lúcia, dois anos atrás, em Belo Horizonte, ou quando manifestantes “a favor da democracia” e “contra o fascismo” jogam pedra na polícia, destroem propriedade e tocam fogo em bancas de jornal. O que se condena, no Brasil de hoje, não é o que foi feito. É quem faz.

Mudando de um ponto a outro, quando Fabrício Queiroz foi preso num simulacro de escritório do então advogado de Flávio Bolsonaro em Atibaia, o mafioso de comédia parecia ter violado a ética da advocacia e a própria legislação. Mas suas manifestações mais recentes demonstraram tratar-se de uma alma superior.

Wassef contou à revista Veja que soube que Queiroz estava às voltas com um câncer. Ficou sensibilizado. O presidente, amigo do ex-factótum do clã desde sempre, cortara qualquer contato com ele, a exemplo de seu ex-chefe na Alerj. Assim, o nobre causídico decidiu ajudar. Não porque era advogado de Flávio, mas por razão "100% humanitária", como declarou esse ser humano especial.

Depois, Wassef descobriu que havia uma trama para matar Queiroz e colocar a culpa na família Bolsonaro, acusando o presidente e seu filho de queima de arquivo para evitar uma delação. O que seria, naturalmente, uma fraude. A partir desse momento, além de proteger a vida de Queiroz, Fred passou a favorecer o presidente e seu filho, evitando que um cadáver lhes caísse no colo. Fez isso sem avisar aos Bolsonaro. O presidente poderia ter acionado a Polícia Federal. Mas por que preocupá-lo com algo tão trivial? O doutor revelou-se um sublime cultor da amizade.

Tratado como criminoso, Wassef diz que a Justiça e o MP-RJ deveriam lhe agradecer. Não fosse por suas iniciativas, Queiroz não estaria vivo. Bolsonaro e sua família estariam sendo investigados por um suposto assassinato.

O advogado disse ter pedido desculpas ao presidente pelos dissabores que possa ter causado. Mas não receia ser esquecido pela primeira-família. Além de todas as qualidades que fazem dele um ser notável, Wassef realça sua lealdade. "Não traio ninguém nunca."

Wassef pronunciou uma frase simbólica: "Não se deveria virar as costas para antigos aliados." Um observador maldoso poderia interpretar como um recado. Mas o douto jurisconsulto se declara apaixonado por Bolsonaro: "Amo o presidente", disse ele. Confesso que fiquei decepcionado comigo mesmo por ter pensado mal de alguém como o doutor Wassef. Se alguém tem culpa nessa história, sou eu.

Na tarde de ontem, em depoimento presencial tomado pelo promotor Eduardo Benones no Complexo Penitenciário de Bangu, Queiroz falou por cerca de duas horas e meia. 

Segundo Benones, “o depoimento dele não inocentou ninguém, foi capaz de tirar ninguém da cena do crime, entendeu? Dá pra continuar investigando. Foi um bom depoimento. A gente continua acreditando que a partir de hoje, mais do que nunca, que as investigações devem prosseguir”. Analistas da GloboNews avaliaram que o depoimento reforça as suspeitas de vazamento (conforme denúncia do empresário Paulo Marinho, que participou da campanha de Bolsonaro à presidência).

Esse foi o segundo depoimento do ex-assessor de Flávio Bolsonaro. No primeiro, prestado à PF do Rio em 29 de junho, no inquérito que também analisa as denúncias na operação, Queiroz disse que não obteve informações privilegiadas, que não foi demitido porque Flávio teve conhecimento prévio da Operação Furna da Onça, mas sim exonerado a pedido, porque estava “cansado de trabalhar no cargo” e que precisava tratar de sua saúde”.

O MP-RJ intimou o ex-chefe de Queiroz a depor, a despeito de sua defesa ter conseguido procrastinar a investigação alegando conflito de competência (na semana passada, a Justiça do Rio transferiu a apuração do caso para a segunda instância, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça fluminense; o STF deve devolvê-lo à instância de origem, mas somente em agosto, devido ao recesso do Judiciário). 

Os advogados de Zero Um estrilaram, mas o MP-RJ afirmou em nota que a chefia institucional delegou aos promotores de Justiça do GAECC os poderes para prosseguirem nas investigações até seu termo final. "Diante disso, as investigações seguem seu curso normal, sem paralisações desnecessárias por conta de mudanças de competência jurisdicional", acrescentou o MP.

Com J.R. Guzzo e Josias de Souza

quarta-feira, 14 de junho de 2023

DE VOLTA AO NEGÓCIO DO JAIR


Um pedido mui particular que Pero Vaz de Caminha incluiu na famosa carta a El-Rey plantou a semente do nepotismo em Pindorama. Séculos depois, a "rachadinha" se tornou tão comum para alguns parlamentares quanto o ato de respirar. 

Em "O Negócio do Jair — A História Proibida do Clã Bolsonaro", Juliana Dal Piva relata que o ex-presidente lançou mão dessa prática tão logo se elegeu deputado federal, fazendo escola para os filhos Flávio, na Alerj, e Carlos, na Câmara Municipal do Rio. Mas a maracutaia só ganhou destaque no final de 2018, quando o Estadão publicou que o Coaf havia identificado movimentações atípicas na conta de Fabrício Queiroz.
 
Queiroz se tornou íntimo de Jair nos anos 1980 e prestou serviços ao clã até outubro de 2018, quando Zero Um, informado por um delegado da PF de que a Operação Furna da Onça seria "segurada" para não respingar na campanha presidencial, exonerou o assessor e recomendou ao pai que fizesse o mesmo com Natália Queiroz, filha de Fabrício, que figurava na folha de pagamento do gabinete de Jair na Câmara, mas trabalhava como personal trainer no Rio de Janeiro.
 
Em entrevista a Veja, "Jacaré" — outro velho amigo de Jair — revelou que 
Ana Cristina Valle, segunda esposa do então deputado e mãe de Jair Renan, era responsável pela contratação de "funcionários fantasmas" no gabinete do marido e dos filhos. A separação do casal produziu montes de dinheiro: entre 2019 e 2022, madame movimentou R$ 9,3 milhões e comprou uma mansão em Brasília avaliada em R$ 2,9 milhões, embora seu salário fosse de R$ 6,2 mil mensais.
 
A novela Flávio/Queiroz teve inúmeros desdobramentos e foi interrompida diversas vezes — tanto por intervenções diretas do então presidente quanto por decisões de magistrados camaradas. Entre os episódios mais emocionantes, vale relembrar as explicações estapafúrdias dos envolvidos, o vídeo em que Queiroz aparece dançando no quarto do Hospital Albert Einstein (onde estava internado para tratar de um câncer no intestino) e o pagamento em dinheiro vivo de R$ 133,6 mil (referentes aos honorários médicos e serviços de hotelaria) feito pelo sambista de enfermaria. 

Observação: Queiroz passou três semanas em Bangú, mas sua mulher nem chegou a ser presa. No capítulo em que a novela virou comédia, o casal teve a prisão preventiva convertida em domiciliar pelo então presidente do STJ (com quem Jair Bolsonaro disse ter um caso de amor à primeira vista). 
 
O inquérito que sobre as rachadinhas foi arquivado com base no "mandato cruzado" — quando o parlamentar deixa de ocupar um cargo eletivo para assumir outro em uma casa legislativa diferente (o
 STJ anulou as provas e o STF manteve a decisão). Consta que a investigação prossegue, mas em sigilo, e que o primogênito do ex-presidente tinha planos de disputar a prefeitura do Rio no ano que vem, mas foi demovido por seu papai.

Após receber alta, Queiroz foi visto novamente seis meses depois, quando uma equipe de Veja o flagrou na lanchonete do hospital onde fora operado, e descobriu que ele estava morando a poucas quadras dali. Mas o fantasminha tornou a desaparecer e ficou invisível até ser preso no simulacro de escritório de advocacia de Frederick Wassef — o mafioso de comédia que, pego com batom na cueca, insultou a inteligência alheia ajustando sua narrativa em tempo real, como quem troca um pneu com o carro em movimento.
 
A eclosão de escândalos por atacado — marca registrada do governo Bolsonaro — levou a mídia a perder o interesse por Queiroz, que disputou a uma cadeira na Alerj, mas não conseguiu se eleger — o que é surpreendente, considerando à vocação inata do eleitorado tupiniquim para fazer sempre as piores escolhas (vide Damares, Mourão, Pazuello, Tiririca etc.).

E vamos que vamos!

domingo, 3 de julho de 2022

HOJE É O AMANHÃ DE ONTEM E O ONTEM DE AMANHÃ

 

No apagar das luzes de junho de 2018, eu escrevi que a libertação do delinquente José Dirceu, condenado em segunda instância a 30 anos e 9 meses de prisão, escancarou uma verdade inverossímil: a sala ocupada pela 2ª Turma do Supremo se transformara numa gigantesca porta de saída da cadeia. 

 

Essa bofetada na cara do país que presta foi desferida a seis mãos — por Gilmar MendesRicardo Lewandowski e Dias ToffoliGilmar inaugurou (e comanda) a primeira usina de habeas corpus do planeta, Lewandowski ganhou a toga porque era filho de uma vizinha da ex-primeira-dama Marisa Letícia, e Toffoli, por ser uma alma subalterna a serviço de Dirceu. Disfarçados de juízes, os três agem como cúmplices de bandidos de estimação — e enxergam no povo brasileiro um bando de otários que só explodem de indignação quando a seleção vai mal numa Copa do Mundo.

 

Como bem pontuou J.R. Guzzo em Veja, os eminentes togados têm o poder de aplicar ou não as leis e, para além disso, de decidir quais leis são válidas. Dizem, é claro, que suas sentenças estão de acordo com a legislação — mas são eles, e só eles, que decidem o que as normas jurídicas querem dizer. 


Não existe em lugar nenhum do mundo, e nunca existiu, uma democracia em que a última instância do Poder Judiciário faz uso da lei para impedir a prestação de justiça. Se as atuais leis brasileiras, como garantem os nobres ministros sempre que soltam um ladrão de dinheiro público, os obrigam a transformar o direito de defesa em impunidade, então todo o sistema de justiça está em colapso, e o que existe é um Estado de exceção, onde as pessoas que mandam valem mais que todas as outras. 

 

Faz sentido um negócio desses? Claro que não. Mas a questão, à esta altura, já não é o que os corruptos fizeram ou foram acusados de fazer, mas os julgadores estão fazendo ao abrir as celas de quem roubou o erário neste país. Pelo que escrevem em suas sentenças, os magistrados decidiram na prática que ninguém mais pode ser preso no Brasil por cometer crimes de corrupção. É possível existir democracia num país onde os membros da mais alta cúpula do Judiciário, com a ajuda de algumas nulidades assustadas e capazes de tudo para remar a favor da corrente, decidem o que é permitido e o que é proibido para 219 milhões de pessoas?

 

Quando ainda comemorávamos a derrota do bonifrate do presidiário mais famoso do Brasil pelo presidente eleito em 2018 — e que viria a ser o pior mandatário desta banânia desde Tomé de Souza —, surgiram os primeiros indícios das "movimentações financeiras atípicas" de Fabrício Queiroz, amigo de longa data de Jair Bolsonaro e factótum do clã do ex-capitão. A primeira notícia foi publicada em 6 de dezembro de 2018 no Estadão. A partir daí, Jair Flávio Bolsonaro tentaram se manter a uma distância segura do amigo de três décadas do primeiro e dublê de motorista e assessor parlamentar do segundo.

 

Corrupção, como se sabe, é uma doença que demanda cuidados médicos intensivos. Tanto que uma "inesperada crise de saúde" impediu Queiroz de prestar esclarecimentos ao MP-RJ em duas oportunidades. Perguntado sobre as suspeitas que recaíam sobre se ex-assessor, o ex-deputado estadual e então senador eleito Flávio Bolsonaro disse que era ele (Queiroz) quem deveria esclarecer os fatos. "Pela enésima vez, não posso ser responsabilizado por atos de terceiros e não cometi nenhuma ilegalidade. O ex-assessor é quem deve dar explicações. Todos da minha equipe trabalham e a prova de que o gabinete funciona bem são minhas crescentes votações", postou Zero Um no Twitter. 

 

Quando há justificativa, os fatos falam. Quando não há, as versões sussurram e as suspeitas prosperam. Queiroz — que, segundo Flávio, teria uma “história plausível”, foi submetido a uma cirurgia no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, e virou fumaça tão logo teve alta médica. No dia seguinte ao do Natal de 2081, Queiroz reapareceu tão misteriosamente quanto havia sumido e falou em público pela primeira vez. Em entrevista ao SBT, negou ser laranja e atribuiu o dinheiro a negócios com venda de carros, mas não explicou os depósitos feitos em sua conta por funcionários do gabinete e familiares empregados por Flávio Bolsonaro e pelo presidente eleito. E então desapareceu de vez.

 

Em setembro de 2019, uma reportagem de Veja revelou o paradeiro de Queiroz, mas o espírito que anda voltou a tomar chá de sumiço e permaneceu desaparecido até meados do ano seguinte, quando foi localizado e preso em Atibaia (SP) — não no famoso sítio Santa Bárbara, que Lula frequentava amiúde e que lhe rendeu uma pena de 12 anos e 11 meses de prisão (posteriormente anulada pelo ministro Edson Fachin), mas num imóvel pertencente a Frederick Wassef, o folclórico dublê de mafioso de comédia e "consiglieri" da Famiglia Bolsonaro. 

 

Após passar três semanas no Complexo Penitenciário de Gericinó, na Zona Oeste do Rio, Queiroz foi beneficiado por um habeas corpus deferido pelo ministro João Otávio Noronha, do STJ, e seguiu para prisão domiciliar. Dizendo-se "grande admirador de Roberto Jefferson" (cujo nome dispensa apresentações), o ex-fantasminha tenciona se candidatar a deputado federal nas eleições deste ano. 

 

Observação: Durante a cerimônia de posse de André Mendonça como ministro da Justiça e de José Levi como AGU, o capitão disse a Noronha, então presidente do STJ, que sua relação com ele era um caso de amor à primeira vista. E não é para menos. Além de conceder a Queiroz o mimo da prisão domiciliar, o magistrado estendeu o benefício à esposa do ex-Gasparzinho — que estava foragida e, segundo as más-línguas, flertava com a delação. Detalhe: Assim como Augusto Aras, o procurador-geral que não procura, o ministro do STJ acalenta o sonho de ter os ombros recobertos por uma suprema toga. Foi preterido nas duas indicações feitas por Bolsonaro, mas quem sabe se numa próxima... 

 

Bolsonaro faz no governo o que ele e seus filhos sempre fizeram na vida pública: explorar mecanismos de liberação de dinheiro do povo para atender a interesses privados. Zero Um e Zero Três tiveram cargos remunerados em Brasília enquanto faziam faculdade no Rio de Janeiro. A caseira do imóvel de veraneio da família também tinha. E o próprio presidente, como confirmou o Ministério Público em ação contra ele por improbidade administrativa, fez os brasileiros pagarem durante 15 anos por uma "assessora parlamentar" fantasma (Wal do Açaí), registrada em seu gabinete de deputado federal, enquanto ela dava água para o cachorro em Angra dos Reis (RJ).

 

Depois de comprar o apoio do Congresso com o orçamento secreto, de emissoras de rádio e TV com a liberação obscura de verbas de publicidade federal, de parte da população de baixa renda com o que ele próprio chamava de "Bolsa Farelo", e de pastores aliados com o perdão da dívida de igrejas com o Estado, Bolsonaro mandou o ministro-pastor Milton Ribeironas palavras do próprio Ribeiro — atender aos interesses específicos de Gilmar Santos e Arilton Moura, dois pastores mui suspeitos. De acordo com Felipe Moura Brasil, o sacrilégio bolsonarista chegou ao cúmulo da aparente lavagem de dinheiro sujo em livros bíblicos. É a imagem mais emblemática até hoje da exploração da religião por interesses escusos e para fins criminosos, ambos condenados pela doutrina cristã. A propaganda do "governo sem corrupção" apenas encobre a corrupção sem governo.

 

Um dia depois de quatro ministros do STJ indicados pelo PT terem condenado Deltan Dallagnol a indenizar Lula pelo powerpoint da denúncia contra o petista, o outro Gilmar — o Mendes, aliado de Lula e Bolsonaro na vingança do sistema — revelou ter dito ao capitão que seu legado é "nomear Sergio Moro e devolvê-lo ao nada". Moro, ao contrário de Ribeiro, se recusou a compactuar com a perversão privada do Estado, de modo que ele próprio se devolveu a um "nada" de cargos em troca de princípios, muito mais digno que o "tudo" por poder e impunidade. 


Mas o legado real de Bolsonaro vai além da blindagem geral. Ao transformar o debate público em guerra de gangues, onde, em nome de Deus, os crimes de um lado — e em benefício deste lado — são relativizados e legitimados pela comparação com os crimes do outro, o presidente, seus filhos e sua claque — para a qual o problema é ser pego — corrompem não só as tradições liberal e conservadora, como também a moral cristã, anestesiando a população com o conformismo em ser roubada. Em outubro, os eleitores vão decidir se querem ser assim "a vida toda". 

 

Infelizmente, a alternativa que se coloca a Bolsonaro é a pior possível. Rezemos para que o imponderável tenha voto decisivo na assembleia dos acontecimentos, pois, sem Lula no páreo, Simone Tebet tem chance de derrotar o capetão no segundo turno (como também teriam Moro e Doria se não tivessem sido elididos da disputa). 


Triste Brasil.

quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

TERMINA HOJE O ANO QUE PARECIA INTERMINÁVEL. QUE O PRÓXIMO SEJA MELHOR.


Nesta noite, quando a décima segunda badalada do relógio soar, estaremos em 2021, ano em que o presidente Jair Bolsonaro terá de descer do palanque e fazer o que não fez até agora: governar o país. Caso não o faça, aumentará as chances de ser expelido do cargo e ficar a ver navios em 2022. 

Se decidir, finalmente, agir como deveria ter agido desde janeiro de 2019, terá inúmeros desafios a enfrentar — um trabalho hercúleo para um parlamentar medíocre, egresso do baixo clero, que não reúne condições intelectuais nem morais para presidir miseravelmente uma reunião de condomínio, e que se cerca de gente ainda mais desqualificada (talvez para não se sentir tão pequeno quanto é).

No âmbito da economia, Bolsonaro terá de lidar com o fim do auxílio emergencial e suas consequências. A despeito das tentativas recorrentes dos frentistas do Posto Ipiranga, não surgiu uma alternativa viável ao Bolsa Família nem uma solução mágica para financiar a "Renda Cidadã". Com o fim do “orçamento de guerra” e a não aprovação da Lei Orçamentária Anual, a poderosa esferográfica Bic do mandatário de fancaria pode ficar sem tinta — pelo menos nos primeiros meses —, levando sua popularidade a subir no telhado justamente quando começam de fato as articulações para o pleito de 2022. E como o ambiente político é norteado pela circunstância econômica, a conclusão é óbvia.

Na política internacional, a célebre frase “é a economia, estúpido”, cunhada pelo marqueteiro democrata James Carville, que previu a vitória de Clinton sobre Bush em 1992, continua vigendo. Bolsonaro & Filhos jamais esconderam que tinham lado na disputa pela presidência americana, e agora descobriram que escolheram o lado errado. A demora em reconhecer a vitória de Biden certamente não facilitará as relações comerciais entre os dois países, como tampouco favorecem as relações do Brasil com a China os constantes ataques do chanceler de festim Ernesto Araújo e do ex-quase embaixador Eduardo “Fritador de Hambúrguer” Bolsonaro. 

Para além disso, as aleivosias do capitão-sem-noção seguem num crescendo assustador — no discurso de abertura da 75ª Assembleia da ONU, por exemplo, ele tratou aos coices (para dizer o mínimo) os países que lhe cobraram responsabilidade ambiental, culpou índios e caboclos pelas queimadas, inflou o valor do auxílio emergencial e responsabilizou os governadores pela crise.

No xadrez político em Brasília, Bolsonaro terá de renovar concessões e acordos para tentar emplacar aliados no comando da Câmara e do Senado — para ele, é vital ter um lambe-botas no comando das duas Casas, sobretudo na Câmara, cujo presidente não só controla a pauta de votações como decide se aceita ou não um pedido de impeachment contra o chefe do Executivo. Atualmente, Rodrigo “Botafogo” Maia está sentado em cima de uma pilha de quase 60 demandas do tipo.

Na esfera judicial, Bolsonaro e seus apoiadores continuam afirmando que não houve denúncias de corrupção neste governo, mas somente porque desconhecem o significado dessa palavra. Curiosamente, o termo é de uso corrente, sobretudo no Brasil. De acordo com o Michaelis, entre outras acepções, “corrupção” significa 1) Degradação de valores morais ou dos costumes, devassidão, depravação; 2) Ato ou efeito de subornar alguém para vantagens pessoais ou de terceiros; 3) Uso de meios ilícitos, por parte de pessoas do serviço público, para obtenção de informações sigilosas, a fim de conseguir benefícios para si ou para terceiros.

Bolsonaro é investigado em um inquérito que tinha tudo para ser concluído antes da aposentadoria do decano Celso de Mello do STF, mas não foi. No fim de novembro, a AGU comunicou ao ministro Alexandre de Moraes que o investigado “declinava do meio de defesa” de prestar depoimento às autoridades e dar sua versão sobre a acusação de interferência política na Polícia Federal. 

Sob a relatoria do ministro estão outros dois casos, que correm em segredo de Justiça. O mais antigo apura ameaças e disseminação de fake news contra integrantes do STF, e o outro trata da organização de um protesto antidemocrático, realizado defronte ao QG do Exército em Brasília, que pugnava pela reedição do AI-5 e o fechamento do Congresso e do STF

Observação: Semanas atrás, Moraes negou a dispensa prévia do interrogatório do presidente, enviou o tema para análise do plenário e concedeu mais 90 dias de prazo para a conclusão do inquérito que trata da “suposta” ingerência indevida na PF. Vale lembrar que Jair Bolsonaro empregou 102 pessoas com laços familiares ao longo de seus 28 anos como deputado federal. O mandato de Bolsonaro está na mira do TSE, onde tramitam dois pedidos de cassação da chapa que o elegeu. No total, há oito processos contra o presidente e seu vice naquela Corte Eleitoral, sendo quatro deles com informações robustas sobre disparo em massa de fake news pelo WhatsApp

Flávio “Rachadinha” Bolsonaro é investigado há mais de dois anos por um “suposto” esquema de desvio de recursos do gabinete que ocupava na Alerj até ser eleito senador. O MP-RJ apresentou denúncia contra ele, contra Fabrício Queiroz e digníssima esposa, e mais uma dúzia de suspeitos de envolvimento na maracutaia. O fato se tornou público em 3 de novembro, mas acabou ofuscado pela eleição presidencial americana. Cabe agora ao Órgão Especial do TJ-RJ aceitar ou não a denúncia; caso aceite, os acusados se tornarão réus e o processo judicial terá início. O desembargador Milton Fernandes de Souza foi sorteado relator, mas o caso só poderá ser pautado para julgamento depois que o magistrado concluir a análise da denúncia e proferir seu voto. Não há prazo para que isso venha a ocorrer.

Conforme duas reportagens publicadas pela revista Época (clique aqui e aqui para acessá-las), a Abin e o GSI foram mobilizados pela defesa de Zero Um para tentar obter provas de que funcionários da Receita Federal teriam acessado ilegalmente dados sigilosos da movimentação financeira do hoje senador. A publicação diz que o próprio Alexandre Ramagem, diretor da Abin, repassou a FB, via mensagens de WhatsApp, dois relatórios com orientações para sua defesa. Se for confirmado que a primeira-família mobilizou órgãos públicos para atender interesses particulares e tentar atrapalhar a investigação criminal, Bolsonaro pai pode ser processado tanto por crime comum quanto de responsabilidade.

Em junho, Fabrício Queiroz foi localizado e preso num imóvel em Atibaia, pertencente ao dublê de advogado e mafioso de comédia Frederick Wassef, que até então cuidava da defesa de Flávio no inquérito das rachadinhas e atuava como consultor jurídico da Famiglia Bolsonaro. Por razões que a própria razão desconhece, o semideus togado Gilmar Mendes acolheu um pedido de habeas corpus que substituiu a prisão preventiva de Queiroz por prisão domiciliar, além de estender o benefício a Márcia Aguiar, esposa do ex-factótum do clã, que estava foragida. Em novembro, Danielle Oliveira acusou formalmente Wassef de injúria racialo advogado a teria chamado de "macaca", entre outras agressões verbais. Todas as testemunhas do caso já foram ouvidas pelo delegado, menos o acusado.

Após negar que escondeu Queiroz, Fred se contradisse ao tentar explicar por que abrigou o ex-assessor de seu cliente num imóvel que mais parecia um cativeiro. Disse que não sabia do paradeiro do ex-PM, que jamais falou com ele e tampouco tinha conhecimento de que ele estivesse em sua propriedade em Atibaiaembora Queiroz tenha morado lá por pelo menos um ano. Mais adiante, reconheceu que abrigou dito-cujo, mas por “questões humanitárias”. Em outro pronunciamento, afirmou: Todos estão convictos hoje de que o Fred virou o alvo. Se bater no Fred atinge o presidente, eu e o presidente viramos uma pessoa só.” Depois, tentou descolar o presidente do assunto: “Nunca, jamais, o presidente Jair Bolsonaro soube ou teve conhecimento desses atos, desses fatos. Essa é minha inteira responsabilidade.

Wassef abandonou as causas da família Bolsonaro três dias após a prisão de Queiroz. Na noite em que o anúncio foi feito, FB elogiou o trabalho e a lealdade do advogado. Nos meses seguintes, o site O Antagonista e a revista eletrônica Crusoé mostraram como Fred usou sua proximidade com o presidente da República para ganhar milhões de reais de empresários interessados em resolver problemas no governo. Em agosto, outra revelação da Crusoé: O advogado recebeu R$ 9 milhões da JBS. Em outra reportagem, a revista mostrou que partiu de Jair Bolsonaro a iniciativa de pedir uma reunião na PGR entre o causídico e o subprocurador responsável pelo caso da JBS.

Em setembro, Wassef foi alvo de busca e apreensão na Operação E$quema SDenunciado por peculato e lavagem de dinheiro, ele é suspeito de ter obtido R$ 2,7 milhões por meio do escritório da ex-procuradora Luiza Nagib Eluf, contratada pela Fecomércio Rio com uso de dinheiro público do Sesc/Senac Rio. Segundo o MPFCristiano Zanin e Roberto Teixeira — advogados do criminoso Lula — comandaram o esquema entre 2012 a 2018. Estão na mira dos investigadores desvios de valores que chegam a R$ 300 milhões. No entanto, o inquérito foi suspenso em outubro por decisão de Gilmar Mendes.

Carlos Bolsonaro, vereador pelo Rio de Janeiro que dá expediente no Palácio do Planalto, é investigado pela “suposta” contratação de funcionários fantasmas. Seu nome é suscitado nada menos que 43 vezes no inquérito dos atos antidemocráticos. Depoimentos de testemunhas dão conta de que o filho do capitão vem “ajudando” e “cooperando” com os canais suspeitos de ataques às instituições e ao regime democrático.

No final de julho, Anderson Rossi, dono do Foco do Brasil, foi questionado sobre uma possível ajuda do vereador na estruturação de seu canal, que chega a faturar R$ 140 mil por mês. Já a Folha Política, segunda franquia mais rentável entre os canais bolsonaristas, tinha 1,65 milhão de inscritos no início de março; hoje está com 2,19 milhões — um salto de 32%. Ernani Fernandes Barbosa Neto, proprietário do canal, disse à PF ter faturado entre R$ 50 mil e R$ 100 mil por mês.

Em um inquérito que corre atualmente no STF, Zero Dois aparece como suspeito de ser líder do chamado “gabinete do ódio”, um grupo de assessores que se encarregam de espalhar mentiras sobre ministros da Corte e apoiar manifestações antidemocráticas nas redes sociais e em grupos de apoiadores do presidente, pedindo o fechamento do Congresso e do Supremo.

Eduardo Bolsonaro está na mira da PGR, que determinou a abertura de “notícia de fato” para saber se o deputado violou a Lei de Segurança Nacional em declarações postadas nas redes sociais. Além disso, uma apuração preliminar o investiga por pagamentos em dinheiro vivo quando da compra de dois apartamentos no Rio, em 2011 e 2016. 

Nem o filho caçula do presidente, Jair Renan, foge à regra que baliza os “negócios da família”. Embora não tenha cargo público, o pimpolho é suspeito de tráfico de influência. Em 13 de novembro, ele articulou e participou de uma reunião entre o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, e um grupo de empresários da Gramazini Granitos e Mármores — empresa que patrocina a Bolsonaro Jr. Eventos e Mídia, cuja sede fica num camarote do estádio Mané Garrincha. O compromisso, que não constava na agenda oficial de Marinho, foi revelado pela revista Veja. O ministro informou que o filho do chefe “participou na qualidade de ouvinte e por acreditar que o sistema construtivo teria potencial de reduzir custos para a União”, e que a reunião foi um pedido do Planalto.

As relações da empresa de Renan com o Planalto vão além de promover reuniões entre os investidores de seu negócio e ministros. Segundo reportagem do jornal Folha de S.Paulo, a Astronautas Filmes, produtora de audiovisual que possui contrato milionário com o Governo, realizou gratuitamente a cobertura da festa de inauguração da Bolsonaro Jr. Eventos e Mídia. Somente neste ano, a produtora recebeu R$ 1,4 milhão do governo federal. Em nota, a empresa afirma que não existe nenhum “laço de favorecimento”. O deputado federal Ivan Valente solicitou à PGR que investigue suposto tráfico de influência no caso.

Bolsonaro sempre disse ser um “defensor da família”. Após quase dois anos à frente do governo, transparece sua preocupação em proteger pelo menos uma delas: a sua própria. O primeiro passo foi articular a troca no comando da PF, em abril, com a exoneração do diretor-geral da entidade, o delegado Maurício Valeixo. O então ministro Sérgio Moro denunciou a maracutaia. Posteriormente vieram à tona imagens de uma reunião ministerial na qual o capitão-honestidade diz que não esperaria alguém “foder” a família dele, ou amigo, para trocar alguém da “segurança”. A fala também fazia referências ao Rio de Janeiro, onde as investigações bafejam no cangote dos filhos Flávio e Carlos.

Em outra frente, a Famiglia Bolsonaro meteu o bedelho nas eleições para a chefia do MP-RJ — responsável pelas investigações contra dois pimpolhos do presidente. O atual procurador-geral, Eduardo Gussem, foi criticado por Zero Um por sua atuação no caso da rachadinha no gabinete. Os Bolsonaro cerraram fileiras em torno do procurador Marcelo Rocha Monteiro, bolsonarista assumido, como uma opção para a lista tríplice, definida em dezembro, de onde é escolhido o nome do próximo procurador-geral de Justiça do Estado. No final, ele foi o quarto mais votado.

Cabe ao governador interino optar por manter a tradição e indicar para a chefia um integrante da lista ou fazer um aceno ao presidente nomeando o candidato da Famiglia para o cargo. Publicamente, Bolsonaro alega que esses órgãos estão agindo para prejudicar seus filhos em uma tentativa de atingi-lo — chegando mesmo a dizer tratar-se de perseguição política do então governador Wilson Witzel, que buscava se cacifar para disputar o Planalto em 2022, o que justificaria, segundo o presidente, as tentativas de desmoralizar sua família.

Quanto à novela da vacinação contra a Covid, o desvario mais recente do capitão-mefistofélico aconteceu na última segunda-feira. “São os laboratórios que deveriam ter interesse em vender vacina contra o coronavírus para o Brasil e que nenhum deles apresentou ainda um pedido para liberação do imunizante”, disse ele à récua de apoiadores. "Botei hoje nas mídias sociais que eu falei que não estava preocupado com pressão. Falei mesmo, porque nós temos que ter responsabilidade, certas coisas não podem ser correndo, você está mexendo com a vida do próximo. A imprensa desceu o cacete em mim. Agora, se eu vou na Anvisa, que é um órgão de Estado 'corre aí, não sei o que lá', eu estou interferindo."

Em resposta a essas estapafúrdias declarações, a Pfizer informou que a Anvisa pediu uma série de "análises específicas" para liberação emergencial da vacina no Brasil, e que, por enquanto, seguirá com o pedido por outro formato, o de submissão contínua. De acordo com a farmacêutica, a nota também é uma demonstração de que a empresa "quer, sim, vender para o Brasil, mas que o processo aqui exige mais tempo". 

Um exemplo dessa demora do procedimento, segundo a Pfizer, é a exigência dessas informações exclusivas sobre este país, enquanto nos demais os dados são analisados na totalidade, sem exigir novos recortes. Já a Anvisa disse que está à disposição dos laboratórios para discutir os requisitos para liberação de vacinas seguras e eficazes para toda a população. A diretoria da agência chamou a Pfizer para uma nova reunião (marcada para ontem, quarta-feira).

Observação: Desde março, a Covid-19 causou quase 200 mil mortes no Brasil. Mas o Sars-CoV-2 não é a única praga — e, quiçá, nem a mais letal — que vitima esta pobre republiqueta de almanaque. Outro patógeno dissemina negativismo, ignorância e desfaçatez, enquanto se serve da estrutura do Estado em benefício próprio e dos seus apaniguados. Embora o remédio para essa virose exista e esteja disponível nas prateleiras do Congresso Nacional, o presidente da Câmara não tira seu avantajado buzanfã de cima do receituário, impedindo a medicação do paciente e a consequente erradicação do mal. Praga semelhante vitimou os Estados Unidos, mas lá o imunizante já foi ministrado e o paciente deve receber alta daqui a 20 dias. Aqui pelas nossas bandas... enfim, não há bem que sempre dure nem mal que nunca termine. Vai passar.

Dezenas de países já começaram suas campanhas de vacinação — 25 dos 27 da União Europeia, além dos Estados Unidos, China, Canadá, Rússia, Bélgica, Luxemburgo e Letônia, entre outros. O Brasil, apesar de ter comprado a vacina desenvolvida pela AstraZeneca em parceria com a Universidade de Oxford (e com produção nacional da Fundação Oswaldo Cruz), ainda não conseguiu aprovar o produto e iniciar a imunização. 

O boletim mais recente da Anvisa aponta que tanto a Pfizer quanto a AstraZeneca entregaram os resultados parciais dos estudos de fase 3 (última etapa) em 5 e 22 de dezembro, respectivamente. Nenhuma das duas — nem qualquer outro laboratório — pediu ainda a liberação de uso emergencial, o que, segundo a agência, pode ser feito com os resultados da terceira fase de testes (Pfizer e AstraZeneca, portanto, já podem fazer o pedido). Por trás desse imbróglio monumental está a rivalidade política do capitão-tinhoso com o governador de São Paulo (que possivelmente o enfrentará na eleição de 2022). Bolsonaro chegou mesmo a celebrar decisão da Anvisa de interromper os testes da CoronaVac após a morte de um voluntário — a suspensão foi revertida dois dias depois, já que o dito-cujo se suicidou. 

Mesmo assim, o capitão-trevoso postou nas redes sociais: "Morte, invalidez, anomalia. Esta é a vacina que o Doria queria obrigar a todos os paulistanos a tomar. O presidente disse que a vacina jamais poderia ser obrigatória. Mais uma que Jair Bolsonaro ganha". Repare que, a exemplo de Pelé, o capitão-ególatra se refere a si mesmo na terceira pessoa.

Depois que o governo de São Paulo e o Instituto Butantan anunciaram que a CoronaVac superou o índice mínimo de eficácia exigido pelas agências regulatórias, mas não informaram o percentual exato de eficácia do imunizante nem os demais dados do estudo final (devido, até onde se sabe, a uma cláusula que confere à SinoVac o direito de consolidação da base de dados e divulgação de resultados de eficácia e segurança), Bolsonaro levantou dúvidas sobre a eficácia da “vacina chinesa do Doria”. 

Em transmissão ao vivo nas redes sociais na quinta-feira, 24, o capitão-parlapatão alardeou: “A eficácia daquela vacina em São Paulo parece que está lá embaixo, né?”, disse Bolsonaro. “Não vou divulgar o percentual aqui, porque se eu errar 0,001% eu vou apanhar da mídia, mas parece que o percentual tá lá embaixo levando-se em consideração a outra.” E reforçou mais uma vez que, "se houver efeito colateral, as pessoas precisam ir pra cima de um governador que queira obrigar a aplicação", numa clara referência a João Doria.

Dimas Covas, diretor do Butantan, informou que a SinoVac solicitou ao instituto que não divulgasse os dados sobre a eficácia, porque eles precisam analisar os casos e demonstrar os resultados à agência sanitária reguladora da China. Mas disse acreditar que a data será, inclusive, adiantada. Na mesma linha, o secretário de estado de Saúde, Jean Gorinchteyn, confirmou que o planejamento para a vacina continua: “nós iniciaremos nosso programa de imunização estadual no dia 25 de janeiro. Apesar dessa não revelação de dados específicos sobre o grau de eficácia, nós alcançamos o nível exigido, o que nos dá tranquilidade".

Observação: A comunidade científica acredita que o calendário de vacinação proposto pelo governo de São Paulo, com início em 25 de janeiro, talvez precise ser revisto. Como a divulgação dos resultados da fase 3 da vacina foram postergados por 15 dias, pode não haver tempo hábil para providenciar o registro na Anvisa e começar a imunização em janeiro. Além disso, é preciso que antes a China registre a vacina.

Boas entradas a todos, e que Deus nos ajude.