Depois do período das eleições, enfim resolvidas com a
vitória de Jair Bolsonaro, vivemos
agora o momento seguinte do calendário político como ele é entendido pelos que
perderam — o período de resistência ao resultado das eleições. Atenção: não se
trata simplesmente de fazer oposição. Trata-se de anunciar ao Brasil que os
derrotados não aceitam o resultado estabelecido pelos eleitores; não valeu,
dizem eles, porque só a gente tinha o direito de ganhar.
A palavra “resistência” soa bonito, como em filme americano
de guerra, mas naturalmente não é nada disso. Levando-se em conta a qualidade
da oposição política atual, o que vem à cabeça na hora, quando a palavra
“resistência” é utilizada pelo PT, é
resistência de chuveiro elétrico ou de chapa para fazer tostex — pois não dá
para ninguém pensar a sério, realmente, que o Sistema Lula-PT-Esquerda vá resistir a alguma coisa gritando “Bom
dia, presidente Lula”, na frente da
cadeia de Curitiba, ou negando-se por “tradição democrática” a cumprimentar o
candidato que a população elegeu. Mais ainda, surgem suspeitas de pane nos
circuitos mentais do PT quando o
partido entra na Justiça com um pedido de “anulação das eleições”, ou exige do STF a libertação imediata de Lula porque o juiz Sergio Moro foi escolhido como futuro ministro da Justiça de Bolsonaro. Isso não é resistir. Isso
não é nada.
A soma de todos esses esforços que pretendem contestar o
novo governo se resume ao seguinte: continuar defendendo tudo o que a maioria
do eleitorado acaba de condenar com o seu voto, e dobrar os ataques contra tudo
o que o eleitorado acaba de dizer que aprova. É uma coisa extraordinária. A
maioria dos brasileiros decidiu, de uma maneira talvez mais clara que em
qualquer outra ocasião na história recente do país, o que quer e,
principalmente, o que não quer. A “resistência” vai na direção exatamente
oposta. É como se não tivesse acontecido nada em 28 de outubro de 2018 — ou,
mais ainda, é como se Bolsonaro
tivesse perdido as eleições e o PT
tivesse ganhado. O resultado é o que aparece todo dia no noticiário: uma
coleção de alucinações, que a imprensa quer desesperadamente que você leve a
sério, apresentadas como se fossem ações de combate contra o “avanço do
fascismo” etc. etc. Que ações? Que combate? Vai saber. Qualquer coisa serve.
Temos, assim, jornalistas da Rede Globo defendendo a ideia
de que a polícia não deve ser autorizada a atirar num sujeito que está no meio
da rua com um fuzil automático na mão. Seu argumento: como se vai provar que
essa pessoa está realmente com más intenções? E se ela não quer atirar em
ninguém? E se o fuzil não for um fuzil, e sim um guarda-chuva? À primeira
vista, parece que alguma coisa deu errado — que diabo essas moças estão
falando? Mas não: é isso mesmo. No ato seguinte, aparece uma especialista-técnica
em “políticas públicas de segurança”, ou algo assim, e nos informa que os
bandidos têm o direito de carregar fuzis para se defender da polícia e
garantir, com isso, a sua legítima defesa.
Na mesma emissora, uma apresentadora subiu um degrau a mais
no “nível de lutas”, como se diz, e falou na necessidade de sabotagem. “Vamos
sabotar as engrenagens deste sistema de opressão”, pregou ela no ar. “Vamos
sabotar este sistema homofóbico, racista, patriarcal, machista e misógino” —
palavra hoje na moda, essa última, que metade do público não sabe o que
significa. O exame do Enem, uma semana depois da eleição, fazia uma pergunta
sobre a linguagem privada dos travestis e suas raízes no idioma iorubá.
Educadores apresentados como “antifascistas” comemoraram a inclusão da pergunta
como uma importante derrota da direita conservadora e do novo “governo
autoritário”.
Na mesma batalha para ficar no lado contrário ao do eleitor,
o PT acha inaceitável que Moro tenha sido convidado para ministro
da Justiça — uma prova, segundo a alta direção petista, de que a condenação de Lula foi uma “jogada” com Bolsonaro. De todos os problemas com
essa ideia, o pior é que mais de 80% da população aprovou a ida de Moro para o novo governo.
Não é só o PT que
está na “resistência”. A ministra Cármen
Lúcia, depois de embolsar mais um aumento abusivo no próprio salário,
lamentou a mudança “perigosamente conservadora” na situação política. Fernando Henrique, no exterior, faz
campanha contra o novo governo — e por aí vamos. É a tal “superioridade moral”
que os derrotados atribuem a si próprios. O que todos eles estão dizendo, na
prática, é que o povo brasileiro, mais uma vez, votou errado.
Texto de J.R. Guzzo.