quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

PONTOS A PONDERAR (CONTINUAÇÃO)


Prosseguindo:

Arrastado de volta ao passado, o brasileiro revive hoje a ressaca dos anos 60, quando a gestão de Jânio Quadros terminou em renúncia e a de Jango — que assumiu graças ao arranjo do parlamentarismo — terminou em deposição, dando azo ao golpe militar de 64, que resultou em 21 anos de ditadura. 

A movimentação épica pelas "Diretas Já" — quarta tentativa de recomeço — decepcionou tanto os democratas, que tiveram que adiar o direito ao voto, quanto João Figueiredo, o último general-presidente da ditadura, cujo epílogo foi uma declaração patética: "o povão que poderá me escutar será talvez os 70% de brasileiros que estão apoiando o Tancredo [...] desejo que eles tenham razão [...] e que me esqueçam."
 
Tancredo Neves — quinta tentativa de reescrever a história — saltou da vitória no colégio eleitoral para a cama de hospital e terminou na cova, deixando como herança o vice José Sarney, egresso da ditadura, em cuja gestão — a sexta tentativa — a restauração democrática confundiu-se com a anarquia econômica e administrativa. 

Fernando Collor — primeiro presidente eleito pelo voto direto após a redemocratização, sétima tentativa de recomeço e primeiro mandatário da nova república a ser escorraçado pelo impeachment — demonstrou que faltou ao Brasil aprender com Jânio a desconfiar dos salvadores providenciais (como já disse alguém, os políticos mais perigosos são aqueles que se julgam salvadores da pátria). 
 
FHC, como ministro da Fazenda do governo Itamar, consolidou a mudança do regime monetário introduzida pelo Plano Real e tirou das sombras todas as precariedades nacionais que eram obscurecidas pelo descalabro inflacionário: saúde sofrível, educação precária, desigualdade inaceitável... Mas moveu mundos e fundos para aprovar a PEC da Reeleição e acabou empurrando a oitava tentativa de renascimento para uma impopularidade que mantém o tucanato longe do Poder há mais de duas décadas (em 2022, em estágio avançado de autocombustão, o PSDB desistiu de apresentar um candidato à Presidência; saiu das urnas como um pequeno partido, a caminho do nanismo).
 
Lula 1 — o nono recomeço — tornou-se um caso único de mandatário que sofreu emboscadas da Presidência quando já estava fora dela. Seu estilo de governar, firmando alianças tóxicas financiadas à base de mensalões e petrolões, revelou-se uma rendição à oligarquia política e empresarial. Após usufruir de seus dois primeiros mandatos, deixou o Planalto enfiando os dedos no favo de mel de uma taxa de popularidade de 84%. Lambendo as mãos, elegeu a sucessora duas vezes. Tentava fugir das abelhas quando foi preso.
 
Dilma — o décimo recomeço — foi vendida por seu criador como "gerentona", mas revelou-se um conto do vigário no qual o próprio Lula caiu. Entre 2013 e 2016, a economia brasileira encolheu 6,8% e o desemprego saltou de 6,4% para 11,2%. Foram ao olho da rua algo como 12 milhões de pessoas — se Lula passou à história como presidente que fez a sucessora, Dilma se imortalizou como a criatura que desfez a obra do criador.
 
Michel Temer — produto da deposição de Dilma — sonhou em passar à história como presidente reformista. Depois que tudo virou epílogo no enredo de seu mandato tampão, sobreveio Bolsonaro — o 11º recomeço — que, catapultado pelo antipetismo do baixo clero parlamentar para o Planalto, comandou o governo civil mais militar da história e consolidou esta banânia como o mais antigo país do futuro do mundo. 
 
Como uma borboleta que volta à condição de larva, o Brasil chega a 2023 arrastando atrás de si o seu passado como um casulo pesado e pegajoso. O t
erceiro mandato de Lula será a 12ª tentativa de recomeço em seis décadas, mas isso é assunto para a postagem de amanhã.