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domingo, 28 de agosto de 2022

SOBRE O DEBATE NA BAND


Lula usou no Jornal Nacional os velhos truques retóricos do PT para encobrir suas responsabilidades pela roubalheira no Brasil e pelo apoio a ditaduras estrangeiras. Virou um negacionista dos esquemas criminosos. Esperava vista grossa, assim como esperava que as medidas anticrime originais fossem ser aplicadas contra o crime organizado, não contra os próprios petistas. Como a única "autocrítica'" do PT diz respeito às brechas que o partido deixou para ser exposto em toda a sua crueza, Lula não quer cometer esse "erro" de novo, mas usa acertos involuntários do passado para enganar o povo sobre o futuro.

Na sabatina, só admitiu a existência do petrolão porque "você não pode dizer que não houve corrupção se as pessoas confessaram e devolveram o dinheiro roubado". Como Palocci confessou, mas o envolveu, o ex-corrupto mentiu sobre a relação da força-tarefa com os colaboradores: "Você não só ganhava liberdade, por falar o que queria o Ministério Público, como ganhava metade do que roubou. Ou seja, o roubo foi oficializado pelo MP", disse. 


O colunismo lulista adorou a performance do candidato, mas Sergio Moro ironizou: "Lula não explicou a roubalheira, desviou da pergunta. O saque bilionário à Petrobras aconteceu sem o seu conhecimento? A única verdade na entrevista é a voz rouca. (...) Diz que vai para a Presidência no sacrifício; preferia ficar em casa. No triplex ou no sítio de Atibaia?"

 

Pior ainda é a indefinição de Bolsonaro sobre o debate marcado para a noite de hoje. Na sexta-feira, durante um bate-papo pra lá de descontraído na chapa-branquíssima Jovem Pan, o capitão disse: "Eu devo estar no domingo. Achava que não, mas agora acho que devo ir. Mas vou ser fuzilado, vão atirar em mim o tempo todo porque eu sou o alvo compensador para eles. (...) No tocante a responder eu não devo nada, então é tranquilo responder essas acusações que fizeram ao longo do tempo todo aí nas mídias."


Ao dizer "não devo nada", Bolsonaro parece confundir debate com inquérito policial. Como presidente da República e candidato à reeleição, isso de "não devo nada" não existe.

 

Todos os candidatos aptos a debater já confirmaram presença, exceto os franco-favoritos. Lula condiciona sua participação à presença do seu principal rival, que faz declarações dúbias — ora diz que não vai, ora insinua que pode dar as caras. Só falta os dois ficarem em frente ao estúdio aguardando a entrada um do outro para definir o que fazer.


Atualização: Os 2 só confirmaram o comparecimento neste sábado. Havia dúvidas sobre quais seriam os riscos e os benefícios de comparecer a esse tipo de evento. Pela manhã, o petista anunciou a decisão em suas redes sociais. Horas depois, o atual presidente também confirmou. 


Observação: Desconhecida do grande público e desprezada em seu próprio partido, Simone Tebet surpreendeu pela experiência política, capacidade técnica e emoção autêntica. Saiu-se melhor na bancada do JN do que em entrevistas recentes a emissoras de rádio e portais. A dupla de apresentadores tentou emparedá-la por sua incapacidade de reunir apoio no próprio MDB ou pelos péssimos índices de segurança e educação da gestão de André Puccinelli, de quem foi vice-governadora. A senadora reagiu com tranquilidade, destacando a polarização política que atinge toda a sociedade e explicando que nunca teve a caneta de governadora na mão. Se ganhará votos, ainda é cedo para saber, mas há dúvidas de que ela conquistou admiradores. Sua presença na disputa eleitoral qualifica o debate e a cacifa para 2026

 

Pior do que o antipetismo ou o antibolsonarismo primário é o pró-petismo ou o pró-bolsonarismo inocente. Isso inclui aceitar a tese de que o coronel da esquerda e o capitão da direita vieram ao mundo para desempenhar uma missão que, por divina, é indiscutível. São movidos por uma fé que lembra a origem, cristã ou socialista, da maioria dos seus devotos. O ingrediente da dúvida está excluído de ambos os credos. Num caso, a presunção de virtude vem de revelações divinas. Noutro, vem de uma certa inevitabilidade dos processos históricos.

 

Não é a hipocrisia de Lula e Bolsonaro que assusta. A hipocrisia pelo menos é uma estratégia compreensível para pessoas que têm um enorme passado pela frente. O que espanta é perceber que, em certos momentos, ambos parecem acreditar de verdade que sua missão sublime no planeta lhes dá o direito de transformar as eleições num circo que sonega a exposição de meia dúzia de projetos e explicações a um eleitorado que banca a bilheteria de R$ 5 bilhões do fundão eleitoral. 


Hoje, o debate presidencial é mais essencial para a educação democrática dos candidatos do que para o esclarecimento do eleitor.


Com Felipe Moura Brasil, Josias de Souza e Claudio Dantas

domingo, 31 de julho de 2022

O DESEMPREGADO QUE DEU CERTO (OITAVA PARTE)


Sobre o "Pacheco de terninho" (vide capítulo anterior), Augusto Nunes anotou em sua coluna que "a impostura não resistiu à transcrição, sem retoques, das respostas a um punhado de perguntas não combinadas". Segue uma versão condensada do texto:


"Publicada pela Folha em 20 de setembro de 2009, a entrevista concedida por Dilma ao jornalista Valdo Cruz desencadeou a implosão da farsa concebida para vender uma irremediável mediocridade com a embalagem de superministra onisciente. Dilma é outra reencarnação, em forma de mulher, de um grande personagem criado por Eça de Queiroz no livro A correspondência de Fradique Mendes. É um Pacheco de terninho.


Depois de afirmar em entrevista a Veja que 'Marco Aurélio Garcia é o Pacheco das relações internacionais', o historiador e youtuber Marco Antonio Villa fez uma concisa e claríssima descrição da figura: 


'Era um sujeito tido como brilhante. No primeiro ano de Coimbra, as pessoas achavam estranho um estudante andar pela universidade carregando grossos volumes. No segundo ano, ele começou a ficar mais calvo e se sentava na primeira carteira. Começaram a achar que ele era muito inteligente, porque fazia uma cara muito pensativa durante as aulas e, vez por outra, folheava os tais volumes. No quarto ano, Portugal todo já sabia que havia um grande talento em Coimbra. Virou deputado, ministro e primeiro-ministro. Quando morreu, a pátria toda chorou. Os jornalistas foram estudar sua biografia e viram que ele não tinha feito nada. Era uma fraude'.

 

Não deixou nenhum livro, discurso, anotações em agenda, nada que prestasse. Apenas um punhado de frases tolas, ocas ou óbvias e meia dúzia de platitudes, todas pronunciadas com voz grave, expressão severa e o tom solene de quem anuncia o 11º mandamento. E então ficou claro que Pacheco era de poucas palavras e muita pose não porque passava o tempo todo pensando, mas por falta do que dizer. Caprichava nos maneirismos por entender que não é preciso ser uma sumidade; basta parecer que é.

 

A farsa do colosso intelectual começou a tomar forma na aula de Direito Natural em que se ouviu pela primeira vez um enunciado do aluno caladão: "O século XIX é um século de progresso e de luz". Estreou no Parlamento com um aparte ao orador que discorria sobre a liberdade. "Ao lado da liberdade deve sempre existir a autoridade", ponderou. Alguns meses de silêncio depois, enquadrou um parlamentar da oposição que criticava a política educacional do governo que chefiava, resumida em outra lição famosa: "Um povo sem o curso dos liceus é um povo incompleto".

 

Injuriado com o que ouvia, Pacheco aparteou o orador para a réplica tremenda: "Ao ilustre deputado que me censura só tenho a dizer que enquanto, sobre questões de Instrução Pública, Sua Excelência, aí nessas bancadas, faz berreiro, eu, aqui nesta cadeira, faço luz!". Mais três ou quatro afirmações semelhantes e Pacheco foi dispensado de falar. Bastava a contemplação da testa, "uma superfície escanteada, larga e lustrosa", para imaginar o tamanho do cérebro que guardava.

 

Sem saber atirar, Dilma foi promovida a musa da luta armada. Sem ter feito nada de relevante, sem produzir nenhuma ideia original, sem consumar qualquer obra notável, virou secretária municipal exemplar, secretária estadual cinco estrelas, ministra brilhante e, desde o despejo de José Dirceu, a superchefe da Casa Civil que todo presidente Lula pediu a Deus. Transformada em candidata à presidência sem ter disputado sequer uma eleição de síndico, até que foi bem enquanto fez de conta que falava pouco porque agia muito. Falavam por ela os óculos de primeira da classe, a sisudez de professora de Física disposta a reprovar meio mundo, o jeitão de quem não tem paciência com incompetentes. Só abria a boca a serviço da pátria. 

 

Acusada de transformar a Casa Civil numa fábrica de dossiês malandros, por exemplo, revidou com uma frase que Pacheco teria subscrito: 'Isso é a espetacularização do nada!'. É ela!, deslumbrou-se a companheirada. É ela!, concordou a base alugada depois de ouvi-la resumir a fórmula mágica do programa federal de casas populares: 'Quem não puder pagar nada não pagará nada. Mas haverá um esforço para todo mundo contribuir, nem que seja simbolicamente, com a prestação'.

 

Convidada a confirmar a candidatura ao Planalto, saiu-se com esta: 'Hoje em dia o Brasil pode ter tudo. Já teve um presidente metalúrgico, pode ter um presidente negro, pode ter uma presidenta. A sociedade brasileira é madura o suficiente para saber que a sua multiplicidade pode ser representada de todas as formas'. Mas que crânio!, emocionou-se Lula, que já se cumprimentava pela vitória arrasadora quando veio a entrevista. E à discurseira sem nexo seguiram-se declarações indecifráveis, frases sem pé nem cabeça, afirmações interrompidas no meio. Um desastre."

 

Dilma esqueceu que era só um Pacheco de terninho e embarcou na fantasia. Num país sensato, a plateia do primeiro comício da candidata sumiria da praça no segundo minuto do discurso. Como falta juízo nas prateleiras tupiniquins, essa senhora virou presidente da República. 
Triste Brasil!
 
Continua...

sábado, 30 de julho de 2022

O DESEMPREGADO QUE DEU CERTO (SÉTIMA PARTE)

 

Um dia após a divulgação da carta em defesa da democracia, o número de signatários passou de 3 mil para 100 mil. No dia 29, já eram mais de 300 mil. Num primeiro momento, Bolsonaro tripudiou: "Não precisamos de 'cartinha' em favor da democracia". Mais adiante, porém, publicou sua própria carta: "Carta de manifesto em favor da democracia. Por meio desta, manifesto que sou a favor da democracia. Assinado: Jair Messias Bolsonaro, presidente da República Federativa do Brasil". Foram apenas 27 palavras, mas, segundo o historiador e youtuber Marco Antonio Villa, o vocabulário do presidente é limitado a 500 verbetesDito isso, passo à postagem do dia:


Em fevereiro de 1995, época áurea do Plano Real, Dilma Vana Rousseff abriu uma lojinha de bugigangas nos moldes das populares casas de $ 1,99. Batizado de Pão & Circo, o negócio em gestação cumpriu a liturgia comercial habitual. Ao registro do CNPJ na Junta Comercial seguiu-se o aluguel de um imóvel em Porto Alegre (RS) para instalar a matriz. A filial foi erguida 4 meses depois no centro comercial Olaria, também na capital gaúcha. 


O problema é que a "gerenta" que cuidou da contabilidade da empresa era a mesma que lidaria mais adiante com as finanças do país. A loja quebrou em apenas 17 meses; o Brasil continua resistindo, mas nada garante que sobreviva a mais 4 anos de bolsonarismo boçal ou à volta do lulopetismo corrupto (conforme o resultado das urnas em outubro próximo).

 

Tocar uma lojinha de quinquilharias baratas deveria ser algo trivial, principalmente para alguém que, 15 anos depois, Lula apresentaria aos eleitores como a "gerentona" capaz de manter o Brasil no rumo do desenvolvimento. Mas, ao administrar seu comércio, a mulher sapiens cometeu erros banais e em sequência. E qualquer semelhança com a barafunda administrativa do país e os equívocos cometidos na área econômica a partir de 2010, que levaram ao desequilíbrio completo das contas públicas e à irresponsabilidade fiscal, não foi mera coincidência. 

 

Para começar, a loja foi aberta sem que os donos soubessem ao certo o que seria comercializado ali. A empresa foi registrada para vender de tudo um pouco a preços módicos, entre bijuterias, confecções, eletrônicos, tapeçaria, livros, bebidas, tabaco e até flores naturais e artificiais, mas acabou apostando no comércio de brinquedos para crianças, em especial os "Cavaleiros do Zodíaco". Os artigos eram importados de um bazar localizado no Panamá, para onde a sumidade e uma de suas sócias — a ex-cunhada Sirlei Araújo — viajaram três vezes para comprar os produtos. No entanto, apesar do baixo preço das mercadorias, o negócio da Pão & Circo era impopular — tão impopular quanto a própria Dilma se tornaria ao longo de seu aziago governo. 

 

Ao abrir a vendinha, Dilma não levou em conta que o olho do dono engorda o porco. Ela só aparecia por lá eventualmente, preferindo dar ordens e terceirizar as tarefas do dia a dia — como fez mais adiante no governo, ao delegar a economia ao ministro Joaquim Levy e a política a Michel Temer. Na sociedade da Pão & Circo, era Carlos Araújo, ex-marido de Dilma, que a aconselhava sobre como turbinar as vendas. Mas ele era tão inepto quanto ela seria anos depois, por ocasião da negociata de Pasadena.

 

Durante as duas primeiras gestões petistas, Dilma foi presidenta do Conselho de Administração da Petrobras nos períodos em que respondeu pela pasta de Minas e Energia (2003-2005) e chefiou a Casa Civil (2005-2010). Nesse entretempo, a petrolífera tupiniquim pagou US$360 milhões por metade de uma refinaria que um ano antes havia sido comprada pela empresa belga ASTRA OIL por US$40,5 milhões, e uma decisão judicial a condenou a comprar a outra metade da sucata, o que resultou num prejuízo de US$ 1,18 bilhão


Como de costume, Lula e sua pupila negaram conhecimento da maracutaia. Dilma atribuiu o monumental prejuízo a "riscos subestimados e decisões equivocadas", afirmou que o negócio só foi aprovado porque "cláusulas fundamentais lhe eram desconhecidas" e botou a culpa em Nestor Cerveró — que, curiosamente, não foi punido, mas promovido a diretor financeiro da BR DistribuidoraMais adiante, Lindinho” — como Cerveró era chamado por seus comparsas devido à blefaroptose — declarou aos investigadores da Lava-Jato que a campanha de Lula à reeleição teria sido financiada com propina paga pelo contrato dos navios-sonda Petrobras 10.000 e Vitória 10.000, que custaram US$1,2 bilhão (valor equivalente ao da compra da igualmente inútil refinaria de Pasadena). 


Ao alegarem que foram ludibriados, Lula e Dilma reconheceram sua total inadequação aos cargos que ocupavam, e creditar nessa falácia demonstra uma indescritível ingenuidade. Mas num país onde Lula e Bolsonaro disputam pesquisa a pesquisa a preferência do esclarecidíssimo eleitorado, dizer o quê?


Mesmo assim, "o Pacheco de terninho" (detalhes no próximo capítulo) teve uma carreira meteórica: Sem saber atirar, virou modelo de guerrilheira; sem ter sido vereadora, virou secretária municipal; sem passar pela Assembleia Legislativa, virou secretária de Estado, sem estagiar no Congresso, virou ministra; sem ter inaugurado nada de relevante, fez posse de gerente de país; sem saber juntar sujeito e predicado, virou estrela de palanque; sem jamais ter tido um único voto na vida até 2010, virou presidente do Brasil. 
Quatro anos depois, mediante o maior estelionato eleitoral da história (que só seria superado em 2018 pelo "mito" dos bolsomínions), a calamidade em forma de gente renovou o mandato, mas acabou afastada do cargo em maio de 2016 e penabundada em agosto, depois de levar o país à insolvência, a inflação à casa dos 2 dígitos e o desemprego à das dezenas de milhão.


Vale relembrar o pronunciamento da petista em rede nacional, em janeiro de 2013, dando conta de que "a economia ia de vento em popa" e concitando os apedeutas a reelegê-la no ano seguinte:


Queridas brasileiras e queridos brasileiros,

Acabo de assinar o ato que coloca em vigor, a partir de amanhã, uma forte redução na conta de luz de todos os brasileiros. Além de estarmos antecipando a entrada em vigor das novas tarifas, estamos dando um índice de redução maior do que o previsto e já anunciado. A partir de agora, a conta de luz das famílias brasileiras vai ficar 18% mais barata. É a primeira vez que isso ocorre no Brasil, mas não é a primeira vez que o nosso governo toma medidas para baixar o custo, ampliar o investimento, aumentar o emprego e garantir mais crescimento para o país e bem-estar para os brasileiros. Temos baixado juros, reduzido impostos, facilitado o crédito e aberto, como nunca, as portas da casa própria para os pobres e para a classe média. Ao mesmo tempo, estamos ampliando o investimento na infraestrutura, na educação e na saúde e nos aproximando do dia em que a miséria estará superada no nosso Brasil.

No caso da energia elétrica, as perspectivas são as melhores possíveis. Com essa redução de tarifa, o Brasil, que já é uma potência energética, passa a viver uma situação ainda mais especial no setor elétrico. Somos agora um dos poucos países que está, ao mesmo tempo, baixando o custo da energia e aumentando sua produção elétrica. Explico com números: como acabei de dizer, a conta de luz, neste ano de 2013, vai baixar 18% para o consumidor doméstico e até 32% para a indústria, a agricultura, o comércio e serviços. Ao mesmo tempo, com a entrada em operação de novas usinas e linhas de transmissão, vamos aumentar em mais de 7% nossa produção de energia, e ela irá crescer ainda mais nos próximos anos. Esse movimento simultâneo nos deixa em situação privilegiada no mundo. Isso significa que o Brasil vai ter energia cada vez melhor e mais barata, significa que o Brasil tem e terá energia mais que suficiente para o presente e para o futuro, sem nenhum risco de racionamento ou de qualquer tipo de estrangulamento no curto, no médio ou no longo prazo. No ano passado, colocamos em operação 4 mil megawatts e 2.780 quilômetros de linhas de transmissão. Este ano, vamos colocar mais 8.500 megawatts de energia e 7.540 quilômetros de novas linhas. Temos uma grande quantidade de outras usinas e linhas de transmissão em construção ou projetadas. Elas vão nos permitir dobrar, em 15 anos, nossa capacidade instalada de energia elétrica, que hoje é de 121 mil megawatts. Ou seja, temos contratada toda a energia que o Brasil precisa para crescer, e bem, neste e nos próximos anos.

O Brasil vive uma situação segura na área de energia desde que corrigiu, em 2004, as grandes distorções que havia no setor elétrico e voltou a investir fortemente na geração e na transmissão de energia. Nosso sistema é hoje um dos mais seguros do mundo porque, entre outras coisas, temos fontes diversas de produção de energia, o que não ocorre, aliás, na maioria dos países. Temos usinas hidrelétricas, nucleares, térmicas e eólicas, e nosso parque térmico, que utiliza gás, diesel, carvão e biomassa foi concebido com a capacidade de compensar os períodos de nível baixo de água nos reservatórios das hidrelétricas. Praticamente todos os anos as térmicas são acionadas, com menor ou maior exigência, e garantem, com tranquilidade, o suprimento. Isso é usual, normal, seguro e correto. Não há maiores riscos ou inquietações.

Surpreende que, desde o mês passado, algumas pessoas, por precipitação, desinformação ou algum outro motivo, tenham feito previsões sem fundamento, quando os níveis dos reservatórios baixaram e as térmicas foram normalmente acionadas. Como era de se esperar, essas previsões fracassaram. O Brasil não deixou de produzir um único quilowatt que precisava, e agora, com a volta das chuvas, as térmicas voltarão a ser menos exigidas. Cometeram o mesmo erro de previsão os que diziam, primeiro, que o governo não conseguiria baixar a conta de luz. Depois, passaram a dizer que a redução iria tardar. Por último, que ela seria menor do que o índice que havíamos anunciado.


Hoje, além de garantir a redução, estamos ampliando seu alcance e antecipando sua vigência. Isso significa menos despesas para cada um de vocês e para toda a economia do país. Vamos reduzir os custos do setor produtivo, e isso significa mais investimento, mais produção e mais emprego. Todos, sem exceção, vão sair ganhando. Aproveito para esclarecer que os cidadãos atendidos pelas concessionárias que não aderiram ao nosso esforço terão, ainda assim, sua conta de luz reduzida, como todos os brasileiros. Espero que, em breve, até mesmo aqueles que foram contrários à redução da tarifa venham a concordar com o que eu estou dizendo.

Aliás, neste novo Brasil, aqueles que são sempre do contra estão ficando para trás, pois nosso país avança sem retrocessos, em meio a um mundo cheio de dificuldades. Hoje, podemos ver como erraram feio, no passado, os que não acreditavam que era possível crescer e distribuir renda. Os que pensavam ser impossível que dezenas de milhões de pessoas saíssem da miséria. Os que não acreditavam que o Brasil virasse um país de classe média. Estamos vendo como erraram os que diziam, meses atrás, que não iríamos conseguir baixar os juros nem o custo da energia, e que tentavam amedrontar nosso povo, entre outras coisas, com a queda do emprego e a perda do poder de compra do salário. Os juros caíram como nunca, o emprego aumentou, os brasileiros estão podendo e sabendo consumir e poupar. Não faltou comida na mesa, nem trabalho. E nos últimos dois anos, mais 19 milhões e 500 mil pessoas, brasileiros e brasileiras, saíram da extrema pobreza.

O Brasil está cada vez maior e imune a ser atingido por previsões alarmistas. Nos últimos anos, o time vencedor tem sido o dos que têm fé e apostam no Brasil. Por termos vencido o pessimismo e os pessimistas, estamos vivendo um dos melhores momentos da nossa história. E a maioria dos brasileiros sente e expressa esse sentimento. Vamos viver um tempo ainda melhor, quando todos os brasileiros, sem exceção, trabalharem para unir e construir. Jamais para desunir ou destruir. Porque somente construiremos um Brasil com a grandeza dos nossos sonhos quando colocarmos a nossa fé no Brasil acima dos nossos interesses políticos ou pessoais.

Muito obrigada e boa noite.


Pois é, deu no que deu.


Continua...

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

RESTAURE-SE O IMPÉRIO DA MORALIDADE OU LOCUPLETEMO-NOS TODOS! (PARTE X)


Em 2012, assistimos estarrecidos (mas esperançosos) à condenação da alta cúpula do Mensalão. Em 2016, livramo-nos de Dilma, que afundou o Brasil na maior recessão da história republicana do país — e está prestes a perder o primeiro lugar no ranking para Bolsonaro, mas isso é outra história.

Quanto ao poste de Lula, nenhuma surpresa: em fevereiro de 1995, quando a paridade cambial entre o real e o dólar favorecia sobremaneira a importação e revenda de badulaques, a calamidade em forma de gente faliu duas lojinhas tipo R$ 1,99 que havia montado em Porto Alegre e batizado com o sugestivo nome de “Pão & Circo” — que remete a uma estratégia romana destinada a entreter a plebe ignara, insatisfeita com os excessos do Império.

Comercializar quinquilharias baratas deveria ser algo trivial para alguém que, 15 anos depois, se apresentaria aos eleitores como a “gerentona” capaz de manter o Brasil no rumo do desenvolvimento. O problema, para Dilma e seus três sócios, é que a futura presidente cuidou da contabilidade da empresa como lidaria mais adiante com as finanças do País: em julho de 1996 seu comercio já não existia mais.

Para começar, a loja foi aberta sem que os donos soubessem ao certo o que seria comercializado ali. Às favas o planejamento — primeiro passo para criação de qualquer negócio que se pretenda lucrativo. A empresa foi registrada para vender de tudo um pouco a preços módicos, entre bijuterias, confecções, eletrônicos, tapeçaria, livros, bebidas, tabaco e até flores naturais e artificiais. Mas Dilma acabou apostando no comércio de brinquedos para crianças, em especial os “Cavaleiros do Zodíaco”.

Os artigos revendidos pela Pão & Circo eram importados de um bazar localizado no Panamá, para onde a grande economista e a sócia e ex-cunhada Sirlei Araújo viajavam regularmente para comprar os produtos. Apesar de a mercadoria custar barato, o negócio era impopular — como Dilma se tornaria mais adiante. 

Ao abrir a vendinha, a mulher sapiens não levou em conta que “o olho do dono engorda o porco”, e só aparecia por lá eventualmente, preferindo dar ordens e terceirizar as tarefas do dia a dia — como fez ao delegar a economia ao ministro Joaquim Levy e a política ao vice Michel Temer — até este desistir da função dizendo-se boicotado pelo (então) ministro-chefe da Casa Civil Aloizio Mercadante.

Na sociedade da Pão & Circo, o equivalente a Mercadante era Carlos Araújo, ex-marido de Dilma, que a aconselhava sobre como turbinar as vendas, mas era tão inepto quanto a futura chefa da Casa Civil e presidenta do Conselho de Administração da Petrobrás no governo de Lula demonstrou ser na negociata de Pasadena. Mesmo assim, a empresária de festim teve uma carreira meteórica: sem saber atirar, virou modelo de guerrilheira; sem ter sido vereadora, virou secretária municipal; sem passar pela Assembleia Legislativa, virou secretária de Estado; sem estagiar no Congresso, virou ministra; sem ter inaugurado nada de relevante, virou estrela de palanque; sem jamais ter tido um único voto na vida até 2010, virou presidente de país.

Observação: Até os pedalinhos do Sítio Santa Bárbara, em Atibaia, sabiam desde sempre que Lula institucionalizou a corrupção no Brasil. E quem não sabia ficou sabendo quando o procurador Deltan Dallagnol apresentou à imprensa um PowerPoint tosco, mas elucidativo, demonstrando que o picareta dos picaretas era o comandante máximo da ORCRIM. Dilma foi o maior erro tático que o petista cometeu em sua trajetória política. Dias atrás, ele próprio disse em entrevista à CBN que não pretende incluir a nefelibata da mandioca em sua campanha à Presidência nem em um eventual futuro governo. A obviedade chapada dos motivos dispensa maiores considerações.

Arrogante, pedante, intransigente e mouca à voz da razão, Dilma montou uma arapuca para si mesma, mas levou de embrulho tanto os inconsequentes que a reconduziram ao Planalto quanto a parcela pensante dos brasileiros. Num monumental estelionato eleitoral, sua alteza irreal preços administrados, aumentou gastos com programas eminentemente eleitoreiros e “pedalou” a mais não poder. Somado à irresponsabilidade fiscal, seu apetite eleitoral aumentou o inchaço da máquina pública e resultou na falência do Estado — para se ter uma ideia, enquanto a Casa Branca contava com 468 servidores, o Palácio do Planalto contabilizava 4.487 funcionários.

Em setembro de 2015, nove meses depois do início da segunda (e ainda mais funesta) gestão da estocadora de vento, o Orçamento já acumulava um rombo de R$ 30 bilhões — algo nunca visto até então. Era o começo do fim: a despeito de as pedaladas fiscais terem sido o “motivo oficial” da deposição, a petista foi expelida do cargo pelo conjunto de sua obra e por sua absoluta falta de traquejo no trato com o Parlamento. 

Num primeiro momento, a troca de comando foi como uma lufada de ar fresco numa catacumba. O novo presidente sabia até falar! Considerando que passáramos 13 anos ouvindo os garranchos verbais de um semianalfabeto e as frases desconexas de uma destrambelhada que não era capaz de juntar sujeito e predicado numa frase que fizesse sentido, ter um mandatário que usava até mesóclises era um refrigério. 

Embora fosse impossível consertar o país da noite para o dia, Temer conseguiu debelar a inflação (que rodava pelos 10% quando ele assumiu), reduzir de maneira “responsável” a Selic e aprovar a PEC do Teto dos Gastos e a Reforma Trabalhista. Mas seu ministério de notáveis revelou-se uma notável agremiação de corruptos — que foram caindo à razão de um por mês.

O primeiro a cair foi Romero Jucá, o “Caju”, que deixou o Ministério do Planejamento uma semana após a nomeação — só que continuou no governo, ocupando uma secretaria criada especialmente para preservar seu direito ao foro privilegiado. Na sequência, demitiram-se ou foram demitidos Fabiano SilveiraHenrique Eduardo AlvesGeddel Vieira Lima e mais meia dúzia de ministros e/ou assessores de primeiro escalão. Temer moveu mundos e fundo$ para preservar Eliseu Padilha, o “Primo”, e Wellington Moreira Franco, o “Angorá”, que o ajudavam a comandar “a quadrilha mais perigosa do Brasil”, como disse Joesley em entrevista à revista Época.   

Livramo-nos de Dilma, mas herdamos Michel Temer, que jamais conquistou a simpatia dos brasileiros. E nem poderia, tendo sido vice de quem foi e presidido o PMDB por 15 anos. Após o julgamento do impeachment, a imprensa publicou vários artigos acusando o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da Lava-Jato em Curitiba, de defender um “direito autoritário, próprio das tiranias” e a “relativização do direito de defesa”. Curiosamente, esses mesmos veículos de comunicação não manifestaram a mesma preocupação quando a petista era presidente. Coisas do Brasil.

Em fevereiro de 2017 o partido de Temer indicou Edison Lobão para presidir a CCJ do Senado, numa evidente estratégia de frear os avanços da operação anticorrupção. Lobão era defensor ferrenho da anistia ao caixa 2 e crítico figadal das delações premidas (uma das principais ferramentas da força-tarefa), e dizia que acordos de colaboração haviam virado “um inquérito universal” e poderiam levar o Brasil à “tirania”. Para surpresa de ninguém, partidos investigados se empenharam em bloquear um eventual terceiro mandato de Janot e a possível escolha de alguém próximo a ele para chefiar a PGR.

Mesmo com a podridão aflorando no seu entorno, o presidente seguia adiante, levando a Nau dos Insensatos pelas águas revoltas da crise como um timoneiro experimentado. Sob seu comando, dizia, o Brasil chegaria são e salvo às próximas eleições e seria entregue fortalecido ao próximo dirigente. 

A coisa até funcionou durante algum tempo, a despeito da pecha da ilegitimidade — uma falácia petista, pois quem votou em Dilma votou na chapa; como vice da anta, Temer não só era seu substituto eventual como encabeçava a linha sucessória presidencial. O que ele fez para ser promovido a titular e o fato de seu governo ter degringolado já é outra conversa.

Mas o nosferatu que jurou que não interferiria na Lava-Jato, que afastaria quem fosse denunciado e exoneraria quem se tornasse réu deu um salvo-conduto aos assessores citados nas delações, pois precisava deles para blindar o governo. Só que faltou combinar com os russos, ou melhor, com Joesley Batista: Em maio de 2017, Temer foi abatido em seu voo de galinha pela delação premiada do moedor de carne bilionário e de outros seis altos executivos da JBF/J&F.

Nossa história recomenda darmos mais atenção à figura do vice-presidente. Em 15 de novembro de 1889, um golpe militar capitaneado pelo marechal Deodoro da Fonseca apeou D. Pedro II do trono e substituiu a monarquia constitucionalista pela república presidencialista. Deodoro presidiu o país até 1891, quando então "foi convidado a renunciar" e substituído pelo vice — o também marechal Floriano Peixoto —, que concluiu o mandato-tampão e foi sucedido por Prudente de Moraes, que entrou para a história não só como o primeiro civil a presidir o país, mas também como o primeiro presidente eleito pelo voto direto.

Seria pedir demais aos eleitores brasileiros — que raramente se lembram em que votaram para deputado — analisarem cuidadosamente a composição das chapas que disputam a Presidência, mas o fato é que nove vices terminaram os mandatos de seus titulares: Floriano PeixotoNilo Peçanha, Delfim Moreira, Café Filho, João Goulart, José SarneyItamar Franco e Michel Temer.

Claro que, não fossem os vices, outros sucessores e outras formas de sucessão haveria, mas seria oportuno questionar a real necessidade da figura do vice nos tempos atuais. Para o reserva é ótimo: a vice-presidência rende palácio à beira do lago, diversas mordomias e, em caso de infortúnio do titular, até a Presidência. Para o país, no entanto, essa peça serve apenas para decoração, quando não para conspirar contra o titular, como fez Michel Temer.

Filho imigrantes libaneses, Michel Miguel Elias Temer Lulia nasceu em Tietê (SP), graduou-se em Direito pela USP, atuou como advogado trabalhista e lecionou na PUC-SP e na Faculdade de Direito de Itu antes de ingressar na vida pública como oficial de gabinete de Ataliba Nogueira, então secretário de Educação do governo de São Paulo. Em 1981, filiou-se ao PMDB (hoje MDB); em 1983, foi nomeado procurador-geral do Estado de São Paulo pelo então governador Franco Montoro; no ano seguinte, assumiu a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo; dois anos depois, disputou uma vaga na Câmara Federal, conseguiu uma suplência e assumiu a cadeira do deputado licenciado Tidei de Lima, tornando-se constituinte.

Ao longo de seis mandatos, Temer presidiu a Câmara em 1997, 1999 e 2009 e o PMDB de 2001 até o final de 2010, quando se licenciou do cargo para assumir a vice-presidência da República. Em maio de 2016, quando Dilma foi afastada, passou de “vice decorativo” a presidente interino e acabou efetivado no cargo em agosto, depois que a titular foi devida e definitivamente defenestrada.

Continua...

segunda-feira, 20 de setembro de 2021

INTERDIÇÃO JÁ!

Como o sapo, que não pula por boniteza, mas por precisão, Bolsonaro viu-se diante de duas opções: ou se desculpava, ou amargava o risco de o impeachment se tornar uma possibilidade (ainda mais) real. 

Mas o confronto das manifestações de 7 e 12 de setembro não quer dizer grande coisa. Nem o presidente está com a vida ganha porque 150 mil muares bateram os cascos na mais paulista das avenidas, nem os que o querem ver pelas costas estão numa batalha perdida porque reuniram míseros 6 mil manifestantes, na mesma hora e local, cinco dias depois. 

Por outro lado, o contraste evidencia que a oposição vai precisar comer muito feijão para levar sua vontade às ruas de maneira contundente, já que os propósitos que amarram os defensores do "mito" uns aos outros, a capacidade de mobilizar recursos (públicos, inclusive), a existência de um rosto e de uma voz na figura do capitão a falar por eles são alguns dos fatores que faltam aos opositores.

Na seara oposicionista sobram vaidades, ressentimentos e a ideia de reeditar o clima da campanha das Diretas Já, que entre 1983 e 1984 levou multidões às ruas num chamamento à união nacional em prol da eleição de um civil no Colégio Eleitoral de 1985  após a derrota no Congresso da emenda Dante de Oliveira, que instituía eleições diretas. 

Lá se vão quase quarenta anos e com eles uma distância monumental entre o país da época e o Brasil de hoje, onde a inexistência de um pré-requisito para a repetição daquele tipo de movimento desaconselharia a fixação do olhar no retrovisor — insistir nesse caminho inviabiliza a adoção de uma estratégia eficaz para a realização do objetivo comum de livrar o Brasil de mais quatro anos sob Bolsonaro ou, numa hipótese remota, da interrupção de seu mandato.

Em 83/84, a bandeira era única e já vinha sendo levantada em campanhas anteriores, como a da anistia. Além disso, as forças políticas não tinham vivido embates entre si. Havia um inimigo comum, o regime autoritário. Agora, pode-se argumentar, o arbítrio de novo se apresenta como risco a ser evitado, mas a situação é diferente. 

Nessas quase quatro décadas houve disputas eleitorais, ocorreram dois impeachments, o PT enterrou sua mítica de reserva ética nos escândalos do mensalão e da Petrobras, as negociatas entre políticos e empresários não haviam sido expostas pela Lava-Jato nem tinha sido introduzida no cenário a dinâmica do “nós contra eles” instituída pelo demiurgo de Garanhuns e incorporada pelo Caronte da Covid.

Tudo isso divide, mas são as dores da democracia — suportáveis e até desejáveis ante a alternativa do sufocamento das ditaduras. Em situações difíceis, contudo, as divergências precisam ser politicamente conduzidas e adaptadas à nova era, em que não estão mais em cena aquelas grandes figuras credenciadas ao comando de mobilização da sociedade por atributos de habilidade, experiência, espírito público, conduta moral e capacidade de liderança.

A composição das divergências, a tolerância e a contenção dos atos ao limite da legalidade movimentam as engrenagens institucionais. O isolamento e o apego a crenças paralisam. Quem ironiza “a turma das instituições estão funcionando”, achando que com isso enxerga o que a maioria não vê, contribui para minar a confiança nas balizas democráticas a ser defendidas. A semeadura do descrédito quem faz é o adversário a ser combatido.

Fala-se tanto em inclusão social, mas não se vê esforço na superação do sectarismo exacerbado ao qual se dá o nome de polarização. Embora seja natural que a esquerda não queira se associar a atos onde há um boneco inflável de Lula vestido de presidiário e que o centro e a direita civilizada resistam a pôr azeitona na empada da petralhada, com um pouco de inspiração, muita transpiração e disposição ao desapego é possível chegar lá, até porque tronou-se impossível suportar esse negacionista-sociopata-golpista seguir destruindo nossa democracia, nossa economia, nossas vidas...

Não bastasse substituir Mandetta por Teich — que desembarcou da canoa furada antes de completar um mês a bordo, ensinando-nos que a vida é feita de escolhas — e este por um fardado tido e havido como o obelisco da logística, mas que era incapaz de amarrar os coturnos sem pedir a benção do chefe — ensinando-nos que é simples assim: "um manda e o outro obedece" —, Bolsonaro escolheu para preposto da vez mais um vassalo que, ao invés de corrigir os erros do incompetente que o antecedeu, adota o negacionismo a serviço do bolsonarismo boçal e — a cereja do bolo! — usa adolescentes para criar uma tripla cortina de fumaça visando ocultar os persistentes e cada vez mais graves erros do governo no combate à pandemia.

Enquanto demoniza a CoronaVac e promove motociatas e aglomerações — chegando mesmo a retirar a máscara do rosto de uma criança de colo e a sinalizar a outra que fizesse o mesmo em meio a uma multidão —, Bolsonaro se comporta como um galo egocêntrico, que acha que o sol nasce para ouvi-lo cantar, quando na verdade é ele que canta porque o sol nasce. Mas toda araruta tem seu dia de mingau, e a semana chegou ao fim com a revelação do Datafolha de que o amor do capitão pela mentira nunca foi tão correspondido.

A grossa maioria do eleitorado (85%) ouve o presidente com a pulga atrás da orelha — 57% nunca confiam naquilo que ele declara, 28% confiam só de vez em quando e apenas uma minoria (15%) confia 100% no que escorre dos lábios do suposto chefe da nação, que opera num mundo com duas verdades: a dele e a verdadeira. O primeiro Bolsonaro personifica a nova política, abomina a corrupção, afugenta o comunismo e cultua um versículo do Evangelho de João: "Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará". O Bolsonaro retratado pelo Datafolha é parecido com o primeiro, só que mente um pouco, e seu desapreço pelos fatos acabou convertendo-o numa espécie de fake presidente. Mas justiça se lhe faça: ninguém chega a tal posição por acaso.

Não é que o personagem flerta esporadicamente com a inverdade. É preciso reconhecer que o progresso de Bolsonaro está alicerçado na mentira. Enquanto o Brasil piora, as finanças da Famiglia Bolsonaro não param de melhorar. O clã presidencial prosperou na vida pelo trabalho duro — trabalho do contribuinte, naturalmente. O capo é um grande defensor do patriotismo e da instituição familiar. Educou os filhos para amar a bandeira verde e amarela. Seus rebentos não hesitaram em seguir os passos do pai. Casaram-se com a pátria e foram morar no déficit público.

Bolsonaro se refugiou num contracheque do Estado pela primeira vez aos 18 anos, quando entrou para o Exército. Hoje, à frente do governo civil mais militar da história, jacta-se da origem castrense, embora tenha sido expurgado do quartel pela porta dos fundo apenas 15 anos depois de sentar praça. Político há 32 anos, ele acumula mais tempo de rachadinha do que de farda; presidente há quase três, faz aos brasileiros o favor de se sacrificar pelo bem da coletividade. Queixou-se em 21 de julho: "Costumo dizer aos meus amigos: não queiram essa cadeira, que isso aqui tem Kryptonita, brocha o Super-homem, que dirá eu!" Há uma semana, reclamou: "A vida de presidente não é fácil. Se alguém quiser trocar comigo, troco agora."

Para Bolsonaro, a Presidência é "uma missão de Deus." Sem receio de que a CPI o convoque para uma acareação com o Todo-Poderoso, o capitão se oferece para resolver até os problemas que o brasileiro não sabia que tinha, como o comunismo. Na última sexta-feira, de passagem por Minas Gerais, o morubixaba tranquilizou a aldeia: "Uma das coisas que mais me confortam é saber que naquela minha cadeira lá em Brasília não está sentado um comunista." Confirmou que estará em Nova York na próxima terça, quando discursará na abertura da Assembleia Geral da ONU. Anunciou que dirá algumas "verdades" sobre o Brasil.

Antes mesmo de ouvir as "verdades" que Bolsonaro despejará sobre a tribuna da ONU, o brasileiro, já vacinado contra as mentiras do orador, percebe que a vida de presidente é muito fácil, difícil é ser presidido diariamente por ele. Se a passagem do capitão pelo Planalto serve para alguma coisa é para provar que governar o Brasil não é tão difícil. O horário é bom, o dinheiro é razoável, viaja-se de graça para Nova York, passeia-se de moto nos finais de semana, e há sempre a possibilidade de demitir o ministro Marcelo Queiroga, o que deve proporcionar uma sensação muito boa.

Bolsonaro conseguiu realizar o prodígio de reverter o Brasil aos anos 1990 em relação ao consumo de proteína animal e atirar 40% da população na chamada "insegurança alimentar" — condição em que uma pessoa ou não faz as três refeições diárias adequadamente ou sequer come todos os dias. Sob o desgoverno do capitão, cresce a cada dia o número de brasileiros que recorrem à tripa bovina e suína e asas e pés de aves para agregar proteína animal à alimentação. 

Refeições que estão sendo preparadas, aliás, em fogões à lenha por causa do preço do gás. Em breve — que ninguém duvide —, além dos milhões de lares com a energia elétrica cortada por falta de pagamento, teremos outros milhões iluminando os cômodos com velas e lanternas. Mais: o tempo dos carros populares passou — seja pelo preço dos modelos novos ou usados, seja pelo valor absurdo dos combustíveis. Preparemo-nos para voltar a conviver com bicicletas e carroças.

Quem imagina que 600 mil mortos por Covid é o que há de pior na catástrofe que atente por governo Bolsonaro, ou a insistência insana desse "governante" emplacar um golpe de Estado, colocando fim à nossa jovem democracia, não perde por esperar. Imaginar que a proximidade das eleições de 2022 e sua iminente derrota para o meliante de São Bernardo fará com que o amigão do Queiroz não retome as hostilidades contra a democracia é o mesmo que acreditar na inocência da alma viva mais honesta do Brasil

Com isso, o dólar continuará nas alturas e a pressão inflacionária crescerá como o patrimônio do Clã das Rachadinhas. Para piorar o que já é ruim, o Banco Central elevará os juros, diminuindo a atividade econômica e conduzindo o país para um dos piores — senão o pior — quarto ano de governo desde a redemocratização.

Por uma trapaça da sorte, Bolsonaro acredita que a falta do voto impresso desvirtuará as urnas eletrônicas que já lhe concederam tantos mandatos eletivos. Dias atrás, em resposta às mentiras sobre o voto auditável que o presidente repetiu nos palanques de 7 de Setembro, o ministro Luís Roberto Barroso chamou-o de "farsante". 

Ecoando a maioria que se expressou por meio do Datafolha, o presidente de turno da corte eleitoral disse que o lema do chefe do Executivo é diferente daquele que está anotado em João 8:32. "Conhecereis a mentira, e a mentira vos aprisionará", declarou o magistrado, que pode ter soado premonitório.

Toda araruta tem seu dia de mingau. A CPI do Genocídio já prepara o relatório final, que contará com a colaboração de juristas insuspeitos, como Miguel Reale JúniorBolsonaro deixou de ser um caso de impeachment para se tornar um caso de polícia, de interdição e internação — e não na semana que vem ou no mês que vem, mas já.

Com Dora Kramer, Josias de Souza e Ricardo Kertzman

quarta-feira, 1 de setembro de 2021

A VALSA DA DESPEDIDA


Se há uma coisa que dignifica o Brasil é sua capacidade de sobreviver a maus governantes e à mediocridade do eleitorado. Dizia-se antigamente (quando o país ainda crescia) que seguíamos adiante não graças aos mandatários que tínhamos, mas apesar deles. Mais cedo ou mais tarde (torçamos para que seja mais cedo), tanto a pandemia quanto Bolsonaro vão passar (não necessariamente nessa ordem). É possível até que esse presidente já "tivesse passado" se não insistíssemos em lhe dar palanque, levando a sério as estultices que ele diz ou faz dia sim, noutro também.

Por outro lado, como ignorar um presidente que convoca um desfile de tanques defronte ao Congresso Nacional para pressionar os deputados a aprovarem a PEC do voto impresso? Se você prefere acreditar que tudo não passou de "mera coincidência", sinta-se à vontade, cara Velhinha de Taubaté. Tudo bem que a blindadociata acabou virando motivo de chacota e o retrocesso defendido pelo mandatário, sepultado não uma, mas duas vezes. Mas o assunto deu pano pra manga, e era exatamente isso que Bolsonaro queria. Por essas e outras, melhor seria impedi-lo de continuar dizendo e fazendo besteiras — por mais deselegante que seja calar um idiota, deixá-lo prosseguir é de uma crueldade a toda prova. Com o Brasil.

Observação: Vale lembrar que "idiota" significava originalmente “homem privado”, isto é, metido com seus próprios afazeres. Etimologicamente, a palavra não carrega juízo de valor, mas ao sentido de "leigo em questões do Estado" somou-se a conotação de “pessoa simples, sem instrução, iletrada”, e, mais adiante, de “pateta, parvo, tolo”. No século 19, o vocabulário psiquiátrico se encarregou de agravar o peso da palavra transformando-a em sinônimo de “retardo mental grave”. É interessante notar como aquela acepção relativamente branda de idiota — hoje inteiramente obsoleta — persistiu nas línguas que herdaram a palavra, ao lado do sentido moderno, durante a Idade Média e mesmo além dela. Dois exemplos deixam isso claro. O Webster’s registra que, em meados do século 15, o teólogo inglês John Capgrave podia se referir aos apóstolos de Cristo como “doze idiotas” sem temer a Inquisição. De modo semelhante, o filólogo brasileiro João Ribeiro conta no livro “Curiosidades verbais” que “[no século 16] havia nas aldeias portuguesas juízes idiotas, simples juízes de paz e de quem não se exigia mais que os bons costumes, a experiência, a probidade”.

O ideal seria não termos precisado apoiar Bolsonaro para evita um mal maior (que agora eu já nem sei se seria mesmo maior). Mas não vivemos num mundo ideal, e a vida nem sempre é justa. Fato é que, para escantear o patético bonifrate do presidiário de Curitiba, libertamos o ifrit do "bolsonarismo boçal", e agora não sabemos como prendê-lo de volta na garrafa. 

A técnica do capitão continua a mesma que ele vem usando desde o início de seu governo: sempre que surge um problema que transcende sua capacidade de resolver (o que, convenhamos, tem se repetido diuturnamente), Bolsonaro aciona sua usina de crises. Guardadas as devidas proporções, trata-se da mesma estratégia usada por ilusionistas de palco, que se fazem cercar de belas assistentes em trajes sumários para desviar a atenção da plateia enquanto executam seus truques de prestidigitação.    

Governar um país como o Brasil não é fácil. Sobretudo em meio à maior pandemia sanitária de toda a história recente. Mas também havia problemas quando Lula e Dilma se sentaram na poltrona mais cobiçada do Palácio do Planalto. 

Longe de mim negar que os 13 anos, 4 meses e 12 dias de gestão lulopetista produziram danos que o país levará décadas para superar, mas isso é outra conversa. Mas a questão que se coloca é a seguinte: se um retirante nordestino pobre e analfabeto (como o próprio Lula se definiu mais de uma vez), que se orgulha de nunca ter lido um livro na vida, conseguiu ser eleito Presidente em 2002 (depois de três tentativas malsucedidas, em 1989, 1994 e 1998), reeleger-se em 2006 (a despeito do escândalo do mensalão, que colocou na cadeia diversos cardiais da seita petista) e eleger um "poste" para sucedê-lo), presidir o Brasil está longe de ser uma tarefa que o escritor taubateano Monteiro Lobato — se ainda caminhasse entre os vivos e resolvesse atualizar sua obra — incluiria numa nova edição de Os Doze Trabalhos de Hércules.

Observação: A título de curiosidade, o esquema do mensalão só veio a público graças às revelações bombásticas do então deputado Roberto Jefferson (que foi preso preventivamente há pouco mais de duas semanas e denunciado pela PGR por incitação ao crime no último dia 30).

Durante a ditadura militar tal poste em curto-circuito permanente atendeu por Wanda, Lúcia e Maria. Lula levou-a à vitrine eleitoral travestida de "gerentona", mas ela não passava de uma incompetente de quatro costados. Basta lembrar que levou à falência, em apenas 17 meses, duas lojinhas de R$ 1,99 que havia montado em Porto Alegre

Só no Brasil um prodígio dessa catadura consegue, sem saber atirar, virar modelo de guerrilheira; sem ter sido vereadora, virar secretária municipal; sem passar pela Assembleia Legislativa, virar secretária de Estado; sem estagiar no Congresso, virar ministra; sem ter inaugurado nada de relevante, fazer posse de gerente de país; sem saber juntar sujeito e predicado, virar estrela de palanque; e sem ter tido um único voto na vida, virar presidanta da República (vale ressaltar que foi preciso expeli-la do cargo antes que ela acabasse de demolir a economia, mas isso também é outra conversa).

Voltando a Bolsonaro: O TSE cortou a fonte de recursos do gabinete do ódio e o ministro Alexandre de Moraes mandou prender Roberto Jefferson (que se tornou bolsonarista desde criancinha e virou carne e unha com o mandatário de turno). Chegou-se a falar até na possibilidade de prisão de Zero Dois — o pitbull da família, na definição de Zero Rachadinha Um. O próprio presidente é investigado em sete inquéritos, e a CPI do Genocídio deve arrolá-lo em mais meia dúzia de crimes. 

Há inflação alta, perspectiva de queda no crescimento e falta dinheiro para o necessário saco de bondades eleitoreiras. Paulo Guedes, mais perdido que cego em tiroteio, ora recorre (sem grande esperança) a expedientes estapafúrdios — como aumento de impostos, PEC do calote e até a venda de um tesouro cultural. Uma das perguntas que se colocam (pois há diversas) é: como alguém que é responsável um descalabro dessa magnitude ainda aspira à reeleição? Responda quem souber.

Em sua coluna na revista Veja, o jornalista Ricardo Rangel anotou que é hora de deixar Jair Bolsonaro ir embora. A meu ver, já passou da hora. A popularidade do governo despencou. A rejeição ao presidente cresceu. A vantagem de Lula, o ex-corrupto, tem aumentado dia após dia. Entidades civis, empresários, economistas já elaboraram manifestos em repúdio ao governo. Rodrigo Pacheco (que pode vir a ser pré-candidato à Presidência) passou de apoiador do despirocado a defensor da democracia. Senadores denunciaram o Passador-de-Pano-Geral da República (de quem um terço dos subprocuradores-gerais cobraram uma ação efetiva) pelo crime de omissão. Mais da metade dos ministros do STF demonstra irritação com a omissão do vassalo do capitão, mas, mesmo assim, o morubixaba da aldeia conseguiu reconduzi-lo ao comando do MPF com o aval de 55 senadores, 10 votos contrários e uma abstenção.

Para as Forças Armadas, Bolsonaro é fonte permanente de constrangimento e irritação, seja por destratar Mourão, seja por proibir a punição de Pazuello, humilhar o comandante do Exército, usar tanques para intimidar o Congresso e compactuar com um esquema de corrupção na Saúde que inclui uma dúzia de coronéis.

Assim como o escorpião da fábula, nosso indômito capitão é incapaz de agir contra a própria natureza. Sua reação à perda de apoio é mais agressividade — o que afasta ainda mais os apoiadores, alimenta as ações do Judiciário e torna mais difícil para seus aliados (ou cúmplices) defendê-lo. Ele parece mergulhado em areia movediça: quanto mais se afunda, mais se debate, e quanto mais se debate, mais se afunda. Mas também o país está na areia movediça, pois Bolsonaro nos impede de respirar. Collor e Dilma caíram por muito menos, mas o presidente da vez conta com a omissão deliberada de Augusto Aras (sempre ele!), o apoio escancarado de Arthur Lira (e do Centrão) e a aparente sustentação dos generais (não todos, é verdade). 

Aqueles que sustentam o presidente porque receberam e recebem dele inúmeras vantagens, precisam entender que o país não aguenta mais catorze meses sob um presidente que todo dia esgarça o tecido institucional. É hora de ter espírito público, sair da frente e deixar a institucionalidade seguir seu curso.

Resta saber até onde a instabilidade poderá nos levar. Dado seu viés nitidamente parlamentarista, a Constituição de 1988 buscou impedir que apenas uma força prevalecesse — de forma isolada — sobre as demais. Para tanto, limitou o poder do chefe do Executivo e impôs uma realidade multipolar de atores e de tendências. Daí por que Lula e Bolsonaro só conseguiram alguma governabilidade depois que fizeram alianças com forças políticas de outros campos ideológicos.

O molusco empreendeu uma caminhada ao centro ainda na campanha eleitoral de 2002, e consolidou-a com as ações permeadas pelo escândalo do mensalão, em 2005. Bolsonaro, que anunciou o fim do toma-lá-dá-cá, rendeu-se às coalizões em 2020 para assegurar alguma proteção política no final de sua gestão e conquistar a tão ambicionada (e cada vez menos provável) reeleição. 

Pelo andar da carruagem, Bolsonaro chegará a outubro de 2022 (caso o imprevisto não tenha voto decisivo na assembleia dos acontecimentos) como um zero à esquerda. Para quem gosta (e acredita) em pesquisas, as mais recentes dão conta de que Lula passaria para o segundo turno com 40% dos votos, deixando o capitão no chinelo (24%). Numa hipotético embate final entre ambos, o petralha venceria por 51% a 32%. Por outro lado, nunca é demais lembrar o que disse Magalhães Pinto: "Política é como as nuvens no céu; a gente olha e elas estão de um jeito, olha de novo e elas já mudaram."

Considerando o conjunto da obra, a derrota do mandatário de turno será motivo de celebração. O detalhe — e o diabo mora nos detalhes — é que, em se mantendo as atuais condições de temperatura e pressão, o pior presidente que este país já teve desde a redemocratização será derrotado pelo ex-presidente corrupto, condenado a mais de 25 anos de cadeia, que teve a ficha-suja lavada a toque de caixa e os direitos políticos restituídos num passe de mágica. E mole ou quer mais?

Noves fora os bolsonaristas de raiz, ninguém mais vê graça nas ameaças e impropérios que o mandatário de fancaria regurgita cada vez que acha uma caixa de sabão para lhe servir de palanque. No último sábado, durante o 1° Encontro Fraternal de Líderes Evangélicos de Goiás, Bolsonaro brindou os "reverendos" com a seguinte pérola: "Eu tenho três alternativas para o meu futuro: estar preso, estar morto ou a vitória. Pode ter certeza de que a primeira alternativa não existe. Estou fazendo a coisa certa e não devo nada a ninguém. Sempre onde o povo esteve, eu estive" (esqueceu-se o petulante delirante de mencionar uma quarta alternativa, que é justamente a mais provável: sua derrota).

Ao final da peroração, o "mito" levou a audiência ao Nirvana repetindo um bordão que já está ficando cansativo de ouvir, mas vá lá: "Deus me colocou aqui, e somente Deus me tira daqui". Na humilde opinião deste obscuro articulista, o Senhor das Esferas não teve nada com isso. Talvez o Diabo (falo daquele com chifres e rabo, não o de nove dedos), mas isso também já é outra conversa.

Quanto maiores as probabilidades de Bolsonaro ser defenestrado ou não conseguir se reeleger, maior e mais barulhento ficará o repertório de blasfêmias contra o estado democrático de direito, pois Bolsonaro precisa manter desperta sua tropa miliciana e estimular o assalto à democracia. Quando mais não seja porque esse é o único recurso que lhe resta (governar, na acepção da palavra, está fora de cogitação). 

Mas, cá entre nós, alguém acha que o Messias aceitará placidamente a derrota? Que "acreditará" no resultado das urnas e na lisura do processo eleitoral? Não é bem essa a impressão que se tem ao vê-lo e ouvi-lo desancar a democracia, afrontar a Constituição, tripudiar das instituições e dizer que está cagando para a CPI. O presidente exsuda autogolpe por todos os poros, e a coisa pode piorar no feriado da Independência, durante as manifestações a favor e contrárias ao desastre que ele qualifica de "seu governo".

A pergunta que não quer calar é: Por que ninguém ainda puxou o freio desse trem fantasma? Estão esperando o quê? Que a composição descarrile? Que seja preciso atirar na cabeça do maquinista despirocado para evitar que sejamos todos atropelados por sua récua de apoiadores destrambelhados? 

Responda quem souber.

sábado, 10 de julho de 2021

POLÍTICA É COMO NUVEM: VOCÊ OLHA E ELA ESTÁ DE UM JEITO. OLHA DE NOVO E ELA JÁ MUDOU

A CPI ouviu ontem o consultor técnico do Ministério da Saúde William Santana, que disse ter notado erros e pedido correções na invoice da Covaxin. Essas inconsistências já haviam sido apresentadas à Comissão e despertado suspeitas de irregularidades no contrato. A negociação, de R$ 1,6 bilhão, é alvo de investigações por parte da CPI, do MPF, da PF e do TCU, e o contrato foi suspenso pelo governo em razão dos indícios de irregularidades. Omar Aziz, presidente da Comissão, informou que a convocação de Onyx Lorenzoni ― que, segundo o relator, cometeu crime ao tentar confundir a investigação  será votada na terça-feira, e que "está chegando a hora" de promover uma acareação entre Luis Miranda e Lorenzoni

Por volta das 16h30, em resposta aos comentários de Bolsonaro sobre o processo eleitoral brasileiro, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, disse à imprensa que "o Congresso não aceitará 'retrocesso' nem 'frustração das eleições'". Bolsonaro chamou o ministro do STF e presidente do TSE de "idiota" e "imbecil" e voltou a ameaçar a realização das eleições de 2022. Barroso disse que não vai bater boca e que garante que vai haver eleição. Os ministros do STF avaliam que está na hora de o TSE dar uma resposta enfática a Bolsonaro. Ontem à tarde, por meio de nota, Barroso disse que qualquer atuação no sentido de impedir as eleições viola princípios constitucionais e configura crime de responsabilidade.

Sobre o imbróglio criado pela nota da alta cúpula militarRenan disse que a Comissão "não tem medo de quarteladas" e prosseguirá com a investigação, haja o que houver. Na tentativa de apaziguar os ânimos, Braga Netto e Rodrigo Pacheco conversaram por telefone e o senador publicou em suas redes sociais que "o episódio foi um 'mal-entendido' e que o assunto estava 'encerrado'".

O relator também fez menção à resposta de Bolsonaro à carta enviada pela cúpula da CPI. Na live da última quinta-feira, com a finesse que lhe é peculiar, o presidente disse que sua resposta ao ofício é: "caguei para CPI". Na próxima terça-feira a Comissão deve ouvir Emanuela Medrades, diretora técnica da Precisa Medicamentos. Na quarta será a vez do reverendo Amilton Gomes de Paula. Nos próximo dias devem ser ouvidos também o coronel Marcelo Blanco, ex-diretor-substituto de Logística do Ministério da Saúde, e José Ricardo Santana, ex-diretor da Anvisa. 

***

Dizem as más-línguas que, ao ser acusado de protecionismo por favorecer a porção de terra que mais adiante seria o Brasil, o Criador respondeu: “esperem para ver o povinho de merda que eu vou botar lá.” Dito e feito.

Sempre atribuí à récua de muares (leia-se “eleitorado”) a culpa pela desgraça nacional. Afinal, quem jejua de urna por 29 anos e, quando dispõe de candidatos como Mario Covas e Ulysses Guimarães, escala Collor e Lula para disputar o segundo turno tem mais que se enforcar num pé de cebola. Como não há nada tão ruim que não possa piorar (Murphy), ao caçador de marajás de araque sucederam um sociólogo emproado, um retirante analfabeto (mais tinhoso que o Cão), uma anta fantasiada de gerentona e — a cereja do bolo — o dublê de mau militar e parlamentar medíocre que superou minhas (piores) expectativas.

Dizia Jobim que o Brasil não é para amadores e Churchill, que a democracia é a pior forma de governo, à exceção de todas as outras e que a melhor argumento contra a democracia é cinco minutos de conversa com um eleitor mediano. Figueiredo (que era um sábio e não sabia) sentenciou que um povo que não sabe sequer escovar os dentes não está preparado para votar. Deu para entender ou eu preciso desenhar?

Mas não seria justo culpar (somente) o esclarecidíssimo eleitorado tupiniquim por suas mazelas. Até porque, sem ajuda externa, essa matula não é capaz sequer de encontrar o próprio rabo usando as duas mãos e uma lanterna. E é aí que entra a polarização político-ideológica: sem o lulopetismo corrupto, o bolsonarismo boçal não existiria, já que ambas as facções se retroalimentam. Mas não há mal que sempre dure nem bem que nunca termine. 

Somadas aos 530 milhões de mortes por Covid, as suspeitas de corrupção que pairam sobre um presidente que "acabou com a Lava-Jato porque não tem mais corrupção no governo" e sua total inadequação ao cargo para o qual foi eleito por absoluta falta de opção, fizeram o núcleo compacto do bolsonarismo minguar para 15% — a título de comparação, no auge de sua derrocada, Dilma, a inolvidável, contava com 20% de popularidade.

A rejeição a Bolsonaro atinge o maior índice desde janeiro de 2019. Levantamento divulgado pelo Datafolha na última quinta-feira dá conta de que 51% dos brasileiros reprovam o presidente — a pior marca registrada desde janeiro de 2019. Apenas 24% o aprovam e os que o consideram regular caíram de 30% em maio para 24%. A maioria dos entrevistados considera o capitão "despreparado", "incompetente", "desonesto", "pouco inteligente", "falso", "indeciso" e "autoritário"; 55% dizem nunca confiar no que ele diz e 70% acreditam que há corrupção no governo.

A política é a arte do possível (Bismarck), mas aturar as aleivosias bolsonarianas é quase impossível. O problema é que ninguém quer expeli-lo do cargo. Os que tencionam enfrentá-lo em 2022 acham melhor deixá-lo sangrar até as eleições. Só que pode não funcionar, como não funcionou com Lula em 2006. Com o ambiente socioeconômico favorável, o assassinato de Celso Daniel, o Mensalão, o Petrolão, a Máfia dos Sanguessugas, a CPI dos Correios, o "Mais Médicos", o Bancoop, o Gamecorp e tantos outros escândalos de corrupção foram relativizados pelo "eleitor mediano", e a "alma viva mais honesta do Brasil" não só se reelegeu como se fez suceder por um "poste" em 2010.  

Observação: Uma das especialidades do picareta dos picaretas foi inventar "postes" e, por intermédio deles, continuar mandando e desmandando no país. Certa feita, durante um jantar com comparsas, entre goles de Romanée Conti e baforadas de cigarrilhas cubanas, o molusco disse ser capaz de eleger até um poste para governar o Brasil. E elegeu mesmo: a mulher sapiens, que sem saber atirar virou modelo de guerrilheira; sem ter sido vereadora virou secretária municipal; sem passar pela Assembleia Legislativa virou secretária de Estado; sem estagiar no Congresso virou ministra; sem ter inaugurado nada de relevante fez posse de gerente de país; sem saber juntar sujeito e predicado virou estrela de palanque; e sem ter tido um único voto na vida virou presidanta.

Lula passou míseros 580 dias na cadeia, embora tenha sido condenado a mais de 20 anos em dois processos — por 10 magistrados de três instâncias do Judiciário —, e teve a ficha-suja lavada pelo mesmo STF que, em 2019, com o voto de minerva do Dias Toffoli, mudou a jurisprudência acerca da prisão em segunda instância, num julgamento sob medida para, mais adiante, anular as condenações e devolver ao jogo político aquele que lhe cobriu os ombros com a suprema toga e que ora se vende como a "esperança democrática", o fiador da "pacificação". Mi fa schifo!

Dizem as más-línguas que o petralha está eleito, que o capetão é carta fora do baralho e que não há espaço nem tempo hábil para uma "terceira via". Pode ser, mas também pode não ser. Além de não serem infalíveis, os institutos de pesquisa produzem apenas "instantâneos" do cenário atual (por atual, entenda-se o momento em que a pesquisa é realizada).

Embora ainda seja improvável, o impedimento do morubixaba da tribo vem se tornando uma possibilidade mais real, sobretudo depois que a CPI passou a expor as entranhas pútridas do governo. E ainda há muito a ser investigado, descoberto e revelado. Parafraseando o saudoso Teori Zavascki, que precedeu Edson Fachin na relatoria da Lava-Jato no STF, "puxa-se uma pena e surge uma galinha".

O impeachment é um processo eminentemente político, e o fiel da balança é a pressão popular. O povo nas ruas foi determinante para a queda de Collor, em 1992, e de Dilma, em 2016. Há mais de 120 pedidos de abertura de processo no gavetão da presidência da Câmara, trancada a sete-chave pelo deputado-réu e primeiro-ministro informal do governo. Bolsonaro também conta com o apoio do Centrão — que alugou a peso de ouro para blindá-lo dessas "inconveniências". Se o clamor das multidões continuar crescendo, mais dia, menos dia, as marafonas do Parlamento terão de rever sua posição, pois cada qual tem que pensar na própria reeleição.

Se a disputa presidencial fosse hoje, talvez o senador Omar Aziz, presidente da CPI do Genocídio, escanteasse o "mito" e disputasse o segundo turno contra o petralha ex-corrupto. O detalhe — e o diabo mora nos detalhes — é que faltam 15 meses para as eleições, e até lá muita coisa pode mudar. Como dizia Magalhães Pinto, política é como nuvem: você olha e ela está de um jeito; olha de novo e ela já mudou.